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Os Quatro Reinos, volume II. O Reino de Akra
Os Quatro Reinos, volume II. O Reino de Akra
Os Quatro Reinos, volume II. O Reino de Akra
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Os Quatro Reinos, volume II. O Reino de Akra

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About this ebook

Os exércitos de Balh atravessaram o oceano Tírsico com a intenção de afastar a guerra da sua população. Kurt e seus amigos entrarão no perigoso e inóspito reino de Akra, onde reside um mal ancestral que permanece vigilante e não hesitará em acabar com aqueles que ousem pisar em seus domínios. Kroun o Dobrador de Almas, dirige os destinos dos habitantes de Akra, desde tempos imemoriais. Sua arma mais mortífera não é a enorme quantidade de tropas ou seus monstros colossais, mas feiticeira Silerva, cujos poderes sombrios não conhecem limites. Kurt deverá unir os povos humanos divididos de Akra. Mas a verdadeira luta do portador da luz será travada em seu interior. O amor e o ódio se enfrentarão em uma batalha mais feroz e impiedosa do que qualquer outra. Aqueles subjulgados pelo Dobrador de Almas serão capazes de recuperar o controle dos seus destinos? A aventura continua...

LanguagePortuguês
PublisherBadPress
Release dateDec 4, 2019
ISBN9781071524343
Os Quatro Reinos, volume II. O Reino de Akra

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    Os Quatro Reinos, volume II. O Reino de Akra - Luis Antonio Guardiola Alcalá

    O reino de AKRA

    Os quatro reinos • Volume II

    ––––––––

    LUIS GUARDIOLA

    Copyright © Luis Antonio Guardiola Alcalá

    Título: Os quatro reinos, volume II. O reino de Akra

    Autor: Luis Antonio Guardiola Alcalá

    Corretor: Cosmin F. Stircescu

    Capa: Javier Charro

    Primeira edição: Setembro de 2016

    Nº de registro na propriedade intelectual: A-227-2016

    ––––––––

    Não é permitida a reprodução total ou parcial deste livro, nem seu processamento em computador, nem a sua transmissão de nenhuma forma ou por qualquer meio seja eletrônico, mecânico, por fotocópia ou outros métodos sem permissão prévia e por escrita do autor.

    Para minha mulher, Vanesa. Obrigado por tua ajuda. Ainda temos muito mais aventuras para desfrutar nesta terra inóspita chamada realidade. Ao teu lado tudo tem sentido e não haverá dragão, mórkul ou feiticeira que possa nos separar.

    Para minha família, que sempre está aqui para me apoiar (tanto física como politicamente).

    Para meus amigos, cujos conselhos e encorajamento me estimulam a seguir adiante

    E por ultimo para todos os jovens (não de idade, mas de coração), meus alunos ou não, que esperavam com ansiedade esta segunda parte.

    Este livro consumiu uma grande parte da minha vida. Foram muitas noites sem dormir, muitos finais de semana com a mente longe de casa. É hora de descansar (ao menos por um tempo) e que você, querido leitor avalie se tudo isso valeu a pena.

    Akra te espera... Deixe-se levar...

    mapa o mundo de balh.jpg

    LIVRO QUARTO

    «Sempre haverá um ganhador e um perdedor nesta vida. Quanto mais perto estejam os adversários da vitória pior será, sem dúvida, a derrota».

    Sartas Nein

    Capítulo 1

    A travessia

    ––––––––

    Gárald passeava o olhar pelo horizonte, que começava a adquirir uma infinidade de tons alaranjados e violáceos. A brisa suave acariciava com delicadeza seu rosto severo e mexia seus longos cabelos loiros. Fazia semanas que havia deixado à barba crescer, que junto com seu aspecto cansado fazia com que aparentasse muitos anos a mais do que na realidade tinha. Seus olhos grandes e azulados observavam impassíveis como um novo amanhecer saia ao seu encontro. Nem sequer lembrava o número exato de dias que haviam transcorrido desde que partiram do porto de Barkun, a ultima cidade a oeste do reino de Balh.

    Gárald estava apoiado no corrimão a estibordo de um galeão, também conhecido como o barco do rei. Era uma majestosa embarcação com três mastros de cujas vergas pendiam enormes velas curvadas pela força do vento. Quase em sua totalidade havia sido construído com madeira de carvalho, embora seus mastros fossem de pinheiro. O governador de Barkun havia presenteado Gárald, garantindo que não existia melhor navio em todo o reino de Balh.

    Passadas as duas primeiras semanas de viagem entre contínuos enjoos, seu corpo acabou por se habituar à turbulência do mar. Mas sua mente estava inundada pela saudade. Nunca houvera imaginado que sentiria tanta falta da terra que o viu nascer. Ele ainda podia lembrar como se tão só houvesse transcorrido um único dia desde sua entrada triunfal na cidade de Monsa, declarada nova capital de Balh. Podia inclusive escutar com clareza o som de centenas de trompetes prateados que tocavam no seu caminho, enquanto os cidadãos vindos de todos os lugares do reino aplaudiam e jogavam flores durante o percurso.

    Gárald fechou os olhos para que suas lembranças fossem mais vívidas ainda. Pode observar como as pessoas se amontoavam em torno da escadaria da sala do trono de Monsa. No alto se encontrava Górmik Frong, grande mestre da extinta biblioteca de Laros. Lembrava-se do olhar de orgulho que lhe lançou ao colocar sobre sua cabeça a coroa que lhe outorgava de forma oficial o título de rei de Balh, o primeiro rei dos homens. Também como Kurt e Lansa, ostentosamente vestidos para a ocasião, aplaudiam junto com Tini, Filop e um bom número de habitantes de Cárik, entre os quais se encontravam Thursel e Toki. Crion estava rodeado por uma boa representação de cavaleiros de Laros, cujas armaduras resplandeciam ao serem atingidas pelos raios de sol. Também Górmik e seus dronks honraram o novo rei, para assombro de todos os presentes.

    Representantes de todos os exércitos que haviam participado da batalha presidiam a cerimônia. Aquele dia, declarado como o da coroação, seria lembrado e celebrado para sempre em todos os cantos do reino. O banquete e a posterior festa foram de acordo com a magnitude do acontecimento. Os presentes desfrutaram de saborosos manjares e deliciosos vinhos temperados com boa música. Isto fez com que a celebração fosse prolongada até o amanhecer do dia seguinte

    A alegria que Gárald sentiu naquele histórico momento nada tinha haver com o fato de ter sido proclamado rei de Balh. Mas sim devido a que aquela coroação simbolizava a libertação do reino, e a tomada do controle de seus destinos por parte dos homens.

