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A Proteção do Mercado de Trabalho da Mulher e a Reforma Trabalhista: realidade e perspectivas
A Proteção do Mercado de Trabalho da Mulher e a Reforma Trabalhista: realidade e perspectivas
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A Proteção do Mercado de Trabalho da Mulher e a Reforma Trabalhista: realidade e perspectivas

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A Lei n. 13.467, em vigor desde 11 de novembro de 2017, introduziu mudanças que contrariam as normas fundamentais de proteção ao trabalho da mulher. Consistem em alterações restritivas ao núcleo essencial e à abrangência do âmbito de proteção disposto no artigo 7º, XX, da Constituição de 1988. A lei revogou o artigo 384 da CLT, suprimindo o direito da mulher a 15 minutos, no mínimo, de descanso obrigatório entre o fim do horário normal e a prorrogação da jornada. Entendemos que este intervalo especial era compatível com a finalidade da norma constitucional, não se tratando de norma discriminatória. A partir desses fundamentos, tanto o STF quanto o TST já haviam decidido que o dispositivo havia sido recepcionado pela Lei Maior. Compreendemos que o reflexo da redução desse direito é um exemplo do chamado efeito backlash, fenômeno do direito norte-americano segundo o qual das decisões judiciais sobre questões polêmicas decorre um efeito colateral, um movimento brusco do poder político contra a pretensão do Poder Judiciário. De resto, em virtude da proibição do retrocesso, defendemos pela inconstitucionalidade e inconvencionalidade dessa revogação. Além disso, a nova lei alterou as regras sobre o trabalho de gestantes e de lactantes em atividades insalubres. Na oportunidade, o Supremo declarou o dispositivo parcialmente inconstitucional, o que nos proporcionou duas linhas de pesquisa. A primeira é de que esse entendimento não é capaz de restringir o acesso da mulher ao mercado de trabalho. A segunda é o de que em que pese a declaração parcial de inconstitucionalidade do artigo 394-A da CLT, o legislador não é impedido de promulgar outra lei, com conteúdo idêntico ao texto anteriormente declarado inconstitucional pela Corte. A fim de solucionar os problemas da pesquisa, demonstramos a necessidade de uma constante vigilância jurídica, social e política do núcleo que ampara a mulher trabalhadora. Sob o viés social, constatamos a importância da atuação do Ministério Público do Trabalho como defensor dos direitos sociais trabalhistas das mulheres.
LanguagePortuguês
Release dateOct 8, 2020
ISBN9786588064863
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    A Proteção do Mercado de Trabalho da Mulher e a Reforma Trabalhista - Verônica Pavan

    Bibliografia

    1 - O TRABALHO DA MULHER

    1.1 - Orientações hermenêuticas

    Inicialmente, a presente pesquisa irá explorar, ainda que sinteticamente, os parâmetros hermenêuticos fundamentais para a interpretação das regras da Lei n. 13.467/2017 na seara das normas que tutelam o labor feminino. Por isso, entendemos ser de extremo valor um estudo apurado a seu respeito, visando averiguar os seus fundamentos, objetivos e efeitos práticos.

    Diante desse quadro, procuramos desenvolver a pesquisa com o intuito de examinar da melhor maneira as normas que protegem o labor feminino. Para tanto, interessante uma breve digressão para explorar adequadamente sua interpretação.

    Nessa senda, em primeiro lugar, importa explicar que o direito é o conjunto de princípios, institutos e regras jurídicas, encorpadas por coerção, que imprimem certa direção à conduta humana, quer alterando, vedando ou sancionando práticas percebidas, quer estimulando ou garantindo sua reprodução.¹

    Conforme os estudos de Inocêncio Mártires Coelho, o direito exige para o seu conhecimento

    um método específico adequado, um método empírico-dialético, que se constitui pelo ato gnosiológico da compreensão, através do qual, no ir e vir ininterrupto da materialidade do substrato e vivência do seu sentido espiritual, procuramos descobrir o significado das ações ou das criações humanas.²

