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Muito Além da Vida: evocações de espíritos com diálogos sobre o viver e o morrer
Muito Além da Vida: evocações de espíritos com diálogos sobre o viver e o morrer
Muito Além da Vida: evocações de espíritos com diálogos sobre o viver e o morrer
Ebook557 pages14 hours

Muito Além da Vida: evocações de espíritos com diálogos sobre o viver e o morrer

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About this ebook

Muito além da vida é um livro que procura evidenciar a vida após a morte, as leis de evolução do espírito, as mudanças que ocorreram no pensamento dos personagens evocados, suas ideias antes e depois da morte. Para isso foram chamados à comunicação para que se expressassem sobre suas vidas, ideias defendidas ou abandonadas, agrados e desagrados que enfrentaram enquanto conosco ou que encaram no presente momento sem o corpo carnal. Os convidados a esta conversa, trinta e três personalidades mundiais de todas as áreas de atuação, sempre com o respeito devido a todos eles e às regras da evocação espiritual, compareceram amistosamente, falaram como velhos amigos, recebendo homenagens da parte dos bons espíritos, seus condutores até nós. As entrevistas focaram mais profundamente suas atuações no desempenho de seus trabalhos, no que abrangeram a política, a literatura, os esportes, as artes, a ciência, a filosofia, a religião, sendo que não nos restringimos ao campo de trabalho individual, pois invadimos, com a permissão deles, suas vidas pessoais, suas alegrias e tristezas frente ao contexto vivido quando encarnados e agora enquanto desencarnados. Foi uma imensa alegria para mim e a equipe, receber amigos como John Lennon, Albert Einstein, Marie Curi, Luther King, Carl Sagan, Juan Peron, Madre Teresa, Elis Regina, Gibran, Winston Churchill, Ayrton Senna, dentre outros não menos importantes. Espero que você leitor, igualmente se sinta convidado a estar com eles nesta obra-homenagem dedicada a estes grandes homens e mulheres que souberam honrar sua geração com seu trabalho, inspiração e suor.
LanguagePortuguês
Release dateOct 14, 2020
ISBN9786588067079
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    Muito Além da Vida - Luiz Gonzaga de Sousa Pinheiro

    vida.

    >Personagens evocados

    Cantar é tornar audível a poesia silenciosa do universo

    Elis Regina (1945 -1982) - O furacão indomável

    Elis Regina

    Elis Regina Carvalho Costa nasceu a 17 de março de 1945, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Considerada a maior intérprete da música popular brasileira, Elis cantou pela primeira vez na Rádio Farroupilha, no programa Clube do Guri, quando tinha apenas 11 anos de idade. Aos 14 anos já era contratada da Rádio Gaúcha, e aos 15 gravou seu primeiro compacto simples. Aos 16 anos mandou para as lojas o primeiro LP de sua vitoriosa carreira, prematuramente interrompida, para tristeza de todo o país.

    A princípio, Elis notabilizou-se por vitórias em festivais de música popular, onde o seu talento e carisma, aliados ao brilho de notáveis interpretações, fizeram das músicas que defendeu espetáculos de emoção e de técnica.

    Cantora de interpretação definitiva passou a ser a referência no que de melhor existia na MPB, estando sempre em evidência nas estações de rádio e de televisão, tornando-se a agradável companhia dos brasileiros, nos lares, fábricas, ruas, lojas, dentre outros locais, através de sua voz irretocável.

    Para Elis, cantar era uma obrigação e uma religião. Emoção à flor da pele nos palcos, vivenciando as canções que interpretava, sorria, chorava, extraía da alma inquieta as emoções sublimadas que nem sempre soube traduzir. As dores da solidão em sociedade, as angústias e inquietudes que enfrentava, frutos do desalinho emocional do planeta onde os interesses mundanos se sobrepõem aos convites evangélicos e às expressões de amor, eram gritos fortes de denúncia e pedidos de socorro do seu Espírito inquieto.

    Conhecida como pessoa doce, amarga, contraditória, rebelde, carente, meiga, era um furacão que se movimentava ao sabor do imprevisível, mas que sempre terminava em praia mansa e brisa suave.