    Antes de partir Gárald nomeou a Crion Grúfer senhor de Balh, por reconhecer sua coragem em batalha e devolver a honra que antigamente seu sobrenome tinha. Ele seria o encarregado de administrar o reino em sua ausência e preparar as defesas para um possível ataque inimigo, mas não foi fácil para Gárald convencê-lo a assumir tal tarefa, pois Crion queria partir junto com seu rei.

    — Rei Gárald, o capitão do navio informa que se continuarmos na velocidade atual, amanhã ao amanhecer nós chegaremos ao nosso destino — disse Grómund, tirando Gárald de seus devaneios.

    — Ele disse a mesma coisa ontem e anteontem. Preciso pisar em terra firme, embora duvide que lembre como é andar por ela sem estes encantadores vai e vem. Juro por Klónux que nunca voltarei a subir em um barco a menos que seja para voltar para meu lugar.

    Grómund se dispunha a sair depois de ouvir o desabafo de Gárald, quando uma serpente passou a pouca distância de sua cabeça.

    — Bom dia! — exclamou Kurt da sela de Trino.

    — Ai está à felicidade personificada — falou Gárald enquanto observava como o ginete se elevava mais alto —. Todo mundo anda inquieto pelo destino para o qual nos encaminhamos, e ele está tão contente.

    Logo Filop e Tini se unirão a Kurt e a outros dronks que sobrevoavam a frota. Era mais de quatrocentos navios, de todos os tamanhos e modelos que sulcavam o oceano Tírsico rumo ao oeste. Muitos haviam sido construídos para a ocasião, os demais foram emprestados ou requisitados.

    Após o amanhecer ginetes montados em serpentes estabeleceram um perímetro de segurança ao redor da frota. Deviam evitar a todo custo serem detectados por algum espião inimigo, pois necessitavam do efeito surpresa ou teriam dificuldade para atracar.

    A Kurt encantava sobrevoar aquelas águas azuladas. Não havia dia que não avistava os grupos de baleias, que emergiam da água com assombrosa agilidade para golpear a superfície do mar com suas barbatanas traseiras, o que provocava uma formidável explosão de água. Também o encantava contemplar os golfinhos, que nadavam junto aos barcos como se houvessem se unido a causa e os guiassem para o destino. Sem mencionar os cardumes de peixes, que observava mais de perto do que ele gostaria, pois Trino descia sobre eles quase mergulhando para pegar os mais descuidados, fazendo com que se molhasse quase por completo.

    Foram quase seis meses desde que a Torre Branca caiu e um mês e meio desde que iniciaram a travessia. Em todo esse tempo não haviam encontrado rastro algum do inimigo. Kurt se mantinha alerta. Cada dia sulcava os céus aguçando seus sentidos; mas aquele novo voo ia ser diferente dos anteriores.

    Após adiantar-se sozinho para o oeste, observou o que parecia ser uma pequena ilha cujo tamanho ia aumentando conforme se aproximava. Ao invés de informar a descoberta, decidiu investigar por sua conta. Sentia um irrefreável desejo de explorar aquele misterioso lugar mais de perto. Não sabia dizer se era ocasionado pela irresistível necessidade de pisar em terra firme, ou alguma estranha magia que o atraia.

    Grandes nuvens de vapor emergiam da margem. Ao sobrevoar o lugar pode contemplar como vários rios de lava vermelha percorriam o lado leste da ilha. A origem destes se encontrava a tão só quatro quilômetros de distância. Suas encostas, recoberta por um manto acinzentado e esfumaçado, faziam com que aquela terra parecesse ter sido tirada de um horrível pesadelo.

    Kurt sobrevoou a cratera e, após sentir como a temperatura do ambiente se tornava insuportável, se dirigiu para oeste. A paisagem parecia repetir-se ao seu redor. Milhares de rochas afiadas sobressaiam do solo arenoso. Quando já se dispunha a dar meia volta, descobriu aquilo que escondia a outra parte da ilha. Atrás de uma enorme cordilheira que parecia manter o vulcão na fronteira, se achava um manto verde só cortado pelos rios e lagos que se distribuíam de maneira harmoniosa pela sua superfície. Altas e poderosas montanhas envolviam e protegiam aquele oásis cheio de vida. A ilha era composta por duas metades bem distintas.

    Kurt decidiu aterrizar na encosta de uma montanha, onde davam voltas entre a vegetação dois pequenos rios que desembocavam em cachoeiras com cerca de trinta metros de altura. Na borda deste, Trino saciou sua sede enquanto o ginete se reencontrava com a agradável sensação de pisar um terreno estável. Abaixou-se e dedicou uns minutos para tocar as pedras e acariciar a terra solta do solo. Depois entrou no bosque, curioso para conhecer os segredos escondidos. As raízes das árvores cobriam por completo o solo, como se fosse milhares de serpentes. Havia uma grande quantidade de vida. Kurt contemplou animais e insetos — que nunca antes havia observado — ocupados em sua rotina diária. Pássaros de cores vivas davam voltas sobre ele emitindo cantos curiosos, enquanto que uns animais peludos que identificou como sendo esquilos de tamanho grande, saltavam de galho em galho para fugir da sua presença enquanto alertavam o resto da manada.

    Quando se dispunha a voltar para junto de Trino teve um mau pressentimento. Percebia uma estranha sensação de desespero que vinha de algum lugar próximo, como se alguém estivesse em apuros. Decidiu entrar um pouco mais na floresta e, ao chegar ao alto de uma pequena colina, observou na distância uma clareira. Estava repleta de cabanas rudimentares de madeira que se assemelhavam a grandes cogumelos: a base tinha forma circular e seu teto era amplo e um pouco abobadado.

    Kurt observou detidamente cada pedaço da aldeia. A estranha sensação que sentia vinha sem dúvida alguma desse lugar. Escutou gritos e gemidos e viu que algumas dessas cabanas começavam a queimar. Não conseguia olhar com clareza o que estava acontecendo ali abaixo, assim que decidiu descer o mais rápido possível até aproximar-se dos limites do misterioso povoado.