    O direito, portanto, não pode se afastar da sua natureza interpretativa, pois, por ser recolhido no substrato cultural da experiência humana, necessariamente anda ao lado da interpretação. E se desejarmos produzir doutrina jurídica, impõe-se previamente estipular bases e critérios relativos à interpretação. Como propõe Ronald Dworkin: se o direito é um conceito interpretativo, qualquer doutrina digna desse nome deve assentar sobre alguma concepção do que é interpretação.³

    Destarte, produção cultural da humanidade ao longo da história, o direito importa no constante exercício pelo operador jurídico de três operações específicas e combinadas de suma relevância: a interpretação jurídica, a integração jurídica e, finalmente, a aplicação jurídica. ⁴ Aliás, recordando que o termo interpretação não é algo novo, Nelson Saldanha lembra que o seu sentido tem correspondido sempre à ideia da necessidade de uma adequada inteligência’ dos textos legais.⁵

    Por certo, na visão clássica, interpretar significava encontrar o sentido e o alcance de uma lei; tratava-se, pois, de um processo de revelação, de descoberta de algo que já estava contido no texto, cabendo ao intérprete apenas aproximar-se do texto e deixar que ele se revelasse ao aplicador do direito.

    Nessa ordem de ideias, e como ilustração, desenvolveu-se em Roma o brocardo in claris cessat interpretatio, expressão esta que tem por acepção que a interpretação deixará de ser necessária quando a lei for clara. No entanto, tal postura está ultrapassada, tendo em vista que atualmente é necessário, em primeira monta, identificar que norma não é sinônimo de texto. O texto normativo é o ponto de partida da interpretação, e é a partir dele que, interpretativamente, reconstrói-se a norma jurídica.

    Portanto, podemos afirmar que a norma e o texto são distintos. Aquela se trata de um comando prescritivo, enquanto enunciado ou texto normativo é a indicação em palavras das diretrizes gramaticais em relação a este comando.

    O texto normativo é um primeiro passo da interpretação, motivo pelo qual é possível dizer que norma é necessariamente norma interpretada; se estivermos diante de um texto normativo, não haverá norma, a qual somente é reconstruída a partir do momento em que há interpretação.

    Nesse passo, dentre os conceitos de interpretação formulados pela doutrina, destacamos a ementa de Eros Grau, segundo a qual a interpretação consubstancia uma operação de mediação que consiste em transformar uma expressão em uma outra, visando a tornar mais compreensível o objeto do qual a linguagem se aplica.

    Por derradeiro, Luís Roberto Barroso exemplifica:

    a interpretação não é um fenômeno absoluto ou atemporal. Ela espelha o nível de conhecimento e a realidade de cada época, bem como as crenças e valores do intérprete, sejam os do contexto social em que esteja inserido, sejam os da sua própria individualidade.

    Hans Kelsen, na sua esquematização rígida deduz a interpretação como uma progressão derivada da pirâmide hierárquica das normas, por ele concebida: A interpretação é, portanto, uma operação mental que acompanha o processo da aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para o escalão inferior.⁸ Paulo Bonavides, por seu turno, destaca a interpretação a partir de sua abordagem como operação lógica, de caráter técnico mediante a qual se investiga o significado exato de uma norma jurídica, nem sempre clara ou precisa.⁹

    Consideramos, assim que a interpretação trata-se, além da busca do conteúdo de validade da norma, também dos procedimentos por ela reivindicados para a sua aplicação. É sem dúvida, um processo em que o intérprete exerce um papel de grande relevância para extrair o significado do texto. Dito isso, é de profunda relevância o reconhecimento da atuação do intérprete, não sendo possível cindir sujeito e objeto.

    Diante de um conflito, ao examinar o ordenamento jurídico, o aplicador do direito interfere com as suas pré-compreensões, que devem ser afastadas dentro do que for possível, evitando que interfiram negativamente na interpretação. Conforme explica o filósofo Hans Georg Gadamer, o intérprete não procura aplicar um critério geral a um caso particular. Ele se interessa, ao contrário, pelo significado fundamentalmente original do escrito que se ocupa.¹⁰

    Nessa ordem de ideias, necessário também identificar que o ordenamento jurídico brasileiro prevê que o Poder Judiciário deve interpretar textos normativos com o fito de buscar soluções justas e atender aos fins sociais da norma. Desta feita, ao Poder Judiciário, é conferido o poder-dever, o poder-função, de interpretar a fim de buscar o bem e o fim social, além da proteção dos interesses da comunidade como um todo. Nesse sentido, o artigo 5º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), o Código de Processo Civil de 2015 e a CLT¹¹.

