Estudos Sobre a Homossexualidade: debates junguianos
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Resultado das palestras realizadas no XII Simpósio da AJB, promovido pelo Instituto C. G. Jung - MG, trata-se de uma leitura oportuna e necessária nesses tempos em que é fácil rotular, árduo estudar e investigar os complexos processos internos que permeiam a vida de cada um.
Da análise das relações amorosas na Grécia Antiga, passando pelos conceitos e preconceitos até os dias de hoje, o texto traduz a nova visão da homossexualidade não apenas como uma orientação sexual, mas principalmente como uma preferência afetiva.
Na trama complexa de emoções, sentimentos, desejos, fantasias, o livro ajuda a dissolver preconceitos e equívocos e revela-se como importante fonte para compreendermos essa busca de todos nós, que é viver a bem-aventurança, a dignidade e a liberdade de fazer nossas próprias escolhas amorosas, tomando consciência do feminino e do masculino que mora em cada ser.
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Estudos Sobre a Homossexualidade - Carlos Alberto Corrêa Salles
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Departamento Nacional do Livro, Brasil)
ISBN:978-65-86163-12-4
Projeto gráfico: Adriano Oliveira
Ilustração de capa: ZÁ ELLOB. Esse seu olhar. 2006.
Óleo sobre tela, 70 x 100cm.
Revisão: Mônica de Deus Martins
© 2011 – Vetor Editora Psico-Pedagógica Ltda.
É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, por qualquer meio existente e para qualquer finalidade, sem autorização por escrito dos editores.
Rua Cubatão, 48 - Paraíso - São Paulo - SP
www.vetoreditora.com.br
Sumário
Apresentação
Sonia M. Bufarah Tommasi
1. Estudos sobre a homossexualidade: debates junguianos
Carlos Alberto Corrêa Salles
2. Ars erótica ou scientia sexualis? Análise e o amor pelo mesmo sexo
Vittorio Lingiardi
3. O amor entre homens na Grécia antiga
Ítalo Mudado
4. O amor entre parceiros do mesmo sexo e a grande tragédia da homofobia
Gustavo Barcellos
5. O amor entre parceiros do mesmo sexo: outras formas do amor
Denise Amorelli Silveira
6. Associações livres sobre alguns temas relacionados com a homossexualidade
Vittorio Lingiardi
Sobre os autores
Apresentação
Anima Mundi_Fundo Transparente.epsAnima Mundi, termo que serve de título desta coleção, traz profundo significado simbólico, ou seja, a alma de todas as coisas, universal e perene.
A anima, poder invisível de princípio vital ou sopro divino, derrama sobre o mundo o sentido de todas as coisas, a ação criadora permanente e a essência divina no ser humano. O mito, a arte, a religião e a linguagem são expressões simbólicas do espírito criador do ser humano. Em busca da sua própria alma, o ser humano descobriu novos caminhos para a sua expressão efetiva no mundo e sua interioridade mais profunda, equilibrou estruturas antagonistas e ampliou suas experiências com o sagrado e o profano.
O objetivo desta coleção é trazer ao grande público as diferentes discussões por ela suscitadas, sejam, em parte o reflexo do conhecimento científico e a sua interpretação em determinados momentos históricos, sejam as vivências individuais e coletivas no contexto artístico, filosófico e espiritual.
Anima Mundi caminhará através de fundamentações teóricas multidisciplinares, transdisciplinares e interdisciplinares, enriquecidas com relatos de experiências e estudos de casos, apresentando reflexões sobre o existir humano nas suas múltiplas experiências. A presente coleção estabelece um diálogo criativo entre arte, filosofia, ciência e espiritualidade.
Esta coleção não se dirige apenas ao público especializado, mas a todos os que buscam o conhecimento mais amplo e criativo da profunda experiência humana e de si mesmo.
Sonia M. Bufarah Tommasi
São Paulo, 2005
1. Estudos sobre a homossexualidade: debates junguianos
Carlos Alberto Corrêa Salles
Durante seminários e o XII Simpósio da AJB, promovidos pelo Instituto C. G. Jung MG, em Belo Horizonte, foram incluídos vários debates sobre a possibilidade de se criar uma abordagem junguiana da sexualidade e convidamos alguns especialistas para debater a questão polêmica do relacionamento entre parceiros do mesmo sexo, tema deste volume, e outro tomo sobre a sexualidade e individuação.