    Cada vez queimavam mais cabanas. Os gemidos pareciam mais e mais próximos. Uma mulher surgiu da fumaça espessa. Estava de costas para Kurt e empunhava uma lança. Caminhava para trás com muita cautela, como se temesse aquilo que se escondia do outro lado da fumaça. De repente, dois olhos amarelados se fizeram visíveis entre a fumaceira e, atrás deles tomou forma um espantoso ser de pele esverdeada. Sua cabeça era sem pelos e destacada por uma testa proeminente. De ambos os lados se encontravam enormes orelhas pontiagudas. Aquela criatura possuía um par de olhos esticados que foram afundados em órbitas oculares, enquanto que seu nariz era grosso e achatado. A mandíbula sobressaia da cabeça e estava provida de longos e finos dentes. Tinha braços e pernas semelhantes ao dos humanos, mas tanto estes como seu torso eram finos e alongados. A criatura caminhava um pouco curvada e não media mais que um ser humano médio.

    Aquele ser portava uma espada curva que empunhava ameaçando a mulher. De entre a espessa fumaça surgiram outros quatro indivíduos semelhantes ao primeiro com duas espadas. A desvantagem numérica era clara. Antes que Kurt pudesse intervir, a misteriosa mulher jogou sua lança e atravessou a garganta de um dos seus inimigos, que caiu inerte no chão. Os demais tentaram atacá-la, mas antes que pudessem sequer tocá-la, a mulher guerreira começou a girar a lança em círculos para mantê-los sob controle.

    A lança se movia cada vez mais devagar conforme as forças da mulher iam se esgotando. Os quatro seres, que a rodeavam, emitiram um sonoro grunhido e atacaram ao mesmo tempo. Um deles caiu degolado pela lança, mas o seguinte deteve o movimento giratório desta e a arrebatou da mulher, que caiu esgotada.

    Antes que uma das horríveis criaturas acabasse com a vida da mulher, Kurt surgiu de seu esconderijo e atravessou com a espada de seu pai um deles. As outras criaturas, surpreendidas, começaram a atacar ele com seus sabres, mas Kurt contra atacou os golpes. Um berro ecoou no céu e uma das criaturas desapareceu ao ser agarrada pelas garras de Trino, que não titubeou em soltar sua presa de grande altura sobre um monte de rochas afiadas.

    Antes que Kurt pudesse acabar com o ultimo adversário, o ser arregalou seus olhos rasgados enquanto a vida o abandonava. A mulher o havia atravessado com sua lança a partir do chão. Foi então quando Kurt pode ver seu rosto. A primeira coisa que observou foi a cor dos seus olhos verde esmeralda. Seu nariz fino e cinzelado dava passagem a lábios carnudos que se mexiam pela respiração entrecortada. Ela levantou-se com a ajuda da lança, deixando ver sua pele morena e seu cabelo curto e um pouco encaracolado. Kurt ficou absorvido por um instante ao observar o corpo sinuoso da jovem que, igual ao seu rosto, possuía uma beleza selvagem.

    — Obrigada. — A voz suave da mulher tirou Kurt da sua paralisia.

    — De... nada — conseguiu dizer ele.

    — Eu me chamo Leda. E quem é você? De onde saiu?

    — Sou Kurt Brent. Ouvi os gritos e pensei que precisavam de ajuda — explicou enquanto Trino pousava ao seu lado.

    —  Esse dragão é seu? — perguntou Leda um pouco inquieta.

    —  Sim, mas na realidade não é um dragão... é uma serpente.

    —  Preciso ir além da selva, você pode me levar? — pediu Leda para surpresa de Kurt — É muito urgente!

    —  Claro — concordou Kurt enquanto montava em Trino e convidava a jovem para que subisse nas suas costas.

    A serpente levantou voo e seu amo seguiu as indicações de Leda, que parecia muito inquieta.

    —  Aonde você quer ir? — perguntou Kurt.

    —  Temo pelo destino do meu povo. Eles abandonaram a toda pressa o povoado e deveriam estar a salvo no templo sagrado.

    Kurt apressou o voo de Trino, que entrou nos picos das incontáveis montanhas cobertas por uma espessa vegetação. Entre tantos picos havia um que se destacava entre seus irmãos. Em seu pico havia uma planície que abrigava um edifício construído por blocos de pedra megalíticos que pareciam cravados na própria montanha. Mas o que mais impressionou Kurt e Leda não foi a colossal edificação, mas as centenas de corpos sem vida que havia espalhados por toda a cúspide da montanha.

    Trino pousou junto ao templo, enquanto Leda guardou um contido silêncio para observar todo aquele massacre. Desceu da serpente abatida. Conseguiu dar alguns passos antes de cair de joelhos e começar a gritar de pura raiva.

    — Contenha-se Leda! — exclamou Kurt — Pode ser que ainda estejam por perto.

    — Pois que venham! Prefiro morrer aqui, junto ao meu povo, e levar comigo o maior número possível de inimigos— respondeu Leda furiosa —. Obrigada estrangeiro, mas agora você deve ir.

    Vários berros agudos que vinham do matagal pareciam responder o grito da jovem, que já havia se levantado, girando sua lança desafiadoramente.

    — Se o que você quer é vingança eu posso proporcioná-la, mas não desperdice sua vida de uma forma tão inútil — tentou convencê-la Kurt —. A poucos metros, em alto mar, se encontra uma frota que transporta um poderoso exército do qual faço parte. Nosso objetivo é acabar com o mal do reino de Akra e libertar os humanos que se acham oprimidos. Nós poderíamos usar teus conhecimentos e ajuda para tão arriscada missão.

    Leda virou seu rosto e observou detidamente Kurt. Examinou seus olhos esverdeados, que comparados com a cor viva dos seus pareciam um verde apagado. Também se fixou em seu rosto, que era diferente de qualquer homem que tivesse visto antes, seus traços eram menos rudes e mais perfilados. Observou seus longos cabelos escuros e o que para ela pareceu uma pele esbranquiçada, símbolo de doença em sua terra.

    — Não tem pinta de guerreiro, mais parece um garoto — provocou ela.

    — Não se confunda pelas aparências. — Kurt sustentava o olhar inquisitivo da jovem.

    Leda voltou a olhar para a selva. Depois de vacilar uns instantes e de cuspir no chão, voltou para o lombo da serpente junto a Kurt.

    — Você salvou minha vida e agora me coloco em tuas mãos. Ajudarei na tua missão, pois agora só me resta a vingança — disse ela com voz firme.

    Trino, esporeada por Kurt, levantou voo e se afastou daquele lugar justo antes que a esplanada fosse invadida novamente por aquelas criaturas verde.

    — Quem são esses seres? — perguntou Kurt.

