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Saúde e Sujeito: Desafios à Clínica no Contexto da Oncologia Pediátrica
Saúde e Sujeito: Desafios à Clínica no Contexto da Oncologia Pediátrica
Saúde e Sujeito: Desafios à Clínica no Contexto da Oncologia Pediátrica
Ebook147 pages2 hours

Saúde e Sujeito: Desafios à Clínica no Contexto da Oncologia Pediátrica

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Saúde e sujeito: desafios à clínica no contexto da oncologia pediátrica relata um trabalho clínico desenvolvido com crianças e adolescentes, submetidos a condições graves de adoecimento. Este trabalho se fez através de uma articulação entre a teoria psicanalítica e o conceito de saúde tal como se apresenta na obra de Georges Canguilhem. Nesta perspectiva foi possível a construção teórica de uma abordagem na qual se conjuga a questão da saúde - tratada aqui no campo da oncologia pediátrica - e a problemática do sujeito, tal como trata a Psicanálise. Relatos de casos e fragmentos clínicos ilustram de forma consistente a emergência de resgatar-se o lugar do sujeito em meio ao rigoroso procedimento tecnocientífico, tão necessário nesse contexto.
LanguagePortuguês
Release dateJul 23, 2020
ISBN9786555236811
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    Saúde e Sujeito - Ana Szapiro

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO MULTIDISCIPLINARIDADES EM SAÚDE E HUMANIDADES

    Dedicamos este livro a todos os pacientes, que nos ensinam diariamente, por meio do humor, da arte, da palavra e do seu sofrimento, o que significa saúde.

    APRESENTAÇÃO

    É a clínica o ponto de partida e de chegada deste livro. O trabalho com crianças e adolescentes com câncer, sujeitos implicados em seu processo de adoecimento, levanta questões importantes que norteiam e conferem sentido a esta escrita.

    A problemática central que desenvolvemos neste livro diz respeito ao lugar do sujeito no tratamento oncológico infanto-juvenil. A oncologia pediátrica tem características peculiares que contribuem para a interrogação que fazemos sobre o lugar do sujeito e sobre o conceito de saúde em condições graves de adoecimento.

    Com relação à especificidade da oncologia pediátrica, uma de suas características é a opacidade que é imposta aos que se confrontam com ela: o acometimento de crianças e adolescentes por uma doença potencialmente mortal, que requer um tratamento medicamentoso intenso, responsável não apenas pela tentativa de alcançar a cura, mas também por efeitos adversos que implicam alterações profundas na vida. Desde o crescimento dos tumores até a proposta de tratamento, muitas vezes tão ou mais brutal que a própria doença, o que comparece para os pacientes e seus familiares é algo assombroso e inassimilável.

    Diante desse árido cenário, a cura aparece como um imperativo do tratamento. Em face de uma doença que não se pode prevenir e que coloca em jogo a vida de crianças e adolescentes, todo o investimento é dedicado ao tratamento propriamente dito. Os procedimentos de combate à doença são, em geral, duros e reconhecidamente agressivos. A doença é, ela mesma, agressiva. Os rigorosos protocolos de tratamento, munidos de tecnologias de ponta e grande conhecimento sobre a doença ganham papel principal especialmente se levarmos em conta que se trata de um paciente oncológico infanto-juvenil. A primazia de perspectivas protocolares de abordagem aos pacientes não se apresenta apenas no campo da medicina, mas se enuncia igualmente na prática de algumas abordagens na psicologia. Os efeitos dessa primazia podem ter como consequência, quanto ao exercício da clínica, a evicção do lugar de sujeito.

    A saúde é definida nesse contexto a partir de critérios determinados por padrões e modelos pré-estabelecidos, contidos nos protocolos de tratamento. Sendo assim, surge aqui a primeira inquietação que essa clínica nos impõe. No discurso corrente na instituição médica entende-se saúde como a conclusão do processo de restabelecimento do organismo, isto é, a adequação a determinadas normas, ou ainda, a capacidade de voltar ao normal. No entanto, o dia a dia da clínica em oncologia pediátrica demonstra que a radicalidade desse adoecimento não permite um retorno ou uma adequação a uma norma.

    Observamos no encontro diário com os pacientes algo que está para além do protocolo, que por vezes, inclusive, subverte-o. Trata-se do trabalho do próprio sujeito de criar suas saídas para os obstáculos contundentes impostos a eles pela doença. É surpreendente a maneira como crianças e adolescentes, diante do indizível do câncer, criam bordas para o buraco (significante frequentemente usado pelos pacientes) que irrompe em suas vidas. Eles mostram que são capazes de inventar outras formas de viver, como ressaltam Gori e Del Volgo, uma vida que valha a pena¹ sem uma perna, um olho, um braço, por exemplo. Por vezes, nos parâmetros biomédicos, os pacientes são considerados ainda muito doentes, ou estão até mesmo perto da morte, mas ainda assim surpreendem com a capacidade de sustentar-se a partir de seu desejo. A clínica, nesse sentido, aponta para uma subversão do conceito de saúde enquanto adequação a uma norma protocolar, e sublinha, ao contrário, a importância de critérios singulares, que dizem respeito ao sujeito e a sua relação única com a doença.