    Era uma mulher criativa na arte que escolhera como ponto alto do seu roteiro encarnatório. E, como se sabe, todo ser criativo é um solitário. A grande parte da população terrestre, adormecida no senso comum, não consegue entender nem penetrar na intimidade espiritual do indivíduo criativo e ele se sente só e incompleto. O criativo é um ser que partilha a sua criação e a sua emoção, mas nada recebe em troca, pois o senso comum não lhe alimenta.

    Caso ele não saiba como administrar essa solidão da alma (pois que muitas vezes está cercado de amigos), essa ausência de mão-dupla no campo da criatividade, sublimar o sofrimento de ser incompreendido, diferente, vidente em terra de cegos, a amargura o domina e a depressão veste sua criatividade com a túnica do silêncio.

    Silenciar para Elis era a morte. Nascida para cantar, deveria superar suas dores íntimas e subir no palco testemunhando sem vacilações, a resistência do povo, o sofrimento dos desamparados, a força, a raça, a fé de tantas Marias que aguardam um Brasil com justiça social.

    A sua tragédia pessoal, filha da solidão e da carência afetiva que carregava a fragilizou, sem que milhões de admiradores disso tomassem conhecimento e pudessem dizer: Elis! Nós te amamos.

    As lágrimas vistas pela televisão nos comoviam e arrancavam outras pérolas cristalinas, que rolavam na face do país. Mas não fomos capazes de dizer: Elis! Nós te amamos.

    Mas a morte não silenciou a voz extasiante da maior intérprete brasileira de todos os tempos. O dia 19 de janeiro de 1982, terça-feira, 11:45h, foi apenas o momento em que Deus, maestro do universo, lhe entregou nas mãos o passaporte para a grande viagem.

    Elis está de volta! Ei-la em sua plenitude! Linda, vibrante, na defesa dos valores ético-morais, testemunha emocionada da eternidade da vida.

    Já podemos dizer através de uma prece, de uma música, de um poema, de uma lágrima, de uma flor amarela, dessas que às vezes ela colocava no cabelo. Elis! Nós sempre te amamos.

    Conversando com Elis

    Elis foi a nossa primeira convidada, pelo grande amor que dedicamos à sua música, e por que não dizer, à sua pessoa.

    Todos nós estávamos ansiosos e emocionados. Havíamos preparado as perguntas, mantido um clima de respeito, vigilância e oração por toda a semana, cientes de que o trabalho a ser efetuado teria um caráter religioso para ambas as partes.

    Então, após a prece inicial, as médiuns começaram a ver, simultaneamente, flores amarelas, girassóis, e a ouvir uma música (Fascinação) suavemente executada por refinada orquestra. De repente, a emoção maior, Elis adentrou o recinto, trajando um vestido de crepe longo, de mangas esvoaçantes, cor bege, iluminando a sala com o seu sorriso.

    Uma das médiuns, ainda muito emocionada, começou a detalhar o que via e ouvia.

    - Estou sentindo grande vontade de chorar, apesar de não ter tido muito contato com a figura e com as músicas de nossa convidada. Mas, isso não me libera da emoção fortíssima que me envolve no momento. Nossos instrutores nos informam que vão transmitir mentalmente alguns detalhes, até que se estabeleça as condições fluídicas necessárias para uma comunicação mediúnica. Elis poderá utilizar a psicografia ou a psicofonia, mas a preferência dela é pela segunda opção. Enquanto eles trabalham, vou descrever um pouco o ambiente. Existe na sala, cujas paredes parecem ter sido afastadas, uma equipe seleta de jovens estudantes da mediunidade, e, sentada em um banco de pernas altas, em posição levemente destacada, a figura sorridente, mas um pouco ansiosa, de Elis Regina. Sentados à mesa estão, doutor Mário Rocha, Chico Lopes e Kröller¹. Elis, sintonizada na música ambiente, parece transbordante de emoção.

    A convidada ainda não está falando; aguarda o momento em que a ligação fluídica se complete. Os Espíritos pedem que continuemos no clima de alegria e respeito que conseguimos manter e repetem: esse trabalho é mais uma iniciativa do plano espiritual do que nossa.

    E de repente, um gesto de grande alegria da médium.

    - A evocação é para os Espíritos uma coisa agradável ou penosa? Vêm de boa vontade quando são chamados?