    — Não existe na tua terra? — estranhou Leda —. São grilos, eles sempre têm vivido no interior da selva. Alimentam-se de humanos, daqueles que se afastam muito dos povoados enquanto coletam alimentos ou plantas. Nos últimos dias seu número tem se multiplicado e começaram a atacar todos os povoados humanos da zona. Não são movidos pela fome, somente querem matar... nos exterminar. Nós os sobreviventes nos reunimos em Trovil, o único povoado que restava em pé e decidimos ir para o templo sagrado, o lugar mais seguro da ilha, pois conta com paredes sólidas atrás das quais podíamos nos abrigar. Alguns ficaram para distrair os grilos enquanto os mais fracos tentavam chegar ao templo; mas tudo saiu errado... Eu perdi a minha família... e todos os meus amigos...

    As palavras de Leda se apagaram em sua garganta e as lágrimas começaram a cair dos olhos da jovem.

    — Você não é a única que sofreu tal infortúnio — disse Kurt com voz suave —. De onde eu venho o reino de Balh, ali também temos sofrido grandes perdas antes de ganhar nossa liberdade. Agora te levarei para junto dos meus amigos, e quando tiver recuperado tuas forças pensaremos em como devolver o dano que essas criaturas têm causado.

    Leda não respondeu as palavras de Kurt, que sentiu como o corpo da jovem ficava inerte nas suas costas e, se não houvesse sido por sua rápida reação ao segurá-la ela teria caído da serpente e se precipitado no imenso oceano.

    — Descanse Leda, eu mais do que ninguém sei como deve sentir-se agora. Eu te protegerei...

    Já estava no meio da tarde quando Kurt se encontrou durante seu voo de regresso com Grómund, cujos frios e reluzentes olhos azuis pareciam mais severos do que o normal.

    — Grómund, descobri uma ilha a oeste. Tive sorte e consegui resgatar a...

    — Guarde tuas explicações para Gárald — atalhou o dronk —. Ele me mandou te procurar, pois temia que algo tivesse acontecido. Temo que tua excursão não tenha graça nenhuma.

    — Vamos voltar com a frota.

    Quando Kurt voltou ao barco do rei encontrou-se com Gárald, Tini e Filop que o esperavam na cobertura. O olhar severo deste ultimo, seu grande amigo, estava cravado nele. Havia conseguido perder um pouco de peso graças ao racionamento de comida que o rei decidiu impor, temeroso que a travessia fosse prolongada mais do que o normal.

    — Pode-se saber onde esteve? — perguntou Filop mal humorado. Seus cabelos loiros eram agitados pela brisa marinha.

    — Nós estávamos muito preocupados! — acrescentou Tini no mesmo tom —. Passamos horas te procurando em alto mar. — Seus pequenos olhos castanhos o miravam com frieza. Inclusive sua face aparentava estar mais branca do que o habitual. Antes de embarcar rumo a Akra ele tinha raspado a cabeça por completo, mas após várias brincadeiras de seus amigos, deixou que seu cabelo castanho voltasse a crescer.

    — Não posso acreditar — disse Gárald ao ver a jovem que estava com ele —. Felicito-te, conseguiu pescar uma mulher no meio do oceano. Sem dúvida, Kurt, teus encantos têm aumentado.

    — Vamos deixar as brincadeiras para mais tarde — se zangou Kurt. Ela está exausta e acho que está febril. Precisa de repouso e cuidados.

    Tini, Fikop levem ela para um dos camarotes e avise o médico — ordenou Gárald sem deixar de olhar com severidade para o recém-chegado —. Eu ficarei aqui com Kurt para que me explique o porquê das suas ações.

    O rei escutou impassível o relato de Kurt sobre tudo o que aconteceu em sua visita àquela ilha.

    — Você está consciente de que colocou em perigo toda nossa missão? Falou reprovando-o quando terminou.

    — Não acho que...

    — Silêncio! Não terminei de falar. Você expôs a todos nós. Pode ser que o inimigo tenha te seguido e que esteja consciente da nossa posição. Basta que algum desses seres informe ao seu senhor que viu uma serpente e um humano. Podem associá-lo conosco e com nossas intenções. Para não falar que desobedeceu minhas ordens de não entrar sob nenhum pretexto em terreno inimigo, e de informar o mínimo avistamento de terra.

    — Gárald, eu...

    — Não, Kurt! Você perdeu esse privilégio ao comportar-se como uma criança. A partir de agora para você serei rei Gárald. Fique confinado no teu camarote até que eu decida o contrário. Acabaram as excursões aéreas. Você perdeu minha confiança — disse com severidade Gárald —. Quando essa mulher acordar teremos uma reunião para comprovar se possui alguma informação valiosa.

    — Me desculpe rei Gárald. Acho que não fui muito consciente dos meus atos. Suponho que Lansa está igualmente zangada.

    — Eu preferi não dizer nada até ter notícias suas. Você mesmo poderá contar a tua pequena aventura quando voltar

    Capítulo 2

    Uma reuniÃo tensa

    ––––––––

    Aquela noite Kurt não conseguia conciliar o sono. Não era devido aos contínuos vai e vens do barco, nem mesmo o exasperante rangido da madeira, pois há tempos havia se acostumado. As reprimendas de seus amigos havia diminuído seu ânimo. Agora que dispunha de tempo para pensar detidamente em seus atos, ele não entendia o que o havia levado a abandonar a vigilância e entrar no interior daquela ilha. «Talvez eu não seja tão maduro como acreditava», pensou.

    A chama das velas se balançava com cada movimento do barco, quando alguém chamou na porta do camarote.

    — Senhor, o rei Gárald requer sua presença — disse um guarda do outro lado.

    Kurt se apressou em arrumar-se um pouco e percorreu os estreitos corredores de madeira até chegar ao camarote do rei. Apesar da rapidez com que atendeu, foi o ultimo a chegar à reunião, sinal evidente de que havia também sido o ultimo a ser avisado. Em torno da mesa repleta de mapas se encontravam Gárald, Grómund e Lansa. Fazia muitos dias que Kurt não via a jovem. Gárald havia nomeado ela como general e líder dos famosos arqueiros de Tunia, com os quais passava quase todo o tempo. Todos os dias ela percorria os numerosos barcos ocupados por seus homens, preocupando-se com o bem estar deles ou dando uma ou outra ordem. Logo ganhou sua confiança, não só porque o próprio Ténser, o anterior líder, lhe houvesse entregado seu arco de alfarrobeira negro em seu leito de morte, mas também porque sua determinação e dom de comando ficavam evidentes a cada instante.