    No entanto, não se pode negar que artigo 8º do Texto Celetista prevê que ao decidir um conflito e aplicar disposições legais ou contratuais, as autoridades da Justiça do Trabalho devem sempre se portar de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Esta orientação deve ser perseguida na atividade cotidiana de interpretação.

    Nessa perspectiva, a integração jurídica conceitua-se como o processo lógico de suprimento das lacunas percebidas nas fontes principais do Direito em face de um caso concreto, mediante o recurso a fontes normativas subsidiárias ¹² e, por aplicação do direito entende-se o processo de incidência e adaptação das normas jurídicas às situações concretas. ¹³

    Conforme explica Maurício Godinho Delgado:

    Todas essas três importantes operações simultaneamente intelectuais e práticas se qualificam como processos analíticos e lógicos, submetidos a regras previamente fixadas. A par disso, tais operações mantêm-se estreitamente interconectadas, dependendo o resultado do desenvolvimento alcançado na operação anterior.¹⁴

    A interpretação, do direito, portanto, é regida por um conjunto de orientações desenvolvidas pela hermenêutica de modo a garantir que o processo de interpretação seja objetivo, permitindo alcançar o sentido da norma interpretada mais harmonioso com a ordem jurídica que lhe seja afeta.

    Por certo, constituem campos normativos próximos a que a norma jurídica interpretada se integra tanto o conjunto de princípios e regras componentes da seara trabalhista, como também o conjunto de princípios e regras componentes do sistema constitucional de 1988:

    [...] o Direito do Trabalho constitui universo normativo a que se deve integrar a norma interpretada o conjunto formado pelos diversos diplomas internacionais de Direitos Humanos, com destaque para os da OIT e os da ONU. Tais diplomas internacionais de Direitos Humanos econômicos, sociais e culturais apresentam, particularmente, normas internacionais sobre direitos individuais, sociais e coletivos trabalhistas, as quais compõem o Direito do Trabalho brasileiro e, se não bastasse, ostentam status supralegal na ordem jurídica interna do País.¹⁵

    Essa perspectiva de determinar e compreender o sentido e a extensão da norma jurídica

    tem de revelar um sentido normativo concernente à norma examinada que se integre a esse conjunto jurídico geral, ao invés de ser com ele incongruente, disperso, ilógico. Os métodos interpretativos considerados pela hermenêutica jurídica têm de apresentar a aptidão para realizar essa harmonização sistêmica de sentidos normativos, sob pena de não concretizarem adequadamente o seu papel interpretativo.¹⁶

    A fim de ajustar a terminologia utilizada, relevante determinar a distinção entre interpretação e hermenêutica.

    Escreve Ivo Dantas que hermenêutica é o conjunto de princípios que regulam e orientam a interpretação das normas jurídicas, enquanto interpretação é o descobrimento do sentido real da norma, seu conteúdo ôntico.¹⁷ Igualmente, Luiz Roberto Barroso situa a hermenêutica jurídica em um âmbito teórico, de investigação, cujo objeto é a formulação, o estudo e a sistematização dos princípios e regras de interpretação do direito. Nesse prisma:

    A Hermenêutica Jurídica expressa alguns métodos interpretativos a serem considerados pelo profissional do direito em seu esforço intelectual de compreensão do sentido e da extensão da norma jurídica. Esses métodos não ostentam a mesma consistência científica entre si, tendo em vista que existe um diferencial entre eles no que concerne à qualidade de sua estruturação e abordagem proposta. Isto é, claro diferencial quanto à aptidão que cada um demonstra para expressar os precisos sentido e extensão da norma interpretada.¹⁸

    Podemos, portanto, destacar cinco relevantes métodos interpretativos da hermenêutica jurídica: gramatical, histórico, lógico, sistemático e finalístico. Os dois primeiros são os mais censurados pela hermenêutica, em razão das limitações.¹⁹ Nas perspectivas de Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado:

