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Mr. Fisk: A trajetória do presidente de uma das maiores redes de escolas de idiomas do mundo
Mr. Fisk: A trajetória do presidente de uma das maiores redes de escolas de idiomas do mundo
Mr. Fisk: A trajetória do presidente de uma das maiores redes de escolas de idiomas do mundo
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Mr. Fisk: A trajetória do presidente de uma das maiores redes de escolas de idiomas do mundo

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About this ebook

O livro Mr. Fisk, lançado pela editora Novo Século, revela a trajetória e o perfil empreendedor de Richard Hugh Fisk, presidente da rede de idiomas Fisk, uma das maiores redes independentes de ensino (inglês, espanhol, informática e português para brasileiros) do país.
A mostra desse perfil empreendedor de Richard Hugh Fisk se revela através da parceria que eles acabam de fechar com o Corinthians. O patrocínio inclui direito de uso de imagem de atletas, utilização pelo clube de produtos e serviços da rede de ensino, e há um projeto para criação de uma unidade Fisk no Centro de Treinamento do Corinthians em São Paulo, além do tradicional uso da marca Fisk, com destaque, nas camisetas dos jogadores (frente e costas).
A parceria é mais uma mostra do ineditismo da empresa, que há anos investe em marketing esportivo, da determinação e da esperança do presidente da Fundação, Richard Hugh Fisk e que tem como frase: "Se eu acertar 50% das minhas ações,serei um sucesso".
Mr. Fisk é o resultado de 100 horas de entrevistas que o jornalista Elias Awad fez com o empresário.
A obra é uma lição de vida ao relatar detalhadamente esses obstáculos e como Mr. Fisk transformou determinadas situações em grandes oportunidades. O leitor terá conhecimento das dificuldades desde sua infância, da experiência vivida em campos de batalha na Segunda Guerra Mundial, até a chegada ao Brasil em 1949, quando desenvolveu o seu maior acerto, o "Método Fisk de Ensino".
Hoje, este método é usado em todos os Estados brasileiros e ainda em alguns países como Estados Unidos, Japão, Argentina, Angola, entre outros.
LanguagePortuguês
Release dateApr 8, 2020
ISBN9786586033236
Mr. Fisk: A trajetória do presidente de uma das maiores redes de escolas de idiomas do mundo

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    Mr. Fisk - Elias Awad

    Capítulo l

    Nos Estados Unidos, a vida no campo

    Tunbridge. Foi em uma pequena fazenda nessa vila da zona rural do Estado de Vermont, ao nordeste dos Estados Unidos, que nasceu Richard Hugh Fisk, em 3 de setembro de 1922, quinto filho do casal Sarah e Herbert; ele tinha 29 anos de idade, e Sarah completou 32 anos no mesmo dia em que Richard nasceu. Os outros filhos eram, pela ordem de nascimento, Herbert (Herb), Leonard (Larry), Robert (Bob), e Lois, que nascera 15 meses antes de Richard, cujo apelido era Dick. Praticamente, a cada ano e meio nascia um filho na casa dos Fisk.

    Richard nasceu na fazenda do avô, Rozell Fisk, homem muito religioso, que não permitia que os familiares dançassem aos domingos, hábito comum naquele tempo.

    Ilustração

    Mr. Fisk entre os irmãos Herb (à esquerda) e Larry

    Além de a família morar na fazenda, o pai de Richard também trabalhava com o avô, fazendo de tudo um pouco. Era uma família que vivia em condições financeiras apertadas. Suficientes, mas apertadas. Havia duas casas na fazenda. Na que moravam os avós de Richard e sua família havia muito espaço; eram sete dormitórios. Era uma casa de dois andares, construída em madeira. Na outra, menor, ficava um tio com a família.

    Na verdade, os Fisk (palavra que, nos países nórdicos, como Noruega, Suécia e Dinamarca, quer dizer peixe) migraram do Estado de Nova York, onde a vida era muito mais farta e confortável, e a fazenda mais produtiva. Lá, a família Fisk era conceituada pelo prestígio e sucesso alcançado na cidade.