    - Isso depende de seu caráter e do motivo que os fez chamar. Quando o objetivo é louvável, e quando o meio lhe é simpático, é para eles uma coisa agradável e mesmo atraente; os Espíritos ficam sempre felizes com a afeição que se lhes testemunha. Há aqueles para quem é uma grande alegria se comunicar com os homens e que sofrem com o abandono em que são deixados.

    (O Livro dos Médiuns - Allan Kardec - Cap. XXV - pergunta 20)

    - Bom dia para todos! Meus amigos, não foi fácil chegar até aqui (sorrisos e gestos nervosos) e poder prestar alguns esclarecimentos. Há dias eu me questiono muito sobre este assunto.

    Mesmo estando acostumada a essa tarefa de conversar em público, estou um pouco nervosa devido à especial situação em que me encontro. Mas vou tentar responder com naturalidade ao que for perguntado, apesar de estar sentindo alguma coisa diferente, como se tivesse... não dá para explicar.

    - De nossa parte, sinta-se à vontade; em sua casa, em meio aos seus irmãos e admiradores. De nenhuma maneira queremos que se sinta constrangida a responder nossas perguntas. Sinta-se confortável e fale o que achar conveniente e útil para auxiliar de alguma maneira às pessoas que sofrem.

    - Obrigada! É porque vocês nunca souberam. Eu não dizia. Mas sempre que ia responder a uma entrevista, ser indagada publicamente, não conseguia livrar-me do nervosismo. Sempre ficava ansiosa e só aos poucos ia relaxando e ficando mais à vontade. Nesse instante estou assim, como se fosse falar pela primeira vez em público. Eu fui notificada, conversaram comigo, disseram-me que eu ia participar de uma entrevista, que vocês fazem parte de um grupo sério, mas ainda estou um pouco nervosa (risos). Fui informada de que as perguntas teriam um caráter geral sobre minha vida e obra, enquanto na Terra e aqui no plano espiritual. No que puder ajudá-los, estou pronta.

    - Nós gostaríamos de saber como foi o seu desencarne. A duração do período de perturbação que a ele se seguiu, o grau de consciência com o qual enfrentou esse momento e se a comoção nacional causada por sua passagem para o outro plano lhe atingiu de alguma maneira.

    - Relembrar esses momentos é reviver um capítulo de grande sofrimento. Lembro-me que caí; que adormeci, e acordei em um hospital, rodeada por pessoas desconhecidas. Tudo era tão real, como se eu estivesse em uma clínica comum na Terra. Naquela época eu atravessava uma crise muito difícil, um momento crítico na vida, a exigir de mim todas as reservas de paciência (que não tenho ainda) e de coragem (que já tenho um pouco).

    Havia tomado alguma droga, álcool, e um antidepressivo muito forte. Na minha cabeça, eu apenas passara por um problema físico qualquer, no que me haviam levado para aquele hospital. Não percebi que já me encontrava em outro plano da existência, e insistia no pensamento de que estava em uma clínica de recuperação terrena.

    Não sei quanto tempo assim permaneci. Durante a estada neste hospital, o que me chamou a atenção foi a ausência de entrevistas, naturais, quando algo acontece com uma pessoa pública. Eu não ouvia as pessoas nem as enfermeiras comentarem: olha, tem aí fora repórteres; a TV quer uma entrevista sua, ou coisa assim. O silêncio à minha volta começou a inquietar-me. Na verdade, alguma coisa dentro de mim sinalizava que algo grave havia acontecido, mas recusava-me a admitir que a realidade tivesse sido tão drástica.

    - Os Espíritos compreendem o tempo como nós?

    - Não, e é por isto que não nos compreendeis sempre, quando se trata de fixar datas ou épocas.

    (O Livro dos Espíritos - Allan Kardec - pergunta 240)

    Pensava fortemente neste assunto. Na vida de um artista, tudo é divulgado. Então por que não se ouve uma única palavra a meu respeito? Nesses momentos eu entrava em crise e chorava muito. Sentia falta das pessoas, dos amigos. Pedia, às vezes, de outras exigia mesmo, que me dessem um telefone para conversar com alguém. Mas sempre recebia a mesma desculpa: não! Agora você não pode!