    O método gramatical teve prestígio durante a fase originária do liberalismo jurídico e da emergência dos Códigos de Napoleão e subsequentes códigos normativos há mais de duzentos anos atrás (primeira década de 1800, no início do século XIX) – estando profundamente vinculado ao vetusto método da interpretação literal. Ele perdeu prestígio, entretanto, continuamente, ao longo dos últimos cem anos, em particular desde o advento das Constituições Sociais da segunda década do século XX, tais como as Constituições do México, de 1917, e da Alemanha, de 1919 (e constituições caudatárias destas duas pioneiras do constitucionalismo social, inclusive as brasileiras de 1934 e 1946)²⁰.

    Os métodos denominados gramatical e da interpretação literal:

    [...] também perderam prestígio em face do advento, na mesma época, dos cada vez mais frequentes diplomas internacionais sobre direitos trabalhistas – a contar da OIT, em 1919 – e, logo a seguir, dos novos diplomas jurídicos sobre direitos humanos em geral. Por fim, o método gramatical, bem como o método da interpretação literalista, ambos entraram em eclipse com o novo constitucionalismo humanista e social subsequente à Segunda Grande Guerra no Ocidente Europeu. É que eles se evidenciaram como manifestamente dissociados também com respeito à nova concepção principiológica do Direito, isto é, à ideia estrutural de princípios como normas jurídicas – concepção esta que, afinal, já ostenta mais de setenta anos de prestígio e consenso na Ciência do Direito.²¹

    O segundo método de interpretação é o método histórico. Há quem defenda:

    as suas inconsistências são tão visíveis que ele tende a não ser sequer considerado efetivo método de interpretação das normas jurídicas, porém mero subsídio informativo sobre aspectos circunstanciais ocorridos durante a construção da lei, em particular no interior do Parlamento.²²

    Nas palavras de Carla Teresa Martins Romar, a interpretação histórica é sustentada nos antecedentes da norma, que se refletem em aspectos formal e fático. Como exemplo de aspecto formal, a autora cita a lei, o projeto, a emenda e a exposição de motivos. Já como aspecto fático, menciona as condições culturais e psicológicas, sob as quais a norma surgiu.²³

    Com base no mesmo raciocínio, Marcelo Novelino ensina que podemos interpretar utilizando o elemento histórico para verificar o sentido da norma com substrato na intenção do legislador, o que é revelado em precedentes legislativos. Segundo o autor, mesmo que a interpretação dos dispositivos esteja desvinculada do sentido pretendido pelo legislador, as razões que o motivaram a legislar sobre determinado assunto jamais podem ser ignoradas por quem o interpreta.²⁴

    Assim, o método histórico, consiste na pesquisa acerca das necessidades e intenções jurídicas presentes no instante da elaboração da norma, realizada com o fito de compreender as razões de sua criação e a vontade efetiva do legislador na sua elaboração. Além disso, sendo a norma jurídica interpretada apenas de uma fração do conjunto jurídico a que se integra²⁵, não pode a vontade apenas circunstancial do legislador subverter a lógica sistemática de todo o conjunto jurídico, simplesmente pelo fato de a maioria parlamentar ter sido alcançada em regressivo período da história da respectiva sociedade e Estado.²⁶

    Afinal, o direito, como sistema:

    [...] é muito maior e mesmo estruturalmente muito superior à mera vontade ocasional do Legislador do momento, caso este intente subverter a ordem jurídica constitucional e internacional imperantes por intermédio de diplomas jurídicos ordinários manifestamente ideológicos. Ora, o Positivismo Jurídico, de caráter legislativo, já desapareceu da Civilização Ocidental a contar do fim das tragédias desumanas e antissociais deflagradas pelo nazifascismo europeu – o qual foi firmemente derrotado na Segunda Guerra Mundial e suplantado pelo Constitucionalismo Humanístico e Social instituído, na Europa, desde fins da década de 1940 e, no Brasil, desde a Constituição de 1988. ²⁷