    A mudança para Vermont fora provocada por uma fatalidade. Em 1917, o tio Fay, um dos seis irmãos de Herbert (eram quatro homens e duas mulheres), contraiu poliomielite. Tudo que era possível foi feito pelos médicos locais, mas, infelizmente, ele não resistiu e faleceu.

    Aquela fatalidade desestruturou os avós de Richard, Rozell e Emma Slavar Fisk. Em função da perda, Emma implorou ao marido que se mudassem para as montanhas. Ela queria novos ares para tentar amenizar a perda. Aquele pedido foi motivo de muitas conversas na família. O avô não queria a mudança, mas rendeu-se aos apelos da esposa. Ela mesma já havia sido responsável por outras mudanças no passado, tanto, que parte dos irmãos de Richard havia nascido no Estado de Nova York e parte em Tunbridge. Mesmo assim, o avô impôs uma condição à esposa:

    Ilustração

    Roswell, avô de Mr. Fisk

    - Emma, faremos o que você quer. Vamos morar em Tunbridge. Mas tenha certeza de que esta será nossa última mudança.

    Apesar de acatar o pedido da mulher, Rozell sabia que em Vermont o nível de vida da família cairia. Era um Estado pequeno, cheio de vilas e pouco habitado. A vila onde foram morar, Tunbridge, era também muito atrasada; parecia estar uns 30 ou 40 anos em desvantagem em relação ao Estado de Nova York. Era como se Vermont vivesse ainda as últimas décadas do século 19. O próprio povo não tinha grandes ambições. Muitos nasciam, cresciam, passavam toda a vida e morriam em Vermont.

    Da casa, ou de qualquer lugar da fazenda dos Fisk, não dava para avistar o vizinho. Os olhares apenas alcançavam a plantação. Não havia altas montanhas, e a região em que os Fisk estavam era basicamente formada por colinas. A cidade mais próxima e onde as compras de casa eram feitas chamava-se Barry, com quase 40.000 habitantes. Mas a principal característica de Vermont era a limpeza do Estado, ao contrário dos centros maiores.

    Trabalhar na própria fazenda, na agricultura e pecuária, garantia a subsistência e também representava um comércio para as famílias, que vendiam gado, porcos, galinhas, legumes, frutas etc. Ali também se plantavam milho e feno (muito importante no período dos longos invernos) para alimentar os animais. Basicamente, o dinheiro vinha dessas vendas e, ainda, da distribuição de leite e ovos na região.

    Mas só isso era insuficiente para assegurar a renda necessária a fim de manter a família. O que ajudava, pelo menos, a garantir a mesa farta era o fato de o pai de Richard fazer serviços temporários para a vizinhança, trabalhando na construção de casas e estradas, na fabricação de laticínio etc.

    Cortar lenha era outro grande negócio em Vermont. Tudo que se fazia em casa necessitava de lenha. Geralmente, a lenha era cortada em um ano, armazenada para secar e só vendida no ano seguinte. Alguns, mais precavidos, se antecipavam nesse processo e mantinham grandes estoques.

    Outro produto que, além de garantir a diversão da garotada, servia como fonte de renda interessante era o melado, chamado de maple syrup, uma seiva tirada das árvores nos meses de fevereiro e março. A temperatura adequada para deixar a seiva no ponto ideal acontecia com a inversão térmica: nos períodos de calor durante o dia e de muito frio entre a noite e a madrugada.

    A retirada da seiva passava por um processo semelhante à extração do látex das seringueiras. Depois de furar cada árvore com uma broca, fazendo um buraco por volta de dez centímetros, colocava-se um balde rente ao tronco para receber a seiva que escorria. Esta seiva recolhida passava por algumas etapas de produção e fervura, através de tubulações pela quais percorria. A cada um desses processos, a seiva engrossava mais e mais, até chegar ao ponto de xarope. Vermont era uma das áreas especialistas na produção do produto, assim como o Estado de New Hampshire e o sul do Canadá. O xarope de maple, por ser um processo caseiro, era utilizado para substituir o açúcar branco, considerado um produto caro na época.

    O meio de transporte mais utilizado na região eram a charrete e o cavalo, principalmente no verão. Mesmo assim, a família Fisk tinha um carro para ser utilizado no inverno ou em situações eventuais. Como as ruas eram de terra, as chuvas da primavera e do outono transformavam os caminhos em puro barro. E quando a neve aparecia, o único jeito de se locomover era de trenó.