    Eram pessoas estranhas para mim que me diziam isso, embora educadamente. Em que hospital estou? Por que não estou recebendo visitas? Diziam que eu estava naquele hospital para me recuperar. Mas eu insistia que era uma prisioneira.

    Não sei quanto tempo lá permaneci. Sei apenas que cheguei (Natália me disse) no dia 19 de janeiro de 1982. Era uma terça-feira depressiva, depois de muitas discussões por telefone, onde a minha emoção mais uma vez atrapalhou a minha razão, e me mandou de vez para este lado.

    Aqui tive crises horríveis! Revi cenas muito tristes e desagradáveis da minha vida. Não sei e nem quero saber o tempo em que permaneci nesse hospital. Logo de início, sentia uma coisa muito forte, que me perturbava um pouco. Uma situação incômoda de impotência, pois me sentia atraída para um local e não podia sair de onde estava.

    Ouvia aplausos, pessoas que chamavam o meu nome, minhas músicas repetidamente no ar, lágrimas, saudades, mas eu achava que tudo fazia parte da minha alucinação.

    Depois de algum tempo, a enfermeira que cuidava pacientemente de mim, que me chamava carinhosamente de Elis, disse-me: Elis está na hora de tomar conhecimento do que aconteceu com você. Naquela hora, faltou-me o chão; veio o vazio no estômago. Um nó apertou minha garganta e me fez silenciar. Lembro-me de que sempre fui ativa nesses momentos. Mesmo chorando, a emoção me permitia cantar. Mas ali o meu silêncio foi completo. Então Natália disse aquela frase, que mesmo passados mil anos eu não vou esquecer: Você fez sua grande viagem sem volta.

    - A alma, deixando o corpo, tem imediata consciência de si mesma?

    - Consciência imediata, não é bem o termo. Ela passa algum tempo em estado de perturbação

    (O Livro dos Espíritos - Allan Kardec - Pergunta 163)

    Com essa frase eu saí do imobilismo. Eu me assustei! Desmoronei! Disse que não era verdade! Gritei, mas era tudo fruto da emoção represada, escorrendo pelo dique do desespero. Em minha alma, eu já desconfiava daquela verdade.

    Desfaleci! Eu, que diziam, era uma pimenta; que me agigantava mesmo com a pequena altura; que era um furacão; que me movimentava como um helicóptero, despenquei!

    Então Natália, sempre carinhosa, mostrou-me através de um aparelho, semelhante a um televisor, meus últimos momentos na Terra. Foi quando realmente fiquei certa de que havia morrido, chegado ao fim da viagem.

    Pratiquei uma espécie de suicídio involuntário, pois jamais tive a intenção de matar-me. Mata-se, quem não tem esperança na vida. Eu tinha muitas lutas a enfrentar: os filhos, a música, os amigos, o país que amei do meu jeito.

    Quanto à comoção do povo, só depois de algum tempo é que fui sentir o quanto era amada, quando muitas vezes não percebia esse amor ao meu redor. Respondi a sua pergunta?

    - Plenamente!

    - Foi difícil! Não entrei em maiores detalhes porque senti reviver todo o drama, mas estou bem!

    - Esse depoimento, pois o que você acaba de fazer é um depoimento, como imagina que será interpretado por seus familiares, seus amigos, pelo Brasil, de uma maneira geral?

    - Difícil dizer, não é? Não sei! Não consigo vislumbrar isso! Não sei se eles vão ler o que eu disse agora. Mas eu estou aqui prestando esclarecimentos que, segundo vocês, chegarão ao público. Um dia, com certeza, alguém irá pelo menos questionar.

    - Qual a sua ocupação no plano espiritual, no presente momento?

    - Depois de tudo quanto eu passei, fui convidada por essa enfermeira, da qual me tornei grande amiga, Natália, para ouvir palestras, inicialmente auxiliando a mim própria. Não foi fácil! Não foi fácil pensar que ficou tudo para trás! Que poderia ter feito muito mais! Muito mais! Nesse período, eu me voltei para mim mesma. Fiquei muito emotiva, introspectiva, até que recuperei o meu grito de liberdade, a minha confiança na arte que eu mais amo, a música, os meus gestos impetuosos, que alguns achavam dúbios, outros contraditórios. Às reuniões a que assistia compareciam jovens drogados, viciados, em fase de recuperação. Eram trazidos de outras localidades, a que não tenho acesso ainda, devido ao meu descontrole emocional. Ainda hoje, dedico-me a estes que estão em fase de recuperação. Tenho com eles uma sintonia muito forte, e de alguma maneira, através da minha arte, consigo ajudá-los.