    Quando não se encontrava junto a seus homens, Lansa passava o tempo em solidão acariciando seu arco, como se esse tivesse se convertido em uma parte de si mesma. Fazia tempo que a jovem havia deixado de sorrir e, presentear com seu bom humor todo aquele que a rodeava. Parecia que seu coração havia escurecido por algum motivo que ninguém conseguia adivinhar. Nem assim sua atração, que não fazia mais do que aumentar, ao menos isso parecia para Kurt cada vez que se encontrava junto a ela. Quase sempre prendia seus longos cabelos dourados, deixando descoberto seu rosto agraciado, o qual mostrava uma inusitada firmeza que, junto com seus grandes e penetrantes olhos azuis, lhe conferiam uma beleza sem igual.

    Após lançar um olhar furtivo para a jovem, que ela não devolveu, Kurt tomou assento sob o olhar atento de Gárald.

    — Obrigado por obedecer minhas ordens, general Kurt — disse Gárald de maneira burlesca —. Acho que podemos prosseguir... Guardas! Tragam a jovem.

    — Já acordou? Está melhor? — interessou-se Kurt.

    — Sim. Parece que só precisava de descanso. Ainda assim nossos assuntos não podem demorar por mais tempo. Ainda mais quando faz semanas que não temos notícias de teu amigo misterioso Áracel.

    — Ele nunca aparece a não ser que tenha algo importante para dizer — assegurou Grómund.

    — Só espero que não tenha se perdido entre as sombras nas quais habita — acrescentou Gárald.

    A porta se abriu e os guardas conduziram Leda até a mesa. A jovem parecia confusa e ainda não mantinha muito bem o equilíbrio. Ao ver Grómund ficou petrificada, pois parecia que nunca antes tinha visto um dronk. Repassou com o olhar, temerosa, aquele enorme ser de pelos negros que a olhava com penetrantes olhos azuis e que mostrava um ameaçador e proeminente focinho repleto de presas afiadas.

    — Não se preocupe Leda, é um amigo e está do nosso lado — tentou tranquilizá-la Kurt enquanto os guardas a acomodavam em uma cadeira junto a ele.

    — Bem vinda... — começou Gárald.

    — Leda, meu senhor — terminou a jovem.

    — Bem vinda, Leda. Kurt nos contou as circunstâncias em que a encontrou. Quero expressar meu pesar pelo que aconteceu com o teu povo. Nós entendemos bem teu sofrimento, pois vivemos isso em nossa própria pele e é o mesmo que nos impulsionou a atravessar o oceano Tírsico e chegar até aqui. Apesar do delicado momento que sem dúvida está atravessando, temos a imperiosa necessidade de que nos proporcione toda a informação que possa ser de utilidade para alcançar nossos objetivos.

    — Eu direi tudo o que sei, pois compartilhamos o mesmo objetivo — disse Leda reunindo as forças que lhe restavam —. A ilha onde eu vivia se chama Prisil, junto a ela se acha sua gêmea Contril. Mais a oeste se encontra a grande ilha de Fastak. Eram muitas aldeias que existiam ali, ajudávamos uns aos outros e sobrevivíamos ao ataque dos grilos. Mas dias atrás começamos a observar como barcos e mais barcos chegavam à ilha. Centenas, talvez milhares de grilos, tomaram primeiro a costa e depois se internaram na selva acabando com tudo o que encontravam pelo caminho.

    Leda abaixou o olhar e fechou os punhos com raiva.

    — Você acha que Contril e Fastak tiveram a mesma sorte? — perguntou Gárald impassível diante do sofrimento de Leda.

    — Sim. Contril sim. Vimos numerosas colunas de fumaça sair do seu interior — assegurou a jovem —. Fastak com toda certeza também, pois Prisil e Contril são muito pequenas em comparação com Fastak e se atacaram nossas pequenas e insignificantes ilhas, não me resta a menor dúvida de que a grande ilha foi seu primeiro objetivo.

    — O que pode nos dizer sobre o reino de Akra? — interferiu Grómund.

    — Não sei muito na verdade, pois nunca conheci ninguém que tivesse estado ali. Só posso dizer o que as lendas mencionam — respondeu Leda.

    — Isso seria de grande ajuda — falou Gárald.

    — O reino de Akra se encontra dividido em três grandes regiões — os olhos de Leda adquiriram um brilho escuro e seu tom de voz se tornou misterioso como se narrasse uma estória antiga —. A região que se situa mais ao sul é governada pelos irmãos Fárkar e Rásur, pertencentes à extinta raça dos horlans e dotados de uma crueldade inimaginável. A região central é governada por Silerva, a feiticeira. É humana, ou pelo menos isso se diz dela. Existem muitas estórias sobre essa feiticeira que não contarei hoje. Por ultimo, a região norte, onde se encontra o amo e senhor de Akra. Seu nome é Kroun e tem sua morada no interior da Montanha Maldita. A sua direita se encontra Zor o senhor dos leões. A sua esquerda Sefis a serpente gigante, a mais mortífera e astuta das bestas.

    Um silêncio tomou conta do camarote. Era como se os ânimos houvessem abandonado os corpos dos presentes.

    — Pode nos dizer mais alguma coisa sobre esse Kroun? Falou Kurt rompendo o silêncio.

    — Temo que não — disse Leda tentando lembrar —. Talvez só sejam contos para assustar as crianças.

    — Agradeço a informação que nos deu, Leda — disse Gárald —. Não roubarei mais tempo da tua recuperação. Guardas! Acompanhem Leda ao seu camarote e deem tudo aquilo que ela precisar.

    — Obrigada por me acolher em seu barco, rei Gárald — disse a jovem antes de abandonar o aposento.

    — Guarde teus agradecimentos para Kurt, a quem sem dúvida deves o fato de estar viva — retrucou Gárald enquanto lançava um olhar frio ao acima mencionado, contrastando com o olhar agradecido que Leda dedicou ao jovem.

    Uma vez que a garota havia saído do camarote, a reunião reiniciou.

    — Não nos deu muita informação — disse Lansa, que havia permanecido em silêncio durante o relato —. Só falou de lendas e contos para crianças.

    — Se engana querida — disse com calma Gárald —. Foi de muita utilidade.

    — Explique — pediu Lansa.

    Gárald se levantou da mesa e começou a andar ao redor desta, absorto.

    — O que sabemos com certeza? Sabemos que essas três ilhas foram invadidas pelos soldados de Kroun. Ilhas que tem vivido em relativa paz durante muitos anos. Talvez tenha sido só uma casualidade que isto tenha ocorrido com a nossa chegada.