    Quando Richard tinha dois anos de idade, em 1924, seu pai resolveu se mudar da fazenda do avô. Herbert alugou uma casa para a família, próxima à fazenda dos avós. Apesar da mudança, Herbert continuou a trabalhar na fazenda e a dividir o tempo com outros serviços.

    Não demorou muito e a família se mudou novamente. Desta vez, foram morar em uma casa cedida pela tia Lora, irmã mais velha de Herbert, casada com um fazendeiro de muitas posses. Lora e o marido cederam à família de Richard uma casa grande e confortável, que ficava dentro de uma das fazendas do casal, com uma área para estacionar charrete, celeiro, estábulo...

    Ilustração

    O pai Herbert na Fazenda de Tunbridge

    Apesar de a casa ser muito boa, a fazenda em si deixava a desejar. Era relativamente pequena e pouco produtiva. Mas, mesmo assim, dava para plantar para o próprio consumo.

    Preparar a alimentação era uma atividade que movimentava todos os Fisk. Era preciso preparar os potes de conservas de verduras, legumes e geléias de frutas, para estar bem abastecido nas estações do ano: o verão, sempre curto, e o inverno, sempre muito longo. Esta era a forma utilizada para preservar os alimentos.

    Em julho dava-se início aos preparativos para a confecção dessas conservas. Os alimentos eram lavados, alguns descascados, e colocados em potes cobertos com água e sal, que depois eram imersos para a fervura em um aparelho apropriado, onde ficavam por volta de duas horas. Depois de esfriar, os potes eram fechados; colocava-se um pedaço de borracha para lacrar e, por último, uma tampa. Eram potes e mais potes de comida, que duravam um ano sem estragar, mas geralmente consumidos antes deste prazo.

    Depois de tudo pronto, as donas de casa se reuniam para contar quanto haviam conseguido produzir: Conseguimos fazer 40 potes de milho, 18 de vagem, 10 de ervilha..., dizia uma; Em casa, temos guardado 35 potes de milho, 20 de cenoura..., contava outra. E assim a vida seguia. O importante era garantir a comida da família. A quantidade e a qualidade da comida estocada determinariam como seria o inverno das famílias. As mesas, além disso, ainda ganhavam o reforço de leite, ovos e carnes. Tudo produzido, plantado e criado nas fazendas; até as roupas eram feitas em casa, pois Sarah costurava o que as crianças vestiam.

    As carnes também eram conservadas. Mas, para isso, bastava contar com a natureza. O frio intenso, com temperaturas baixas que chegavam a registrar 20 graus negativos, já era suficiente para garantir a conservação. Depois de abatido, o gado era desossado e colocado em quartos reservados, onde a carne ficava dura, congelada.

    Sarah sempre escolhia o cardápio. A comida na mesa era farta, mas não em grande variedade. Geralmente havia pão, manteiga caseira, batata, verdura e um delicioso molho preparado por ela. A carne não constava diariamente do cardápio, somente entre três e quatro vezes por semana. Mas para a alegria da criançada e de Herbert, todos os dias Sarah fazia uma deliciosa sobremesa: ora bolo, ora torta. O trabalho da mulher era muito intenso. Cuidar dos afazeres de casa, lavar e passar roupas, fazer a limpeza, costurar, preparar as refeições do dia, lavar louça, cuidar dos cinco filhos e do marido...

    Vermont era um Estado maravilhoso para se criar os filhos. Não fosse assim, com certeza Sarah não conseguiria dar conta do trabalho de casa. Os filhos menores ficavam soltos pela fazenda, não havia perigo ou movimento. A cada duas horas, em média, passava um carro em frente à casa dos Fisk, mas a velocidade que os veículos da época atingiam era baixa. Richard e os irmãos sumiam fazenda adentro. Brincavam com a neve no inverno, e com um pequeno rio que passava pelas terras no verão. Nada preocupava. Nem a eles, nem a Sarah. Eram horas e horas de brincadeiras. Às vezes, Sarah se juntava ao grupo e programava um piquenique; outras, ela e Herbert participavam das brincadeiras da garotada, principalmente de esconde-esconde.

