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AS ASAS DA POMBA
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AS ASAS DA POMBA

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About this ebook

Henry James, Jr., (Nova Iorque, 15 de abril de 1843 — Londres, 28 de fevereiro de 1916) foi um escritor nascido nos Estados Unidos e naturalizado britânico. Uma das principais figuras do realismo na literatura do século XIX e autor de alguns dos romances, contos e críticas literárias mais importantes da literatura de língua inglesa. O romance As Asas da Pomba, que é considerada por muitos como a obra-prima de Henry James, envolve o leitor numa fascinante e sedutora trama. Um casal que possui tudo, exceto dinheiro. Uma herdeira com tudo, exceto amor. Um cruel triângulo amoroso abençoado pelo destino. Uma aristocrata apaixonada por um pobre jornalista e que, devido à posição social dele, tem este relacionamento não aprovado por seus familiares... tudo isso na refinada escrita de Henry James. As Asas da Pomba é um romance que, definitivamente, merece ser lido.   
LanguagePortuguês
Release dateMar 4, 2020
ISBN9786586079074
AS ASAS DA POMBA
Author

Henry James

Henry James (1843–1916) was an American writer, highly regarded as one of the key proponents of literary realism, as well as for his contributions to literary criticism. His writing centres on the clash and overlap between Europe and America, and The Portrait of a Lady is regarded as his most notable work.

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    AS ASAS DA POMBA - Henry James

    cover.jpg

    Henry James

    AS ASAS DA POMBA

    The Wings of the Dove

    1a edição

    img1.jpg

    Isbn: 9786586079074

    LeBooks.com.br

    A LeBooks Editora publica obras clássicas que estejam em domínio público. Não obstante, todos os esforços são feitos para creditar devidamente eventuais detentores de direitos morais sobre tais obras.  Eventuais omissões de crédito e copyright não são intencionais e serão devidamente solucionadas, bastando que seus titulares entrem em contato conosco.

    Prefácio

    Prezado Leitor,

    Henry James foi um escritor versátil, célebre pela perspicaz sátira social dos romances que escreveu a partir da década de 1880 e pela complexidade linguística e psicológica de suas grandes obras. Além dos romances inesquecíves como Retrato de uma Senhora, A Herdeira e As Asas da Pomba, escreveu uma série de peças e foi um mestre de obras de ficção mais curtas, como o famoso conto de terror: A volta do Parafuso e a excelente coletânea: Os Quatro Encontros.

    As Asas da Pomba, que é considerada por muitos como a obra-prima de Henry James, envolve o leitor numa fascinante e sedutora trama. Um casal que possui tudo, exceto dinheiro. Uma herdeira com tudo, exceto amor. Um cruel triângulo amoroso abençoado pelo destino. Uma aristocrata apaixonada por um pobre jornalista e que, devido à posição social dele, tem este relacionamento não aprovado por seus familiares. Surge então a jovem milionária com uma doença incurável e próxima da morte que se apaixona por ele. Logo, por que não entregar-se a esse romance de dias contados e passar o resto da vida com a pessoa que se ama? Mas esse amor resistirá a uma experiência tão extrema?

    Com essa encantadora trama, somente uma coisa é certa: As Asas da Pomba é um romance que, definitivamente, merece ser lido.

    Uma excelente leitura

    LeBooks Editora

    Viva tudo o que você puder. É um engano não fazê-lo. Não importa tanto o que você faz, contanto que tenha feito. Se você fizer nada, o que você terá conseguido?

    Henry James

    Sumário

    APRESENTAÇÃO

    Sobre o autor:

    AS ASAS DA POMBA

    Prólogo

    LIVRO PRIMEIRO

    LIVRO SEGUNDO

    LIVRO TERCEIRO

    LIVRO QUARTO

    LIVRO QUINTO

    LIVRO SEXTO

    LIVRO SETIMO

    LIVRO OITAVO

    LIVRO NONO

    LIVRO DÉCIMO

    Conheça outros títulos do mesmo autor:

    APRESENTAÇÃO

    Sobre o autor:

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    Henry James, Jr., (Nova Iorque, 15 de abril de 1843 — Londres, 28 de fevereiro de 1916) foi um escritor nascido nos Estados Unidos e naturalizado britânico. Uma das principais figuras do realismo na literatura do século XIX. Autor de alguns dos romances, contos e críticas literárias mais importantes da literatura de língua inglesa.

    Filho do teólogo Henry James Senior e irmão do médico, filósofo e psicólogo William James. Seu pai era um homem culto, filósofo, e fazia questão que os filhos recebessem uma ótima educação. Por isso viajou com a família para a Europa, em 1855, quando Henry tinha 12 anos, e durante três anos percorreram Inglaterra, Suíça e França, visitando museus, bibliotecas e teatros. Regressaram aos Estados Unidos em 1858, para viajar de novo a Genebra e Bonn no ano seguinte. Em 1860, já estavam de volta a Newport, onde Henry e William - o irmão mais velho que se tornaria psicólogo e filósofo - estudaram com o pintor William Morris Hunt.

    Henry começou a carreira de direito em Harvard em 1862. Mais interessado na leitura de Balzac, Hawthorne e George Sand e nas relações com intelectuais como Charles Eliot Norton e William Dean Howels, abandonou o direito para se dedicar à literatura. Seus primeiros textos e críticas apareceram em alguns jornais.

    No começo de 1869, foi à Inglaterra, Suíça, Itália e França, países que lhe forneceriam uma grande quantidade de material para suas obras. Regressou a Cambridge em 1875. Viveu um ano em Paris, onde conheceu o círculo de Flaubert (Daudet, Maupassant, Zola) e, em 1876, fixou-se em Londres, onde escreveu a maior parte de sua extensa obra.

    A carreira literária de Henry James teve três etapas. A primeira foi na década de 1870, com Roderick Hudson (1876), The American (1877) e Daisy Miller (1879) e culminou com a publicação de Retrato de uma Senhora, em 1881, cujo tema é o confronto entre o novo mundo com os valores do velho continente.

    Na segunda etapa, James experimentou diversos temas e formas. De 1885 até 1890, escreveu três novelas de conteúdo político e social, The Bostonians (1886), The Princess Casamassima (1886) e The Tragic Muse (1889), histórias sobre reformadores e revolucionários que revelam a influência da corrente naturalista.

    Nos anos 1890-1895, chamados os anos dramáticos, James escreveu sete obras de teatro, das quais duas foram encenadas, com pouco êxito. James voltou à narrativa com A Morte do Leão (1894), The Coxon Fund (1894), The Next Time (1895), What Maisie Knew (1897) e A volta do parafuso (1898).

    As obras The Beast in the Jungle (1903), The Great Good Place (1900) e The Jolly Corner (1909), fazem parte da última etapa do trabalho de James, considerada por muitos críticos como a mais importante, na qual o autor explora o complexo funcionamento da consciência humana. Sua prosa torna-se densa, com a sintaxe cada vez mais intrincada. Essas características definem as três grandes obras dessa etapa final, As Asas da Pomba (1902), Os Embaixadores (1903) e A Taça de Ouro (1904).