    Por derradeiro, os três métodos de exegese do direito que a ciência da interpretação jurídica propõe como exitosos para inspirar e dirigir o processo de interpretação das normas jurídicas são o lógico²⁸, o sistemático e o finalístico. A propósito, a hermenêutica jurídica recomenda ao intérprete fazer uso harmônico, combinado, desses três métodos de interpretação enfocados²⁹. Nesse deslinde, oportuno destacar que pelo método lógico:

    [...] após encerrado o mister do Legislador e promulgado o diploma legal, passa-se a estar diante de um conjunto normativo que ostenta expressão própria, independentemente dos desejos subjetivos e ideológicos de quem o aprovou. A lei e suas normas jurídicas integrantes passam a constituir um todo lógico e coerente, ainda que explicitado em fórmula linguística eventualmente imperfeita e contraditória. Ao intérprete cabe extrair, com racionalidade, mediante os recursos da lógica, o sentido racional, coerente, civilizado e efetivo das normas jurídicas e do diploma normativo interpretados. ³⁰

    Dessa forma, o intérprete do direito deve harmonizar o método lógico com os dois métodos subsequentes, aperfeiçoando a concretização da dinâmica interpretativa do direito.

    Por seu turno, o método sistemático de interpretação compreende que

    as normas jurídicas e o próprio diploma normativo têm de ser integrados ao conjunto normativo mais amplo a que pertençam, sob pena de exalarem certos exotismo e desarmonia, que são incompatíveis com o caráter sistêmico, lógico e racional do fenômeno jurídico.³¹

    Por um lado, esse conjunto normativo é composto por normas que ostentam o mesmo status jurídico. No caso das regras da Lei n. 13.467/2017, o Texto Celetista, constitui o conjunto normativo mais próximo, além de outras normas trabalhistas correlatas. Por outro viés, é igualmente composto por normas jurídicas superiores, mas que também formam um universo normativo sistêmico e referencial para a regra jurídica ou diploma normativo interpretados.³²

    Trata-se, pois, da Constituição Federal de 1988 que, em seu conjunto harmonioso, técnico, coerente e progressista, busca instaurar um Estado Democrático de Direito no país, instituindo princípios humanísticos e sociais conectados entre si, além de inserir os direitos individuais e sociais trabalhistas no rol dos direitos individuais fundamentais da pessoa humana. Ademais, compõem também esse conjunto normativo amplo, no ordenamento pátrio, os diplomas e as normas internacionais de direitos humanos econômicos, sociais e culturais internamente vigorantes no Brasil.

    Tal conjunto de normas internacionais imperativas no Brasil é composto pelas Convenções da Organização das Nações Unidas. Citamos, como exemplo, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1996, ratificado pelo Brasil, conforme Decreto Legislativo n. 226/1991 e promulgação pelo Decreto Presidencial n. 591/1992.

    É composto igualmente por diversas Convenções da Organização Internacional do Trabalho ratificadas pelo Brasil as quais apresentam diversos princípios e regras de direito individual e coletivo trabalhista, todos com inegável imperatividade e primazia jurídicas no âmbito do direito interno.

    É ainda integrado por importantes Declarações Internacionais de Direitos Humanos, como a Declaração de Filadélfia, da OIT, de 1944, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas, de 1948.

    De resto, a doutrina jurídica assim explícita no que tange ao método finalístico – também denominado de teleológico:

    [...] a relevância de se observar o caráter finalístico da norma, do diploma e do Direito interpretados. O fenômeno do Direito, conforme já exposto nesta obra, necessariamente ostenta caráter finalístico, teleológico, não podendo ser interpretado de maneira literal, fragmentada, sem coerência sistemática e de modo distante da observância de seus fins maiores, principalmente quando essa interpretação conduzir a regra examinada para sentido contrário aos objetivos sociais, humanísticos e civilizatórios do ordenamento jurídico.³³

    Dessa maneira, o intérprete, em sua análise interpretativa, deve sempre observar os fins sociais da norma jurídica e do diploma legal, de modo a que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse comum. ³⁴

    Por fim, conforme explica Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado, é conveniente que:

    [...] os três métodos científicos de exegese do Direito devem, naturalmente, ser utilizados de maneira conjugada, harmônica, a fim de que se alcance o resultado interpretativo mais coerente, lógico, sistematizado e finalístico com o conjunto do ordenamento jurídico. Com esse zelo científico e operacional, afastam-se as interpretações regressivas, antissociais, antihumanísticas e não civilizatórias do fenômeno jurídico.³⁵

