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Ensino de Filosofia e Currículo
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Ensino de Filosofia e Currículo

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São poucas as publicações dedicadas à teoria curricular no Brasil, e ainda mais raros os estudos específicos como este. Assim, não é de estranhar que Ensino de Filoso fia e Currículo, lançado em 2008, tenha esgotado sua primeira edição, um feito raro para um livro com este título. Isso sugere que este livro criou aos poucos seu próprio espaço na bibliografia brasileira sobre o tema, graças aos pontos de vista originais que apresenta sobre temas caros ao educador e ao professor de Filosofia: interdisciplinaridade e transversalidade curricular, epistemologia e currículo, filosofia e infância, relações entre história, método e problemas filosóficos, didática e pedagogia, e muitos outros, abordados sem que o contexto e a conjuntura da Educação no Brasil sejam desconsiderados. Ensino de Filosofia e Currículo é um título hoje incorporado na bibliografia brasileira sobre estudos curriculares e vem sendo crescentemente considerado como uma das contribuições mais relevantes para os estudos curriculares entre nós. Esta segunda edição foi amplamente revista e a ela foi acrescentada um novo prefácio, que atualiza o livro.
LanguagePortuguês
PublisherEditora UFSM
Release dateMar 26, 2020
ISBN9788573912463
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    Ensino de Filosofia e Currículo - Ronai Pires da Rocha

    SUMÁRIO

    Sobre o autor

    Epígrafe

    Agradecimentos

    Prefácio da primeira edição

    Prefácio para a segunda edição

    Introdução

    1. Por uma transversalidade pedestre

    2. Ambiguidades da Filosofia

    3. Estudos curriculares e Filosofia

    4. Didática mínima

    5. A Teoria dos Campos Conceituais e a Didática da Filosofia

    6. Filosofia e infância

    7. Um ensaio de classificação de áreas de conhecimento

    8. Sobre Filosofia e Linguagem

    Referências bibliográficas

    Créditos

    SOBRE O AUTOR

    Ronai Pires da Rocha é doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor no Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria, RS, onde reside.

    Nossa descrição atual da liberdade encoraja uma facilidade de

    sonhos; no entanto, o que precisamos é um sentido renovado da

    dificuldade e complexidade da vida moral e da opacidade das

    pessoas. Precisamos de mais conceitos em cujos termos possamos

    descrever a substância de nosso ser; é por meio do enriquecimento

    e aprofundamento dos conceitos que o progresso moral ocorre.

    Iris Murdoch

    AGRADECIMENTOS

    A publicação da primeira edição de Ensino de Filosofia e Currículo, em 2008, pela Editora Vozes, fez-me pensar sobre algo que ouvi, certa feita: não é muito difícil escrever e publicar um livro, mas não é fácil conseguir leitores. Esse livro, apesar de ter tido problemas editoriais sérios – uma encadernação mal feita, por exemplo –, está esgotado no mercado. Eu devo isso à generosidade dos leitores que desprezaram o problema e tornaram-se amigos deste texto. Assim, em primeiro lugar, quero agradecer aos leitores da primeira edição deste livro, que foram decisivos para que ele achasse um lugar na bibliografia brasileira sobre o assunto. Foi pensando neles que escrevi uma nova introdução, procurando atualizar o estado da arte.

    Quero agradecer à Editora da Universidade Federal de Santa Maria, por ter acreditado nas chances de uma segunda edição deste livro. A Editora da UFSM deu-lhe um novo e melhor tratamento editorial, que inclui uma versão digital. É uma honra, para mim ter esta nova edição publicada agora pela casa onde trabalho. Espero que com esta nova apresentação o livro continue fazendo amigos.

    Dedico esta nova edição aos meus netos, Mathias e Lúcia: é na lembrança deles que me encontro, cada vez mais, quando me vejo extraviado nessas lidas.

    PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO

    É recente no Brasil a atenção aos princípios e procedimentos pedagógicos necessários para a configuração da Filosofia enquanto disciplina do currículo do ensino médio. Pode-se dizer que até os inícios da década de 1980 quase nada existia de específico sobre o assunto, a não ser alguns textos propositivos, voltados para a valorização da Filosofia enquanto requisito indispensável à formação dos alunos, pensados, contudo, sob o prisma da Filosofia dos cursos de Filosofia na universidade, de modo que nenhum deles, assim como a maioria daqueles produzidos em quantidade desde 1980, propõe algo que especifique o funcionamento desejado – e o possível – da disciplina no Brasil.