    Além dos romances, relatos curtos e obras de teatro, o autor deixou inúmeros ensaios sobre viagens, críticas literárias, cartas, e três obras autobiográficas. Os últimos anos da sua vida transcorreram em absoluto isolamento na sua casa, que só deixou em 1904 para regressar brevemente aos Estados Unidos depois de 20 anos de ausência.

    Em 1915, com a Primeira Guerra Mundial, James adotou a cidadania britânica. Morreu aos 72 anos, pouco depois de receber a Ordem do Mérito britânica.

    AS ASAS DA POMBA

    Prólogo

    As asas da Pomba, publicado em 1902, representa na minha lembrança um motivo bem antigo — se eu não devesse dizer antes bem novo; mal consigo lembrar-me de uma época em que não tivesse presente comigo, vivo, a situação na qual se apoia, no básico, esta alentada ficção. A ideia, reduzida à essência, é: uma pessoa jovem, dotada de uma grande capacidade para a vida, e consciente disso, mas cedo atingida e condenada, condenada a morrer a curto prazo, mas, ainda assim, enamorada do mundo; cônscia, além disso, da condenação e desejando ardentemente aparecer antes da extinção, e com isso sentir, mesmo que breve e precariamente, a sensação de ter vivido. Há muito eu a revolvia na cabeça, afastando-me, mas sempre retornando. Embora convencido do que se poderia fazer com ela, o tema infundia-me medo. A imagem assim fantasiada constituiria apenas, no máximo, metade da questão; o resto seria todo o quadro da luta que isso implicava, a aventura que causava, o ganho que registrar ou a perda em que incorria, a preciosa experiência de algum modo abrangida. Senti desde o princípio que essas coisas exigiriam muita elaboração; na verdade, era o que acontecia com a maioria das coisas que valiam a pena; contudo, há temas e temas, e este parecia-me particularmente espinhoso. Exigia, eu julgava, que o aventureiro cauteloso o rondasse e rondasse — tinha, na verdade, um encanto que atraía e confundia igualmente a atenção; não era, de alguma forma, o que se julgava um tema franco, à maneira de alguns, com os elementos bem à vista e todo o caráter estampado na frente. Permanecia ali com segredos e compartimentos, com possíveis traições e armadilhas; podia render muita coisa, mas na certa requereria iguais serviços em troca, e cobraria essa dívida até o último xelim. Para começar, envolvia pôr em destaque uma pessoa enferma e frágil — coisa que certamente seria difícil e exigiria muito cuidado; embora talvez oferecesse, com outras questões, uma dessas hipóteses de bom gosto, talvez até mesmo das melhores do mundo, que devemos não apenas invocar e cultivar sempre, mas agarrar assim que aparecem.

    Sendo assim, o caso prescrevia para a sua figura central uma jovem doente, a cuja total trajetória de desintegração, e provação de consciência, teríamos de assistir com toda a honestidade. A expressão do seu estado e da nossa íntima relação com ele bem poderia, portanto, ser discreta e engenhosa; uma reflexão que por sorte não parou de crescer, porém, à proporção que eu focalizava a minha imagem — em torno da qual, à medida que ela persistia, repito, iam se adensando as possibilidades interessantes e as surpresas encantadoras, para não falar dos mistérios insolúveis. Por que tínhamos de olhar tão de frente e interrogar tão de perto a ideia de fazer a nossa protagonista doente? — como se estar ameaçado de morte ou perigo não fosse, desde tempos imemoriais, nos heróis, o mais curto de todos os atalhos para despertar o interesse. Por que se deveria desqualificar uma figura para uma posição central por aquela circunstância mesma que mais poderia apressar, coroar com uma excelente intensidade, a sua possibilidade de muitos acidentes, a sua consciência de todas as relações? Essa circunstância, é bem verdade, poderia desqualificá-la para muitas atividades — embora devêssemos imputar-lhe a insuperável atividade de uma resistência apaixonada, inspirada. Este último fato era o verdadeiro problema, pois o caminho se tornou reto desde que reconhecemos que o poeta, em essência, não pode interessar-se pelo ato de morrer. Mesmo que trate dos mais doentes dos doentes, ainda é pelo ato de viver que o atraem, e mais eles atraem à medida que as condições tramam contra eles e prescrevem a batalha. O processo da vida cede lugar ao combate, e muitas vezes pode assim brilhar no terreno perdido como em nenhuma outra situação. Tivemos, além disso, como cronista inconstante, as nossas fraquezas e falhas secundárias, os nossos acessórios inválidos — apresentados com uma complacência que ignorava a crítica. Para Ralph Touchet, no Retrato de Uma Senhora, por exemplo, o seu deplorável estado de saúde era não apenas uma deficiência; eu claramente acertara ao contar com ele, para qualquer bom efeito que produzisse, como um sinal positivo, uma ajuda direta ao agradável e vividos. O motivo disso, além do mais, jamais poderia ter sido o seu sexo; uma vez que os homens, entre os doentes mortais, sofrem, em geral, mais aberta e grosseiramente que as mulheres, e resistem com uma estratégia mais rude, inferior. Eu tinha, portanto, de aceitar essa anomalia como era, e cito-a aqui apenas como uma das ambiguidades entre as quais o meu tema acabou se pondo à vontade e instalando-se com toda a confiança.

    Com a clareza que acabo de observar, portanto, a última coisa no mundo que a narrativa se propunha era ser, predominantemente, a crónica de um colapso. Não pretendo dizer que a vítima apresentada não estava presente na minha imaginação, constantemente, como arrastada por uma força maior que qualquer outra que ela própria exercesse; fora-me dada muito antes como que contestando cada polegada do caminho, como que se agarrando a cada objeto que retardasse, aferrando-se as essas coisas até o último momento das suas forças. Tal atitude e tais movimentos, a paixão que expressavam e o êxito que, na verdade, representavam, o que eram, se não há alma do drama?

    — Que é, como sabemos, o retrato de uma tragédia determinada apesar das oposições. A minha jovem seria ela mesma a oposição, — à tragédia anunciada pelos Fados em conluio, forças que conspiram para um fim sinistro e, com o domínio que têm dos meios, acabam por alcançá-lo, mas, na verdade, com tal dificuldade para abafar a centelha sagrada que, obviamente, uma criatura tão alegre, uma adversária tão, sutil, não pode deixar de parecer digna, com quaisquer fraquezas, do primeiro proscénio e das luzes da ribalta. Enquanto isso, ademais, ela desejaria o tempo todo viver para certas coisas, basearia a sua luta em certos interesses humanos, que inevitavelmente determinariam, a seu respeito, a atitude das outras pessoas, pessoas afetadas de modo a torná-las parte da ação. Se o impulso dela para arrancar, à força da sua agonia, o máximo possível do fruto da vida, se esse anseio só pode se efetuar com a ajuda de outros, então a participação desses outros (solicitados, enredados e coagidos como se veem) se torna também o drama deles — o de promoverem a ilusão dela, por sua importunação, por razões, interesses e vantagens resultantes dos seus próprios motivos e pontos de vista. Alguns desses estímulos, evidentemente, seriam da mais alta ordem — outros, sem dúvida, não; mas juntos comporiam para ela, como contribuintes, a soma da sua experiência, representariam de algum modo, de boa ou má fé, o que ela teria conhecido. De algum modo, também, nesse ritmo, veríamos as pessoas a elas sujeitam atraídas como por um lago de Lorelei — as veríamos aterrorizadas, tentadas e enfeitiçadas; atraídas para longe, até pode ser, de órbitas mais recomendadas e naturais, herdando da sua ligação com os estranhos problemas e ainda mais estranhas oportunidades, confrontadas com raras questões e invocando novas discriminações. Assim se vê constituído o plano da situação dela, de uma maneira abrangente; o resto do interesse estaria no número e na natureza dos detalhes. Forte entre estes, naturalmente, a necessidade de que a vida se apresente à nossa jovem, fora da enfermidade, como inteira e deslumbrantemente visível, e que se a grande dor para ela está naquilo de que deve desistir, tanto mais apreciaremos a visão de tudo por que ela passa.

