Isto não é um documentário
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Amostra do livro
Isto não é um documentário - Marcos Siscar
Sumário
jardim das simplicidades
Caprichos
Força de ofício
Isto não é um documentário
Jardim das simplicidades
O rompimento
O golpe e o espelho
Hora de poesia
Cuspindo contra o vento
De novo dia
A figura e o desastre
Rendimento
As mãos
Advertência para leitores diletantes
Árvores não trocam de casca
Sedimentos
[uma árvore sem raízes aparentes]
Do talo e da lata
Escrito na lata
Dificuldade de fundo
O poeta e a larva
Outro poema sujo
Tudo foi dito
Preço médio
Viajantes
Brecha
cinema
[Filme é o que está diante dos olhos]
Gênesis
Paisagem com estrada
O menino na ponta do trampolim
Jardim de vestígios
Congelar a imagem
A câmera clara
O silêncio e o fundo
Nossos filmes geralmente acabam assim
Às vezes como agora
Baseado em fatos reais
De novo luz
Sujeito à deriva
O ator de si mesmo
A personagem secundária
Segurando a fotografia
Nada além de nós
O retângulo eviscerado
Uma torneira vaza
Quando descemos a rua de bicicleta
Extremo ocidente
A menina e a morte
O choro da filha
Quando a cabeça submerge
O mar que se vai com o sol
Neva ainda
Road movie
Retrato de artista
Império da visão
Da obscenidade da morte
Diante dos olhos
Dois filmes ao mesmo tempo
O cinema do teatro
A linguagem é o filme da coisa
Como entre todos
Um boi se aproxima
Ao sair encoste o portão
Nós nos entretemos
Cinema do infinito
Making of
Créditos
endereços
Às voltas da casa / Essai sur le retour
Estamos na casa
Moramos juntos
Um modo de estar
Onde não me encontro
Reinventar a situação
Endereços da casa
Construção e reforma
Meu animal e minha planta
A casa é sua
traduções impenitentes
A impostura
Se me lesse amanhã
Perda de original
A corriola rude
Poema de sete espelhos
Cartilha da luta
Como saindo de mim
Pietà
Texto de orelha
Sobre o autor
Percebo ainda que sou eu que sou vivida, sou eu
que sou grafada, sou eu também que escuto
em surdina o velho discurso que me grafa.
ana cristina cesar
jardim das simplicidades
Penso que a distância não aconteceu por acaso. [...]
É que ele não era apenas meu personagem,
eu não era apenas um documentarista.
Santiago, de João Moreira Salles
Caprichos
toda vez que me agacho vejo o carrapicho
é simples não posso dizer mais do que isso
perto do chão não há muito a se ver senão
o mundo encapsulado desse trigo ruim
cada vez que flexiono os joelhos e fecho
os olhos o que acho é apenas carrapicho
outros quando vão ao sol veem figuras
enredos molduras de carne ou de osso
eu só encontro terra e carrapicho
e às vezes quando me levanto sinto
vertigem nos olhos como se da altura
de um homem enxergar fosse um capricho
Força de ofício
eu bem que queria ser mais simples
e usar apenas as mãos
diria olhe para minhas mãos
são leves
como quem diz não verá o que mais importa
eu bem que queria ser mais fino
e cultivar um olhar exótico
deixar ressoarem palavras
fluctissonantes
como quem diz não me procure já fui embora
eu bem que queria ser mais neutro
e arriscar uma solução sagaz
manter no espaço um vazio
acrobata
como quem diz agora o problema é todo seu
mas estamos aqui e nunca é tão simples
só seus olhos têm força de ofício
chove em nossas palavras
os fatos me inundam
e há quem diga que não é nada disso
Isto não é um documentário
o modo como vivi me confundiu com o que acontecia
viver era a transformação implacável de eu em nós
desde o início essa distância dentro de nós
um por não saber em que resultava
outro por não entender o que sucedia
um não era apenas personagem tampouco o outro documentarista
a memória fiel dos começos e o sabido atrativo dos fins
não firmaram quem era o mordomo de quem
de quem era a dívida ou a quem se servia
no chiaroscuro dos pronomes, estampado no meio da tela
vê-se agora um corte uma cicatriz
ou inversamente
um rasgo para a plateia
Jardim das simplicidades
passo perplexo entre as línguas que ouço
nem todas estrangeiras mas em excesso
me atravessam de um lado a outro
como antigos espinhos expulsos pela pele
às vezes uma delas me rasga até a boca
e é o que se chama de simplicidade
mesmo as palavras encontradas na rua
dessas caídas por descuido manchadas
de tanta saliva quase impróprias para o uso
esfrego-as contra o rosto e sinto na língua
a matéria podre e sebosa com um fundo
adstringente que ajuda a abrir os poros
tento fazê-las capazes do que delas espero
O rompimento
muitos olhos vão ficar sepultados
debaixo dessa lama há lama demais
há lama por toda parte perdi amigos
perdi parentes a casa perdi a fome
foi tudo muito rápido há corpos
duros aterrados uma cena de pompeia
petrificados pela lama com a boca
cheia de lama com as roupas cor
de lama o gesto de quem ainda
esperava que acabasse mas a lama
veio mais e cobriu tudo não há nada
a fazer há lama por toda parte
não há mais tijolos só há corpos
pegos em antigos hábitos de vida
tijolos decompostos restos de linguagem
e por toda parte o odor azedo da opinião
janeiro de 2019
O golpe e o espelho
Não houve surpresa. Poetas e contrabandistas sabem bem o quanto custam artifícios de seda. Flutuamos. Mas a história da gravidade é feita de golpes. O mais duro é o que rompe. O corpo se abate rígido num baque. E na rua nasce o cadáver. As palavras secas dos dessemelhantes. Jaz ruidoso nosso pacto de silêncio. E entre nós se insinua uma triste afinidade. Resta apenas acusar o golpe. Denunciá-lo em nós. Sem crime nem perdão. Mas diante