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Os hóspedes
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Os hóspedes

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Esta louca história começa com um escritor que é convidado a um simpósio de "literatura secreta" em um povoado pitoresco e fantasmal.  Ao pouco de chegar ao seu destino, Roberto Hernández, protagonista e narrador, conhece a um extravagante doutor que se faz chamar Faustino, cujas intenções não parecem confiavéis, e a bela Rocío Ramos e compreenderá que o amor é uma aventura cíclica e infinita que se repete ao longo do tempo. Tudo é muito estranho, porque: é a literatura secreta? Estão realmente onde acreditam estar? É Higueras um povoado de Extremadura ou uma ficção? Por que se tratou de clonar ao ilustre Francisco Umbral? Bemvindos a esta distopia de ficção rural, fantástica e hilariante, um romance absurdo nos limites de...tudo?

LanguagePortuguês
PublisherBadPress
Release dateMar 2, 2020
ISBN9781071535899
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    Os hóspedes - Pedro Pujante

    OS HÓSPEDES

    Pedro Pujante

    ...á Raquel...

    Por que amo o plástico, o vinil,

    A vida que reside, com sua complexidade,

    Brilhante e imprestável, nesse tempo opaco

    Que brilha quando quer o usuário;

    Que vira com um tempo

    Que já está acontecendo.

    José Oscar López

    VÍGILIA DO ASSASSINO

    ÍNDICE

    SURPRESAS. 3

    SIMULAÇÕES, 29

    REVELAÇÕES, 63

    BIFURCAÇÕES, 104

    I.SURPRESAS

    1

    Fui convidado a um simpósio de literatura secreta. Não sei muito mais, apenas que o evento se vai a celebrar em um lugar desconhecido. Ainda não sei se foi revelado o refúgio, nem as datas, nem sequer sei quem o organiza, quais assistiremos, o tema geral ou as intenções ou motivações do congresso. Tudo é muito secreto. Tudo o reveste uma fina capa de silêncio e névoa-névoa metafórica, claro- que faz deste acontecimento futuro e imediato um ponto borrado no que ao fixar a minha visão assisto a uma premonição misteriosa, turva, perturbadora. Na verdade, não sei muito bem de que estou falando, das imagens de algo que não sei o que é dançam em minha atordoada cabeça, mas o que há mais misterioso que o próprio mistério sem tempo nem data?

    Fui convidado, eu. A um simpósio de literatura secreta. Serei eu também um homem secreto?

    Estou animado. Estou confuso. Mas sobre tudo, armazeno tanto tédio, levo tantos anos condenado à preguiça que estou a ponto de explodir de felicidade. Meu aborrecimento é uma bruma densa que as novas expectativas que se abrem diante de mim conseguido dissipar. Fiquei entediado tanto que quase me sentia um zumbi. E agora chegado a ressureição da alegria com este inesperado convite. Mais de dez anos, que eu lembro, sem que aconteça nada interessante em minha vida. E agora, de repente, isto, um convite a um simpósio SECRETO!

    Por que eu? E por que não? O que mais dá.

    Sinto-me feliz e afortunado.

    Trata-se, este simpósio, pelo que deduzo das poucas palavras e enigmática carta que recebi do e-mail, de uma reunião sobre literatura secreta não exatamente de mistério ou terror ou romance policial, não não nos confunda você, senhor Hernández, senão de escritores secretos, de argumentos herméticos, e outros enigmas de profunda transcendência que a seu devido momento nós seremos revelados aos escolhidos, aos participantes mistéricos deste anômalo evento que está a ponto de acontecer. Um marco na história da cultura, um fenômeno que se inscreverá no livro sagrado da literatura universal. Anonimato e fama, uma combinação paradoxal.

    Não nos esclarece aos participantes muito mais, segundo estou lendo na carta, para que assim a surpresa e o enigma surtam efeito também em nós. Há de criar-se o clima adequado. Dizem: Senhor Hernández, o mistério não é uma qualidade, é uma condição.

    A carta explica brevemente que o simpósio terá lugar em um ponto indeterminado da Espanha, sem mais informações que um intervalo de variação horário: entre setembro e novembro deste mesmo ano. Tudo muito secreto. Tudo muito estranho. Como se as fendas dos mais insondáveis enigmas do tempo se abrissem diante de mim.

    Começarei pelo principio. Ontem.