    Nós a veríamos assim como dona de tudo, tudo, menos da mais preciosa dádiva; liberdade, dinheiro, espírito nobre e encanto pessoal, poder de interessar e cativar; atributos, cada um deles, que realçam o valor de um futuro. Desde que a imaginação do seu criador começou a tratar com ela de perto, na verdade, nada mais poderia retê-lo senão a elaboração dos detalhes de uma perfeita correção para o papel dela; primeiro, nada mais o solicita que reconhecer cinquenta motivos para os status nacionais e social dela. Deve ser a última bela flor — desabrochando sozinha, para pleno atestado da sua liberdade — de um velho tronco nova-iorquino; as felizes harmonias assim preservadas para a sua existência importa, no entanto, que eu não entre agora, e isso embora a bela ligação que ainda me espera em outra parte seja daquelas, no máximo, que mais desafiam que encorajam uma expressão exata.

    Acompanha a heroína de As Asas da Pomba uma forte e especial sugestão de liberdade, liberdade de ação, de escolha, de apreciação, de contato — vinda de fontes que a preparam melhor para uma larga independência, creio, mais do que quaisquer outras no mundo — e seria por isso, em particular, que devemos nos interessar profundamente. Eu tinha há muito tempo projetado um certo tipo de jovem americana como mais herdeira de todas as eras do que qualquer outra pessoa (e precisamente por isso apenas as olhei de passagem no momento); de modo que havia uma possibilidade de conferir a uma figura assim um valor supremamente comovente. Ser herdeira de todas as eras apenas para saber-se, com o aumento da consciência, travada pela própria herança, seria desempenhar o papel, parecia-me, ou pelo menos chegar ao tipo, à luz no todo mais conveniente. Fora isso, realmente, que papel perigoso a desempenhar — que suspeita de bazófia em tentá-lo mesmo! Assim, pelo menos, tinha como raciocinar — achava mesmo que tinha — para manter o meu tema decentemente compacto. Pois, já num estágio interior ele começara a revelar-se em abundância: o problema era ver a quem a situação que eu projetara primeiro poderia, por esta, aquela ou aqueloutra reviravolta, não atrair para dentro. O meu ofício era observar as reviravoltas, como o pai carinhoso observa um filho encarrapitado, para a primeira lição, na sela de um cavalo; apesar do interesse, eu tinha de lembrar-me o tempo todo, estava apenas na feitura, em tal escala, dos seus desenvolvimentos.

    O que se discernia, de qualquer modo, desde um estágio anterior, era que uma pessoa jovem tão dedicada e exposta, uma criatura com a segurança tão pendurada por um fio de cabelo, de certa forma não podia deixar de cair em alguma armadilha abissal — sendo isso, em termos dramáticos, o que a situação mais naturalmente sugeria e impunha. A verdade e grande parte do interesse não residiam também na aparência de que ela constituiria para os outros (em vista da ardente ânsia de viver enquanto pudesse) uma complicação tão grande quanto qualquer outra que eles constituíssem para ela? — que é o que quero dizer quando me refiro a esses assuntos como naturais. Seriam tão naturais esses riscos trágicos, patéticos, irónicos, esses riscos, na verdade, na sua maior parte tão, sinistros, para os seus associados vivos, quanto eles podiam ser para ela como tema principal. Se a sua história devia consistir, como tampouco podia deixar de consistir, da sua introdução, como dizemos, nesta, naquela e àqueloutra ansiedades irredutíveis, como poderia ela não valorizar a aquisição, por qualquer participante íntimo da sua vida, de uma consciência igualmente incomoda? Citei a donzela do Reno, mas a existência da nossa jovem amiga criaria antes muito mais, em toda a sua volta, o movimento de redemoinho das águas produzido pelo afundamento de um grande vaso ou pelo fracasso de um grande negócio, quando imaginamos os fortes círculos estreitando-se, a imensa força de sucção, o envolvimento geral que, para o objeto próximo, torna a imersão inevitável. Dificilmente preciso dizer, porém, que apesar dessas comunidades de condenados, vi a principal complicação dramática muito mais preparada para o meu vaso de sensibilidade do que por ela [a minha sensibilidade] — obra de outras mãos (embora com as delas manchadas também, afinal, na medida em que nunca deixaram de ser, em algum sentido, generosas e extravagantes, portanto provocantes).

    De qualquer modo, a grande questão era que, se ela tivesse de passar por uma provação, seria essencial criar desde logo a situação e concretizá-la, de modo a evidenciar para nós, o melhor possível, aquela circunstância sinistra de estar à sua espera. Oportunamente, achei essa ideia não menos inspiradora que urgente; começamos assim, num caso desses, com a busca da chave da nossa composição, incapazes, pois só podemos avançar depois de encontrá-la. Começar sem ela é querer entrar no comboio e, mais ainda, permanecer na poltrona, sem a passagem. Bem — à luz constante e para o continuado encanto dessas verificações —, eu tinha adquirido a minha passagem na toleravelmente longa linha estabelecida para As Asas da Pomba desde que observara que não poderia haver uma apresentação completa de Milly Theale, envolvida com elementos entre os quais iria respirar com tanto sofrimento, se esses elementos não fossem, com toda a solicitude, devidamente prefigurados. Se se visse que o estado doentio era apenas metade do seu problema, sendo a metade correspondente ao estado dos outros afetados por ela (também eles têm um problema, benditos sejam, tanto quanto ela!), eu tinha liberdade para escolher, por assim dizer, a metade com a qual devia começar.

    Se, como observei carinhosamente, o pequeno mundo determinado para ela devia estar eriçado — o termo deliciava-me! — de sentidos, por isso mesmo, eu podia simplesmente deixar a minha medalha pender solta; o verso e o reverso, a frente e as costas se tornariam magnificamente opcionais para o espectador. De algum modo eu queria os correspondentemente gravados, queria os inscritos e desenhados com um relevo igual; contudo, era, apesar disso, visivelmente a minha chave, como já disse, o fato de que — embora a minha regenerada nova-iorquina, e o que dela dependesse —, formassem o meu centro, a minha circunferência era igualmente tratável. Por conseguinte, eu devia confiar em mim mesmo para saber quando partir de um e quando voltar de outro. Como preparação e, por assim dizer, ansiosamente — em vista de todo o terreno — começou-se, no caso, com o círculo externo, aproximando-se assim do centro por circunvoluções. Ali, pois, brotado de uma hora para outra, erguia-se o nosso processo — para o qual continuava a haver o tempo todo, tantas fórmulas divertidas.

