Altino: Memórias de um Repórter
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Book preview
Altino - Anne Abe
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
AGRADECIMENTO
Nossos sinceros agradecimentos a Deus e aos nossos pais, que nos apoiaram durante todo o processo de produção deste livro.
Agradecemos imensamente ao senhor Altino Correia, personagem principal do livro, por permitir que contássemos sua história e pela paciência, confiança e sinceridade que dedicou ao nosso trabalho. Da mesma forma, agradecemos à sua esposa, Apparecida Soares Correia, que nos acolheu gentilmente em sua casa.
Por fim, agradecemos aos profissionais da imprensa que aceitaram dividir conosco um pouco das suas experiências na profissão e contribuíram com uma narrativa mais rica de informação. Em especial, agradecemos ao senhor Clovis Moré, por acreditar no conteúdo desta obra e tornar a sua publicação possível.
PREFÁCIO
Jornalista é uma profissão com várias funções e, certamente, a principal delas é a de repórter. Função que traduz a mais fiel definição da profissão: a de contador de histórias. A prática de reportagem está atrelada ao trabalho de campo, na prospecção de informações para elaboração de notícias, longe do conforto do ar condicionado das redações e perto da vida em movimento nas ruas e nos mais diferentes lugares.
O personagem central desta obra, o jornalista Altino Correia, é essencialmente repórter e todos os indícios são de que essa função é a sua grande paixão. Sentimento que se revela em sua ação, não somente no gostar, mas especialmente no empenho e nos desafios de sua prática profissional, de quem sempre se fez presente registrando os mais diferentes acontecimentos; atualmente, fotografando e escrevendo no blog Memórias de um Repórter do Interior.
Ainda que o título da publicação online sugira reminiscências, as notícias nele veiculadas são sobre assuntos que pautam a cobertura do dia a dia. Textos bem redigidos e ilustrações fotográficas pertinentes; condições próprias de quem edificou carreira sólida e assim a mantém. Outra ocupação atual é a prestação do serviço de assessoria de imprensa para a Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT-Unesp) de Presidente Prudente. Com experiência acumulada em diferentes plataformas de mídia, já são mais de 60 anos de exercício profissional.
Tenho acompanhado de perto essa trajetória desde o final dos anos de 1970, quando ingressei no rádio, e tem sido um aprendizado constante. Não bastasse, em duas ocasiões fui contemplado com oportunidades enriquecedoras. A primeira, quando o colega viajou para a Europa e me deixou tomando conta de seu escritório equipado com telex, algo raro para a época; pela primeira vez fazendo as vezes de correspondente regional, para a Folha de S. Paulo.
Escrever para um dos maiores jornais do país me possibilitou aprimorar o texto e entender como uma notícia pode obter alcance nacional; e, mais tarde, me deu subsídios para exercer a mesma função, por mais de uma década e meia, na Agência Estado, do grupo O Estado de S. Paulo. Na segunda ocasião, na condição de chefe de jornalismo, me levou para ser narrador esportivo da TV Bandeirantes – Canal 10 – de Presidente Prudente.
Aliás, outros colegas também foram beneficiados pela generosidade desse profissional que contribuiu com a produção de jornalismo de qualidade no primeiro canal de televisão prudentino, desde a instalação provisória em uma casa na Avenida Coronel Marcondes, na Vila Maristela, com o estúdio no quarto, cujas paredes foram forradas com sacos de estopa, onde havia uma bancada e atrás dela o cenário em maderite, que também servia de tapadeira.
Esses fragmentos históricos que me levam a escrever na primeira pessoa, algo raríssimo em minha vida, resultam do compromisso com o testemunho, ao qual fui instigado, pelo honroso convite à produção deste prefácio, para falar de um dos vários profissionais que me serviram e servem como modelo, tais como José de Melo Brito, Adelmo dos Santos Reis Vanalli e Sinomar Calmona, cada um em determinado perfil. O de Altino Correia é o de ser repórter, desses que se posicionam além da pauta diária e que não se prendem aos manuais de redação, embora respeite suas prescrições.
O repórter tem sempre uma atração pela descoberta, por encontrar novidades e estabelecer relações dos fatos com as questões humanitárias e sociais, de tal forma a obter impacto com suas publicações. Foi graças ao investimento na reportagem, em plena crise de 1929, que o New York Times pavimentou o caminho para se tornar um dos jornais mais influentes do mundo, ao contratar os melhores contadores de histórias, inclusive para também levar informações ao leitor sobre como driblar a própria crise.
No âmbito local/regional, propício à formação de bons repórteres, as estudantes de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social de Presidente Prudente (Facopp), Anne Abe, Camilla Saldanha, Nellise Pinheiro e Stephanee Melo, com orientação da professora doutora em História, Fabiana Aline Alves, elegeram um tema fascinante e decidiram produzir, como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), As contribuições do repórter Altino Correia para o jornalismo regional por meio de um livro-reportagem
.
Aqui está o livro e você, como sujeito ativo da interação que se estabelece entre o texto, o leitor e o contexto histórico, ideológico e social, os quais sinalizam para um diálogo prazeroso, pelo consumo de um conteúdo que certamente acrescentará algo para sua vida. Aproveite!
