Sopros da pele, murmúrio do mundo
By Hélia Borges
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Sopros da pele, murmúrio do mundo - Hélia Borges
HÉLIA BORGES
Sopros da pele,
murmúrio do mundo
Sumário
Prefácio
Introdução
Sobre a pesquisa acadêmica no campo das artes da dança: do sentido para a produção do sentido
Os agenciamentos sutis do corpo performático
Pensar corpo – pensar fronteira: a possessão não-eu
A contra-imagem na estética do filme Pina
Entre a política e a poética: o corpo
A arte pensa? A metodologia e o campo encarnado do imprevisível
A poética do corpo: uma leitura do trabalho de Angel Vianna
A dança da atenção e a imagem como elementos para outros possíveis
Prefácio
Dulce Aquino
Partindo do trabalho da artista, coreógrafa e professora de dança Angel Vianna – que por longos anos vem contribuindo para a consolidação da dança no Brasil como área de conhecimento –, Hélia Borges propõe uma forma atualizada de olhar e pensar a dança contemporânea, entendida aqui como produção de obras coreográficas que refletem seu tempo e suas circunstâncias, o hic et nunc.
Com essa coletânea, a autora requalifica a reflexão teórica sobre a dança e abarca também outras expressões artísticas, ao trazer em cada texto um constante diálogo com filósofos, psicanalistas e artistas que sedimentam e elucidam suas elucubrações sobre o corpo, a dança, a arte e a vida em sua plenitude.
A partir do título Sopros da pele, murmúrio do mundo, Hélia de início já nos leva ao prazer que transcende este conjunto de palavras e seu significado: a uma pele que se entende hoje não como invólucro, mas fronteira de intenso trânsito de sensações e informações, em sopros que evocam murmúrios que vêm do entorno, do mundo. Podendo ser também interpretado como o corpo em troca constante com o fora e o dentro, se tornando a centralidade do mundo.
Em cada um dos textos é problematizado um tema que, por meio de uma escrita elegante, fluida e potente, leva o leitor a um exercício de entendimento da arte – em especial a dança, o teatro e a performance – com um olhar transdisciplinar, citações coesas e um lastro teórico consistente, seja pelos intelectuais que dialogam com os temas ou pelas as obras de artes aludidas. O rigor da pesquisadora está atrelado a uma sensibilidade estética que o leitor, muitas vezes, se vê em pleno estado de estesia pela sedução da escrita.
Assim, Hélia nos propõe mais que afirmações. Cada ensaio apresenta questões que, ao longo da escrita, suscitam possibilidades de respostas e interpretações variadas a depender do próprio leitor, de sua bagagem intelectual e capacidade de reflexão. São textos que tratam de temas atuais no campo das artes e da dança e que interessam a todos os professores, estudantes e artistas das Artes do Corpo.
A autora nos propõe a refletir sobre a intensificação do corpo, em contraponto ao conceito de corpos esvaziados de suas próprias potências: A arte, nessa medida, se torna o campo privilegiado para a emergência do corpo sensível às vibrações e aos ritmos de outros corpos, cabendo ainda aqui ressaltar a ideia ferecziana de processo introjetivo, onde o corpo se estenderia para o mundo, ganhando profundidade e se alargando indefinidamente
.
A experiência da prática artística com Angel Vianna, assim nos mostra Hélia, propicia um contínuo estado de estesia enquanto sustentação ontológica da experiência estética: O trabalho de Angel, comprometido com a desconstrução de um corpo codificado, e pelo favorecimento à emergência de movimentos moleculares, instaura força e fluxo, abrindo o campo das experimentações artísticas necessárias às multiplicidades ilimitadas que constituem a vida
.
Sopros da pele, murmúrio do mundo é, portanto, uma indispensável leitura para pensar a arte na contemporaneidade. Especialmente no ambiente acadêmico, este trabalho terá uma função imensurável. O ensino das artes tem tradicionalmente pouca presença na academia, e só a partir do
REUNI
(Programa de Reestruturação das Universidades Federais), em 2007, com a ampliação das universidades públicas, este quadro se modificou. A dança, entre 1956 e 1984, contava apenas com um curso superior oferecido pela Universidade Federal da Bahia; até 2004 apenas seis cursos tinham sido implantados, e atualmente já são oferecidos mais de quarenta. Qualitativamente, desde 2006 a dança avançou com a implantação do Programa de Pós-Graduação em Dança, stricto sensu, com o curso de Mestrado em Dança na Universidade Federal da Bahia (UFBA), e em 2019 como Programa de Pós-Graduação em Dança na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Hoje a universidade brasileira conta com vários cursos superiores de graduação em dança e um número grande de doutores, mestres e especialistas, o que pressupõe que o impacto educacional na área das artes foi extraordinário.