O motivo da edição desses debates deve-se a uma carência de publicações sobre as uniões entre parceiros do mesmo sexo que, às vezes, assumem um caráter preconceituoso, transformando laços afetivos em questões psicopatológicas ou criam descrições dos homossexuais como se eles fossem seres geneticamente distintos ou como se tivessem algum problema peculiar do desenvolvimento. Ou acabam criando apologias simplistas, como as de muitas publicações dos movimentos gay.
Utilizamos, preferentemente, a expressão relacionamento entre parceiros do mesmo sexo
no lugar de homossexualismo
, "gay, ou
lesbianismo, por causa dos inúmeros preconceitos que recaem sobre esses termos e sobre aqueles que optam por se unir a pessoas do mesmo sexo. O termo homossexualismo foi criado em 1869 por Karl Maria Kertbeny, em escritos anônimos contra as leis da Prússia que previam condenações severas à prática da
sodomia. Antes dessa data o homossexualismo
não existia, porque, por um princípio lógico, algo não
existe" antes de ser nomeado. Em 1886. Krafft-Ebing (1997), no livro, Psychopathia sexualis, incluiu o homossexualismo na medicina entre os chamados desvios sexuais.
Os termos lesbianismo
e safismo
foram empregados, pela primeira vez, no século XVI, para designar o relacionamento erótico entre mulheres, tendo referência a poetisa grega Safo, que teria vivido em Lesbos, entre os séculos VI e V a.C.
O problema é que a poeta grega, autora de belos hinos dedicados a Afrodite, a deusa do amor, e que despertava nas mulheres de Lesbos o gosto pela literatura e a música, foi reduzida a mero símbolo de opções sexuais homoeróticas. Mas a visão dos poetas nem sempre coincide com a do conhecimento oficial. Baudelaire (1997), em Flores do mal, descreve Lesbos como onde o amor se rirá do céu e da terra
. Como um lugar onde um suspiro jamais resta sem eco
e questiona: qual dos deuses, Lesbos, ousará ser teu juiz?
Outra suposição corrente é a de que o homossexualismo seria algo contra a natureza
. Contestando essa suposição, o professor Robert Young (2007), nas suas palestras no Instituto C. G. Jung, em Minas Gerais, demonstrou que cerca de 450 espécies animais têm comportamentos que poderiam ser chamados de homossexuais. Uma pesquisa realizada na França, em 1993 sobre o comportamento sexual mostra que 4% dos homens e 2 a 3% das mulheres tiveram um ou mais relacionamentos homossexuais em suas vidas.
Desde a Idade Média até o final do século XX, postulava-se uma origem hereditária para o comportamento homossexual, algo que nunca foi comprovado. Em um texto alquímico do século XVI, Artis Auriferae, lê-se: Domine, quam vis rex sis, male tamen imperas et regis: masculos namque masculis coniunxisti, sciens quod masculi non gignunt.
(Senhor, sois rei, porém regestes e governastes mal, unistes machos com machos, sabendo que machos não procriam.
) (JUNG, 1970, p. 170). Por um princípio lógico, como ilustra o texto dos alquimistas, um gene que não pudesse se reproduzir estaria em desvantagem em relação a outros e seria eliminado. Essa concepção passou a ser considerada, em ciência, como paradoxo darwiniano
. Porém, pesquisas atuais tentam conciliar essa discrepância fundamentando-se no fato de que em mulheres de famílias em que há homossexuais, haveria um aumento da fecundidade, resultando em famílias maiores (CONDOR, 2004). A seleção, nesses casos, poderia se dar por grupos e não por indivíduos.
Uma crítica que posso fazer a esses estudos é que, se realmente houver um fator genético, esse deve ser constituído de vários genes maternos e não de um só gene. Isso também não exclui o fato de que famílias maiores, para poderem existir, necessitam de certos fatores sociais, como o de uma maior proteção, o que poderia ser exercido por um dos seus membros sem descendentes. No caso de alguns animais que vivem em grupo, como os lobos, um deles assume o papel de tio celibatário
e ajuda a cuidar da prole (MOWAT, 2001). Portanto, esses possíveis fatores biológicos não excluem nem a luta pela sobrevivência, nem as questões culturais.