    — Não — contestou Lansa, adivinhando aonde queria chegar Gárald.

    — Sabem que estamos aqui — Kurt disse o que todos pensavam.

    — Exato! — confirmou o rei —. O qual te exonera em parte, pois a tua pequena aventura cavalheiresca não delatou ao inimigo a nossa posição. Já sabem que viemos e mais, não faria mal supor que também conhecem nossa posição atual, por isso tomaram as ilhas, para que não possamos atracar em suas costas e nos abastecermos com mantimentos. Eles nos esperam e não querem que nos entretenhamos no caminho.

    — Deveríamos voltar — sugeriu Grómund.

    — Talvez, estimado amigo, os dronks sob teu comando possam suportar a viagem de volta sem alimento — disse Gárald —. Mas asseguro que os homens não sobreviverão à volta, e os que sobreviverem não estarão em condições de defender o reino diante de um possível ataque inimigo.

    — Mas não consigo entender como conhecem nossa posição e nosso destino — disse Kurt contrariado —. Temos vigiado conscienciosamente durante o dia e nunca avistamos o menor rastro de espiões inimigos.

    — Esse mistério tem uma explicação fácil — disse Lansa com seriedade, olhando diretamente para Grómund —. Alguns dos dronks continuam trabalhando para o inimigo.

    — Coloco a mão no fogo por cada um dos meus irmãos! — exclamou Grómund enquanto golpeava a mesa com o punho —. Eu mesmo teria notado o menor rastro de Ka entre meus soldados. Não posso dizer o mesmo dos humanos que nos acompanham, todos sabemos como é fácil corromper a vontade dos homens.

    — Calma — interveio Kurt —. Não é o momento de discutir e sim de tentar encontrar uma solução.

    — Onde demônios está Áracel? — perguntou finalmente Gárald, que permanecia pensativo alheio a discussão anterior.

    — Não sei — respondeu Kurt —. Não soube dele desde que partimos do porto de Barkun.

    — Chame-o — ordenou o rei enquanto voltava a sentar-se.

    — Não funciona assim. Ele aparece quando acha oportuno, não atende as minhas chamadas.

    — Você há de convir comigo que esta é uma situação excepcional — disse Gárald com calma mordaz —. Em poucos dias chegaremos à costa de Akra e, até o momento sabemos que o inimigo sabe sobre nossa viagem e que nos espera. Não acho que tenham preparado uma festa para nós, e um banquete para celebrarmos juntos nossa chegada. Também não podemos dar meia volta ou abastecer em alguma ilha próxima. Em outras palavras nos dirigimos para uma morte certa e não podemos fazer nada para evitar. — O semblante irônico de Gárald se transformou em ira contida — Chame Áracel, seja gritando ou utilizando os teus poderes! Chame-o como se estivesse se afogando em um poço negro e, ele fosse o único que pudesse lhe prestar ajuda! Chame-o, pois não sairemos daqui até que ele responda.

    Kurt nunca havia visto Gárald dessa forma, parecia irado e capaz de qualquer ato. Não sabia se era por causa do tempo passado em alto mar ou a responsabilidade que suportava sobre seus ombros que começava a mexer com seu estado de ânimo. Decidiu tentar, fechou os olhos e se concentrou em seu Ki. Repetiu o nome do Áracel em pensamento várias vezes, mas sem resultado aparente. A única coisa que sentiu foi a respiração de Gárald que começava a impacientar-se.

    — Eu sinto muito meu rei — disse depois de um tempo... Mas não acho que...

    Não conseguiu terminar a frase, pois notou uma presença as suas costas.

    — Sinto pelo atraso — disse Áracel ao surgir de entre as sombras do camarote, escondendo seu corpo por completo atrás da túnica negra espessa.

    Kurt havia falado dele para Gárald e Lansa, do seu papel inestimável na vitória sobre Siniste e da sua natureza especial. Apesar disso, tanto o rei como a generala se surpreenderam ao ver o misterioso ser, cujo rosto permanecia oculto atrás do capuz.

    — Finalmente nos encontramos — disse Gárald após uns minutos de vacilação —. Sei que no passado a tua ajuda foi de grande importância para recuperar o reino de Balh e derrotar para sempre o maligno poder que o oprimia. Agora, desgraçadamente nos encontramos em uma situação delicada, pois...

    — Sei tudo o que está acontecendo, rei Gárald — interrompeu Áracel —. O inimigo conhece, não só a sua posição exata, como também o local exato do desembarque.

    Aquilo causou uma consternação geral, pois isso significava que os piores presságios do rei se tornaram realidade.

    — Isto melhora às vezes — desesperou-se —. E pode me dizer como eles conseguiram descobrir nossos planos?

    — Sim — respondeu Áracel com calma —. Fui eu quem falou.

    Um silêncio sepulcral invadiu os presentes. Ninguém esperava tal resposta.

    — Como — conseguiu perguntar Kurt.

    Antes que Áracel pudesse falar, Gárald desembainhou sua espada e Lansa tensionou seu arco. Grómund permaneceu sentado, impassível, seguramente porque, entre todos os presentes, era quem melhor conhecia Áracel.

    — Esperem um momento! — exclamou Kurt —. Deixem que ele se explique!

    — Já está explicado com total clareza — disse Gárald —. Ele deixou claro de qual lado se encontra.

    — Vejo que ainda tem muito que aprender rei Gárald. — A voz de Áracel soava tranquila —. Um rei dos homens deve manter a calma e não perder as estribeiras seja qual for a situação com a qual se defronte. Agora sua capacidade de raciocínio se encontra sem dúvida nublada.

    Lansa presa da ira soltou a corda do seu arco. A flecha percorreu com rapidez a distância que a separava do seu objetivo e acabou incrustada na parede de madeira que havia atrás da cabeça de Áracel. Lansa ficou surpresa. Não havia errado seu tiro. A flecha atravessou o corpo do misterioso ser como se fosse uma névoa escura.

    — Não me escondo na sombra por acaso — disse Áracel com voz solene —, mas esta me protege dos males e desgraças do mundo físico.

    — Rei Gárald, Lansa acalmem-se — pediu Grómund —. Se ele quisesse nos trair não teria confessado que nossos inimigos nos esperam no local de desembarque.

    — Isso é verdade velho amigo — assentiu Áracel —. Você é o único que tem mantido a cabeça fria. O que vem confirmar a minha teoria sobre os humanos e suas emoções.