    Nessa linha de entendimento, é cediço que:

    [...] o Direito contemporâneo, próprio do Estado Democrático de Direito, que é inerente ao Constitucionalismo Humanístico e Social, não está mais contido apenas na regra jurídica – ao reverso do que se louvava no período napoleônico do liberalismo primitivo de duzentos anos atrás. É que o Direito está, antes de tudo, contido na norma jurídica, constituída não só pela regra, como também – e principalmente – pelos princípios jurídicos.³⁶ Muito menos, a interpretação dessa regra deve se fazer a partir de seu aparente sentido literal. O sentido próprio da regra jurídica está determinado também pelo sentido da norma de Direito, sendo que esse sentido se encontra por intermédio do manejo científico dos métodos de exegese jurídica denominados métodos lógico, sistemático e teleológico. Tais métodos devem ser brandidos, pelo intérprete do fenômeno jurídico, equilibradamente e de maneira conjugada, como um todo unitário, coerente e sistêmico. ³⁷

    Oportuno frisar ainda, que uma das técnicas consagradas de interpretação lógico-sistemática e teleológica consiste na interpretação conforme com a Constituição Federal de 1988, a par da interpretação em conformidade com determinados diplomas normativos internacionais imperativos no Brasil.³⁸

    Nesse quadro metodológico, ao invés de se invalidar a regra jurídica interpretada, alinha-se pela escolha da interpretação conforme, de maneira a autorizar a agregação dos comandos imperativos que advém do Texto Constitucional ou dos diplomas internacionais imperativos com as dimensões compatíveis e adequáveis das regras infraconstitucionais confrontadas.³⁹

    Estes parâmetros hermenêuticos, para a interpretação do direito se aplicam, naturalmente, ao direito do trabalho,⁴⁰ e, em especial, nesta pesquisa, sobre as normas de proteção ao trabalho feminino. A especificidade justrabalhista:

    [...] que existe nesse campo diz respeito ao caráter teleológico da interpretação dos preceitos normativos no campo do Direito do Trabalho, em decorrência de esse campo jurídico ser essencialmente finalístico, realizando valores e pretensões inerentes à pessoa humana, ao invés de pretensões e valores típicos do individualismo possessivo do mercado econômico. Na perspectiva do Constitucionalismo Humanístico e Social e de seu Estado Democrático de Direito, o Direito Laboral concretiza alguns dos objetivos centrais desse novo constitucionalismo elaborado depois da barbárie excludente e impiedosa do nazifascismo europeu. De um lado, o objetivo de democratizar não apenas a sociedade política, mas também a sociedade civil, inclusive o mercado econômico e suas empresas, que ostentam, conforme se conhece, vínculos de poder assimétricos e recorrentes tendências darwinistas.⁴¹

    Por outro viés, fazer da ordem jurídica horizonte e efetivo cenário de afirmação da centralidade da pessoa humana, de sua dignidade, de seu bem-estar individual e social, de sua segurança, de sua inviolabilidade física e psíquica, da valorização de seu trabalho, especialmente o emprego. Em síntese, fazer das ordens jurídicas, sociais e econômicas uma realidade livre, justa e solidária.

    Nessa precisa linha, assim expõe a doutrina:

    A interpretação do Direito do Trabalho seguramente se submete às linhas gerais básicas que a Hermenêutica Jurídica traça para qualquer processo interpretativo do fenômeno do Direito. A especificidade do ramo justrabalhista não avança a tal ponto de isolar esse ramo jurídico do conjunto de conquistas teóricas alcançadas pela Ciência Jurídica no que concerne à dinâmica interpretativa do Direito. Nessa linha, a interpretação no Direito do Trabalho sujeita-se, essencialmente, ao mesmo tipo de processo imperante em qualquer ramo jurídico existente. Sujeita-se, portanto, ao conjunto de princípios, teorias e regras examinadas no presente capítulo. Não obstante esse leito comum em que se insere o processo interpretativo justrabalhista, cabe se aduzir uma especificidade relevante que se agrega – harmonicamente – na dinâmica de interpretação do Direito do Trabalho. É que esse ramo jurídico deve ser sempre interpretado sob um enfoque de certo modo valorativo (a chamada jurisprudência axiológica), inspirado pela prevalência dos valores e princípios essenciais ao Direito do Trabalho no processo de interpretação. Assim, os valores sociais preponderam sobre os valores particulares, os valores coletivos sobre os valores individuais. A essa valoração específica devem se agregar, ainda – e harmonicamente –, os princípios jus trabalhistas, especialmente um dos nucleares do ramo jurídico, o princípio da norma mais favorável. ⁴²

