Jovens, Paz e Televisão, uma Relação Possível?
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Essa influência da TV aberta desempenha papel importante no processo de socialização desses jovens, e as falas registradas mostram que as mensagens recebidas (telenovelas/telejornais) são discutidas e reinterpretadas como parte de um processo contínuo de autoentendimento.
Embora vistos superficialmente pela mídia local e pela sociedade, que os enxerga como marginais e violentos, esta obra mostra que a ideia de paz está presente na forma como esses moradores veem o bairro e os valores – como a solidariedade, o respeito ao outro e a convivência com as diferenças – que afirmam praticar.
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Jovens, Paz e Televisão, uma Relação Possível? - Vera Lúcia Rolim Salles
Jovens, paz e televisão,
uma relação possível?
Vera Lúcia Rolim Salles
Jovens, paz e televisão,
uma relação possível?
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
Em memória dos meus queridos pais, que sempre me incentivaram e com os quais aprendi a importância de adquirir o conhecimento e de poder transmiti-lo.
AGRADECIMENTOS
Em memória, à minha orientadora, professora Leila Blass, da PUC-SP, curso de Ciências Sociais, que muito auxiliou na realização desta obra.
Ao ex-aluno e jornalista Pedro Aragão do curso de Jornalismo do departamento de Comunicação da Universidade Federal do Maranhão, que contribuiu na edição deste livro.
Aos jovens moradores do bairro Vila Embratel que possibilitaram a escuta destas falas transcritas que raramente ocupam espaço na mídia televisiva.
Aos movimentos pela paz, em especial ao Instituto Palas Athena, por intermédio da Prof.ª Lia Diskin, com a qual iniciei meu aprendizado sobre os Conselhos de Paz.
Ao amigo Hamilton Faria, que me introduziu no caminho da paz que venho trilhando desde 2000.
A força gerada pela não violência é infinitamente maior do que a força de todas as armas inventadas pela engenhosidade do homem
(Mahatma Gandhi)
PREFÁCIO
A criação de uma cultura de paz talvez seja o maior desafio contemporâneo, pois sabemos que a nossa construção civilizatória se deu com violências de todas as espécies, e o modo de vida das sociedades modernas não plantou a convivência necessária até este momento da história. Por outro lado, a cultura da violência povoou os processos de mudança; não podemos negar que as transformações trouxeram valores importantes, mas também enunciaram outras dominações sobre o corpo, a mente e o espírito das sociedades e pessoas.
No entanto, em uma mudança de época como a que estamos vivendo hoje, torna-se fundamental que avistemos outros caminhos civilizatórios. E estes devem ser pautados por modos de vida que fraternizem a condição humana, que nutram outras alianças com a natureza, possam equilibrar a convivência e fazer com que se aproximem experiências individuais e coletivas. Maria Zambrano (1904-1991), escritora e filósofa espanhola, disse que a cultura de paz é um modo de viver, um modo de habitar o planeta, um modo de ser pessoa
.
Com essa consciência, Vera Salles busca refletir sobre o impacto da televisão aberta na formação e socialização dos jovens, captando a percepção de jovens da Vila Embratel, São Luís, Maranhão, na criação de um imaginário de paz.
Até que ponto a televisão forma o imaginário social do jovem, como ele é reelaborado em suas práticas sociais? É possível construir um imaginário de paz com a violência dos meios? A democratização dos meios é vital para construção de novos processos de convivência? São perguntas respondidas, ou respostas sinalizadas nesta obra.
É necessário destacar que o livro trata também de temas e questões fundamentais para o Brasil superar a sua dívida histórica social e cultural, pois qualquer projeto de sociedade, por menos ambicioso que seja, passa inexoravelmente pela condição das juventudes, pela mídia e pela cultura de paz.
As juventudes hoje assumem um importante protagonismo na história brasileira, com suas expressões e manifestações artísticas, criação de novas oportunidades de economia solidária, participação eloquente nas redes sociais. Formam opiniões e resistência à mercantilização da vida, com ocupação de espaços e lugares públicos, com a presença em coletivos jovens, a prática da desobediência civil e a criação de políticas públicas de cultura em todo o país. Estamos diante de sujeitos políticos e culturais que fazem a diferença no processo de criação da cidadania e da própria vida.
Mesmo considerando a pobreza dos valores vigentes, a desagregação das famílias, o colapso da escola e da sociabilidade urbana, as juventudes reinventam-se com novos significados em suas práticas culturais; contribuem sobremaneira para a emergência de novos atores, que mexem com conceitos de democracia, modos de convivência, saberes e de experiências.
Temos também novas estéticas, embora ainda marcadas pela defesa de territórios, pela resistência ao mundo das elites, pela afirmação de culturas. Muitos dos projetos sociais da atualidade mostram de modo geral novas faces de uma arte com marca local e periférica, emergente de coletivos jovens, visível nas exposições, saraus, livros, debates sobre gênero e raça. Com atuação nos territórios e equipamentos culturais constroem novas linguagens e poéticas, contribuindo assim para outro campo de sentimentos estéticos e linguagens artísticas. As culturas periféricas afirmam a sua condição protagônica nos centros urbanos, nas políticas públicas e como componente essencial da diversidade cultural e do direito à cidade.
Finalmente, o foco do trabalho pioneiro da autora da obra: as mídias. Estas, sem dúvida, constroem realidades e imaginários da sociedade como um todo e dos jovens, chamando-os para a vida do consumo, da inversão de valores, da banalização dos significados da existência, do ser jovem como modo de vida glamoroso, além de trazer imaginários de violência direta, estrutural e cultural.
