A Voz da Vítima no Processo Penal Internacional:: Uma Análise Jurídico-Normativa do Tribunal Penal Internacional
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A Voz da Vítima no Processo Penal Internacional: - Amilson Albuquerque Limeira Filho
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO SOCIOLOGIA DO DIREITO
À força divina que tem me guiado desde sempre. À minha guerreira, que tanto lutou para que eu pudesse falar para o mundo e para que o mundo pudesse me ouvir. Ao meu guerreiro, homem simples, honesto e batalhador, que, mesmo sendo analfabeto, sempre se orgulhou da paixão do filho pelo conhecimento. À professora Maria das Neves, carinhosamente conhecida por Nevita, ao empreender comigo viagem, sem passagem de volta, pelo surpreendente mundo da filosofia. Gratidão é tudo que sinto.
AGRADECIMENTOS
Para não pecar pelo excesso ou pela falta de palavras, para não ser injusto ou demasiadamente generoso, para não gerar atritos ou a falsa sensação de gratidão, certifiquei-me de agradecer pessoalmente a cada um dos envolvidos no processo de graduação. No decorrer dessa jornada, consegui perceber que palavras são tão pouco e ao mesmo tempo são tudo o que temos, pois é pela linguagem que conhecemos o mundo, a história, a norma e o outro. É pela palavra que conseguimos acessar o mais profundo conhecimento filosófico, ou rir daquela piada ambígua despretensiosa. É pela palavra que alcançamos o coração e a atenção de muitas pessoas. Contudo também é pela palavra que surgem os conflitos, que se expandem as animosidades e que são gerados os mais profundos dissabores. Palavras são construções inacabadas. Assim sendo, parafraseio Vânia Ortiz, quando afirma que há palavras que nada dizem e silêncios que tudo dizem
, optando pelo fecundo espaço do silêncio, enquanto voz complexa e infindável, para expressar a minha mais profunda gratidão a todos que contribuíram direta ou indiretamente para a realização desta obra, posto que me faltam palavras para expressar tamanha gratidão. Destarte, insisto, gratidão é tudo o que sinto.
Ak’imuhana kaza imura ihise.
A ajuda externa sempre chega quando a chuva já parou.
Provérbio ruandês
APRESENTAÇÃO
A proposta de um Tribunal Penal Internacional (TPI) teria enfrentado, ao longo da história, diversas dificuldades e limitações, chegando a ser relativizada em alguns momentos, como o fizeram, outrora, Rolin-Jaequemyns e Monnier, no afã de que a História recepcionasse suas ideias, vistas à época com certo grau de receio e estranhamento.
Aliás, seria por volta do início do século XX que se teria elaborado uma Corte Internacional de Presas, sem que, contudo, se houvesse logrado êxito, ante a noção de irretocabilidade da soberania de Estado, prevalecendo, até então, uma cultura de irresponsabilidade dos governantes e superiores hierárquicos.
Seria, no entanto, a partir da propositura de uma Comissão para a Responsabilização dos Autores da Guerra e para a Execução de Penas por Violações a Leis e Costumes de Guerra (Commission on the Responsibility of the Authors of the War and on the Enforcement of Penalties for Violations of the Laws and Customs of War), constituída em 1919, que se desenvolveria, em âmbito internacional, crescente anseio pela consolidação de uma Corte penal de caráter permanente, culminando, anos mais tarde, com a adoção da Convenção Contra o Terrorismo pelas Ligas das Nações (1937), seguida da criação dos Tribunais de Tóquio, Nuremberg e, mais adiante, da implementação dos Tribunais Penais Internacionais para Ruanda (TPIR) e para a ex-Iugoslávia (TPIJ).
Esse percurso, todavia, não seria trilhado de modo uníssono, linear e harmônico, tendo se constatado no decorrer desse processo reiteradas falhas expressas num ideal de justiça restrito à concepção dos Estados vencedores, servindo muito mais à concretização de decisões parciais e "ex-post facto" que ao combate da criminalidade em sua dimensão global, revelando-se, em muitos casos, incompatível com o próprio ideal de um Direito Internacional Penal cosmopolita.
Ocorre que a história também surpreende positivamente, tendo sido empreendidos renovados esforços na humanização do Direito Internacional, como afirma Mazzuoli,¹ possibilitando o surgimento de uma consciência histórica atenta à necessidade de responsabilização e punição dos graves crimes perpetrados, culminando, tempos mais tarde, com a Elaboração do Estatuto de Roma (ER), ocasião em que finalmente encontraria o TPI espaço propício ao seu desenvolvimento, tendo sido implementado em 17 de julho de 1998 na Conferência de Roma, entrando em vigor após cerca de quatro anos.