    Havia ainda uma outra vantagem. A escola ficava muito perto da casa dos Fisk, algo em torno de 400 metros. Em razão da proximidade, Richard começou a freqüentar a escola quando tinha três anos. Ia porque gostava de estar lá e, por incrível que possa parecer, ia e voltava sozinho. Havia outras crianças, todas mais velhas, e ele podia aprender novas brincadeiras. Quando completou quatro anos, chegava a ir desacompanhado até a casa da tia, que era mais longe. Mas o menino não saía de casa sem avisar Sarah: Mãe, vou à escola; Mãe, vou à casa da tia Lora.

    Quando Richard completou cinco anos, a professora quis falar com Sarah, pois, apesar de freqüentar a escola, Richard não era um aluno matriculado:

    Ilustração

    Mr. Fisk nos primeiros anos de escola

    - O que a senhora acha de matricular o Richard no primeiro ano?

    Sarah não hesitou:

    - Acho uma excelente idéia. Meu filho adora a escola; já a freqüenta diariamente...

    Assim, Richard passou a ir à escola agora como aluno matriculado. Ele jamais se atrasou ou faltou um dia sequer, além de tirar boas notas em todas as matérias, um grande motivo de orgulho para ele e a família.

    Em Vermont, quase não havia grandes possibilidades de lazer. O rádio, uma delas, era privilégio de poucas famílias. Quem tinha o aparelho, convidava os vizinhos para que pudessem se distrair em conjunto. Eles faziam reuniões, onde cada um levava um tipo de comida, e ali se alimentavam, bebiam, conversavam, dançavam e ouviam rádio. Tia Lora, que gozava de boa situação financeira, comprou um dos melhores rádios da época. Era comum a família de Richard ir à casa dela aos sábados à noite para acompanhar as músicas.

    Uma das grandes alegrias na casa dos Fisk aconteceu quando Herb, o irmão mais velho de Richard, conseguiu comprar um rádio usado. Foi memorável a noite de estréia do rádio na casa, quando todos ouviram, mesmo com muita dificuldade, o som de uma música tocada ao piano.

    Nas poucas estações de rádio, o que menos se ouvia eram as notícias. Mas também pouco interessava o que acontecia no país, ou mesmo no mundo. Mundo? Para eles, o mundo era Vermont, e o interesse recaía apenas sobre os assuntos que envolviam aquele lugar. E também não eram necessárias notícias para saber que a crise econômica, que estourara em 1929, quando o país era presidido por Herbert Clark Hoover, um engenheiro Republicano, fazia muitas vítimas. Crise esta motivada pela quebra da Bolsa de Nova York em 24 de outubro de 1929, também conhecida como Crack de 29, A grande depressão ou, ainda, Segunda-feira negra. Foi um período de grande recessão mundial e, em especial, norte-americana.

    Durante a Primeira Guerra Mundial, as indústrias norte-americanas estavam em pleno desenvolvimento e passaram a exportar fortemente para os países europeus, que ainda buscavam se reequilibrar economicamente. Mas, no final da década de 20, a força produtiva européia começou a crescer novamente, o que levou a um corte brusco nas importações dos produtos industrializados e agrícolas dos Estados Unidos. Assim, as empresas passaram a manter grandes estoques e a não ter como desová-los. Como a maioria delas possuía títulos na Bolsa de Valores de Nova York, o valor das ações começou a despencar e, já que muitos estadunidenses tinham comprado ações dessas empresas, houve uma avalanche de investidores querendo vendê-las, mesmo em baixa. Pessoas perderam fortunas da noite para o dia, e o desemprego atingiu quase 30% da população do país.

    Até mesmo o Brasil sofreu sérias conseqüências em relação às exportações do café, porque os Estados Unidos eram os maiores compradores do produto. Nessa época, para que não houvesse excessiva desvalorização do produto, o governo brasileiro comprou dos produtores o café que deixou de ser exportado e queimou toneladas de sacas por falta de lugar para armazenar. Mas o susto fez com que muitos cafeicultores migrassem para a indústria, o que impulsionou o setor produtivo brasileiro.