    A medalha ficou a pender solta — senti isso perfeitamente, lembro-me, desde que estabeleci, com todo o conforto, o terreno proporcionado no meu primeiro Livro, terreno do qual Milly está superficialmente tão ausente. Mal lembro-me talvez de um caso — até gosto, com essa grosseria publica, de insistir nele — em que a curiosidade de começar bem atrás, o mais atrás possível, e mesmo chegar, no mesmo ritmo, ao outro lado, ou seja, do outro lado da face do tema, se afirmasse com menor escrúpulo. A mão livre, neste caso, era primeiro agradável — a mão a cuja liberdade eu devia ao fato de a obra ter perdido ignominiosamente, por antecipação, todo o poder de ver-se serializada. Esse fracasso tinha estado repetidas vezes à minha espera em ficções mais curtas; mas a considerável produção que aqui discutimos não nasceu (como não iria nascer A Taça de Ouro, dois ou três anos depois) de outro modo que um tanto perplexo, para um mundo de periódicos e editores, de sucessos retumbantes, em meio aos quais iria perder-se quase ignorada. Felizmente, há sempre alguma coisa de estimulante no frio alpino, alguma alta arête, lançada pela fria indiferença editorial; as uvas verdes em determinados momentos embriagam, e o contador de histórias digno do seu ofício rejubila-se por sentir de novo quantas concessões pode fazer. As relativas às condições de publicação têm, em certa medida, o seu lado interessante, ou pelo menos provocante; mas seu encanto e reduzido pelo fato de que as prescrições aqui brotam de um solo muitas vezes inteiramente estranho ao terreno da própria obra. São quase sempre fruto de um ar inteiramente diferente e concebidas a uma luz capaz de representar dentro do círculo da própria obra pouco mais que escuridão. Ainda assim, quando não demasiado insultantes, atuam como um peso sobre a engenhosidade — aquela engenhosidade do artesão que gosta tanto de carregar peso quanto um cavalo bem-treinado gosta de ser selado. As melhores e mais sutis, engenhosidades, contudo, com todo respeito a essa verdade, podem ser não as nossas concessões, mas os nossos mais completos conformismos, e lembro bem, no caso em pauta, o prazer de sentir as minhas divisões, as minhas proporções e o meu ritmo geral repousarem mais em conveniências permanentes do que em quaisquer medidas momentâneas. Bastava para as minhas alternações, assim, que fossem boas em si; foi, na verdade, tanto por elas que eu realmente penso que qualquer explicação posterior da constituição do livro se reduz apenas à anotação da lei que elas seguiram.

    Houve, para começar, a diversão de estabelecer os nossos centros sucessivos — de fixá-los tão exatamente que as partes do tema por eles dominadas, como por felizes pontos de vista, portanto tratadas a partir deles, iriam constituir, por assim dizer, blocos suficientemente sólidos de material lavrado, cortado em finas arestas, para ter peso, massa e transmitir força; chegara construção, quer dizer, conduzir a efeito e proporcionar beleza. Um tal bloco, obviamente, é toda a apresentação preliminar de Kate Croy, que, desde o início, lembro-me, se recusou absolutamente a encenar-se, a não ser em termos de amplitude. Termos de amplitude, termos de atmosfera, esses termos, e só esses, em que as imagens afirmam a sua plenitude e redondeza, o seu poder de girar, de modo que têm lados e costas, partes na sombras tão autênticas quanto partes no sol — essas seriam simplesmente as minhas condições, à direita e à esquerda, e eu estava tão longe de supervalorizar o volume de expressão que a coisa toda, como eu a via e sentia, ia exigir; que refazer o caminho agora é, infelizmente, mais do que qualquer outra coisa, a não ser para assinalar as falhas e lapsos, lamentar, uma a uma, as intenções que, como a melhor vontade do mundo, não iriam frutificar. Acabei de dizer que o processo da tentativa geral é descrito desde o momento em que os blocos são numerados, e que o todo seria um quadro bastante autêntico do meu plano. Contudo, o que planejamos, infelizmente, é uma coisa, e o nosso resultado, outra; de modo que eu talvez esteja mais perto da verdade se disser que este último me parece mais caracterizado, atualmente, pelos felizes traços que deviam, na minha primeira e mais bendita ilusão, ter contribuído para ele. Eu os encontro todos, quando renovo conhecimento, lamento-os todos quando remonto o rio, os valores ausentes, os vácuos palpáveis, os elos perdidos, as falsas sombras, que refletem, tomados juntos, o primeiro florir da nossa boa-fé.

    Tais casos, claro, longe estão de ser anormais — tão longe que alguma mente arguta certamente já deve a esta altura ter elaborado a lei da medida em que a energia do artista depende em larga escala da sua falibilidade. Quanto e com que frequência, e em que conexões e com que quase infinita variedade, ele deve ser enganado, por sua meta básica, para chegar a ser incalculável um mestre, no seu substituto de fato para ela — ou, em outras palavras, existir simplesmente? Ele põe, após uma séria pesquisa, os pilares da sua ponte — pelo menos sondou suficientemente fundo, sabe Deus, para a valente posição deles; no entanto, a ponte transpõe o rio, após o fato, em independência aparentemente total dessas propriedades, a principal graça do projeto original. Elas eram uma ilusão, para o seu necessário momento; mas o próprio arco, seja único ou sejam muitos, parece pelo mais estranho acaso do mundo ser uma realidade; uma vez que, na verdade, o triste construtor, passando sob ela, vê figuras e ouve sons acima: percebe, com o coração na boca, que ela se sustenta e está a ser positivamente usada.