Boa leitura.
Homéro Ferreira
Jornalista
APRESENTAÇÃO
Lembrar... tarefa para a qual os jornalistas contribuem de diferentes formas. Os profissionais da imprensa convivem diariamente com fatos que podem ser esquecidos ou noticiados nos mais diversos meios de comunicação. Contar histórias, possivelmente, é uma das funções mais evidentes à profissão. Entretanto o papel de rememorar também cabe ao fazer jornalístico. Afinal, se o cerne da profissão está no ato de perguntar, a essência da resposta está na lembrança, nas experiências pessoais, indo das memórias mais recentes às mais antigas.
Altino: memórias de um repórter mostra como um jornalista convive cotidianamente com fatos que marcaram não só a história da profissão, como da região em que vive. Assim, o repórter escreve a história de seu tempo. E foi isso que Altino Correia fez! Construiu com suas coberturas jornalísticas um rico relato sobre o passar dos tempos da Alta Sorocabana, perpassou também as mudanças enfrentadas pela sua profissão. Ao se debruçar sobre a trajetória do jornalista, conhecem-se, além das aventuras de um repórter do interior, detalhes da rotina jornalística, dos anos 1950 a 1980, no interior paulista.
Quatro jovens repórteres mergulharam em pilhas de jornais velhos, processos arquivados, depoimentos de jornalistas pioneiros na região para entender a rotina jornalística em um mundo sem internet, com quilômetros de cabos, blocos de papel, solicitações de linhas para telefonemas, fotografias enviadas por ônibus, telex, radiofoto, telefoto, laboratórios fotográficos e estúdio de televisão montados em banheiros, uma lista de equipamentos, processos e terminologias que já não pertencem à profissão. Desvendaram os pormenores de uma função que praticamente não existe mais nas redações pelo país, a de correspondente do interior.
Altino Correia, por sua vez, gentilmente, as conduziu nesse mundo de descobertas, não só das origens do fazer jornalístico na região, mas também em fatos marcantes da história local. Imergiram juntos nas memórias do oeste paulista, de Presidente Epitácio a Presidente Prudente – com uma boa parada em Venceslau – foram do Mato Grosso do Sul ao Paraná, recordando, por meio das experiências do repórter, crimes famosos, construções emblemáticas, enchentes, trabalhadores e acontecimentos muitas vezes esquecidos nos dias atuais.
Ao eleger a história de Altino, este livro homenageia esse profissional e tantos outros que desbravaram o cotidiano em busca de manter a população ciente dos principais acontecimentos ao seu redor, muitas vezes deixando suas vidas pessoais de lado em prol da informação devidamente apurada e checada. Homenageia, assim, uma profissão, por vezes, subestimada no mundo contemporâneo, retomando momentos áureos da atividade, em que seus profissionais eram valorizados tanto pelas empresas como pela sociedade.
Dentro dos debates acadêmicos, o Trabalho de Conclusão de Curso, que resulta nesta obra, volta sua atenção à história do jornalismo, área que pouco tem interessado aos estudantes. Porém, olhar o passado é compreender as bases da profissão, os porquês de algumas tendências, permite entender a complexidade do fazer jornalístico. Nesse sentido, o estudo e este livro são respiradouros na pressão que a busca pelas tendências da contemporaneidade impõe a acadêmicos e professores. É também um reforço acerca do papel não só de narrar, mas de lembrar, que cabe ao jornalista.
Profa. Dra. Fabiana Aline Alves
Orientadora
Sumário
PRESIDENTE VENCESLAU É LOGO ALI
pASSA UM BOI, PASSA A BOIADA
A BARCA DE NOÉ
A FALSA LIBERTINA
O DIA EM QUE O GÁS VIROU PETRÓLEO
O FEITIÇO VIROU CONTRA O FEITICEIRO
160 MIL QUILOWATTS
DE CARONA A CAMPO GRANDE
CHAME O CARLITO!
DEUS AJUDA QUEM CEDO MADRUGA?
MEMÓRIAS DE UM REPÓRTER DO INTERIOR
POSFÁCIO
REFERÊNCIAS
ENTREVISTAS
PUBLICAÇÕES IMPRESSAS
PUBLICAÇÕES ONLINE
PRESIDENTE
VENCESLAU
É LOGO ALI
O sol ainda brilhava tímido no céu quando o relógio marcava 8h50. Altino Correia levantou da cama num sobressalto. Em seguida, estendeu a mão até a mesinha de cabeceira para desligar o despertador, que devia tocar dali a dez minutos. Apparecida, sua esposa, repousava um sono tranquilo ao seu lado. O senhor então tratou de acordar a mulher. Não podiam perder a hora. Eles tinham de seguir viagem à saudosa Presidente Venceslau.