No entanto, é possível o jovem reelaborar esses conceitos, pela dúvida em relação aos meios e com utilização da televisão? Vera Salles mostra que os meios, infundindo sentimentos e emoções, com sua gama de valores, não conduzem os jovens a uma visão única de mundo, ou reforçam apenas a padronização de visão e comportamentos.
Seriam os jovens apenas produto das mídias que domesticariam o seu imaginário conduzindo-o à acomodação, à normose
? Ou, apesar das mídias, que são múltiplas, há apropriação jovem (o jovem se apropria) dos meios para outras finalidades e sentidos? O livro nos faz pensar caminhos para o entendimento dessas questões fulcrais para o debate contemporâneo, mostrando a ampliação de repertórios e produção de novos sentidos, com interpretações diferenciadas das informações midiáticas.
A autora está ancorada em conceitos e bibliografia que abrem os leques para a percepção dos jovens e os conecta com as emergências contemporâneas. Em relação à cultura de paz, utiliza reflexões também a partir de sua própria história, fruto dos seus estudos e participação em movimentos de formação de conselhos de paz em São Paulo, e na coordenação do projeto Comunicapaz, criado em 2010, que funcionou como projeto de pesquisa participativa durante cinco anos no espaço do Núcleo de Extensão da Universidade Federal do Maranhão. Logo, sabe do que está falando, sobretudo da importância dessa agenda para a sociedade.
Ao lermos trabalhos dessa natureza, percebemos que estamos em outro momento da história, ao vermos conexões entre jovens, mídias e cultura de paz iluminando experiências capazes de contribuir para a formação de outros imaginários que semeiam novas poéticas nas vivências da humanidade.
Parece que estamos diante do recrudescimento das violências, mas também de novas culturas de paz, territórios formados de outros atores, sentidos e significados; e valores que não têm preço. O que torna o mundo também pleno de novas potências para a criação de vidas significativas.
Hamilton Faria
Poeta, sociólogo e agente de cultura de paz.
APRESENTAÇÃO
Gandhi dizia que se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova
. Para construir um mundo onde a paz predomine, há que se trabalhar o imaginário social do jovem, e, principalmente, a sua relação com a mídia tradicional.
Foi a partir dos movimentos sociais que participei em São Paulo, notadamente o Conselho Parlamentar pela Cultura de Paz, por intermédio da atuação da ONG Palas Athenas, que comecei a refletir sobre a cultura de paz e sua relação com o segmento jovem.
Quando fui trabalhar na Universidade Federal do Maranhão (UFMA) na cidade de São Luís, a ideia de desenvolver um estudo que abordasse essa temática tomou corpo principalmente porque o papel dos jovens na sociedade brasileira sempre foi uma das minhas inquietações, que, inclusive se acentuaram, depois que trabalhei no escritório do Unicef/MA. Lá conheci o local que depois escolhi para dar continuidade a essa pesquisa: o Núcleo de Extensão da UFMA, o Neve.
Ao entrar em contato com os jovens do bairro Vila Embratel, localizado na periferia de São Luís, pude constatar que a televisão aberta desempenhava um papel preponderante em suas vidas na medida em que passavam de quatro a oito horas do tempo livre assistindo às telenovelas e aos telejornais.
Assim surgiu a ideia deste livro, que se divide em duas partes. A primeira trata da questão dos jovens relacionada ao imaginário social e do papel da televisão na vida dos jovens.
A segunda contextualiza a fala dos jovens da Vila Embratel, traça um perfil socioeconômico, mostra a formação do bairro em que vivem, as atividades desenvolvidas no Neve, o papel da televisão no processo de socialização desses jovens e o imaginário de paz que constroem a partir desses contatos.
Quando este estudo foi realizado, não havia a proliferação dos celulares e, em decorrência, o acesso às redes sociais via internet, mas, mesmo assim, verificamos que o consumo de televisão do brasileiro cresceu uma hora em 10 anos, segundo estudo da Kantar Ibope Media. Em 2007, o telespectador passava cerca de cinco horas e 11 minutos assistindo à TV diariamente e em 2017, esse tempo médio passou para seis horas e 17 minutos.
Também na época em que realizamos essa investigação, a Rede Globo de Televisão alcançava elevados índices de audiência; segundo o Ibope, em 2008, a emissora registrava 19.5 e esse percentual começou a cair a partir de 2014, quando a mídia digital passou a concorrer por meio dos blogs, sites e celulares.
Na realidade, a televisão aberta continua desempenhando papel importante no processo de socialização do segmento jovem e seria necessário e urgente que os responsáveis pelos programas televisivos procurassem reverter o discurso da violência predominante nos seus conteúdos, principalmente nas telenovelas e nos telejornais. Acredito que esse seria, sem dúvida, um caminho para evitar a propagação de preconceitos e disseminação de discursos que pregam a intolerância e o ódio, dando maior visibilidade às juventudes e à relação que desenvolvem com o imaginário de paz.
A autora
Sumário
1
INTRODUÇÃO 19
1.1 Os jovens e a paz 22
1.2 O bairro Vila Embratel 27
2
JOVENS E JUVENTUDES 33
2.1 Condição juvenil e estigmas 33
2.2 Lazer e televisão 35
2.3 A preferência pela televisão 41
2.4 Televisão e processo de socialização 43
3
IMAGINÁRIO DE PAZ 47
3.1 Violência, paz e suas definições 47
3.2 Cultura de paz e a Unesco 51
3.3 Intelectuais e pacifistas 54
3.4 Imaginário social e ideia de paz