    A construção da consciência de Kate Croy para aguentar a carga sobre ela pouco a pouco depositado devia, à guisa de exemplo, ser uma questão de tantas centenas de tijolos compactos quantos, na verdade, há umas pobres dezenas. A imagem do seu pai tão comprometido e comprometedor devia efetivamente ter impregnado toda a sua vida, devia uma certa forma particular ter mexido com a sua origem; com o que quero dizer que a vergonha, a irritação e a depressão, a influência prejudicial geral dele deviam ter-se mostrado, com uma verdade além dos limites mesmos da nossa mais enfatizada palavra de honra sobre ela, para fazer essas coisas. Mas onde o encontramos, nesta altura, a não ser numa ou duas cenas indigentes que mal chegam à dignidade de uma referência funcional? Ele apenas dá uma espiada, pobre aparição bela e deslumbrante, maldita, que devia ter sido; vê o seu lugar de tal modo tomado, a sua companhia fazer tão pouca falta, que, inclinando de novo aquela bela forma de chapéu que por tanto tempo lhe proporcionou a sua única cobertura efetiva, dá as costas com um assobio de indiferença que nobremente disfarça a mais profunda frustração da sua vida. A nossa pobre palavra de honra teve de ser posta à prova para o espetáculo. Todos, em suma, deviam ter tido uma chance tão melhor que, como estrelas de teatro condescendendo em agradar, foram obrigados a aceitar pequenos papéis, contentar-se com identidades menores, a fim de, ao menos, aparecer. Não tenho a coragem agora, confesso, de acrescentar os detalhes de tantas importâncias perdidas; a explicação da maioria das quais, na verdade, atribuo à crueza de uma verdade que me esmaga nessas reconsiderações, à estranha constância com que cada quadro, a quase qualquer volta, tem ciúme do drama, e com que o drama (embora, em geral, com maior paciência, creio) suspeita do quadro. Juntos, sem dúvida, eles muito fazem pelo tema; contudo, cada um confunde insidiosamente o ideal do outro e rói pelas beiradas a sua posição; cada um está mais que disposto a dizer: Só posso tomar a coisa por ‘feita’ quando feita à minha maneira. O resíduo de conforto para a testemunha desses imbróglios está enquanto isso, por certo, na cómoda reflexão, para ela inventada no crepúsculo do tempo e na infância da arte pelo Anjo, para não dizer pelo Demônio, da Concessão, de que nada é tão fácil de fazer que não se possa agradecer por praticamente qualquer ajuda desgarrada ao fazê-lo. Não era, dessa maneira, realizando o nosso sonho de Lionel Croy que a minha estrutura ia se pôr de pé — não era mais que por deixá-lo partir que eu ia ficar perdido me lamentando. O quem e o que, o como e o porquê, o de onde e o para onde de Merton Densher, essas, não menos, eram quantidades e atributos que deviam ter dançado em volta dele com a graça antiga de ninfas e faunos circulando em torno de um suave Hermes e coroando-o com flores. A nossa principal ansiedade, por cada um dos nossos agentes, é que a ária de cada um seja atribuída, mas em que se torna a coisa toda, afinal, quando prosseguimos, se não numa série de tristes lugares nos quais a mão da generosidade foi caucionada e escorada? A situação do jovem, pessoal, profissional, social devia ter sido tão decantada para nós que deveríamos sentir todo o gosto; devíamos ter sido penetrados pela Sra. Lowder, da mesma forma, saturados com a sua presença, a sua personalidade, e sentindo todo o seu peso na balança. Devíamos ter folgado com a Sra. Stringham, a amiga acompanhante da minha heroína, a sua habitante de Boston bastante coral, um tema para inúmeros toques, e num extenso, e acima de tudo animado, reflexo da experiência da sociedade inglesa por Milly Theale; assim como a força e o senso da situação em Veneza, para os nossos amigos reunidos, deviam chegar-nos num gole mais longo de uma taça maior, e como o desenho da posição final de Densher, e a sua mais plena consciência, deviam ter sido marcados em finos pontos de bordado, só ouro e seda, cor-de-rosa e prata, que tiveram de permanecer, ai de mim, enrolados no carretel.

    Não é, porém, claro — para retomar, afinal, o nosso equilíbrio crítico — que o desenho não chegasse, em cada compartimento importante, a ser bordado, e que não pudéssemos assim, trecho por trecho, oferecendo-se a oportunidade, riscá-lo e examiná-lo. A coisa tem sem dúvida, todo, a vantagem de que cada trecho é fiel a seu desenho, e de que, embora a declaração de princípios que pretenda fazer não seja simples, ainda assim revela o seu esquema de clareza. As aplicações desse esquema são contínuas e muito exemplares, embora eu mal permita-me espaço para vê-las. A clareza é obtida no Livro Primeiro — ou em outras palavras, como eu disse, na primeira peça, cada Livro tendo o seu desenho subordinado e contributivo — pela consciência combinada dos meus dois jovens, para os quais logo reconheci que teria de consentir, sob pressão, com uma fusão prática de consciência. É na compreensão da moça que Merton Densher é representado a nadar; mas a mente dela não é aqui, rigorosamente, o único refletor. Há ocasiões em que desempenha esse papel, assim como em outras é a consciência dele quem o faz, e um plano inteligível consiste não pouco, naturalmente, em fixar tais ocasiões e torná-las, de um lado e de outro, autossuficientes. Desperdiço eu, na verdade, a vantagem dessa distinção? Alguma vez abandono um centro por outro, depois de o primeiro ter sido postulado? Do momento em que avançamos por centros — e eu jamais, confesso, abracei a lógica de qualquer processo superior —, eles têm de ser, cada um, como uma base, escolhida e fixada; e só após isso é que, no alto interesse da economia do tratamento, determinam e governam. Não há economia de tratamento sem um ponto de vista adotado, relacionado, e embora eu entenda, sob certos graus de pressão, uma comunidade de visão representada entre várias partes da ação quando pede concentração, não entendo quebra do registro, sacrifício da consistência do registro, que antes não disperse e enfraqueça. Nessa verdade reside com o segredo da ocasião discriminada — aquele aspecto do tema que temos a nossa observada escolha de tratar como um quadro ou cenicamente, mas que pode, creio, mostrar o seu mais completo valor na Cena. Belas demais, aliás, essas ocasiões ou partes de ocasiões em que alinha divisória entre quadro e cena suportam um pouco o peso da dupla pressão.

    Isso se daria, suponho, com o longo trecho que forma aqui diante de nós a abertura do Livro Quarto, onde toda a vida apresentada se centra, com intensidade, na revelação da pulsante consciência individual de Milly, mas onde, para uma devida apresentação, tudo tem de ser levado a um clímax. Esse trecho, a visão da introdução ao círculo da Sra. Lowder, tem o seu par, para ilustração, mais adiante no livro e numa crise para a qual a ocasião se submete a outra regra. Os meus registradores ou refletores, como os chamo convenientemente (polidos como são, em geral, pela inteligência, pela curiosidade, pela paixão, pela força do impulso, seja lá o que for que os dirige), atuam, como vimos, em ordenada alternância; de modo que na segunda conexão que aqui observo é Kate Croy quem está ligada, com tudo que tem. Está ligada em grande parte em Veneza, onde as aparências, ricas, obscuras e portentosas (outra palavra que me delicia) como a esta altura já se tornaram, e completamente perfeitas como continuam a ser, são tratadas quase inteiramente através da visão dela e de Densher (quanto à lúcida interação desses agentes conflitantes e conspiratórios, muito haveria a dizer).

    É na consciência de Kate que no estágio em questão o drama é levado a um clímax, e ocasião na qual, no esplêndido salão do palácio alugado da pobre Milly, ela toma a medida da festiva soirée dos amigos, se mede com a mesma firmeza sintética do compacto bloco de construção inserido pela cena em Lancaster Gate. A situação de Milly deixa num determinado ponto de ser apresentável em termos mais íntimos que os oferecidos pela inteligência de Kate, ou, num grau mais rico, pela de Densher, ou, por uma carinhosa hora, pela da pobre Sra. Stringham (uma vez que a essa única breve futilidade se vê esta última participante, coroada no meu plano original com as mais pitorescas funções, na verdade, reduzida); assim como a relação de Kate com Densher e a de Densher com Kate deixaram anteriormente, e vão deixar de novo, de ser projetadas para nós, no que diz respeito a Milly, em qualquer lâmina mais reativa que a da admirável ansiedade desta última. É como se, para esses aspectos, a lâmina impessoal — em outras palavras, a afirmação relativamente fria ou a ténue palavra do pobre autor — se sentisse uma figura de comprovação demasiado grosseira e exausto ao mesmo tempo, com a probabilidade de nos pareceres um abuso de privilégio, quando não de conhecimento.