    Uma abordagem adequada deste tema implica a consideração do que tem sido a Filosofia na história das disciplinas escolares; o seu lugar, a sua posição no currículo do ensino médio, digamos de 1930 até hoje – já que a sua presença obrigatória foi sempre claudicante. Trata-se de considerar o processo de legitimação da disciplina, feita pelos professores, pelas instâncias educacionais, instituições e pelas justificativas pedagógicas desenvolvidas, especialmente do final dos anos de 1970 até recentemente. Mas, acima de tudo, trata-se de considerar o suposto destas justificações anteriores: qual o entendimento do que deve e pode ser esta disciplina para cumprir as expectativas nela depositadas – tanto as expectativas legítimas como as exageradas e frequentemente mistificadoras. Portanto, trata-se de pensar pedagogicamente a Filosofia e, particularmente, didaticamente, enfocando as operações que efetivem uma aprendizagem. Este requisito é raramente satisfeito nos muitos trabalhos sobre ensino de Filosofia e nos vários textos didáticos disponíveis.

    Esta tematização tem em vista pensar a significação da disciplina como condição para o acesso dos alunos a procedimentos de pensamento, próprios do trabalho filosófico e considerados exigência para o atendimento dos objetivos formadores do ensino médio. Determinar o preciso lugar dessa especificidade, que é filosófica mas é simultaneamente cultural e pedagógica, é o ponto central de qualquer discussão, propostas e proposições didáticas.

    É neste crivo que se coloca a notável proposta deste livro, porque rara e consistente contribuição para pensar um ensino de Filosofia adequado e factível. Embora sejam numerosos os textos publicados nos últimos anos sobre o assunto, acadêmicos, didáticos e de divulgação filosófica, este livro deles se destaca pela especificidade. É uma proposta de ensino de Filosofia que intercepta exigência filosófica e sentido pedagógico. Enfrenta produtivamente o desafio de propor uma direção para o ensino de Filosofia – levando em conta o real funcionamento do dispositivo escolar brasileiro, o seu emperramento institucional, pedagógico e operacional, e as exigências de pensamento que o tornem filosófico –, que desemboca no seu ponto de definição – a aula –, onde a Filosofia tem que aparecer simplesmente como mais uma disciplina, e uma disciplina pedagógica, curricular, despojada das costumeiras expectativas e mistificações que a envolvem, dentro e fora da escola.

    Pergunta-se, frequentemente, se é possível ensinar filosofia, e para jovens, adolescentes, até para crianças, pois se considera que o exercício desta modalidade de pensamento provém do trânsito por conhecimentos e linguagens que só a maturidade intelectual permite. Tal é, grosso modo, a convicção de profissionais da filosofia, talvez em sua maioria: não se ensina filosofia, porque ela só se efetiva em seu conteúdo; isto é, quando se viaja pelos textos e sistemas, por teorias e problemas, historicamente constituídos e sistematizados, aprende-se efetivamente a filosofar, a exercitar o talento da razão na aplicação de seus princípios gerais em certas tentativas que se apresentam, com o diz Kant. Fazer o uso livre da razão nestas tentativas, exercitar o talento sobre os sistemas existentes, põe em relevo a experiência do pensamento como experiência pessoal da razão, como formação, portanto.

    Geralmente, entende-se que o valor formativo da filosofia está no fornecimento de um conjunto sistematizado de conhecimentos, articulados como sistema de verdades e valores próprios para serem adquiridos. Mas pode-se também entender o ensino de filosofia como um debate sobre os problemas da realidade ou da atualidade. Munidos de uma visão de mundo, poderíamos discutir problemas, supondo-se que consciência e o entendimento deles é condição para a sua transformação. O ensino de filosofia pode ainda ser entendido com o ensino de história da filosofia ou de temas da história da filosofia. Esta concepção supõe que o mais importante para a formação dos alunos é a aquisição de um conjunto sistematizado de informações, conhecimentos acumulados desde a origem da filosofia. O ensino de filosofia pode, finalmente, ser compreendido como desenvolvimento de habilidades cognitivas. Esta é uma concepção em evidência no Brasil, pois focaliza uma necessidade premente: responder ao fato de que os alunos chegam ao final do ensino médio, e mesmo à universidade, com graves deficiências discursivas, de língua e de linguagem. E, acredita-se, que a leitura filosófica é exercício indispensável para a existência de uma cultura escolar; outra coisa, entretanto, é considerar que ela tenha que satisfazer às muitas expectativas sobre um suposto poder, que ela teria de suprir deficiências, uma espécie de disciplina salvadora que ensinaria a pensar.