    Os critérios singulares para a definição do que é saúde só podem ser pensados quando de fato se escuta o sujeito em questão. A clínica nos ensina que essa dimensão singular só se faz presente quando crianças e adolescentes, no dia a dia de seu tratamento, são tomados como sujeitos, que dirigem suas queixas e demandas a um lugar simbólico, marcado pelo discurso do inconsciente e da alteridade, isto é, o Outro², sublinha Lacan, encarnado na figura do analista. É nessa brecha possível no tratamento médico que demonstram sua singularidade no meio homogêneo da descrição e do tratamento das doenças. O sujeito se faz presente nesse processo por meio das falhas de seu discurso, da entrada e saída de cena, por onde destaca sua posição, suas invenções e seu saber. O tratamento que combate o câncer infanto-juvenil também diz respeito a um sujeito que precisa se submeter a ele, pois é justamente esse sujeito que, na presença de um Outro, designa e cria o que é saúde para si mesmo.

    Sendo assim, a partir do percurso dessa clínica, sentimo-nos provocadas pela importância de um trabalho de resgate do lugar do sujeito, tal como a psicanálise o compreende. A questão não é interrogar o saber médico ou o uso de seus protocolos, mas pensar o lugar possível para o que é absolutamente singular no contexto de um tratamento que é regido por normas.

    Procuramos iniciar nossa escrita articulando a perspectiva clínica da psicanálise com o olhar crítico presente na obra de Canguilhem sobre o que é saúde. Assim, devemos levar em conta os grandes avanços científicos em curso quanto ao tratamento oncológico. Desse modo, no recorte da oncologia pediátrica, vamos nos situar numa outra compreensão da saúde como capacidade normativa. A partir da articulação teórica entre saúde como capacidade normativa, tal como propõe Canguilhem, e a busca do sujeito, tal como o compreende a psicanálise, os fragmentos clínicos que apresentamos darão o tom e nos permitirão ilustrar a especificidade do trabalho clínico.

    Os fragmentos clínicos utilizados passaram por alterações para que pudéssemos assegurar o sigilo das informações dos pacientes envolvidos. As famílias dos pacientes, cujas histórias são aqui narradas, autorizaram a publicação dessas histórias e de suas experiências, demonstrando, inclusive, grande apreço por eternizarem de alguma forma a jornada que viveram ao longo do tratamento oncológico. Assim, apresentamos este livro esperando que as questões que aqui trazemos possam contribuir para o debate sobre o cuidar no contexto da sociedade contemporânea.

    Nina Gomes Costa e Ana Szapiro

    PREFÁCIO

    O livro que você vai ler – Saúde e sujeito: desafios à clínica no contexto da oncologia pediátrica – traz uma questão que não permite que fiquemos indiferentes: os desafios com que se defronta a clínica contemporânea quando o que está em jogo é uma doença grave e, muitas vezes, fatal como o câncer, e quando ela acomete crianças e adolescentes. Nina Costa e Ana Szapiro partem da prática clínica para interrogá-la sobre o que pode ser saúde neste contexto e sobre que lugar esta clínica sobredeterminada pelo saber médico pode reservar ao sujeito.

    São perguntas que não possibilitam e nem admitem respostas rápidas, que demandam uma reflexão teórico-conceitual rigorosa, que parece ir na contramão das exigências contemporâneas de soluções imediatas. Exigências colocadas por nossa cultura, marcada pelos avanços tecnológicos que forjam uma temporalidade acelerada, ao mesmo tempo em que prometem a solução e a cura dos nossos males. Nina e Ana problematizam o saber médico assim constituído, em especial os protocolos e as técnicas que participam da produção de uma determinada concepção de saúde na qual o sujeito se vê normatizado e parametrizado. A clínica comparece neste livro, portanto, como o que permite colocar em questão esse conceito de saúde.

    Mas não se engane, acreditando encontrar aqui apenas relatos de experiências ou – o que poderia ser pior – um texto em que as experiências figuram somente como uma exemplificação do que já estaria previamente estabelecido pela teoria. Pois Nina e Ana tomam o trabalho clínico em um setor de Oncologia Pediátrica como um vetor que interpela o pensamento e o conhecimento, elaborando uma reflexão que se faz com a clínica, e não apenas sobre ela. Ou seja, é a clínica que coloca questões à teoria, entendendo que é no encontro com as crianças e com os adolescentes que as questões teóricas ganham sentido, podendo produzir tanto corroborações quanto surpresas.

    Diante da radicalidade dessa clínica, em que não apenas a doença, mas também os tratamentos agressivos produzem efeitos avassaladores sobre os sujeitos, as autoras se interrogam sobre o que pode ser a saúde e problematizam o modo como ela é tradicionalmente pensada, como adequação à norma. Assim, articulando as considerações de George Canguilhem

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