    - Quer dizer que você trabalha com esse público, fazendo shows, palestras, aconselhamentos...

    - É bem diferente! Não tenho aquele palco, aquela plateia eufórica e dançante. Mas, por incrível que pareça, alguns desses jovens me conheciam na Terra, e essa identificação comigo através da música os ajuda na recuperação. Trabalho com pequenos grupos. São jovens que entraram no caminho da droga muito cedo. Eles sempre me pedem para cantar. Já notei que aqui a acústica da minha voz é muito diferente; ela brota no coração deles uma esperança, um alento que eu mesma não entendo bem, mas que me faz muito feliz. Sinto a resposta deles em mim e sinto que a minha alma fala. É assim que consigo ajudá-los.

    - São as mesmas músicas que você cantava entre nós?

    - Algumas eu aprendi aqui. Outras são do repertório antigo. O que mais me pedem é Fascinação e Águas de Março.

    - Você reencontrou amigos artistas? Reúnem-se para traçar planos sobre movimentos musicais? Influenciam cantores e compositores?

    - Eu particularmente ainda não estou influenciando ninguém com as minhas músicas. Mas já meditei nesse assunto e penso que a música em nosso Brasil está em decadência. Está mercantilizada demais. Já não se fazem músicas por prazer; com inspiração, seguindo as correntes de poesia e de vida que a música é capaz de movimentar.

    Quanto aos amigos, já pude rever alguns. Especialmente o meu querido Vinícius. Ele teve um mérito muito grande. Tocou o coração de muitas pessoas, predispondo-as ao amor e à beleza. De alguma forma, ele ajudou as pessoas. Ele também está em fase de recuperação, mas já pude abraçá-lo. Tive oportunidade de rever outros amigos particulares, familiares, mas não tenho contato direto com nenhum deles. É uma forma, não sei se seria esse o termo, de me punir, não contar com a presença constante dessas pessoas em minha vida.

    - A música, na colônia espiritual onde você habita, é muito diferente da nossa?

    - A música! Isso é uma coisa que preenche a minha alma. As notas que saem da minha garganta parecem tão afinadas, que às vezes me surpreendo. É uma voz suave, melodiosa, que parece ter se aperfeiçoado. Quando canto com a minha alma, forma-se no ambiente quadros que registram as cenas que mentalizo. É uma emoção tão forte que me faz calar, interrompendo a música.

    - Você falou em quadros que se formam. Pode detalhar isso?

    - Quando canto, e o faço com emoção, vejo formar no ambiente, quadros ligados à mensagem que interpreto. Essas imagens ainda não são perfeitas. Parecem movimentar-se em uma tela grande, como uma gaze, que podem ser observadas por todos. Em algumas ocasiões, tive que parar de cantar, porque a emoção não me deixou prosseguir. Nesses instantes em que eu parei de cantar, as imagens foram desaparecendo. É uma deficiência minha não conseguir estabilizar as imagens. Já fui orientada quanto a esse detalhe, mas a minha mente é que ainda não tem a capacidade de manter as imagens vivas.

    - Enquanto encarnada, você era uma pessoa religiosa? Como agia e age agora, no que se refere à religião?

    - A religião para mim é algo transcendental. Mas eu nunca fui ligada a rótulos. Sempre acreditei na existência de Deus. Apenas não me filiei a nenhuma crença particular, seguindo seu catecismo. Para mim, a minha religião é o que eu faço. Reafirmo que a minha crença em Deus sempre foi muito forte. Mesmo naquele momento tresloucado, eu pensei Nele. Não sei se me fiz entender. Eu não sou uma pessoa descrente, mas não posso me considerar filiada a nenhuma religião.