    A filosofia que se pensa necessária, e estratégica, nas atuais condições da escola brasileira, visa, acima de tudo, a inscrever pragmaticamente na sala de aula um trabalho em que pensar é entendido como orientação no pensamento, um trabalho entendido simultaneamente como exercício de desconcertação e de escuta dos pressupostos e subentendidos dos discursos (DELEUZE, 1992, p. 185; LYOTARD, 1987, p. 121). Este trabalho, para tornar significativa a disciplina em relação aos objetivos gerais, formativos, do ensino médio e aos objetivos específicos da Filosofia, precisa materializar no trabalho em sala de aula o funcionamento dos dispositivos de pensamento que tornam filosóficos um texto, uma conversa, uma discussão.

    Tem-se em vista, assim, pensar a filosofia no ensino médio como uma apropriação pelos alunos do trabalho filosófico – considerado relevante e necessário para a formação intelectual e cultural dos jovens, pelas suas características básicas, elaboração conceitual, procedimentos argumentativos e problematização, enfim trata-se de colocar a ênfase na enunciação. Para isto, é fundamental explicitar as regras de funcionamento das configurações de pensamento que articulam conceitos e argumentos, produzem proposições e significados, gerando o vulto dos sentidos – que se captura nos modos como o pensamento é gerado nas diversas configurações que a história da filosofia coloca à disposição. Portanto, a necessidade de o trabalho em sala de aula afirmar a especificidade do discurso filosófico implica a construção de referências, cognitivas, metodológicas e informativas, mas a garantia da viabilidade deste trabalho é fornecida pelo trânsito pela linguagem e a cultura. Em suma: pelo trânsito de mão dupla entre saber e experiência. Daí que as estratégias didáticas requerem, da parte dos professores, além da óbvia formação e atitude filosóficas, um amplo conhecimento do imaginário da cultura e vivências em que os alunos se situam, patentes nas linguagens de que se servem para construir suas justificativas de gosto, de juízos morais, escolhas existenciais etc. Qualquer elaboração que é reconstruída a partir de algum ponto da tradição filosófica só interessa enquanto tem significação para os alunos: isto é, que lhes permita passar do tumulto de suas experiências e sistemas de referência para uma formalidade de pensamento que mobilize ou uma vontade de saber, ou uma justificativa de seus atos e valorações. Nada melhor para isto do que focar os trabalhos em problemas que tenham a virtualidade de serem simultaneamente sensíveis, localizáveis na experiência e passíveis de um tratamento por meio de textos filosóficos ou outros, artísticos, literários, científicos.

    Sabemos das dificuldades de se implementar estes requisitos no Brasil, pelo que foi dito inicialmente. Então é preciso que os professores se decidam qual o tipo de aprendizagem filosófica que é desejável e, simultaneamente, possível – o que supõe que o professor saiba situar de modo claro e concreto o seu lugar de fala. De que filosofia se trata, esta que quer cumprir uma função necessária no ensino? Quais os requisitos indispensáveis para que ela forneça o que é prometido na filosofia? Que tipos de operações precisam ser desencadeadas, mesmo treinadas, para a aula não soçobre nos discursos fluidos, fascinantes ou tediosos? Como a aula de filosofia pode se tornar um lugar de fazer, de construir, de fabricar pensamentos com os alunos? Pensamentos que correspondem à imagem do pensar, entendido como orientação no pensamento? Certamente, é ainda Deleuze (1992) quem adverte, pensar, orientar-se no pensamento, não tem a ver com discutir um pouco, desenvolvendo uma suposta capacidade de refletir sobre alguma coisa, como costumamos dizer, sobre algum assunto, sobre algum tema ou problemas – e este, sabemos, é um dos equívocos mais persistentes no exercício da filosofia no Brasil, e não só no ensino médio. Nem é útil a atitude, também muito comum, de passar diretamente do acúmulo dos fatos e acontecimentos diretamente para a interpretação, sem o necessário trabalho de inteligibilidade onde a atenção se concentra na produção de conceitos e no exercício de uma lei, de uma estrutura, na enunciação.