    2

    As seis e treze minutos da manhã do sete de agosto de 2014, ou seja, ontem, eu estava aqui, em meu chão de Torrevelha escutando o frenético ruído das máquinas de limpeza que assediam o belo que se estende debaixo de minha janela. Isto era um paraíso até que chegaram eles: os limpadores atômicos, lhes chamo eu. O infernal e monstruoso exército de empregados públicos havia começado sua indispensável tarefa. Uma tarefa que consiste basicamente em nos acordar muito cedo a nós, os adormecidos vizinhos, para que possamos desfrutar de um parque e algumas ruas sem papéis, sem folhas, sem silêncio, sem sonhos. A diária missão de limpeza consiste em remover o lixo de um lugar a outro com tubos que vomitam rajadas de ventos impulsionadas por estrondosos motores de diesel, que descontraídos e roliços empregados do município carregam a suas costas como caça-fantasmas de salários, sem escrúpulos e com uma futura surdez iminente. Espalham sua própria surdez, mudam a merda de lugar e disfarçam o parque do inferno sonoro. Tudo pago com nossos impostos. Em fim.

    Cheguei de meu quarto ao banheiro, cambaleando sonolento e chateado por ter dormido pouco e mal. Pesadelos e calor, uma ressaca constante e alguns artigos que tinha que apresentar em algumas horas e que não tinham sido sequer começados. Pensava dedicar, agora já se tinha ocorrido algo, minha coluna semanal à má gestão das limpezas dos jardins e ruas de Torrevelha. Um artigo incendiário que, como fazem eles comigo nas manhãs atrozes de suas batidas desinfetantes, furaria seus ouvidos, suas consciências.

    Como dizia, ontem me acordaram os ruidosos caça-fantasmas atômicos as sete e ponto e justo nesse momento alguém chamou a campainha. Pensei em não abrir, era cedo demais e acreditei que se tinham enganado de porta, ninguém me costumar visitar e menos a essas inoportunas horas da manhã de verão e ruidosa de um sete de agosto. Vesti uma camisa puída e antes que a campainha tocasse pela quarta vez decidir a abrir. Coloquei primeiro o olho no visor e descobrir um senhor vestido com um, sobretudo cinza, de uma agencia de transportes, pensei, que carregava uma embalagem escura na mão. Serão livros, foi o que institivamente deduzo, sempre são livros para resenhar o que comprei pela Internet. Título que esqueço e que, ao chegar parece sempre uma surpresa para mim. Mas me enganei. Tratava-se de uma misteriosa carta, sem remetente. Assinei o recibo e fechei a porta. Verifiquei o envelope por todos os lados. Um envelope preto, sem marcas nem senhas. Um envelope de cor escuro, um pouco maior do normal, misterioso, elegante, grande, já lhe disse. O abri. Em seu interior uma carta também de cor preta, com as letras douradas e góticas. Tudo muito é raro e muito preto. A missiva explicava que em breve receberia mais informações para ir ao Simpósio de Literatura Secreta ao que havia tido a honra de haver sido convidado. Escolhido, sorte, honra, tudo isso. Era, segundo dizia a carta preta, um ato secreto do que não deveria revelar nenhuma informação, que teria lugar em um ponto indeterminado da Espanha entre os meses de setembro e novembro próximos. Que receberia mais informações em breve. Que se não estava interessado, o qual, a parecer, duvidava, segundo uma vaga e presunçosa suposição, só teria que ignorar esta carta e as sucessivas mensagens que poderiam chegar nos próximos dias.

    Devo confessar que desde ontem, quando chegou à carta a primeira hora da manhã, não consigo pensar em outra coisa. Sim que penso em Teresa, mas os fantasmas do amor viajam em um vagão particular da memória. Assim que ela não conta. Apenas penso, se poderia dizer, no evento, neste bizarro simpósio e em um mínimo detalhe que não sei como encaixar neste desconcertante cenário: o que pinto eu em um congresso de literatura mistérios? Porque sim que publiquei algum livro de fantasia ou ficção cientifica. Histórias sobre sinistras realidades que se comunica com a nossa, mundos paralelos que dialogam com nosso mundo, sobre personagens que vivem nas margens do anormal. Bom, sim, pensando bem sim que tenho algo que ver, com o misterioso, mas eu sou um tipo muito normal, com uma vida do mais vulgar.

    Desde ontem meu estado nervoso me faz sofrer palpitações e ansiedade, e para cúmulo perdi o apetite e antecipo que uma insônia devastadora me seguirá e transformará minhas noites em espaços gelados. E, sobretudo, eu sou um mero projeto de escritor, nada conhecido, um fracasso total. Publicado três ou quatros contos em alguma revista digital se escasso reconhecimento ou popularidade. Auto editei um romance que vendi ou dei entre meus vizinhos e conhecidos, pouco mais. Artigos na imprensa local de Torrevelha. Quem eu sou? Ninguém. Um mistério? Nem sequer isso.

