O internetês na escola
By Fabiana Komesu and Luciani Tenani
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O internetês na escola - Fabiana Komesu
linguagem.
1. INTERNETÊS: O QUE É?
Neste capítulo, procuramos explicitar perguntas e apresentar hipóteses explicativas sobre o chamado internetês
, uma das práticas letradas em língua portuguesa, frequentemente associada a jovens usuários da internet. Numa primeira aproximação ao tema, internetês pode ser definido como forma grafolinguística que se difundiu em bate-papos virtuais e comunicadores instantâneos, de forma geral; também em blogs, microblogs e demais redes sociais. É reconhecido por registro escrito divergente do da norma culta.¹ Essa seria uma razão pela qual os adeptos do internetês são criticados por quem é avesso a essa prática letrada.
Esse quadro, quando apresentado ao não iniciado nessa atividade de escrita – caso, muitas vezes, do professor de língua portuguesa –, é quase sempre tomado como escrita fonetizada
ou interferência da fala na escrita
, com consequente desqualificação
do internetês. Procuramos defender, no entanto, que o internetês pode ser tomado pelo professor de língua portuguesa como objeto por meio do qual o aluno é conduzido a trabalhar questões vinculadas não a aspectos prescritivos de forma
, mas a aspectos da produção de sentidos, com destaque para as relações entre linguagem e vida social. Dois aspectos importantes sobre o internetês e o ensino de língua portuguesa são tratados neste capítulo, organizado em duas seções: na primeira, refletimos sobre o internetês de um ponto de vista da relação entre fala e escrita; na segunda, discutimos se o uso do internetês é ou não adequado na escola.
O material que utilizamos neste livro é formado de produções textuais escritas que integram um banco de dados, resultante de um projeto de extensão universitária, chamado de Desenvolvimento de oficinas de leitura, interpretação e produção de texto no Ensino Fundamental.² Essas produções foram escritas por alunos de Ensino Fundamental II, regularmente matriculados numa escola estadual em São José do Rio Preto, interior do Estado de São Paulo. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no ano de 2010, São José do Rio Preto contava com aproximadamente 410 mil habitantes, sendo a 12a mais populosa do Estado. A escola onde os textos foram coletados fica na zona urbana do município e recebe alunos tanto de bairros próximos à escola, considerados de zona periférica da cidade, quanto de bairros distantes da escola, considerados de zona rural. Essas características, somadas a processos sociais de informação e comunicação na atualidade, permitem pensar que as práticas letradas que privilegiamos como objeto de estudo podem também ser encontradas ou produzidas em outros lugares do Brasil e do mundo.
1.1 Internetês: fala ou escrita?
A proposta de iniciar esta reflexão sobre internetês da perspectiva da relação entre fala e escrita é justificada por afirmações frequentes, vindas de diferentes grupos, incluídos professores de língua portuguesa e alunos, de que o internetês seria uma escrita fonetizada
, um fenômeno da linguagem explicável com base na ideia de interferência da fala na escrita
. Vamos procurar explicar tanto o conceito de fala
quanto o de escrita
envolvidos nessa percepção do que é internetês. Para o que nos interessa, pensar um fenômeno da linguagem do ponto de vista do conceito teórico está associado ao fato de que todo professor, não apenas o de língua portuguesa, é, de maneira particular, um professor-pesquisador, uma vez que toda prática em sala de aula está fundamentada em conceitos aplicados numa situação de ensino e de aprendizagem. Levando-se em conta um cenário de inúmeras exigências impostas tanto à escola quanto ao professor responsável pela formação de crianças, jovens e adultos, não há como separar teoria da prática da linguagem, o que justifica, portanto, nossa proposta.
Vejamos, pois, o seguinte texto extraído de um perfil de usuário numa rede social:³
TEXTO 1
O acréscimo de vogais (como em BOUMM
) ou de consoantes (como em "FALAH), a repetição de consoantes e vogais (como em
GENNTTIII, respectivamente), por exemplo, associados a texto escrito em maiúsculas fazem com que os leitores sejam capazes de atribuir, por meio dessa ortografia, leitura que recupera características da realização oral dos enunciados representados escritos. Imagina-se que aquele que
fala no texto seria, então, um(a) adolescente, que
gritaria, dado o aumento de volume de voz
sinalizado pelo uso de letras maiúsculas. O emprego de onomatopeias (
HMM,
AIN AINN) seguidas por reticências imprime, é certo,
ar de dúvida, de inocência pueril, logo desfeita, no entanto, por uma
lista de preferências juvenil (gostar de sair, ir em
balada, beijar na boca, estar entre amigos), confirmada por
risadinha (
HEHE). Essas e outras marcas linguísticas, a exemplo das abreviaturas discutidas nos capítulos seguintes deste livro, é o que fazem alguns leitores acreditarem que a escrita do internetês sofreria
interferência" da fala, dadas as modificações na ortografia e o trabalho com outras marcas linguísticas.⁴
Entretanto, parece haver nessa afirmação sobre interferência
da fala na escrita certa visão de como se dá a relação fala e escrita que subjaz à conceituação teórica que merece ser discutida pelo professor e pelo aluno. Trata-se, de nosso ponto de vista, de uma noção de língua segundo duas maneiras de realização opostas: a da fala e a da escrita. Dessa perspectiva de uma separação em dois, de uma dicotomia, fala e escrita são, cada uma, modalidades da língua, isto é, formas distintas de expressão da língua. As pessoas que assumem, mesmo sem saber, essa visão sobre a língua tendem a idealizar características próprias para cada uma dessas modalidades, traços que seriam sempre os mesmos, independentemente dos propósitos e do modo como os seres humanos se relacionam em diferentes instâncias de comunicação, no decorrer de um tempo histórico. É como se, ao fazer referência à escrita
ou à fala
, as pessoas já soubessem o que dizer sobre sua caracterização. Desse modo, a escrita é quase sempre vista como planejada
, precisa
, normatizada
, completa
, em oposição à fala, que seria, por sua vez, não planejada
, imprecisa
, não normatizada
, fragmentária
.⁵ Com base nessa caracterização homogênea, as pessoas ficam, de fato, surpresas ao se deparar com o internetês. Perguntam-se se um texto como o apresentado pode ser considerado língua portuguesa e a resposta, prontamente, é