    Mas, sabemos, que o mais difícil é gerar as condições para que o pensamento apareça como necessidade, que desate aquela espécie de curiosidade que destaca as pessoas de si mesmos, de suas âncoras e os impulsiona a pensar, de modo que assim experimentam o pensamento como criação e descaminho (FOUCAULT, 1985, p. 13). É muito raro que isto ocorra diretamente por uma vontade de conhecer, e, mais difícil ainda, por um prazer de conhecer ou amor da verdade.

    Então, por onde pode começar um ato de conhecimento, o trabalho do pensamento, o ensino de filosofia? Escolher, recortar, fabricar um objeto que emita signos que dizem respeito, enfim, a modos de vida, mas que só podem ser conhecidos, interpretados pela passagem por um processo de construção do problema, de tratamento conceitual e identificação do regime enunciativo, de modo que esta radicação na linguagem permita, na volta, o atrito com a experiência. É claro que não se trata de propor algo para os alunos fazerem, nem mostrar como se faz: mas, antes, trata-se de fazer com eles. Aprender a detectar pressupostos, a reconhecer as funções mais frequentes e mesmo gerais do funcionamento dos discursos, a reconstruir argumentos a partir da leitura, confrontar teses ou posições, emitir juízos próprios e fundamentados, são exercícios que podem desatar a potência do pensamento. Um trabalho necessário no Brasil, dada a quase ausência de experiência de linguagem no trabalho escolar, e que em filosofia pode ser exercitado segundo uma tríplice exigência: de ordem lógica, de ordem expositiva e da ordem da descoberta ou da invenção. Todo o interesse está na apropriação pelos alunos das operações que efetuam o sentido em um texto, discussão ou conversa. E este livro indica um caminho fértil para isto.

    Proceder, didaticamente, por estratégias e táticas. A estratégia, que determina, circunscreve um campo supõe a invenção de táticas, que são da ordem da astúcia, da exploração do instante, dos pontos de concentração e de inflexão dos movimentos, da seleção de signos, do adensamento de relações aparentemente casuais (CERTEAU, 1994, p. 46, 99). Se os cursos são estrategicamente montados, em objetivos, conteúdos e metodologias, sabe-se que só a escuta atenta da sala de aula pode ser a medida para intervenções que fazem o pensamento tomar forma. Trabalho com a enunciação, análise de discurso e elaboração conceitual são os suportes dessa atividade. Este é um texto que enfrenta produtivamente esta demanda, transitando com propriedade pelas questões, temas e problemas enunciados neste modo de entender a Filosofia no ensino médio.

    Celso Favaretto

    PREFÁCIO DA SEGUNDA EDIÇÃO

    Passados quase dez anos do retorno da filosofia como disciplina obrigatória nos currículos do ensino médio, é preciso ainda reconhecer a falta de atenção aos processos didáticos e curriculares próprios da disciplina. Tendo sido feita a vontade da comunidade filosófica (data de agosto de 2006 o Parecer CNE/CEB 38/2006 aprovado pelo Conselho Nacional de Educação em favor da obrigatoriedade da Filosofia e da Sociologia no ensino médio brasileiro), trata-se ainda de melhor discutir os critérios de escolha das diretrizes curriculares específicas à disciplina de Filosofia no Ensino Médio.

    Ao delinear o pano de fundo conceitual da filosofia no ensino médio brasileiro, com base num amplo e profundo conhecimento tanto dos documentos oficiais (os Parâmetros e as Orientações Curriculares do Ensino Médio) quanto do chão da escola, Ensino de Filosofia e Currículo, publicado pela primeira vez em 2008, continua sendo um livro de leitura urgente, em especial pelo fato de argumentar a favor da ideia de que uma característica fundamental da filosofia precisa ser levada em conta nas discussões a respeito de seu espaço no currículo escolar, a saber: a transversalidade.