    Na realidade, inúmeros princípios constitucionais, somados ao princípio da norma mais favorável⁴³, atuam vigorosamente na dinâmica hermenêutica em praticamente quase toda a conjuntura interpretativa. Nessa linha, podemos ressaltar, por exemplo, os seguintes princípios: da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na vida socioeconômica; da valorização do trabalho e do emprego; da dignidade da pessoa humana; da justiça social e da subordinação da propriedade à sua função socioambiental.⁴⁴

    Por tudo isso, a ideia é de que o direito não se interpreta em tiras. É possível e desejável que o intérprete do direito conjugue mais de um método na análise de determinada situação para compreender o adequado sentido normativo de um texto. Portanto, claro está, pela perspectiva hoje dominante na ciência do direito, que é o que faremos durante a pesquisa no tocante às normas de proteção ao trabalho da mulher.

    1.2 - Notas filosóficas, jurídicas, científicas e costumeiras e o direito da mulher

    Quando partimos para uma análise filosófica, encontramos o pensamento de Jean-Jacques Rousseau, que contribuiu para as reflexões sobre a desigualdade de gênero no século XVIII. Defensor dos princípios iluministas de liberdade e igualdade, leva a uma expectativa diversa sobre a sua teoria com relação aos direitos das mulheres na sociedade, diversa da realidade atual e da qual defendemos nesta pesquisa.

    No período em que viveu o filósofo, existiam mulheres e outros filósofos e filósofas que clamavam a igualdade de direitos para homens e mulheres. Jean-Jacques Rousseau tinha ciência deste debate, o que resultou na sua obra Emílio⁴⁵.

    Nesta senda, Jean-Jacques Rousseau entende que a natureza e a razão consistem nos fundamentos da desigualdade entre homens e mulheres, no isolamento da mulher no âmbito doméstico e na subordinação do sexo feminino. ⁴⁶

    Ao analisar a obra, verificamos a presença de quatro capítulos destinados àquele que representa o sexo masculino, que é Emílio, como também apenas um capítulo para tratar da figura feminina, representada por Sofia; esta seria a mais breve esposa de Emílio.

    Assim, uma passagem no livro afirma que não é bom que o homem fique só – curiosamente trata-se de versículo bíblico constante em Gênesis 2:18⁴⁷ – e, que fora prometido uma companheira a Emílio, a qual seria Sofia. O autor questiona do seu paradeiro, onde ela se abriga e onde a encontrará: para encontrá-la é preciso conhecê-la. Saibamos primeiramente como é e julgaremos melhor onde reside.⁴⁸

    No desenrolar dos escritos, o filósofo genebrino expõe um discurso sobre a inferioridade feminina e consolida uma teoria de exclusão das mulheres da política. Ademais, Jean-Jacques Rousseau demonstra as habilidades domésticas de Sofia e expõe que, desde cedo, as mulheres devem aprender os trabalhos de seu sexo.

    Assim, de forma exitosa, o autor descreve que Sofia é experiente em tudo o que lhe fora ensinado. Os trabalhos do sexo feminino seriam, por exemplo, o corte e a costura de seus vestidos. Sofia teria prazer em trabalhar com a agulha, mas a sua preferência era o de fazer renda, porque nenhum outro dá atitude mais agradável e em nenhum os dedos se exercitam com mais graça e ligeireza.⁴⁹

    Sofia também se dedicava às tarefas domésticas, pois era bem entendida sobre a cozinha e a copa; os preços e a qualidade dos alimentos e mantimentos; sobre fazer as suas contas; e servia de mordomo para sua mãe. Demais

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