    Minha fama não é maior que a de um espião.

    Exceto que os espiões cobram e são valorizados por não ser reconhecidos.

    Agora estou bebendo batida de limão com rum, isso alivia um pouco minha preocupação existencial e, mas quando receberei mais instruções? A ansiedade está aqui, em mim, empurrando em várias direções, como se quisesse fazer de meu corpo um ser múltiplo, parti-me, me rasga, esquarteja-me espiritualmente. Quando saberei por fim de que vai tudo isto do simpósio de literatura misteriosa?

    Nestes pensamentos angustiosos eu estava apressando meu terceiro rum com granizado da manhã quando chegou a segunda inscrita, esta vez através de um e-mail. Estou frente a meu computador, costumo consultar a caixa de entrada de maneira compulsiva, e acabar de entrar um e-mail. Nele me esclarece que o simpósio vai a ter lugar em um remoto povoado de Extremadura, um povoado pequeno de que jamais ouvi falar. O evento secreto se realizará em Higueras. Higueras? Eu pesquisei no Google e parece que não tem mais de noventa habitantes, mesmo que no verão a população se multiplica por dez, pelo turismo e isto. Um povoado com noventa é um povoado? Lembro a apresentação de um livro de Javier Marías à que assistiram mais de noventa pessoas, todo um povoado de Extremadura.

    Dos atrativos de Higueras se podem destacar, segundo leio na Internet, o concurso de tute, a tranquilidade outonal e uma estranha Festa do Imigrante. Esta última celebração parece uma brincadeira a berlanguiana. A razão, explico-me a mim mesmo, é que a estar tão despovoando – em vias de extinção devido à fuga dos jovens ás cidades – se optou por animar aos estrangeiros, celebrar a sua grata presença e comemora com algumas jornadas festivas em pleno mês de agosto. Não sei talvez os motivos sejam outros, tampouco é que me importe muito o folclore da remota e profunda Cáceres.

    As razões que impulsionaram que o simpósio tenha lugar ali, no canto mais extremo e estremenho do universo, me parecem intrigantes. A principio pensei que se tratava de uma brincadeira desagradável, uma tentativa de infringir nossas vontades- a dos possíveis escritores convidados-mediantes insanas e irrealizáveis propostas. Como se fosse um teste de resistência. E inclusive fantasiou com a ideia de que se trata de um reality show, uma piada televisiva na que seremos transformados em alvo de chacota de todo o país. Mas reconheço que esse halo de secretismo e mistério e ambiguidade transforma um anônimo congresso de literatura em uma experiência desejável, exótica e fantástica. No ponto de partida de uma nova forma de vida, uma viagem para o depois literário.

    Além disso, está o tema de meu aborrecimento: estou tão desesperado pelo tédio que qualquer simples absurdo me emociona. Mistérios literários em Cáceres? Adiante, vou para lá. Seria capaz de recorrer ao casamento de minha ex-namorada pela mera razão de escapar de mim mesmo. A dignidade se dilui na viscosa imensidade de nossa brandura vital.

    3

    Consegui dormir todo o dia. Não sair de casa, apenas aproximei da varanda a contemplar como se banham os turistas na concorrida Praia dos Náufragos, a fumar algum cigarro que um e a sentir o calor asfixiante deste inferno que chamam verão. Há embarcações ancoradas na costa, guarda-sóis multicoloridos, garotos e garotas passeando, cachorros passeando, anciões passeando, gaivotas passeando, bêbados passeando com suas bebidas. Há muita gente passeando, parece que passear, de repente, se houvesse voltado o desportivo mais divertido e interessante do mundo do verão. Sinto desejo irresistível de passear. Mas cada vez mais leves, já estão passando, de fato.

    Fecho os olhos e respiro fundo.

    Quando chega a hora de almoçar posso observa as pessoas de a praia voltar de sua jornada da manhã de praia, de retorno a suas casas. Parecem que viesse da guerra, um combate contra o mar, voltam derrotados, arrastando seus pesados e cansados corpos, empunhando seus guarda-sóis e cadeiras de plásticos. Suas armas, com as que se enfrentaram o oceano. Mas sempre voltam vencidos, famintos, desalinhados. Todos os dias se livram de uma batalha. Todos os dias perdem a batalha. Mas ao dia seguinte regressam, sem trégua, obstinados. E assim todo o verão...

    Sei de momentos que entre setembro e novembro vou a ser transportado a um minúsculo povoado de Extremadura para participar em uma espécie de convenção literário-mistéricos na que tudo é segredo, inclusive

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