A tradição judaico-cristã tenta classificar e discriminar as coisas do mundo e, consequentemente, divide os seres humanos entre homossexuais e heterossexuais, como se pertencessem a espécies animais distintas, apesar de a história da humanidade nos mostrar que, desde os primeiros escritos conhecidos, há referências de uniões homoeróticas, tanto masculinas quanto femininas.
Os primeiros missionários que aqui aportaram descrevem relacionamentos homossexuais entre os índios e também entre os primeiros habitantes europeus no Brasil do Descobrimento. No início do século XVI, o padre Manoel da Nóbrega relatou que muitos dos novos moradores da terra viviam com índios, como se esses fossem suas esposas, justificando ser esse o costume da nova terra (TREVISAN, 2000). Em 1587, Gabriel Soares de Souza escreveu que os índios Tupinambás e os Tupinaés, são mui afeiçoados ao pecado nefando, entre os quais não se têm por afronta
e que nas suas aldeias pelo sertão há alguns que têm tenda pública a quantos os querem como mulheres públicas
(TREVISAN, 2000, p. 65). O padre Pero Correa, em 1551, mencionou a existência de mulheres índias Tupinambás que costumavam ir à guerra e à caça com os homens e que tomavam outras mulheres por suas esposas. (TREVISAN, 2000). Bartolomé de Las Casas comentou que os pais dos Maias de Yucatan, do início do século XVI, ansiavam por ver seus filhos casados por motivo do apego que tinham ao prazer antinatural
(BURTON, 1993).
Em um épico, datado de um período entre 2750 e 2500 a.C., registrado em doze tabletes de argila e em escrita cuneiforme, há relatos das aventuras do rei de Uruk, Gilgamesh (BURTON, 1993). No início das aventuras, em função dos clamores dos habitantes de Uruk, por causa da arrogância do rei que não respeitava as leis divinas nem as dos homens, não deixando nem os filhos com os pais, nem as filhas com as mães, e nenhuma virgem para seu esposo
, os deuses decidiram punir Gilgamesh por seus excessos. Criaram um ser de força descomunal para enfrentá-lo, de nome Enkidu, mas este perdeu suas forças quando se tornou amante de uma cortesã e, vencido, acabou se tornando um companheiro inseparável de Gilgamesh, na sua jornada em busca da imortalidade.
Na história de Ló (Gn, 19:1-38), dois anjos do Senhor hospedaram-se na sua casa em Sodoma. Os moradores da cidade, desde o moço até ao velho
, cercaram a casa à procura dos forasteiros com o intuito de conhecê-los sexualmente. Os enviados do Senhor disseram a Ló que abandonasse a cidade; como ele demorava a sair, os anjos pegaram pelas mãos Ló, sua esposa e suas filhas e os puseram para fora da cidade, recomendando que não olhassem para trás. Choveu enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra, porém a mulher de Ló olhou para trás e foi imediatamente transformada em estátua de sal.
Usualmente, as catástrofes naturais são representadas nos mitos sob a forma de punição pelas iniquidades de um povo. Simbolicamente, a conversão da mulher de Ló em estátua de sal pode ser vista como a paralisia decorrente de se olhar para trás na vida, como a de se tentar viver no passado. O que nada mais é do que um investimento da energia psíquica não em um passado, mas em fantasias sobre um passado idealizado, supostamente melhor do que o presente, que não é vivido.
Jung lembra que na Grécia antiga e em certas comunidades primitivas, homossexualismo e educação são praticamente sinônimos (JUNG, 1975). Os espartanos treinavam para as batalhas e lutavam em duplas de amantes, justificando que, por isso, cada um deles lutaria mais bravamente em defesa do outro. Outra dupla de guerreiros conhecida foi a de Pátroclo e Aquiles, como descreve Homero na Ilíada.
Supõe-se que Alexandre Magno manteve uma relação homoerótica com seu amigo íntimo Hefaístion. E, provavelmente, com um jovem eunuco persa de nome Bagoas, conforme descreve Plutarco (1956). Há