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Essa música
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Essa música

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Uma poesia medida, arquitetada, metro a metro, palavra por palavra, efeito por efeito. E desmedida em refletir, em tocar e provocar o leitor. Versos ritmados e envolventes regidos por um maestro da língua que, a partir dessa partitura lírica, brinda-nos com Essa música — livro póstumo e inédito do carioca Ivan Junqueira, consagrado jornalista, poeta, tradutor, ensaísta e crítico literário, que ocupou, de 2000 a 2014, a cadeira nº 37 da Academia Brasileira de Letras, sucedendo João Cabral de Melo Neto. Entregue pelo autor à editora poucos meses antes de falecer, o volume de poemas (escritos nos últimos anos, entre 2009 e 2013) trata justamente sobre um tema recorrente em sua obra, a morte. Amante da (falsa) simplicidade de Manuel Bandeira — e "falsa" porque amparada por um conhecimento aprofundado da arte poética —, Junqueira foge ao hermetismo, caminho pelo qual, aliás, tinha implicância, e concilia a espontaneidade da fala com sua experiência como poeta e exímio leitor de poesia em versos fluidos, claros, que dialogam com o leitor sem anteparos. Num tom melancólico, mesmo de despedida, Junqueira fala de muitas mortes: da infância, da inocência, dos parentes, dos amigos, do amor, da esperança, das expectativas/perspectivas, da ideia de imortalidade que toma a todos, de tudo, enfim, que não será lembrado, posto que o depois é um passo vago. E, assim, nesse percurso de outono, de galhos secos e folhas caídas mudando de tom, ele visita sua trajetória e os autores que o forjaram e enriqueceram como poeta: Castro Alves, Fagundes Varela, Blasco Ibáñez, Federico García Lorca, Stéphane Malarmé, Paul Valéry, T. S. Eliot, Charles Baudelaire — em especial, estes dois últimos, em cujas obras debruçou-se em esmerados e reconhecidos trabalhos de tradução. Escrito com "sangue", e, portanto, segundo Friedrich Nietzsche, com "espírito", Essa música traz a alma, em ampla acepção, de um poeta estudioso, dedicado e conhecedor, como poucos, do ofício do verso.
LanguagePortuguês
PublisherRocco Digital
Release dateNov 1, 2014
ISBN9788581224749
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    Essa música - Ivan Junqueira

    OVÍDIO

    O POEMA

    Não sou eu que escrevo o meu poema:

    ele é que se escreve e que se pensa,

    como um polvo a distender-se, lento,

    no fundo das águas, entre anêmonas

    que nos abismos do mar despencam.

    Ele é que se escreve com a pena

    da memória, do amor, do tormento,

    de tudo o que aos poucos se relembra:

    um rosto, uma paisagem, a intensa

    pulsação da luz manhã adentro.

    Ele se escreve vindo do centro

    de si mesmo, sempre se contendo.

    É medido, estrito, minudente,

    música sem clave ou instrumentos

    que se escuta entre o som e o silêncio.

    As palavras com que em vão o invento

    não são mais que ociosos ornamentos,

    e nenhuma gala lhe acrescentam.

    Seja belo ou, ao invés, horrendo,

    a ele é que cabe todo o engenho,

    não a mim, que apenas o contemplo

    como um sonho que se sustenta

    sobre o nada, quando o mito e a lenda

    eram as vísceras de que o poema

    se servia para ir-se escrevendo.

    Ó DEÂMBULA ALMA INQUIETA

    Animula vagula, blandula,

    Hospes comesque corporis (...)

    PUBLIUS AELIUS HADRIANUS

    Ó deâmbula alma inquieta,

    por que te moves às cegas

    nesse ermo que se enovela

    entre o que és e o que pareces?

    Por que te pões tão secreta,

    se debaixo de teus véus

    todos logo te percebem

    nos mil papéis que interpretas?

    Por que temes, alma inquieta,

    esse dia em que, perplexa,

    souberes que não te hospedam

    o paraíso ou o inferno?

    Não te basta o que é terrestre

    e se dá à flor da pele?

    Por que buscas o mistério

    no abismo que desconheces?

    É por angústia que o anelas

    ou só por gula das trevas

    que, profundas, te apetecem

    como as carcaças ao verme?

    É pela luz que, feérica,

    confias ver entre as vértebras

    da solidão que te cerca

    desde que ao mundo vieste?

    Sê mais sábia, ó alma inquieta,

    e concede que te levem

    as águas em que navegas

    sem bússola ou planisfério.

    Sê mais sábia – e não esperes

    que te curem das mazelas

    esses deuses a quem rezas

    e que, surdos, te desprezam.

    A NÓDOA

    Não há nada que lave essa nódoa.

    Alguns a lixam, outros a esfolam,

    mas nem Deus nem o diabo a removem.

    Está nas

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