Uma Revolução Científica da Extensão Rural e a Emergência de Novo Paradigma
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Uma Revolução Científica da Extensão Rural e a Emergência de Novo Paradigma - Cléia dos Santos Moraes
Maria
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
PARTE I REVISITANDO A ESTRUTURA DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS
Conceitos fundamentais em revoluções científicas
A comunidade científica
Paradigma em Thomas Kuhn
As fases da ciência e as revoluções científicas
PARTE II EXTENSÃO RURAL E CIÊNCIA: A CIÊNCIA DA EXTENSÃO RURAL
A extensão rural da ação à ciência
A comunidade científica da extensão rural
Teorizando a extensão rural: discussão sobre suas bases conceituais
Os conceitos de educação e comunicação em extensão rural
PARTE III OS PARADIGMAS DA EXTENSÃO RURAL
O paradigma da difusão de inovações
A análise da Revolução Científica da Extensão Rural: procedimentos metodológicos
O trabalho com os conceitos e a elaboração de mapas conceituais
A articulação de conceitos dos paradigmas em comunidade científica da
Extensão Rural
O período da Ciência Normal do paradigma de Difusão de Inovações no PPGExR
O surgimento de anomalias no paradigma de Difusão de Inovações do
PPGExR (1980-1990)
Novos elementos propostos à Extensão Rural – As descobertas
Crise do paradigma de Difusão de Inovações no PPGExR (1990-2000)
Revolução científica: a emergência de um novo paradigma para a extensão rural
no PPGExR (2000 – 2010)
O paradigma da sustentabilidade da extensão rural
A articulação do paradigma da sustentabilidade na Extensão Rural:
para além da comunidade científica do PPGExR
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Foi em um contexto de desarticulação da produção agropecuária e da apropriação dessa produção por empresas capitalistas que surgiu a extensão rural cooperativa nos Estados Unidos da América (EUA), oficializada, aproximadamente, em 1914, quando o governo encampou as experiências que vinham sendo desenvolvidas entre os agricultores. A extensão rural foi realizada, naquele país, por iniciativa dos agricultores em conjunto com os Land Grant Colleges¹ e religiosos (pastores protestantes), e envolvia trocas de experiências entre os agricultores e palestras técnicas com os professores dos colleges. Foi esse o chamado modelo clássico de extensão rural e que veio a ser base experimental e conceitual para a extensão rural no Brasil. Contudo a história mostra que esse modelo foi adotado por um período pequeno de tempo, período de necessidade de aceitação da proposta por políticos e técnicos brasileiros, sendo depois adaptado, em seus preceitos teóricos, por Everett M. Roger² para países de terceiro mundo
que necessitavam de um rápido processo de desenvolvimento.
Para a agricultura brasileira, a extensão rural sempre representou uma importante ferramenta, sendo um dos pilares da política agrícola neste país. A relevância dos serviços de extensão no Brasil é confirmada pelo peso que esse tema alcança ao longo da sua história no País, seja pelas discussões sobre os serviços em si, a partir de planos de operacionalização, políticas públicas e leis ou ainda pela busca de conhecimento acadêmico que possa proporcionar aos serviços uma base conceitual e teórica que lhe permita elaborar estruturas operacionais mais seguras e articuladas diante da diversa realidade rural existente no País. Essa relevância da extensão rural no País se consolida com a criação de programas de pós-graduação dedicados para a temática.
Foram esses programas de pós-graduação, comunidades científicas estruturadas sobre a extensão rural, que proporcionaram a sistematização da história desses serviços no País, demonstrando as diversas fases pelas quais ele passou e seus impactos diretos para a comunidade científica mesma e, sobretudo, para seus beneficiários, ou seja, os agricultores brasileiros. Essas transformações da extensão rural no Brasil são ainda dinâmicas e contemporâneas em sua relevância para a sociedade rural brasileira, basta perceber que ainda se destaca, no País, um ferrenho debate sobre a necessidade ou não de que esses serviços sejam oferecidos de forma pública e gratuita (CAPORAL, 2015). Mesmo estando a extensão rural gratuita garantida na constituição de 1988, em muitos momentos, como agora em 2017, esse serviço foi desvalorizado; foi assim também na década de 1990, com a extinção da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural – Embrater. Atualmente, com a criação em 2010 da Lei de Assistência Técnica e Extensão Rural – Ater –, Lei n.º 12.188/10, algumas garantias para a prestação dos serviços foram fortalecidas, contudo autores ainda discutem os modelos de extensão rural que vêm sendo adotados, bem como a inserção de instituições não governamentais como uma medida de enfraquecimento da responsabilidade estatal na prestação desses serviços³.