Neste cenário o papel e contribuição de Angel Vianna são de relevância, na medida em que ao longo dos anos esta coreógrafa não se limitou a desenvolver seu método de trabalho ou se limitou a uma escola de dança informal, tão comum em nossa sociedade. Ousou nos anos 80 implementar em sua escola – que já se tornara no Rio o mais importante centro de ensino da dança contemporânea, com intenso intercâmbio de professores, coreógrafos, músicos, atores e profissionais das artes cênicas em geral – o curso técnico com habilitação, além de dançarino, em recuperação motora, ação inovadora para as políticas de inclusão de pessoas com necessidades especiais. Em 2006 Angel criou a Faculdade de Dança, com os cursos de Licenciatura e Bacharelado, e em seguida passou a oferecer diversos cursos de especialização; esses cursos resultaram em um número grande de egressos espalhados em vários países e em todas as regiões do Brasil.
Portanto, o presente trabalho potencializa este campo universitário, pois é resultado da trajetória acadêmica da dança: os cursos superiores de dança, ao aprofundarem seu fazer e pensar artístico, atraem e necessitam de outros intelectuais, como a psicanalista autora desta obra que traz uma percepção densa, viçosa e instigante do mundo contemporâneo e sua complexidade, com o foco na centralidade do corpo.
Introdução
Human beings are magical. Bios and logos. Words made flesh, muscle and bone animated by hope and desire, belief materialized in deeds, deeds which crystallize our actualities […] and the maps of spring always have to be redrawn again, in undared forms.¹
Esta coletânea de textos tem como propósito realizar uma homenagem ao trabalho da artista da dança Angel Vianna, trabalho esse que vem se desenvolvendo ao longo das últimas décadas. Somam agora dezoito anos que faço parte do corpo docente da faculdade Angel Vianna. Tal experiência constituiu-se e constitui-se na concretude da força de deslocamento, contínuo, como território de desvios e campo de resistência aos processos de assujeitamento que desde o advento da modernidade têm reduzido nossos modos de existência.
A pesquisa que se atualiza no espaço Angel Vianna se dá via corpo sensório em movimento, onde gestos e performances propõem em si entrelaçamentos entre arte e vida, compondo novas possibilidades existenciais. Ressalto a importância da produção teórica que se tem realizado a partir das experimentações vividas, no e pelo corpo, e que constituem o material sempre inaugural, permitindo o diastrofiar das formas tradicionais de pensamento que se encontram impossibilitadas de criação.
Criar é produzir com e no corpo – tal proposição encontra um rebatimento do senso comum, onde pensar é repetir infinitamente o mesmo. Criar conceitos só é possível a partir de um corpo sensório, estésico, que se fricciona com o mundo nos encontros vividos. Desse modo desafia-se nos espaços da formação institucional a oposição comum entre o conceito e o estético, que se manejam no encontro, revelando o imbricamento indissociável entre arte e pensamento.
Angel nos implica em atravessamentos. Não só por propor estudos interdisciplinares e indisciplinados em seus currículos, mas por possibilitar práticas de experimentação que colocam em risco os fechamentos semiotizados que impedem processos de criação e de pensamento crítico.
Algo no mundo nos força a pensar. Este algo é um objeto não de reconhecimento, mas um encontro fundamental. Um encontro de um objeto é fundamentalmente diferente de um objeto de reconhecimento. Pois um objeto de reconhecimento é uma representação de algo que sempre estava lá. Portanto, um não encontro. Com tal não encontro, nosso habitual modo de ser e agir no mundo é reconfirmado e reforçado e, como consequência, o não pensar toma lugar.
Podemos dizer que a representação atrofia o pensamento. No encontro, o contrário é o caso; nossos típicos "modos de ser