Preparação de Atores na Ficção Televisiva Brasileira
By João Taero
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Afinal, também existe preparação de atores na televisão da forma como ouvimos falar no cinema? Eles ensaiam como no teatro? Teriam tempo para isso? Mergulhar nesse universo é encantador. No mundo do faz de conta da TV, os artistas podem viver diferentes vidas em ciclos de sete ou nove meses, em histórias que desafiam a realidade e nos prendem até o último capítulo.
Neste livro, vamos conhecer um pouco de como esse processo acontece na TV Globo – a maior produtora de ficção televisa do Brasil e uma das mais conceituadas do mundo. Dois grandes preparadores foram entrevistados e a diversidade de seus trabalhos é surpreendente.
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Preparação de Atores na Ficção Televisiva Brasileira - João Taero
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
Para aqueles que, em tempos difíceis, assim como Bertolt Brecht,
acreditam no potencial revelador da arte.
AGRADECIMENTOS
Se é impossível ser feliz sozinho – como dizia João Gilberto – quem dirá escrever um livro.
Não serei eu a quebrar a tradição: preciso agradecer à minha família antes de tudo. Principalmente aos meus pais, João e Gina, e ao meu avô, Geraldo, que acompanharam tudo de perto.
Volto aos tempos de graduação na Unesp de Bauru. Tempo de gente querida, de amigos verdadeiros que levarei para toda a vida. Um agradecimento especial aos professores que me iniciaram nessa carreira: Angélica, Loriza, Magê, Letícia, Larissa e Ana Sílvia.
Minha fase na UFJF foi fundamental na construção deste livro, afinal ele é fruto da dissertação de mestrado que defendi, no Instituto de Artes e Design, em 2016. Minha orientadora, Alessandra Brum, foi peça chave nesse processo. Confiou na minha proposta e se mostrou aberta desde o primeiro contato. Oxalá todos os orientadores fossem assim. Ainda pelo IAD, agradeço aos professores Luís, Preciosa, Raquel, Renata e Virgínia.
Agradeço, também, ao Globo Universidade, pelo fomento à pesquisa; à TV Globo, pela liberação dos entrevistados; e ao Obitel Brasil/CETVN-USP pelos dados compartilhados. Cito aqui, especialmente, Juan Crisafulli, Chico Accioly e Andrea Cavalcanti.
Termino agradecendo à Rede Jesuíta de Educação pelos anos de pareceria, especialmente ao meu diretor, Alexandre Barbosa. Sem me esquecer dos alicerces, volto à época de aluno e agradeço àquelas que me ensinaram a respirar arte: Lucy, Virgínia, Suemis e Zorilda.
Et verbum caro factum est.
APRESENTAÇÃO
A ficção sempre esteve presente em minha vida. Subi ao palco pela primeira vez aos cinco anos de idade. Assistia às tramas infantis na televisão e imitava os atores mirins em casa. Lembro-me da primeira novela que assisti como telespectador assíduo, aos sete: O Mapa da Mina. Ficava com os olhos grudados na TV tentando desvendar o grande mistério Q-7 T-11
. Sem saber, lá também estava o meu tesouro. Depois, aos 12 anos, comecei a participar do teatro escolar e, aos 15, me matriculei no primeiro curso regular. Daí em diante não me separei da ficção.
Vivo o paradoxo de ter uma profissão para não ter uma profissão. Afinal, para que escolher ser alguma coisa se posso ser todas? Foi isso o que me atraiu para o ofício à primeira vista. A possibilidade de viver vidas diferentes, de experimentar novos rumos, conhecer a fundo o bem e o mal – tudo isso me fascinava. Logo tive contato com as grandes teorias do teatro – as quais me acompanham até hoje. Ficava imbuído dos exercícios no desejo de conhecer tudo o que meu corpo e minha mente poderiam realizar. Achamos clichê ouvir um ator dizer que está sempre aprendendo, mas é a mais pura verdade. O trabalho do ator consigo mesmo nunca acaba. Ele é como um atleta que sempre expande seus limites físicos. Sinto em mim que nunca conhecerei a totalidade de minha extensão vocal, de minha elasticidade corporal ou, tão pouco, da profundidade da minha mente. Ser ator é ter a humildade e a consciência de que nunca se está 100% pronto. E numa época de fetichismo pela fama e prestígio social, lembro-me dos ensinamentos de Stanislavski: amar a arte em nós e não a nós mesmos na arte
. Oxalá todos os aspirantes à carreira pensassem assim.
Tenho o palco e o estúdio como meu segundo lar. Embora ainda faça minhas experimentações no teatro de arte, deixei de atuar em 2006. Tive excelentes diretores que me ensinaram a trabalhar de diferentes maneiras. Testei Stanislavski, Grotowski, Brecht, Diderot, fiz o maldito exercício da sementinha inúmeras vezes. Mas sentia a falta de alguma coisa. Talvez a passagem pelas ciências exatas tenha deixado arraigado em mim o pensamento cartesiano. Eu precisava entender o porquê das coisas. Confesso que algumas abstrações me incomodavam. Longe de mim desacreditar do potencial de abstração ou da inspiração que faz a arte ser arte e não realidade. Mas algumas coisas – como o tal exercício da semente – soavam-me piegas demais. Questionava, inclusive, a memória emotiva de Stanislavski, base da interpretação da maioria dos atores.