    Não queira Deus, dizemos a nós mesmos durante quase todo o clímax veneziano, não queira Deus que saibamos nada mais da nossa devastada irmã do que o que Densher tristemente vai a juntar, ou do que o que Kate Cray paga, heroicamente, deve-se admitir, na hora da sua visita sozinha aos aposentos de Densher, por sua atitude superior e a sua profanação. Pois, temos tempo, enquanto dura esse trecho, de olhar em volta criticamente; temos tempo de reconhecer as intenções e etiquetas; temos tempo de captar vislumbres de uma economia de composição, como digo, interessante em si: tudo isso apesar do desespero dificilmente mais que dissimulado do autor com o constante deslocamento do seu centro geral. As Asas da Pomba oferecem talvez o mais impressionante exemplo que posso citar (embora com penitência pública por ele já paga) da minha incapacidade de manter sempre iguais às metades indicadas do meu todo. Aqui o precário meio — do qual o melhor que posso dizer é que é sempre triste, e nunca impudente — reina com ainda mais que a sua costumeira compunção, embora também passando talvez com mais que o seu habitual artesanato. Em parte alguma, lembro-me, a necessidade de dissimulação se pareceu tanto com a angústia; em parte alguma condenei eu um infeliz tema a concluir a sua revolução, carregado com o acúmulo das suas. Dificuldades, as dificuldades que surgem com o desenvolvimento de um tema, em ambientes tão acanhados. Por certo, como sabe todo romancista, é a dificuldade que inspira; apenas, para aquele encanto perfeito, deve ser uma dificuldade inerente e congénita, não uma dificuldade contraída das companhias erradas. A última metade, ou seja, a metade falsa e deformada, de As Asas…, formaria realmente, penso, uma lição-objeto sinalizara para um crítico literário decidido a melhorar a sua ocasião em proveito do artista em botão. Todo esse canto do quadro está eriçado de fintas — como ele se sentiria demasiado comprometido em reconhecer e denunciar — para ocultar a escala induzida da exposição, para encurtar a qualquer preço, para atribuir a remendos o valor de presenças, para dar aos objetos um ar semelhante ao das dimensões que não podem ter. Assim, ele estaria livre para mostrar que teia emaranhada tecemos quando — bem, quando, por colocar as coisas no lugar errado ou por outro motivo, temos de produzir a ilusão da extensão. Aí está um serviço à altura da maioria dos nossos controladores — e com o interesse por eles bastante realçado pela astuta busca preliminar do ponto onde começou a deformidade.

    Eu não só não reconheço enquanto isso, durante todo o longo trecho inicial do livro, nenhuma deformidade, como, creio, há uma aplicação decididamente estrita e feliz do método, cujas mantidas consistências, muitas vezes ilusórias, mas na verdade jamais ausentes, seria um tanto divertido, e talvez de algum proveito, acompanhar. A tarefa aceita pelo autor no início foi sugerir com vigor a natureza do laço formado entre os dois jovens primeiramente apresentados — dar toda a impressão de seu singular ardor, preocupado e perplexo, mas constante e confiante. O quadro formado, até onde pode ser, é o de um par de naturezas quase consumidas pelo senso de sua íntima afinidade e harmonia, a reciprocidade de seu desejo, e assim apaixonadamente impacientes com as barreiras e demoras, mas com qualidades de inteligência e caráter que, enquanto isso, podem usar para o enriquecimento de sua relação, a ampliação de sua perspectiva e o apoio do seu jogo.

    Estão longe de ser um casal comum, Merton Densher e Kate Croy, como convém à notável maneira como a fortuna iria tocaiá-los e a oportunidade distinguidos — toda a estranha verdade da reação deles cuja abertura não envolve também, em sua ordem, qualquer arte vulgar de exposição; mas o que eles mais têm a nos dizer é que, inteiramente inconscientes e com a maior fé do mundo, pela simples forçados termos de sua paixão superior, combinada com sua diplomacia superior, estão deitando uma armadilha para a grande inocência entrar. Embora me agrade, como já confessei, a aparência portentosa, talvez jamais lhe devesse dar um tão alto valor quanto toda essa provisão de forças involuntariamente querendo cercar minha ávida heroína (para o eventual profundo arrepio de sua avidez) como resultado de seu simples ato de erguer um ferrolho. Infinitamente interessante, essa aparência, para levar a relação dos outros até o ponto em que sua dolorosa agitação, sua necessidade de afirmar-se de outro modo que não por uma exasperada paciência, encontra como com instintivo alívio e reconhecimento as possibilidades que brilham para Milly Theale. Infinitamente interessante para preparar e organizar, correspondentemente, as precipitações e riscos dessa jovem, construir, para o Drama essencialmente tomar posse, toda a luminosa casa em que ela é exposta.

    Essas referências, no entanto, refletem muito pouco do detalhe do tratamento imposto; detalhe como aquele e que eu, por exemplo, capto no fato da entrevista de Densher com a Sra. Lowder antes de ele partir para os Estados Unidos. Constitui, nesse quadro preliminar, o único trecho não estritamente visto por cima do ombro de Kate Croy; embora seja notável que imediatamente depois, no primeiro momento possível, de novo nos entreguemos à grande conveniência, como acontece de ser na hora, de respirar pelos pulmões da jovem. Mais uma vez, em outras palavras, antes que saibamos, a visão direta de Densher da cena em Lancaster Gate é substituída pela apreensão dela, sua assimilação contributiva, da experiência dele, funde-se de volta naquele acúmulo que estivemos, por assim dizer, poupando. Meu aparente desvio aqui conta pois como confusão? — uma das confusões que sempre brotam tão densas em qualquer solo que não produz motivos e determinações. Não, visivelmente não; pois eu decididamente abri a porta, como mostrará a leitura atenta dos primeiros dois Livros, para a comunidade subjetiva de meu jovem par. (Leitura atenta, confesso a propósito, é o que eu em cada ponto, como aqui, absolutamente invoco e espero; uma verdade, que aproveito esta ocasião para observar de uma vez por todas — no interesse daquela variedade de interesse que reina, me parece, na conexão. Constituindo, para mim, a fruição de uma obra de arte, a aceitação de uma ilusão irresistível, nossa mais alta experiência de luxo, o luxo não é maior, por minha consequente medida, quando a obra exige tão pouca atenção quanto possível. É maior, deliciosamente, divinamente grande, quando sentimos a superfície, como o gelo grosso do lago do esquiar, suportar sem rachar-se a mais forte pressão que lhe apliquemos. Podemos reconhecer o som da rachadura, mas jamais, certamente, chamá-lo de luxo. O fato de eu mal ter-me valido do privilégio de ver pelos olhos de Densher já é outro assunto; o problema é que eu tinha inteligentemente marcado minha necessidade possível, ocasional, dele. Assim, de qualquer modo, o bloco de construção dos primeiros dois Livros se forma compactamente. Um novo bloco, dos mais quadrados e não pouco dos mais lisos, começa com o Terceiro — com o que quero dizer, por certo, uma nova massa de interesse governada a partir de um novo centro. Aqui, mais uma vez, faço prudente provisão — para ter certeza de manter meu centro forte. Ele reside sobretudo, logo vemos, nas profundezas do caso de Milly Theale, onde, bem ao lado, no entanto, encontramos um refletor suplementar, o do espírito lúcido embora vacilante de sua dedicada amiga.

