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No Contágio
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No Contágio

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A epidemia do novo coronavírus candidata-se a ser a emergência de saúde mais importante de nossa época. Ela nos revela a complexidade do mundo em que habitamos, de suas lógicas sociais, políticas, econômicas, interpessoais e psíquicas. O que estamos atravessando requer um esforço de imaginação que, em um regime normal, não estamos acostumados a realizar. No contágio, somos um único organismo, uma comunidade que abarca a totalidade dos seres humanos. No contágio, a falta de solidariedade é antes de tudo um defeito de imaginação. "Não tenho medo de ficar doente. De que, então? De tudo aquilo que o contágio pode mudar. De descobrir que o alicerce da civilização que conheço é um castelo de cartas. Tenho medo da anulação, mas também de seu oposto: que o medo passe sem deixar para trás uma mudança."
LanguagePortuguês
Release dateApr 9, 2020
ISBN9786586683004
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    No Contágio - Paolo Giordano

    978-65-86683-00-4

    Os pés no chão

    A epidemia do novo coronavírus candidata-se a ser a emergência de saúde mais importante de nossa época. Não a primeira, não a última, e talvez nem mesmo a mais assustadora. É provável que, ao final, não tenha produzido mais vítimas do que muitas outras epidemias, mas passados três meses desde o seu aparecimento já ganhou um recorde: Sars-CoV-2 é o primeiro novo vírus a se manifestar muito rapidamente em grande escala global. Outros muito parecidos, como seu antecessor Sars-CoV, foram derrotados em pouquíssimo tempo. Outros ainda, como o HIV, conspiram nas sombras há anos. Sars-CoV-2 foi o mais audacioso. E sua ousadia nos revela algo que sabíamos, mas que nos custava muito mensurar: a multiplicidade de níveis que nos unem, em qualquer lugar, bem como a complexidade do mundo em que habitamos, com suas lógicas sociais, políticas, econômicas, mas também interpessoais e psíquicas.

    Escrevo em um raro 29 de fevereiro, um sábado deste ano bissexto. Os contágios no mundo passaram de 85 mil, quase 80 mil só na China, as mortes estão chegando a 3 mil. Faz pelo menos um mês que essa estranha contabilidade tem sido o pano de fundo de meus dias. Agora mesmo tenho aberto diante de mim o mapa interativo da Universidade Johns Hopkins. As áreas de difusão são identificadas por círculos vermelhos que se destacam contra o fundo cinza: cores alarmantes que poderiam ter sido escolhidas com mais cuidado. Porém, sabemos, os vírus são vermelhos, as emergências são vermelhas. A China e o Sudeste Asiático desapareceram sob uma única grande mancha, mas o mundo inteiro está marcado, e a erupção não pode senão agravar-se.

    A Itália, para a surpresa de muitos, se viu no pódio dessa competição produtora de ansiedade. Mas é uma circunstância aleatória. Em alguns dias, de repente, outros países poderão se encontrar em problemas mais graves que os nossos. Nessa crise, a expressão «na Itália» desaparece, já não há fronteiras, regiões ou bairros. O que estamos atravessando tem um caráter supraidentitário e supracultural. O contágio é a medida de quanto o nosso mundo se tornou global, interconectado e inextricável.

    Estou consciente de tudo isso e, mesmo assim, olhando para o círculo vermelho sobre a Itália, não posso excluir o fato de ser sugestionado por ele, como todas as pessoas. Meus compromissos para os próximos dias foram cancelados por medidas de contenção, outros foram adiados por mim mesmo. Encontro-me dentro de um espaço vazio inesperado. É um presente compartilhado por muitos: estamos passando por um intervalo de suspensão da vida cotidiana, uma interrupção do ritmo, como às vezes acontece nas

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