    A noção de transversalidade pedestre com a qual o autor trabalha no primeiro capítulo está longe de se assemelhar à ideia um tanto gasta de interdisciplinaridade, entendida, grosso modo, como uma tendência a ansiar pela totalidade (tendência essa que se confunde facilmente com a ideia da filosofia como a mãe da todas as ciências). Tal noção de interdisciplinaridade, bem como outras que se encontram de um modo ou outro camufladas nos documentos oficiais que orientam a produção dos currículos do ensino médio brasileiro, precisam ser revisadas, por um leitor da área da filosofia, sem detrimento de conceitos que correspondam à natureza da atividade filosófica como atividade inserida no mapa das demais disciplinas escolares. A tese defendida aqui é a de que a inserção da filosofia no currículo implica numa conexão com as disciplinas que já se encontram ali, de modo que o adjetivo pedestre com o qual o autor qualifica a noção de transversalidade pode ser entendido em termos de um andar lado a lado, tendo em vista a concretização de relações interdisciplinares no dia-a-dia escolar. A justeza dessa adjetivação se justifica na medida em que, de acordo com o autor, é preciso evitar a compreensão do currículo a partir do princípio do presépio, segundo o qual cada disciplina traz sua contribuição sem a mínima consideração quanto às contribuições das demais. Se as disciplinas continuarem a propor seus conteúdos unicamente com base em suas especificidades, dá razão aos que reclamam da falta de coerência entre o que tentam aprender na escola.

    Os argumentos presentes neste livro, em favor da transversalidade pedestre, dependem de sua apresentação da disciplina de filosofia como a portadora legítima das questões que não recebem, nem podem receber, respostas adequadas no interior das outras disciplinas. Essas respostas, como bem aponta o autor, não podem ser relegadas ao segundo plano, na medida em que constituem fundamentalmente o escopo dos direitos de aprendizagem dos jovens, já que fazem parte daquele conjunto de curiosidades fundamentais dos seres humanos. A filosofia, correspondendo a uma dimensão específica da realidade humana, a das curiosidades que tocam nossas mais densas convenções, assume um lugar sui generis no currículo escolar. Exemplos de questões que podem aparecer atravessadas em outros campos do saber mas que são, ou deveriam ser, bem acolhidas numa aula de filosofia são apresentados em diversas passagens do livro. Elas variam desde conceitos que podem transitar pelas aulas de Biologia e Química como os conceitos de causalidade e representação, passando pelos conceitos matemáticos de número e infinito, até chegar à caracterização de questões morais e políticas, que podem requerer análise a partir de e por que não? uma aula de Educação Física.

    O autor nos oferece em detalhe um exemplo de tratamento de conceito transversal ao analisar a natureza das perguntas causais, consideradas perguntas de dentro do mundo (o que houve com seu joelho?, de onde vêm os bebês?) mas que podem ser aplicadas ao plano das ações humanas, exemplificados em perguntas como por que fulano cometeu suicídio? ou por que houve um golpe militar? - aqui já não se trata da relação de causa tal como encontramos na biologia ou na física, mas adentramos no universo dos motivos para ação, do modo como a psicologia, por exemplo, poderia responder por essas perguntas. Levando adiante as possibilidades de expansão das perguntas causais, o autor nos mostra como um problema filosófico tradicional está diretamente vinculado a essas questões: quando tentamos aplicar o conceito de causalidade não aos fenômenos do mundo, sejam eles naturais ou humanos, mas ao mundo como um todo, chegamos ao famoso argumento cosmológico em favor da existência de um criador para o mundo, baseado na ideia de que, se tudo o que existe, existe por causa de algo, algo deve ter causado o mundo. Aqui se percebe que a especificidade do trabalho do professor de filosofia consiste em apresentar as distinções conceituais necessárias para que o aluno possa perceber o trânsito de certos argumentos por diferentes áreas, o que muitas vezes exige um esforço de pensamento que tende a desfazer determinadas confusões (ao mesmo tempo em que pode fazer surgir novas questões, o que afinal é típico das atividades cognitivas em geral).

    Uma das preocupações centrais do livro consiste em apontar algumas direções possíveis e desejáveis para uma abordagem transversal, enfrentando a constatação de que quase tudo ainda está por ser feito na área do ensino de filosofia. Isso se percebe pela recorrência,

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