    Esse foi um período complicado para os Estados Unidos. Faltavam empregos e dinheiro na mão do povo; sobravam dívidas e depressão, principalmente para os homens da casa. Sim, porque havia um machismo exacerbado na cultura norte-americana, em especial no campo. Mas os Fisk não sentiram esses problemas na pele. Como toda a alimentação da família era plantada ou criada na fazenda, a mesa bem servida disfarçava a realidade que se vivia lá fora. Nas conversas entre os moradores, as situações e tragédias alheias eram contadas e comentadas, motivadas pela falta de emprego: Sabe aquele amigo fazendeiro que está a duas milhas daqui? Ele quebrou. Perdeu tudo que tinha no banco; O Bill está passando por dificuldades. É um bom trabalhador, mas não encontra emprego. Soube que ele terá que pedir dinheiro ao governo; Mark não tem o que comer em casa. Está deprimido e pensou até em suicídio...

    A cada comentário, uma nova história de desgraça. Richard adorava sair com o pai e participar das rodas dos adultos. Mas, a cada novo caso, ficava mais impressionado. Na verdade, apesar de ainda ser uma criança com quase oito anos, ele ficava sensibilizado. Já podia entender que a falta de emprego e de dinheiro era vexatória para o homem da casa.

    E foi no contexto desse cenário que Franklin Delano Roosevelt (que presidiria os EUA até 1945), advogado e integrante do Partido Democrata, sucedeu Herbert Clark Hoover em 1933, e assumiu a presidência com o compromisso de reverter a difícil situação econômica do país. Roosevelt colocou em prática um plano econômico conhecido como New Deal, pelo qual o governo norte-americano tomou a rédea e assumiu o controle dos preços e da produção das indústrias e das fazendas. Isso fez com que não fossem formados grandes estoques e permitiu o controle da inflação. Outra missão assumida pelo governo foi a de investir fortemente em obras públicas (estradas, aeroportos, ferrovias, energia elétrica etc.), para diminuir significativamente o desemprego. Os resultados do programa foram tão satisfatórios que, no começo da década de 1940, a economia norte-americana havia retomado a força de anos passados.

    Durante a crise de 1929, o pai e o avô de Richard - na casa de quem podia-se ler um pouco sobre o que acontecia fora de Vermont, porque ali o jornal chegava semanalmente - uniram-se para que a situação não se complicasse. Todo o dinheiro que entrava, mesmo que pouco, era guardado.

    Mas, que tipo de trabalho se podia ter naquela situação? Basicamente, braçal. Trabalhar nas construções e nas estradas, nas fazendas vizinhas, nas reformas das casas, cortar e armazenar lenha, na serralheria, na fábrica de laticínios, enfim, fazia-se de tudo como forma de obter um trabalho ou emprego. O pai de Richard se submeteu a fazer tudo isso. Jamais rejeitou uma oportunidade de ganhar dinheiro. Sabia que sua família, mulher e mais cinco filhos, significava uma grande responsabilidade. Tanto assim, que nunca teve de pedir auxílio ao governo.

    Richard procurava ajudar no que podia e vibrava quando recebia a notícia da entrada de um dinheiro extra para a renda da família. Na verdade, ele curtia um pavor internamente, pois tinha medo de se tornar um menino do Estado.

    Em Vermont, havia um sistema de proteção infantil. Quando uma família não tinha como sustentar os filhos, por divórcio ou falta de condições financeiras, o governo tutelava as crianças e as remanejava de casa. Ou seja, as famílias que tinham condições financeiras, mas que não tinham ou que queriam ter mais filhos, adotavam essas crianças. O compromisso do governo era o de dar a essas famílias uma pequena quantia predefinida em dinheiro. Muitos criavam as crianças ou jovens para receber essa ajuda do governo. Uma das vizinhas dos Fisk, chamada Kate, adotou cinco crianças. Com o dinheiro que recebia, ela e a família conseguiam viver tranqüilamente e pagar as despesas da casa. E à medida que aquelas crianças adotadas cresciam, passavam a trabalhar nas fazendas.