    Tanto Gárald como Lansa recobraram a compostura tentando controlar a tensão que tomava conta dos seus corpos.

    — Acho que nos deve uma boa explicação — pediu Kurt.

    — Com efeito — asseverou Áracel —. Kleos estava disposto a acabar com aqueles humanos que haviam se atrevido a desafiar seu poder e já preparava a invasão do reino de Balh quando eu mencionei sua louca viagem. Decidiu então atrasar a reconquista de Balh e encarregar o general Kroun que lhes desse uma recepção adequada. Desde esse momento tenho informado a Kroun de todos os seus movimentos e sobre tudo o lugar exato do desembarque. Fui ganhando a confiança dele para procurarmos um lugar seguro para o desembarque.

    — Por que Kleos e Kroun confiam nas tuas palavras? — perguntou Gárald sem deixar de lado seu olhar de suspeita.

    — Por que nem sempre estive contra eles. Além disso, minha ajuda não é de todo gratuita. Solicitei uma pequena recompensa em troca dos meus serviços, com o objetivo de não levantar nenhuma suspeita.

    — E qual seria essa recompensa, pode-se saber?

    — Dado que havia uma vaga em suas fileiras, solicitei ser nomeado o novo governador do reino de Balh — esclareceu Áracel.

    — Não é uma recompensa que possa ser considerada insignificante — disse o rei —. Mas tenho um pequeno dilema em mente. Imaginemos que teu verdadeiro objetivo é assumir o controle do reino de Balh. É provável que para conseguir teus fins você tenha tecido um plano para nos ajudar a derrotar o draco Siniste, para mais tarde nos alertar para invadir o reino de Akra e, por ultimo, nos vender, ganhando com a nossa aniquilação a posição que deseja. Nós descobrimos, graças à incursão de Kurt na ilha de Prisil, que o inimigo conhecia nossos planos. Agora você se apresenta diante de nós e nos conta teu jogo duplo com o objetivo de que voltemos a confiar em você e assim desembarcarmos no lugar que você propuser, para em seguida informar a Kroun da mudança e continuar garantindo o prêmio que Kleos te prometeu.

    — Você não é tão tolo como eu pensava rei Gárald — afirmou Áracel —. Na verdade nunca poderá saber minhas verdadeiras intenções, mas uma coisa é certa... Não tem outra opção a não ser confiar em mim.

    — Acho que minha cabeça vai explodir — disse Kurt —. Áracel, eu continuo confiando em você. Até o momento não me tem falhado e teus conselhos e informações tem sido acertados. Por favor, nos diga o que fazer.

    — Está bem, mas os advirto de que devem seguir meus conselhos ao pé da letra. O plano original era desembarcar ao norte da costa de Akra. Amanhã ao amanhecer coloquem-se rumo ao sudoeste. Ao deixar ao norte a grande ilha de Fastak, vão para oeste. Se o vento for propício, no sétimo dia de travessia vocês chegarão à baía de Iax.

    — O que acontecerá com você quando virem que tuas informações estão erradas? — perguntou Kurt com preocupação.

    — Não temam por mim — disse Áracel com tom amável —. Não me acontecerá nada, pois quando faltar poucos quilômetros para chegaram ao seu destino, eu mesmo informarei ao general Kroun da sua mudança de planos. Seus exércitos não conseguiram chegar a tempo para impedir o desembarque e eu terei ganhado ainda mais a sua confiança. Desse modo seguirei ao seu lado coletando informações sobre seus próximos movimentos.

    — É um plano perfeito! — exclamou Kurt —. O que vocês acham?

    — Não interessa o que achamos — Gárald tomou a palavra —. Como já disse teu amigo encapuzado, não temos outra opção. Assim que desfrutemos da travessia enquanto podemos.

    — Se não tem mais nada... — disse Áracel, disposto a sair.

    — Na realidade, tenho, necessito que me esclareça uma ultima questão — atalhou o rei —. Por que nos ajuda? Não consigo entender o que vai ganhar com tudo isso.

    — Talvez mais do que você acredita — respondeu Áracel de maneira enigmática —, pois são poucos os que têm a possibilidade de reparar seus erros passados. Estou há muito tempo esperando esta oportunidade que se apresenta. Esperando homens decididos a mudar o rumo da estória e acabar com todo o mal que oprime Arah desde tempos imemoriais. Você pergunta o que ganho com tudo isso... Simplesmente redenção... O perdão pelos meus atos passados. Atos dos quais não me orgulho e que me condenaram a viver entre sombras. Você pode acreditar ou não, mas dada a situação não tem escolha nem outro aliado ao qual recorrer.

    — Isso é certo... pelo menos por enquanto — sussurrou Gárald. O rei, após olhar com atenção para todos os presentes, deu por finalizada a reunião sem dissimular a preocupação que sentia. Seu olhar permaneceu fixo em Áracel mesmo quando este havia desaparecido entre as sombras, como se pretendesse segui-lo além de onde quer que tenha ido.

    Capítulo 3

    A Montanha Maldita

    ––––––––

    Na direção noroeste do reino de Akra, rodeada por uma extensa e estéril região, se elevava imponente a Montanha Maldita. Suas encostas estavam recobertas de um tênue, mas persistente manto verde que se entendia até seu cume, onde escondia seu verdadeiro tesouro. Ali, no que antes foi uma enorme cratera, se situava um lago que irrigava as árvores ao redor e formava um verdadeiro oásis. Um dos lados da montanha era diferente do resto. Dela ao nível do solo surgia uma gigantesca cabeça de serpente que mantinha suas mandíbulas abertas. A efígie media cerca de trinta metros de altura e estava coroada pela figura de um leão levantado sobre suas patas traseiras, que haviam sido entalhadas sobre a mesma encosta da montanha. A besta rugia ameaçadora enquanto estendia suas garras afiadas.

    Diante do olhar pétreo do réptil e, disseminados por toda a extensa planície, se espalhavam milhares de fogueiras que haviam começado a se iluminar por causa do iminente pôr do sol.

    Estandartes com o rosto de um leão bordado com fio negro sobre um fundo vermelho balançavam-se por todos os lugares. O exército de Kroun aguardava em sua morada esperando ordens.

    No interior da mandíbula da serpente se achava um enorme túnel que conduzia ao coração da montanha. O corredor escuro se estreitava a cada passo, e centenas de grilos o guardavam ao longo de todo o percurso. Estavam situados pelo chão, paredes e teto, como se fossem formigas que protegiam a entrada do formigueiro. No final do corredor se abria em uma enorme sala. Sem colunas, mas sim com enormes estalactites que em alguns casos haviam chegado a tocar o chão. Espalhados pelo teto e pelas paredes havia buracos profundos que os grilos, entre outros seres que residiam no interior da montanha, utilizavam para moverem-se.