Ademais, não obstante o crescente anseio social pela consolidação de uma cultura de responsabilização, seria em momento posterior à Segunda Guerra Mundial que ganhariam expressiva abrangência questões relacionadas à vítima e aos processos de vitimização, como recorda Silva Sánchez², encontrando nas atrocidades cometidas nesse período o tubo de ensaio necessário para uma compreensão abrangente e sistemática desta, passando a ser gradualmente entendida enquanto categoria epistemológica, repercutindo no direcionamento de um olhar igualmente humanizado por parte da comunidade internacional, cujos reflexos podem ser sintetizados na proposição de uma política internacional de proteção integral à vítima, inicialmente expressa na Resolução 40/34, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU).
Doravante, é para esse contexto que se verteu a pesquisa apresentada neste livro, entendendo ser a interação vítima x TPI a chave para consolidação de um sistema de participação atento aos reclames internacionais e às necessidades dos sujeitos vitimados, sem, no entanto, olvidar-se da ideia de um Devido Processo Legal. Aliás, parte-se de um entendimento garantístico do processo, compreendido aqui sob uma perspectiva isonômica, atenta à par conditio e comprometida, sobretudo, com a garantia do Acesso à Justiça.
Desse modo, o presente livro se estrutura em três momentos, iniciando com uma breve introdução histórica do tema, apresentando algumas tentativas de implementação de Jurisdições Internacionais, seguido de explicação sucinta acerca da estrutura e jurisdição do TPI, para em tópico seguinte abordar questões afetas à vítima no âmbito do direito penal doméstico, do processo criminal internacional, do ER e das Câmaras Extraordinárias nas Cortes do Camboja (Cecc), culminando com o estudo do Caso Lubanga, a partir de uma análise jurídico-normativa das decisões proferidas pela Corte, sem a pretensão de esgotar o tema, almejando-se, tão apenas, a sua introdução e reflexão crítica.
PREFÁCIO
Há cerca de seis anos, um jovem paraibano apresentou-se diante do histórico Curso de Direito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que, à época, situava-se no centro da capital João Pessoa, para realizar sua desejada Láurea em Ciências Jurídicas. Em meados de 2014, Amilson Albuquerque Limeira Filho não apenas estudou ao meu lado nas disciplinas de Direito Penal I e IV, mas, com brilhantismo de quem observa de modo interdisciplinar seus objetos de estudo, enveredou pelas pesquisas acadêmicas em diversos saberes jurídicos, mormente Direito Internacional, Direito Ambiental, Bioética, Direitos Culturais e Ciências Criminais, a todo tempo com seu olhar sociológico e filosófico.
Nesse lócus de reflexividade, por volta do ano de 2016, passou a integrar o nosso Núcleo de Ciências Criminais (NCC/UFPB), iniciando sua jornada de pesquisador-escritor, tendo se destacado durante a elaboração de texto O movimento do Direito Penal: o desperdício da experiência marginal e o seu aproveitamento pelo Tribunal Penal Internacional, fruto de sua participação no Projeto de Pesquisa do Laboratório de Ciências Criminais, firmado por convênio entre o NCC/UFPB e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), tornando-se, mais adiante, especialista em Direito Internacional pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), ocasião em que publica seu livro inaugural, autêntico tributo à sua vida acadêmica já trilhada com obstinada valentia e arguto talento.
Como já dizia Nietzsche³, [...] é preciso ter o caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante
. É nesse mote que nasce a publicação deste estudo. Emerge como ressonância diante de um contexto de caótico silêncio de séculos e séculos das vítimas de crimes no sistema penal. Desse modo, em referida obra, o autor torna possível, paradoxalmente, o ecoar de vozes não apenas perdidas no tempo histórico e negligenciadas pela literatura crítica jurídica, mas fortemente caladas no desenrolar do processo jurídico-penal, quando tateiam, por ainda não enxergarem claramente, um lugar de fala na relação processual.
Nessa linha, imperiosa é a obra do autor por revelar-se em face do interesse em se analisar a vítima e suas repercussões no Direito Internacional Penal, o que permite toda essa transformação no deslinde do processo e na resolução de conflitos penais de grande repercussão e extensão de danos, ao passo em que se propõe o autor à ambiciosa pretensão de preenchimento desse espaço, esclarecendo, desde o início, sua opção por um estudo direcionado ao entendimento de como instrumentos normativos e organizações judiciais internacionais podem contribuir na participação da vítima no processo penal.
Em poucas linhas, o livro representa um sopro de dessilenciamento
de vozes historicamente invisibilizadas, percorrendo a memória do processo