    A consciência mais ou menos combinada das duas mulheres trata assim, desigualmente, da face seguinte do tema apresentada — e o faz excluindo as outras; e se, por um particularíssimo momento, atribuo à Sra. Stringham a responsabilidade do apelo direto a nós, é mais uma vez, encantador relatar, em favor daquele jogo do portentoso que tanto me agrada como valor, e que, portanto, vivo sempre pondo em ação. Há uma hora da noite, nas alturas alpinas, em que se torna de última importância que nossa jovem testemunhe eminentemente nesse sentido. Mas como eu descobrira há muito tempo a bendita sabedoria de que não se deve incorrer nem fazer nenhum gasto, em qualquer canto do meu quadro, sem se manter uma imagem concreta de sua contabilidade, quer dizer, de que foi organicamente economizado, assim também, sob esse sistema, a Sra. Stringham tem de registrar a transação. O Livro Quinto é um novo bloco sobretudo por oferecer um novo conjunto de ocasiões, que readota, para sua ordem, o centro anterior, a agora quase completamente desenvolvida consciência de Milly. Em meu jogo, com renovado gosto, de usar portentos, tenho a essa altura toda a escolha daqueles que vão roçar essa superfície com uma asa negra. Eles são usados, em nosso proveito, num sistema elástico, mas definido; com o que quero dizer que, tendo de sondar um pouco fundo aqui e ali, como teste, para minha base de método, eu o encontro por toda parte obstinadamente presente. O sistema põe a ocasião em sintonia e assim a mantém, para repetir meu cansativo termo; o mais próximo que chego da confusão é quando às vezes — mas não com muita frequência — quebrou minhas ocasiões em pedacinhos. Alguns deles conseguem continuar amplos e realmente aspirando à lucidez superior, constante.

    Todo o centro de fato da obra, apoiado num pivô deslocado e alojado no Livro Quinto, pretende ter longo alcance, ou pelo menos uma menor abreviação — embora me mostrando, na leitura, o que acho impressionante, encantador e curioso, o instinto do autor, em toda parte, para a apresentação indireta de sua imagem principal. Observo como, repetidas vezes, pouco uso o direto — isto é, mostro Milly diretamente; esse processo é aliviado, sempre que pode, pelo recurso a um indireto mais generoso, mais caridoso: como para abordá-la por rodeios, tratar dela por procuração, como sempre se trata uma princesa imaculada; mantendo-se leve a pressão em toda a sua volta, tornando-se os sons, os movimentos regulados, as formas e ambiguidades cativantes. Tudo isso provém, é óbvio, da ternura da imaginação de seu pintor por ela, que o reduz a observá-la, por assim dizer, pelas sucessivas janelas do interesse dos outros por ela. Assim, já que falamos de princesas, as sacadas defronte dos portões do palácio, os recantos de vantagem e respeito desfrutados a um preço, vasculham de longe a mística figura na carruagem dourada que avança para a grande casa. Mas o uso que faço de janelas e sacadas é sem dúvida, na melhor das hipóteses, uma extravagância em si, e quanto ao que haverá para observar, dessa e de outras muitas sutilezas, outros aprimoramentos, de tato e gosto, percebo que transbordo meu espaço sem ter trazido a quantidade suficiente de luz. O fracasso me deixa com um fardo de comentário residual do qual ainda espero com ousadia me desincumbir em outra parte.

    LIVRO PRIMEIRO

    I

    Via, Kate Croy, esperava a vinda do pai, mas ele se fazia esperar, sem a menor consideração, e houve momentos em que a moça exibiu para si mesma, no espelho acima do console da lareira, um rosto decididamente pálido, com uma irritação que a levou a ponto de ir embora sem vê-lo. Nesse ponto, porém, parou; mudou de lugar, passando do gasto sofá para a poltrona, forrada com um tecido luzidio, que dava ao mesmo tempo — experimentara-a — uma sensação escorregadia e pegajosa. Olhara as amareladas gravuras nas paredes e a solitária revista de um ano atrás, que se combinavam, junto com um abajur de vidro colorido e um não muito novo pano de centro branco, de tricô, para realçar o efeito da toalha arroxeada sobre a mesa principal; acima de tudo, fora de vez em quando à pequena sacada, à qual dava acesso o par de portas-janela. Daquele ângulo, a ruazinha vulgar pouco alívio oferecia em relação à salinha vulgar; sua principal função era sugerir-lhe que as estreitas frontarias escuras, todas segundo um padrão que seria inferior mesmo para fundos, constituíam bem o espetáculo público sugerido por tais intimidades. Ela as sentia na sala do mesmo modo como sentia a sala — as centenas daquelas, ou piores — na rua. Toda vez que tornava a entrar, toda vez que, em sua impaciência, desistia de esperá-lo, era para sondar um abismo maior, sentindo a fraca emanação insípida das coisas, a ausência de fortuna e de honra.

    Se continuava a esperar, era na verdade, de certa forma, para não acrescentar a vergonha do medo, do colapso individual, pessoal, a todas as outras vergonhas. Sentir a rua, sentir a sala, sentir a toalha da mesa, o pano de centro e o abajur dava-lhe pelo menos um pequeno senso salutar de não se furtar nem mentir. Toda aquela visão era o pior até então — pois incluía em particular a entrevista para a qual se preparara; e para que viera, senão para o pior? Tentara ficar triste para não ficar com raiva, mas enraivecia-a não poder ficar triste. E, no entanto, onde estava a miséria, a miséria demasiado surrada para ser inculpada, e marcada a giz pelo destino como um lote numa hasta pública, senão naqueles cruéis sinais de simples e rançosos sentimentos mesquinhos?