    Para comprovar que as crianças criadas eram bem cuidadas e tratadas até mesmo como filhos biológicos, pessoas do governo faziam visitas periódicas às casas onde moravam. E tratar bem significava não fazer distinção e respeitar igualmente as crianças que criavam. Beijos, abraços e carinhos? Isso não fazia parte da cultura do norte-americano, muito menos em Vermont. Aliás, a comunicação entre pais e filhos era basicamente feita com poucas palavras e olhares. Bastava dizer Hora de dormir, e a criança pegava o rumo da cama. Raramente os pais precisavam bater ou dar puxões de orelha. Valia mesmo a disciplina. E quando um filho extrapolava, levava um belo sermão. Aquilo bastava para estabelecer a ordem. E ainda quanto aos filhos, nada de discussão ou argumentação. Richard levou muitos anos para entender como tudo funcionava. E para perder o temor de ser adotado por outra família também.

    A crise na família Fisk

    O pai de Richard era muito hospitaleiro. Convidadas ou não, as pessoas apareciam na fazenda dos Fisk e eram prontamente recebidas e hospedadas. Ele era um homem alegre, divertido e um excelente e prestativo vizinho. Mas o que parecia ser virtude em Herbert tornou-se defeito. Sua amabilidade passou a incomodar Sarah e a provocar grandes discussões entre os dois.

    Um fato, acontecido em 1929, marcaria a vida do pequeno Richard. Ele estava com o pai na fazenda, quando um amigo da família se aproximou e disse:

    - Herbert, você soube que o Clarence Rogers morreu? Dizem que ele acordou, saiu da cama, conversou com a esposa e caiu morto.

    Rogers era um homem de uns 50 anos, e aquela notícia deixou Richard chocado. Era o primeiro contato que tinha com a morte. Ele conhecia bem o amigo do pai. Pensar que nunca mais o veria deixou Richard angustiado. Na verdade, Rogers era um dos bons vizinhos que os Fisk tinham. Amigos de freqüentar a casa. Eles sempre se reuniam, faziam jantares, piqueniques, dançavam e se divertiam. A família Fisk foi ao velório para prestar solidariedade.

    Mas aquilo provocaria mais do que angústia em Richard. Causaria uma seqüência ainda maior e mais calorosa de discussões entre seus pais. Tudo por causa da viúva, chamada Myra, que deveria ter perto de 40 anos. Ela e o marido estavam bem de vida, mas certos rumores de que ela havia se interessado por Herbert no passado acabaram por vir à tona depois da morte do marido.

    Por volta de duas semanas depois que Rogers havia morrido, Myra convidou Herbert para trabalhar na fazenda. Ela tinha duas filhas, das quais uma já havia terminado o colégio, e um filho, que não gostava do trabalho na fazenda. O convite veio no momento em que Herbert procurava desesperadamente uma oportunidade de emprego. Ele aceitou, mas sob a resistência da esposa. Sarah deixou claro que não aprovava:

    - Isso não me parece certo. Freqüentar a casa de uma mulher viúva. Herbert, sinceramente, não gosto da idéia.

    Apesar da negativa da esposa, ele insistiu:

    - Sarah, preciso trabalhar, sustentar a família. Não tenho escolha. Deixa de bobagem... Você sabe que temos leite, ovos, verduras... mas não tem quem compre nessa cidade. É muita gente para vender e pouca para comprar.

    Herbert convenceu a esposa e começou a trabalhar na fazenda de Myra, e as discussões passaram a acontecer de forma mais constante e intensa.

    Na casa dos Fisk havia um quarto na parte de cima onde ficava uma chaminé. Como ali era possível aquecer as crianças, os filhos dormiam todos nesse mesmo quarto. E por estarem em cima do aposento dos pais, era impossível não perceber as discussões e o tipo da conversa entre eles. Aquilo os entristecia, deixava-os preocupados. Mesmo assim, não tocavam no assunto, fosse entre eles ou com os pais. Richard era muito sensível e um dos que mais sofriam com aquela situação.

    Sarah desconfiava de que algo pudesse acontecer entre ela e o marido. E estava mesmo certa. No início, Herbert passou a fazer trabalhos esporádicos na fazenda de Myra, dando a impressão de que logo deixaria de trabalhar ali. Mas ele sempre voltava, apesar dos constantes alertas de Sarah. Até que um dia aconteceu o que Sarah e os filhos temiam: Herbert aproximou-se ainda mais de Myra.