Foi aí que me mudei para os bastidores. Queria, enquanto diretor, encontrar novos caminhos e respostas a partir do trabalho com outros atores. Desbravei livros, conheci outros profissionais, conversei com muita gente, trabalhei com outras tantas. Experimentei o cinema na universidade e fiz a ponte com a TV. Trabalhar com ficção televisiva é, ao mesmo tempo, insano e fascinante. Mas, mesmo em ambientes diferentes, percebia que sempre nos apoiávamos na experiência estrangeira.
Ainda não estava satisfeito. Era preciso estudar a fundo a grande teoria. Mergulhei, então, no universo acadêmico e descobri minha segunda paixão. Logo na graduação, tratei de explorar a conexão entre diferentes sistemas de atuação, mostrando a gradativa evolução entre eles; apoiam-se uns nos outros e tratam de encontrar respostas para problemas não solucionados pelos antecessores. Mas a teoria de nada adianta se não for aplicada para fins práticos. Foi então que, no mestrado, busquei compreender como as técnicas são aplicadas no cotidiano dos atores. E, não por acaso, escolhi a ficção televisiva como objeto. Muita gente torce o nariz
para as telenovelas e minisséries nacionais. Ser um produto da indústria cultural ainda acarreta o estigma do distanciamento da arte. De fato, gravar 40 cenas diárias exige certo grau de agilidade e não permite o aprofundamento em todas as partes história. Mas assim é nossa raiz melodramática e o que faz da telenovela brasileira um produto tão peculiar.
Receber um calhamaço de texto e decorá-lo para o dia seguinte não é tarefa fácil. Pior ainda quando chega uma errata minutos antes das gravações. E como o ator consegue estar preparado para isso tudo? Não apenas em disposição física ou capacidade mental, mas, sobretudo, em sua faculdade criativa; sustentar uma personagem esférica que evolui dia após dia, que não apenas repete seu discurso em cada sessão, atendo à sua continuidade. Isso me intrigava. Debrucei-me sobre a prática e sobre o cotidiano da preparação dos atores.
O resultado deste trabalho busca clarear o imaginário construído em torno do artista de televisão e ilustrar, de maneira concreta, sua rotina de trabalho. Não desvendo nenhuma fórmula secreta, nem pretendo indicar um novo sistema. Pelo contrário, investigo as diversas formas de se contornar os obstáculos de uma atuação que muitas vezes é pautada pelo curto tempo de preparo, pela longa exposição e pela potencialidade do seu alcance.
Meu desejo aqui é, também, reconhecer e valorizar o trabalho desses profissionais – sejam eles artistas ou técnicos; é mostrar que, em um país cujo teatro e cinema não recebem a devida atenção, a ficção televisa se estabelece como produto artístico-cultural de uma nação e garante a subsistência de muitos trabalhadores da classe artística.
Sumário
1
INTRODUÇÃO
2
MAS... TELENOVELA?
2.1 | Sobre a ficção televisiva brasileira
2.2 | Sobre a telenovela na contemporaneidade
2.3 | A TV Globo no contexto da ficção televisiva
3
QUANTO À PREPARAÇÃO DE ATORES
3.1 | Da preparação no teatro
3.2 | Da preparação no cinema
4
PREPARAÇÃO DE ATORES NA FICÇÃO TELEVISIVA BRASILEIRA
4.1 | Caminhos opostos
4.2 | Processo técnico
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
APÊNCIDE A
ENTREVISTA COM CHICO ACCIOLY
APÊNDICE B
ENTREVISTA COM ANDREA CAVALCANTI
1
INTRODUÇÃO
Aqueles que passaram pela epígrafe se depararam com uma das mais famosas passagens bíblicas: et verbum caro factum est¹. Não se trata aqui de algo de cunho religioso ou coisa do tipo. Falo, e da maneira mais simples, sobre o trabalho do ator. Afinal, um roteiro sem atores seria literatura. A figura do ator é chave para a construção do discurso dramático. Téspis², na Grécia Antiga, séculos antes do cristianismo, já sabia disso: construía um discurso de realidade paralela e não proclamava por si próprio; dava vida a um segundo indivíduo. Ainda que efemeramente, o ator torna palpável algo que antes se atinha ao mundo das ideias. É ele quem encarna a vida concebida no papel – seja na ribalta ou frente às câmeras. O trabalho do ator é o ponto central deste livro.
É notório que a academia tem aberto suas portas cada vez mais à teledramaturgia e à legitimação dos produtos da indústria cultural. Nesse sentido, o Observatório Ibero-Americano da Ficção Televisiva³ tem