    Na metade da sala estava acesa uma fogueira que, junto com as tochas fixadas nas paredes, proporcionava calor e uma tênue iluminação. Espalhadas pelo chão da sala descansavam centenas de leoas, que pouco a pouco começaram a despertar com a promessa da noite. Na parte mais profunda da caverna se encontrava um trono talhado da mesma rocha e forrado com pele humana. Era guardado pelo maior leão que jamais se havia visto no reino de Akra. Chamava-se Zor e tinha o dobro do tamanho e força do que o mais forte da sua espécie. Era a criatura favorita e o eterno guardião do general Kroun, que se encontrava sentado em seu trono e demonstrava certo grau de impaciência enquanto acariciava a cabeça enorme do leão.

    Poucos humanos haviam visto Kroun, pois quase sempre permanecia no interior da Montanha Maldita. Somente abandonava seu covil quando era convocado por Kleos na Torre Negra. Com o passar dos anos sua existência havia se convertido em lenda. O general preferia permanecer oculto no interior da montanha e dirigir o destino do reino dali. Sua alma havia sido forjada na guerra.

    Os tempos de paz o entediavam e, sentado em seu trono, lembrava as grandes batalhas de antigamente: aquelas que aconteceram na Grande Guerra e, sobretudo naquelas em que ele enfrentou seus próprios irmãos. Detestava extremamente ter se convertido em um mero administrador.

    Kroun tinha um aspecto terrível. Media cerca de três metros e seus braços e pernas se assemelhavam a grossos troncos de árvores. Tinha garras enormes nas mãos e nos pés. Ele se cobria somente com uma roupa de couro esfarrapada atada a sua barriga que pendia até seus joelhos tanto na frente como nas costas. Seu corpo musculoso estava coberto por uma espessa capa de pelo marrom grosso. Da mesma cor era seu longo cabelo, que vinha até seu pescoço.

    Parte desse cabelo estava amarrado em numerosas tranças. Suas orelhas enormes saiam de entre sua juba volumosa e do rosto, mais parecido com um leão do que com um humano, estava provido de poderosas mandíbulas. Sem dúvida aquilo que mais se destacava do seu aspecto eram seus olhos avermelhados e rasgados, os quais cintilavam com tal fulgor que podiam ser vistos de qualquer parte da caverna.

    A perna de Kroun se mexia em um mecânico vai e vem, fruto da impaciência, até que percebeu aquilo que estava esperando há um bom tempo.

    — E então...? Sua voz potente e grave provocou certa agitação entre as bestas que rodeavam o trono.

    — Tenho novidades que você deve saber com urgência — disse Áracel enquanto saia das sombras.

    —  Com urgência? — exclamou Kroun mal humorado —. Por isso se apresenta diante de mim com um dia de atraso?

    —  Precisava de tempo para confirmar minhas suspeitas. Não costumo informar crenças ou meras conjecturas, mas sim fatos comprovados.

    — Informe então — ordenou Kroun.

    — Os humanos se colocaram rumo ao oeste. Acho que vão desembarcar em um lugar perto da baía de Iax. Decidiram encurtar a viagem por falta de suprimentos e abortar seu plano inicial de dirigir-se para o norte.

    Kroun deixou de mexer na juba de Zor e virou seu corpo para olhar diretamente para Áracel.

    — Meus exércitos andam dispersos pela costa norte, e agora você me informa que os humanos não virão... Quanto tempo vai demorar para eles chegarem a Iax?

    — Quatro dias.

    — Precisaria ao menos uma semana para chegar até lá. A essa altura, esses humanos terão começado a vagar a vontade pelos meus domínios — disse Kroun pensativo.

    O general se pôs em pé e percorreu com calma a distância que o separava de Áracel para situar-se em frente a ele. Zor o acompanhou como sempre fazia.

    — Esses humanos se assemelham muito a você...

    — Não entendo — retrucou Áracel.

    — Estão tão perto de mim, mas ao mesmo tempo tão longe do meu alcance — explicou Kroun enquanto seu braço enorme atravessava o nebuloso corpo de Áracel —. Para ambos os problemas tenho solução, pois tanto a baía de Iax como seus arredores estão guardados por uma representação das minhas tropas nada desprezível.

    Áracel ainda coberto por sua túnica negra pareceu estremecer.

    — Não pense que estou desconfiando, meu velho amigo — continuou Kroun —, foi mais uma precaução que tomei conhecendo o caráter volúvel dos seres humanos. Por isso decidi tomar uma ultima precaução... Você conhece Silerva?

    Da escuridão da sala surgiu a figura de uma mulher. Usava um vestido negro apertado que contrastava com a brancura da sua pele. As mechas de seu longo cabelo chegavam quase até a altura de seus pés e se alternavam entre um vermelho acobreado e um negro azeviche. Sua beleza era sem igual, parecia fruto de algum encantamento. Tinha os olhos de um amarelo sinistro e seu pescoço estava coberto por uma armação de ouro.

    — Já ouvi falar dela — respondeu Áracel.

    Silerva se aproximou e começou a dar voltas em torno dele, observando-o detidamente, como se quisesse compreender sua estranha natureza.

    — Eu também já ouvi falar de você — disse ela com voz sibilante.

    — É a feiticeira de Kroun, a quem foi delegado o governo de grande parte do reino.

    — E você é o...

    — Silerva! — interrompeu Kroun impaciente —. Vamos deixar o falatório para o outro momento. Mostre para Áracel o que sabe fazer.

    — Como ordenais meu amo e senhor.

    Silerva recitou então umas sussurrantes e ininteligíveis palavras e estendeu sua mão aberta para depois soprar sobre ela. Nesse mesmo momento acendeu sobre a palma uma pequena chama que tomou forma de uma esfera de fogo. Tão rápido como apareceu se extinguiu; mas a mão da feiticeira já não estava mais vazia. Nela havia uma esfera de cristal transparente que mostrou com orgulho para os presentes.

    — Foi muito... interessante... mas não vim até aqui para presenciar truques de magia — disse Áracel com fingida surpresa.

    — O interessante vem agora — Havia um estranho brilho no olhar de Kroun —. Como eu dizia, decidi tomar uma ultima precaução e para isso recorri a Silerva, cujos poderes não tem

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