Por outro lado, essa desestruturação dos serviços de extensão rural e seu momento de crise epistemológica estudada e discutida profundamente por diversos autores⁴ fez com que surgissem tentativas de reestruturação desses serviços, por vezes, longe de uma base conceitual sistematizada, como aquela que embasou a sua estruturação inicial no País. Foi a tentativa de sistematização dos paradigmas e de suas bases conceituais que embasaram e embasam, atualmente, a extensão rural no País que motivou a redação deste livro. E para tanto, a organização do ensaio busca o embasamento teórico elaborado por Thomas Samuel Kuhn, que sistematiza as diferentes etapas de uma revolução científica, explicitando as transformações paradigmáticas que ocorrem nas ciências.
Assim, a primeira parte deste livro busca elucidar e caracterizar a comunidade científica que atua com a temática da extensão rural, a maneira como ela se organiza no Brasil e tem investido esforços para a sistematização dos conhecimentos que são aportados pela extensão rural.
Em um segundo momento, esta obra demonstra evidências de diferentes períodos teóricos investigativos pelos quais a comunidade científica da extensão rural passou, revelando que esses serviços, no Brasil, passaram por uma revolução científica, fazendo com que houvesse uma quebra de paradigma sobre a temática e promovendo transformações substanciais na forma como esses serviços vêm sendo desenvolvidos no País, bem como nas discussões que acerca da temática estão sendo disponibilizadas pela comunidade científica. Por fim, são evidenciados, de forma sistematizada, os novos conceitos que têm embasado as diferentes ações e iniciativas de extensão rural.
PARTE I
REVISITANDO A ESTRUTURA DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS
CONCEITOS FUNDAMENTAIS EM REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS
Empreender um estudo que possa demonstrar uma quebra de paradigmas não é exercício simples. Retomar as etapas de uma Revolução Científica é um caminho longo, contudo extraordinário; revisitar leituras clássicas e pesquisas atuais se torna uma viagem agradável e desvendar conceitos e contextos diferentes se torna uma experiência intelectual rica. E para discutir os paradigmas da extensão rural, é necessário retomar conceitos importantes, iniciando pelo próprio conceito de paradigma.
Quando nos reportamos aos paradigmas, a referência a Thomas Kuhn⁵ é imediata, já que foi esse autor que se debruçou acerca das transformações ocorridas nas ciências e cunhou o conceito de paradigma, ao propor uma nova visão de ciência, uma visão contemporânea, que traça fortes críticas ao positivismo lógico da filosofia da ciência (OSTERMAN, 1996). Tozzini (2011), buscando, em sua dissertação, refletir sobre a Objetividade e Racionalidade na Filosofia da Ciência de Thomas Kuhn
, afirma que as ideias do autor passam por diferentes etapas que ele chama de embrionárias. Uma delas foi lecionar física para não cientistas, na década de 1950, etapa em que o autor procurou aprofundar estudos de história da ciência, de maneira a auxiliar no processo de ensino aos estudantes, e passou a mudar as suas concepções sobre a natureza da ciência e o seu sucesso, já que se dá por existirem muitas discrepâncias entre o escrito e o que lhe fora ensinado. Outra etapa citada por Tozzini (2011) foi quando Kuhn recebeu convite, no final da década de 1950, para passar um ano com uma comunidade predominante de cientistas sociais no Center for Advanced Studies in the Behavioral Siences. Segundo o autor, foi nessa etapa que Kuhn desenvolveu o seu conceito de paradigma. Outra influência nas teorias de Kuhn advém das leituras feitas sobre as obras de pensadores e historiadores como Alexandre Koyré, Ludwig Fleck, entre outros.