    A vida do pai, da irmã, dela própria, dos dois irmãos que perdera toda a história de sua família parecia uma bela e volumosa frase floreada, até mesmo musical, digamos, que brotava primeiro em palavras e sons sem sentido, e depois, pairando inacabados, nem mesmo em palavras ou sons nenhuns. Por que seria um grupo de pessoas posto em movimento, em tal escala e com tal aparência de preparação para uma viagem proveitosa, apenas para desfazer-se sem um acidente, cair à beira da estrada sem um motivo? A resposta a essas perguntas não se achava na Rua Chirk, mas as próprias perguntas abundavam ali, e as repetidas pausas da moça diante do espelho e da lareira talvez representassem o mais perto de uma fuga a elas. A fuga parcial aquele pior em que se via mergulhada não estava de fato em poder fazer-se de novo apresentável? Ela olhava o espelho baço com demasiada intensidade para estar vendo realmente, apenas sua beleza. Rejeitava o equilíbrio do chapéu negro de plumas; retocava, por baixo, a densa cascata dos cabelos negros; enviesava os olhos não menos para o lado do que para a frente do belo oval. Vestia-se toda de preto, o que dava um tom uniforme, pelo contraste, ao rosto claro, e tornava os cabelos mais harmoniosamente negros. Do lado de fora, na sacada, os olhos mostravam-se azuis; dentro, no espelho, quase negros. Era bonita, mas o grau dessa beleza não era composto pelas partes e adornos; uma circunstância que, além do mais, quase sempre desempenhava seu papel na impressão que ela causava. Era uma impressão que li cava, mas para a qual nenhuma soma produziria o total. Tinha estatura sem altura, graça sem movimento, presença sem volume. Esguia e simples, frequentemente silenciosa, achava-se sempre, de alguma maneira, na linha do olhar para cujo prazer contava de maneira singular. Mais enfeitada, muitas vezes, com menos acessórios, do que as outras mulheres, ou menos enfeitada, se a ocasião o exigia, com mais, na certa não teria podido dar a chave desses acertos. Eram mistérios dos quais as amigas tinham consciência — as amigas cuja explicação geral era a inteligência dela, fosse ou não a explicação tomada pelo mundo como causa ou efeito de seu encanto. Se viam mais coisas que o belo rosto no espelho baço dos aposentos do pai, talvez fosse que afinal não era ela própria um dos fatores daquele colapso. Não se tinha em baixa estima, não se destinava à miséria. Pessoalmente, não, não estava marcada a giz para leilão. Ainda não desistira, e a frase interrompida, se fosse ela a última palavra, ia acabar tendo algum sentido. Houve um minuto durante o qual, embora tivesse os olhos fixos, se perdeu visivelmente na ideia de que ainda poderia dar um jeito em tudo se fosse homem. Era ao nome, acima de tudo, que deitaria mão o precioso nome de que tanto gostava e que, apesar do dano que seu desgraçado pai lhe causara, ainda não estava de todo perdido. Ela o amava na verdade, ao nome, com tanto mais ternura por essa ferida ensanguentada. Que mais podia uma moça sem vintém fazer com ele, senão largá-lo?

    Quando o pai por fim apareceu, ela teve, como de hábito, uma consciência instantânea da futilidade de qualquer esforço para prendê-lo a alguma coisa. Ele escrevera-lhe relatando que estava doente, doente demais para deixar o quarto, e que precisava vê-la sem demora; e se isso fora, como era provável, um esboço de desejo, ele era indiferente até mesmo ao moderado toque final necessário para enganar. Visivelmente quisera, pelas perversidades que chamava de seus motivos, vê-la, assim como ela própria se afiara para uma conversa; mas agora ela voltava a sentir, na inevitabilidade da liberdade que o pai empregava com ela, todo o antigo sofrimento, o sofrimento de sua pobre mãe, que ele não podia tocar em alguém, mesmo de leve, sem aprumo. Nenhuma relação com ele podia ser tão curta e superficial que de algum modo não machucasse os outros; e isso, da maneira mais estranha do mundo, não porque o desejasse — sentindo muitas vezes, como sem dúvida devia sentir, que era mais vantajoso para si não fazê-lo — mas porque não havia como alguém se enganar achando que podia ficar intacto, nem se convencer da impossibilidade de ele o abordar sem sair fortalecido. Podia tê-la esperado sentado no sofá de sua sala de visita, ou ficado na cama para recebê-la nessa situação. Ela estava satisfeita por ter sido poupada da visão de tais intimidades, mas isso lhe teria feito esquecer um pouco que nada era verdadeiro nele. Esse era o desgaste de cada novo encontro; o pai distribuía mentiras como faria com as cartas do seboso baralho velho do jogo de diplomacia que se tinha de fazer com ele. O inconveniente — como sempre acontece nesses casos — não era que ligássemos para o que era falso, mas que não viéssemos a saber o que era verdadeiro. Talvez estivesse doente, e talvez fosse bom sabê-lo, mas nenhum contato com ele, sobre isso, podia, em momento algum, ser suficientemente franco. Talvez até morresse, mas Kate se perguntava em que prova apresentada por ele próprio ela teria algum dia acreditado.

    O pai não descera de seu quarto, que ela sabia ficar acima da sala onde estavam: já havia saído de casa, embora, se ela o questionasse, ele negasse ou apresentasse isso como uma prova do extremo em que se encontrava. A essa altura, porém, ela deixará inteiramente de questioná-lo; não apenas, diante dele, desaparecia a inútil irritação, mas ele exalava uma tal consciência trágica que após um instante nada restava dela. O problema era que exalava não menos igualmente uma consciência cômica; ela quase acreditava que com esta última ainda poderia encontrar uma base a que apegar-se. Ele deixara de ser divertido — era na verdade demasiado desumano. Sua aparência impecável, que por tanto tempo o mantivera à tona, continuava praticamente impecável; mas há muito se contava com isso. E nada podia ter mostrado melhor como se estava certo. Ele tinha exatamente a mesma aparência de sempre — só rosa e prata na pele e nos cabelos, só aprumo e goma no corpo e nos trajes; o homem que menos associaríamos, no mundo, a qualquer coisa desagradável. Era muito particularmente o cavalheiro inglês, e a pessoa normal hem assentada na vida. Visto a uma table d’hôte estrangeira, sugeria apenas uma coisa: Com que perfeição a Inglaterra os produz! Tinha olhos bondosos, confiáveis, e uma voz que, apesar da clara sonoridade, contava a calma história de que jamais tivera de ser levantada. A vida, assim, viera ao seu encontro, voltara-se para andar com ele, dando-lhe o braço e deixando-o afetuosamente escolher o passo. Os que o conheciam um pouco diziam: Como ele se veste! — os que o conheciam melhor diziam: Como é que ele faz? O único e deslocado vislumbre de comédia agora, aos olhos da filha, era o absurdo senso que a fazia ter de que era reverenciada" por ele naquelas sórdidas instalações. Por um minuto, depois que ele entrou, foi como se a casa fosse dela, e ele o visitante cheio de susceptibilidades. Causava-lhe sentimentos absurdos, tinha artes incríveis, que quase invertiam as situações: era sempre assim que vinha ver a mãe dela, desde que a mãe quisesse vê-lo. Vinha de lugares dos quais elas muitas vezes não sabiam, mas preferia Lexham Gardens. A única verdadeira expressão de impaciência de Kate, porém, foi:

    — Fico contente por vê-lo tão melhor!

    — Não estou tão melhor assim, minha cara... não estou nada bem; a prova disso é que saí precisamente para ir ao farmacêutico... aquele animal da esquina. — Assim o Sr. Croy mostrava que podia qualificar a humilde mão que o aliviava. — Estou tomando uma coisa que ele preparou para mim. Foi exatamente por isso que mandei chamá-la... para que possa me ver como de fato estou.

    — Ah, papai, faz tanto tempo que deixei de vê-lo de outro modo que não aquele como é de fato! Creio que todos já chegamos a essa altura à palavra certa para isso: "Você é magnífico... n’en parlons plus." Está tão magnífico quanto sempre esteve... lindo."

    Ele julgava, enquanto isso, a aparência da filha, como ela sabia que sempre podia esperar que o fizesse; reconhecendo, avaliando, às vezes desaprovando, o que ela usava, mostrando-lhe o interesse que continuava a ter por ela. Na verdade, talvez nem tivesse nenhum, mas ela se sabia, praticamente, a criatura no mundo a quem ele era menos indiferente. Muitas vezes se perguntara o que na terra, no ponto a que ele chegara, poderia lhe dar prazer, e retornara nessas ocasiões a isso. Dava-lhe prazer que ela fosse bonita, que fosse à sua maneira um valor tangível. Era pelo menos

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