A oportunidade de ter a vida publicada em uma obra estava cada vez mais próxima para o jornalista. As histórias preservadas em cada resquício de jornal amontoado no fundo de um guarda-roupa haviam de se associar, numa só narrativa, ao episódio que lhe fora reservado naquele domingo, 3 de setembro de 2017. O senhor levaria quatro meninas até Venceslau para que elas pudessem conhecer a sua mãe, uma senhora de 103 anos de idade, e também alguns de seus irmãos. As jovens eram estudantes de Jornalismo e se encarregavam de compilar a trajetória de Altino em um livro-reportagem.
A cabeça do repórter fervilhava de recordações conforme a água para preparar o café, numa caneca de alumínio sobre o fogão, atingia o ponto de ebulição, a 100°C. Dona Cida agora convidava o marido para sentar-se à mesa. O homem apreciava a segunda xícara de café Montana, o seu preferido, enquanto as moças chegavam à Rua Visconde de Barbacena. Os ponteiros do relógio, nesse momento, sugeriam um ângulo interno de 60° ao indicar 10h. Altino só foi descer de seu apartamento dali a 20 minutos.
De longe, o jornalista então surgia acompanhado de Apparecida, trajando roupa esportiva, como se estivesse pronto para uma corrida matinal: camiseta básica, calça, tênis e óculos de sol para proteger os olhos. Seu rosto, de traços fortes e angulares, exibia um sorriso de alegria arrebatadora. Altino se aproximava da portaria do prédio ao mesmo tempo em que cumprimentava, com muito bom humor, os moradores que passavam perto dele. Também deu atenção a um rapazinho com deficiência, que veio ao seu encontro para mostrar-lhe um rádio a pilha. As quatro garotas foram recebidas por Altino e Apparecida com um abraço espontâneo. Eles não as viam desde a quinta-feira e estavam ansiosos para apresentá-las ao município que fora ponto de partida em suas vidas. Bem, a conversa na calçada não se estendeu por muito tempo. Todos trataram de entrar no carro e começar a viagem.
O senhor parecia gostar bastante de dirigir na estrada. Só assim para aproveitar o momento dentro de seu automóvel. Ao contrário de quando pilotava nas ruas da cidade, não precisava lidar com a pressa e a impaciência de outros motoristas. Ele podia sentir agora o vento soprar-lhe por toda a face e emaranhar as madeixas branquinhas em volta da cabeça.
Ao passo que a vegetação às margens da Rodovia Raposo Tavares dava as boas-vindas pela janela do carro, o repórter viajava em suas próprias memórias. Com toda certeza, o cenário à sua frente, composto por árvores esparsas sobre uma vasta área de pastagens muito verdinhas, nada tinha a ver com a paisagem de quando deixara o sertão nordestino. O homem então se esforçava para reunir os poucos fragmentos que resguardavam, em sua mente, os primeiros anos de vida no pacato município de Rio de Contas, no interior da Bahia.
As chances de sobrevivência numa região de caatinga obrigavam o patriarca Miguel Pedro Correia e a mulher Alice Amélia Oliveira Correia a procurarem outro lugar para criar os filhos. Há muito tempo, o mandacaru não prenunciava a mudança de estação por ali. A seca não dava uma trégua e as notícias que provinham do nordeste do Brasil eram desalentadoras. Nessas circunstâncias, o casal de agricultores sempre precisou burlar as dificuldades para garantir o sustento de sua família da melhor forma ou, pelo menos, dentro das condições que tinham. A primeira dificuldade apareceu quando a mãe ainda colocava as crianças no mundo. Sem a presença de um médico ou de qualquer tipo de assistência especializada, Alice deu à luz aos seus filhos com ajuda de uma parteira muito conhecida nas redondezas das terras onde morava. A mulher respirava fundo e fazia uma força descomunal até ouvir o choro inconsolável do bebê que saía de seu ventre. Todo esse esforço se repetiu por cinco vezes até meados de 1937. Altino Correia foi o segundo filho, nascido em 30 de julho de 1934. A ordem então ficava a seguinte: Albino, Altino, Adília, Arcênio e Maria Alice.
Depois do trabalho de parto, a dificuldade seria alimentar a todas essas crianças que nasceram no semiárido brasileiro. Por ali, as estiagens prolongadas determinavam a composição de todo o cenário. A obra modernista O Abaporu (1928), de Tarsila do Amaral, parecia até mesmo uma releitura da paisagem pincelada pela própria natureza: homem, sol e cacto. Numa terra assolada pela seca, a única coisa que brotava entre xique-xiques e aroeiras era a esperança de muitas famílias. Os pés nus sobre o chão pedregoso já não sentiam mais a quentura que emanava das rachaduras distribuídas por todo o território. O sol feito brasa deixava na pele as marcas do trabalho duro. O olhar inerte para uma infinidade de casinhas de pau-a-pique, feitas de barro amassado e de bambus, denotava um pensamento muito distante. O futuro, de verdade, era incerto e injusto naquele lugar. Ter sonhos era um atrevimento e tanto para os sertanejos. Porém dona Alice acreditava que suas preces haviam de ser ouvidas. Em sua humilde oração, a mulher suplicava a Deus apenas por um chão mais provido de recursos para ter o que dar de comer aos seus filhos ainda pequenos. O monte