No ano de 1962, Thomas Kuhn lançou a sua obra mais famosa e polêmica, A Estrutura das Revoluções Científicas. Nela, o autor apresenta os conceitos de paradigma e define comunidade científica, os quais são elementos centrais de sua crítica formulada em relação à ciência objetivista, de forte influência positivista. Essa obra, clássica para a filosofia e para a história da ciência, faz referência às mudanças que ocorrem nas diferentes ciências, mostrando que tais revoluções não acontecem de maneira cumulativa e nem objetiva. Kuhn salienta que o subjetivismo é importante para a evolução da ciência e esta, talvez, tenha sido a sua maior contribuição para a ciência contemporânea. Contudo sua obra foi alvo de severas críticas que culminaram com a realização do Seminário Internacional sobre Filosofia da Ciência em 1965 (OSTERMAN, 1996), em que a sua obra e as ideias de Karl Popper foram amplamente discutidas. Nesse evento, os temas, levados pelo contraste dos trabalhos entre Popper e Kuhn, que dominaram a pauta, foram relacionados ao método e ao progresso da ciência e foi nesse momento que Kuhn recebeu, de seus críticos, os rótulos de irracionalista, relativista e subjetivista (TOZZINI, 2011).
Em resposta às críticas recebidas, Kuhn escreveu o Posfácio – 1969 –, que foi publicado juntamente com a segunda edição da obra A Estrutura das Revoluções Científicas, em 1970, no qual reconhece alguns mal-entendidos causados pela maneira como havia apresentado o conceito de paradigma em sua obra. Contudo o rótulo de subjetivista, do qual Kuhn virou símbolo nesse momento de enfrentamento, frente ao abalo provocado por suas ideias na ciência tradicional, foi em função do processo de escolha entre teorias rivais. Essa escolha, segundo a escola objetivista da ciência, não poderia obedecer a critérios que considerassem questões sociais ou que sofressem algum tipo de influência da natureza humana (TOZZINI, 2011).
No entanto as críticas elaboradas à obra de Kuhn, segundo Tozzini (2011), não consideraram uma análise mais profunda da obra A Estrutura das Revoluções Científicas, pois, nela, várias passagens apontadas pelo autor em seu trabalho de dissertação mostram que a racionalidade da ciência não foi questionada, mas outros elementos foram sugeridos como relevantes também. Nas palavras de Tozzini (2011, p. 85):
[...] não estava em jogo, pelo menos no caso de Thomas Kuhn, a racionalidade científica ela mesma. Não se estava questionando a sua existência dentro do empreendimento. Estava-se, sim, dando importância a outras variáveis que eram vistas até então como meros ruídos, que atrasavam o progresso científico ou que não deveriam simplesmente entrar na lista de explicações na prática científica. A racionalidade não deveria ser descartada, mas repensada.
Kuhn rebateu todas as críticas e deixou claro que a racionalidade é inerente à ciência, contudo o subjetivismo também influenciou o processo de escolha entre paradigmas, deixando clara a necessidade de uma revisão das bases objetivistas da ciência tradicional. Em suas respostas, Kuhn também reforçou a existência das Revoluções Científicas, alvo de seus críticos, afirmando que a Revolução precisa ser somente para aquele que se envolve nela (KUHN, 2007). Dessa forma, Thomas Kuhn se mostrava relevante para várias áreas da ciência e do conhecimento, sendo referência também para as ciências sociais, revelando a importância de considerarem-se elementos subjetivos, mas que são inerentes à natureza humana e, por isso, possuem grande valor na construção do conhecimento científico. A sua contribuição deve ser então considerada em outras áreas do conhecimento, pois os seus estudos sobre paradigmas e revoluções científicas são capazes de demonstrar de que forma a ciência vai se alterando ao longo do tempo, transformando e adaptando seus conceitos, buscando dar conta de demandas e estruturações das realidades a que servem.
A Comunidade Científica
O conceito de comunidade científica é bastante caro na concepção de Kuhn, já que é por meio dela que todo o conhecimento científico se legitima, por ser propriedade daquele (KUHN, 2007), de maneira que