Margot
By Alfred de Musset and Fernando Sabino
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About this ebook
Em Margot, do francês Alfred de Musset, uma velha senhora vive tranquilamente em Paris no começo do século XIX com sua dama de companhia, que na verdade revela-se uma ladra. Depois de tentar substituí-la sem sucesso por duas vezes, a Senhora Doradour manda buscar então a filha dos zeladores de sua casa de campo, uma jovem de 16 anos que é o orgulho da família Piédeleu.
Graciosa e ingênua, a jovem Margot troca então o interior pela efervescente Paris. Na mansão da senhora Doradour, tudo para ela é deslumbramento, dos espelhos do quarto à banheira de água morna enfeitada de grifos dourados. Mas principalmente Gaston, filho da dona da casa, um oficial dos Hussardos que passa ali alguns dias de folga e que, ao parar diante da janela, a surpreende no banho, despertando nela ilusões pueris.
Descobrindo-se subitamente apaixonada, a jovem conhece então as agruras de um amor impossibilitado pelas diferenças sociais na França do século XIX. Sem ter seus sentimentos correspondidos, a inocente Margot torna-se protagonista de uma história de arrebatamento e frustração.
Alfred de Musset
Alfred de Musset (1810-1857) was a French poet, playwright, and novelist. He was born in Paris to a well-to-do family and turned to writing after first studying to be a doctor. Influenced by Lord Byron and Shakespeare, he fraternized with many great French writers such as Victor Hugo. He died in 1857 of a heart malfunction.
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Margot - Alfred de Musset
MARGOT
1
Numa grande e gótica mansão da rua do Perche, no Marais, morava, em 1804, uma velha dama conhecida e estimada por todos desse bairro parisiense: era a Senhora Doradour.
Mulher dos velhos tempos, não de origem nobre, mas da boa burguesia, rica, devota, alegre e caridosa, levava uma vida bem recatada. Sua ocupação consistia em dar esmolas e jogar um carteado de bóston com seus vizinhos.
Em sua casa, almoçava-se às duas horas e jantava-se às nove. Saía apenas para ir à igreja e dar algumas vezes, na volta, um passeio pela praça Royale. Em suma, ela conservara os costumes e hábitos de seu tempo, mantendo-se distante da atualidade, lendo seus livros de devoção de preferência aos jornais, deixando o mundo seguir seu curso e pensando somente em morrer em paz.
Como gostava de conversar, sendo mesmo um pouco tagarela, mantivera sempre consigo, desde que enviuvara, vinte anos antes, uma dama de companhia, Úrsula, que sempre estava a seu lado e por quem se afeiçoou. Eram vistas sempre juntas, na missa, nos passeios, perto da lareira.
Úrsula é que ficava com as chaves da adega, dos armários e até da escrivaninha. Era uma solteirona, alta, seca, de porte masculino, que falava fazendo bico, bastante autoritária e um bocado ranzinza.
A senhora Doradour, que não era alta, pendurava-se, tagarelando, ao braço dessa desagradável criatura a quem chamava de querida e se deixava dominar por ela. Depositava naquela sua governanta favorita uma cega confiança, tendo mesmo lhe destinado, antecipadamente, uma boa partilha, em seu testamento. Úrsula não ignorava este fato e por isso fingia amar sua patroa mais do que a si própria e quando a ela se referia erguia os olhos ao céu e dava suspiros de gratidão.
Está visto que Úrsula era a verdadeira dona daquela casa. Enquanto a Senhora Doradour, imersa na sua espreguiçadeira, tricotava a um canto da sala, Úrsula, munida de seu molho de chaves, atravessava majestosamente os corredores, inspecionava as portas, pagava os fornecedores e atormentava a criadagem; mas, assim que chegava a hora do jantar, havendo convidados, ela surgia toda tímida, de roupas escuras e modestas, cumprimentava compungidamente, sabia se manter afastada e abdicar de sua autoridade. Na igreja, ninguém rezava mais devotamente do que ela, nem mantinha os olhos mais baixos; por vezes, a Senhora Doradour, cuja devoção era sincera, adormecia no meio de um sermão e Úrsula a cutucava de leve, agradando assim ao pregador. A Senhora Doradour tinha seus caseiros, inquilinos, procuradores. Úrsula examinava todas as contas e, em matéria de chicanas, era perfeita, incomparável. Graças a ela, não se via naquela casa um único grão de pó. Andava tudo limpo, lustroso, bem escovado, os móveis em ordem, a roupa de cama e mesa impecavelmente branca, a baixela brilhante, os relógios sempre com a hora certa; tudo isso era necessário à governanta para poder resmungar à vontade e reinar ufanosa na mansão.
A Senhora Doradour não procurava encobrir os defeitos de sua boa amiga, mas acontece que ela nunca soubera distinguir neste mundo senão o bem. O mal se lhe afigurava como algo obscuro e que ela suportava sem compreender. Aliás, era uma pessoa dominada pelo hábito; fazia vinte anos que Úrsula lhe dava o braço e que tomavam juntas o café da manhã. Quando sua protegida levantava um pouco demais a voz, a Senhora Doradour parava o tricô, levantava a cabeça e perguntava no seu tom bem