    Herbert e Sarah estavam sentados na varanda da casa, abraçados. Os filhos brincavam um pouco adiante. De repente, ele a olhou de frente e disse que precisava dizer algo importante. A forma como falou fez o coração de Sarah bater forte:

    - Sarah, estou envergonhado. Mal tenho conseguido sustentar nossa família. Isso é humilhante.

    - Não diga isso, querido.

    - Sabe o que isso representa para mim? Pensei até em suicídio.

    A fisionomia de Sarah se transformou. De preocupada, passou a ficar apavorada. Ela começou a chorar, mas Herbert seguiu com a conversa:

    - Tive uma proposta de trabalho que é interessante e dará tranqüilidade para nossa família, mas preciso da sua compreensão. Myra nos convidou...

    Sarah interrompeu bruscamente o marido:

    - Nem termine o que começou a falar. A resposta é não.

    Aquela postura não era comum em Sarah, mas Herbert persistiu:

    - Sarah, ela nos convidou para morar na fazenda dela. Teremos casa, comida e uma vida decente. Você não entende? Eu disse que pensei em suicídio! Como posso desprezar uma oportunidade como essa? Quantos queriam estar no nosso lugar?

    Sarah ficou sem ação. O que Herbert havia confessado era muito forte. Ele havia dito a palavra suicídio. Ela resolveu ceder:

    - Herbert, faça o que achar melhor para nossa família. Mesmo assim, quero que saiba que morar na fazenda de Myra é constrangedor para mim e para nossos filhos.

    Herbert tomou a mulher entre os braços e disse:

    - Confie em mim. Quero o melhor para nós.

    Na verdade, Herbert não tinha muitas opções. Aquele convite representava, além da possibilidade de um bom emprego, a oportunidade de participar como sócio na produção da fazenda. Com isso, ele realmente garantiria moradia e o sustento da família. Dias depois, a família se mudou para a fazenda de Myra. Richard não entendia bem o que aquilo representava; ele era pequeno, e não ficou feliz nem triste, manteve-se indiferente. O restante da família, mesmo contra vontade, acatou a decisão tomada pelo pai. Sorrisos? Poucos, e apenas no rosto de Herbert.

    A mudança

    O carro dos Fisk estacionou na frente da casa. Myra e as filhas lá estavam para recepcioná-los. Ela foi muito gentil e amável, pegou Sarah pelo braço e agradeceu o fato de terem aceitado o convite para trabalhar e morar na fazenda. Quando todos já estavam dentro da casa, Myra fez questão de dizer algumas palavras:

    - Depois da morte de Clarence, esta fazenda ficou vazia. Ele comandava tudo. Tenho certeza de que com vocês ao meu lado estarei mais forte para tocar a vida e o trabalho na fazenda.

    Sarah, que era muito dócil, balançou a cabeça e concordou com os argumentos de Myra. Mas, para desconforto de Sarah, eles ficariam na mesma casa que a família de Myra. Uma casa muito grande e construída em tijolo, algo incomum na época, pois as construções eram basicamente de madeira.

    A situação estava realmente estranha, e passou a ficar desconfortável não só para Sarah, mas também para os seus filhos. Todos estavam constrangidos com a falta de liberdade. Richard agora voltava a ficar apavorado com a idéia de se tornar um menino do Estado. Até mesmo o cachorro de Myra ficou, por assim dizer, deprimido, e nem mesmo as panquecas que ganhava no café da manhã o deixavam empolgado.

    Na verdade, os Fisk também se sentiam assim, até que, certo dia, Herbert tomou a iniciativa de pedir a Myra para que fizessem uma divisão, porque havia uma outra casa, menor. Como os Fisk eram em maior número, continuaram na mesma casa; Myra e as filhas se mudaram para a casa menor. Divisão feita, a vida entrou em uma certa normalidade. Mas as idas de Myra ao celeiro ou mesmo ao campo, justamente onde Herbert passava a maior parte do tempo trabalhando, tiravam o sossego de Sarah e a deixavam irritada e infeliz. Ela sentia que poderia haver um romance às escondidas entre o marido e Myra.

    Sob esse clima tenso e de apreensão, Richard e a família viveram por dois anos. Ele estava com dez anos. Como era do seu feitio, Richard procurava não interferir, opinar ou se meter no que acontecia, o que não significava que concordasse com a vida que levavam. Era preferível encontrar uma forma de esquecer a situação do que ficar pensando e tentando encontrar motivos que explicassem tudo aquilo. E essa distância dos problemas fazia com que sua vida fosse alegre e feliz.

    Mas Sarah não conseguia ter a mesma postura, pois estava triste, amargurada, infeliz. Todos os dias depois do jantar, era comum ela sair para andar pela fazenda e refletir sobre o que acontecia em sua vida. Geralmente, quando se preparava para sair, ouvia Richard dizer:

    - Mamãe, posso lhe fazer companhia? Assim você me conta um pouco sobre a infância que teve.

    E os dois andavam de mãos dadas e conversavam o tempo todo. Richard não parava de falar com a mãe. Era como se não quisesse dar-lhe tempo para pensar e fazer certas reflexões. Na verdade, por pura percepção própria das crianças, ele a acompanhava por medo; sentia que ela estava infeliz e temia que pudesse fazer o pior. Temia que, em um momento de grande desespero, a mãe pudesse se suicidar.

    Um dos passatempos prediletos de Richard, quando não estava na escola ou fazendo algum trabalho para ajudar os pais, era brincar com os amigos de trenó e tobogã, uma espécie de prancha para deslizar na neve que podia carregar até quatro pessoas. Apesar de agradável, era um trajeto cansativo; eles levavam 15 minutos para subir em locais onde o tobogã pudesse pegar impulso e velocidade na neve, mas a descida, apesar de divertidíssima, era muito rápida, não passava de um minuto. Para eles, aquilo era mesmo divertido, tanto que ficavam horas na neve, sem contar as brincadeiras do tipo corrida e esconde-esconde, que também alegravam e entretinham.

    Ilustração

    Casa dos Fisk em Vermont

    Ciente das dificuldades financeiras, Richard, que sempre foi muito realista, jamais planejou, projetou ou ambicionou algo que estivesse além das posses da família, pois sabia que poderia se decepcionar. Nada era jogado fora; tudo era reaproveitado. Assim funcionava também com roupas e sapatos, que passavam dos mais velhos para os mais novos. Às vezes, as roupas sofriam algumas reformas, feitas por Sarah, para que um dos filhos pudesse aproveitar a peça. Os sapatos e roupas iam de Herbert para Herb, Larry, Bob e Richard. Assim também acontecia com Sarah e Lois.

    Mesmo com tanta precaução econômica, o consumismo batia à porta dos Fisk. Na fazenda, vez por outra chegavam catálogos de lojas de departamentos, como Sears e Montgomery Ward. Eles adoravam sentar e folhear as páginas para ver e conhecer os produtos. Richard fixava-se nos brinquedos. Mas, na verdade, aquilo era pura ilusão. Assim como para a grande maioria das famílias de Vermont, que era de classe média baixa, comprar um daqueles produtos fazia muito mais parte do sonho que da realidade. Não havia sobra de dinheiro para isso e o máximo que se podia almejar era um ou outro brinquedo barato.

    Uma das atividades que Herbert gostava de realizar, e que até ajudava a levantar dinheiro, embora fosse mais um trabalho comunitário, era organizar bailes. Os moradores de Vermont os chamavam de Town Hall (salão de baile). Ele contratava banda, alugava salão e comandava o bar e a barraca de cachorro-quente. Os freqüentadores pagavam um pequeno valor de entrada, que servia para arcar com os custos, além do que consumissem lá dentro. Eram sempre festas esperadas e apreciadas pelo povo de Vermont.

    As pessoas dançavam, conversavam, cantavam... O que era para ser uma noite agradabilíssima, tornava-se ainda mais um tormento para Sarah. Ela não gostava de dançar. Já Herbert, era um excelente dançarino. Assim como Myra. E os dois ficavam quase que toda a noite dançando no

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