    Acredito agora que a morte é apenas uma viagem. Antes eu gostava desses assuntos, mas não os encarava com profundidade. Nunca meditei sobre esses assuntos espíritas. Algumas vezes eu parava para refletir se realmente existia outra vida. Caso exista, que seja melhor, dizia. Se não existe, que tudo possa acabar: o sofrimento, a angústia, era assim que eu pensava.

    Antes de continuar com a entrevista, gostaria de fazer um pequeno comentário sobre o trabalho de vocês. Considero o grupo sério, voltado para o esclarecimento das pessoas, embora não me julgue um Espírito. Essa palavra não me soa bem. Sinto que estou viva; apalpo-me e não me sinto imaterial; eu canto, brinco, corro, grito, tenho mãos, cabelos, voz. Então não me sinto Espírito (risos).

    - Talvez essa impressão se deva à ideia que você fazia do Espírito; uma fumaça, um fantasma. Na verdade, todos somos Espíritos. Nós aqui na condição de encarnados e você como desencarnada.

    - Sim, mas, por favor, não me chame de desencarnada (risos); eu acho essa palavra destoante no meu caso. Voltando ao assunto... Então, quando cheguei aqui e me tornei um Espírito...

    - Você já era um Espírito!

    - É! Perdoe-me a confusão. Para mim não existia diferença. Estava enferma, necessitando de repouso e de tratamento médico. Fiz muitas lamentações e queixas. Na minha cabeça, eu estava sendo proibida de receber visitas. Comecei a desconfiar, com o passar do tempo, que já havia morrido. Mas, seria aquilo a morte? Aquilo era vida! Passei a conversar com a enfermeira, e dizia: como pode isso ser a morte? Eu não sinto a morte em mim. Foi duro entender. Aqueles dramas e tristezas que sentia, vou sentir aqui também? E eu passei a senti-los de maneira diferente. Bem mais fortes. Eram lembranças tão fortes, tão fortes, que tive de voltar novamente ao hospital e me acalmar. Somente ao participar desses encontros com jovens drogados em fase de recuperação, é que eu pude perceber o quanto poderia ser útil para eles, levando a minha música, abraçando-os, apertando suas mãos, sentindo as lágrimas nos olhos daqueles que partiram tão cedo, como eu. Posso dizer que essa foi a maneira pela qual encontrei Deus; através do sofrimento humano. Resumindo: a minha crença é Deus; e a maneira de dizer que O amo é através da minha arte, agora colocada a serviço Dele. Este é o meu depoimento pessoal.

    - Em que se torna a alma no instante da morte?

    - Ela volta a ser Espírito, quer dizer, retorna ao mundo dos Espíritos, que deixou momentaneamente.

    (O Livro dos Espíritos – Allan Kardec –Pergunta 149)

    - Como os benfeitores espirituais analisam a situação política e social do Brasil?

    - Eu nunca gostei de ficar alheia a nada. Sempre fui à luta contra o que julgava ser injusto. Mas, devido ao meu temperamento, eu estou, vamos dizer assim, reprimida, pois na interpretação daqueles que estão comigo, posso vir a me desequilibrar. Quando me engajo em um movimento, eu levanto o braço mesmo, mergulho de cabeça e coração, mistura que ainda não sei administrar bem. Por isso, estou um pouco distante dos movimentos sociais, apesar de não os desconhecer.

    Existem em nosso país pessoas que estão no poder e que são inescrupulosas. Essas pessoas estão massacrando o povo; povo que sofre, mas que do sofrimento faz a luta e não se dobra. O brasileiro não se deixa vencer, nem pela fome nem pela dor. Mesmo na miséria, sempre arranja um tempo para tocar o seu pandeiro e fazer a sua música. Do sofrimento surge a inspiração para a luta contra a tirania.

    É assim que eu quero ser! Do meu Brasil! Elis Regina do Brasil! Eu amo esse povo sofrido, de coração! Vou retornar um dia. Quero retornar para o meu Brasil! (choro). Não sei quando vou voltar, mas quero ser brasileira e jogar toda a minha emoção no coração das pessoas. Fazer surgir o sentimento de justiça, de luta, de luta! É assim que eu penso...

    - Que nós pensamos! Achamos que você continua a pimentinha de sempre; a Maria, Maria, que tem força, raça, manha.

    - É isso que se passa dentro de mim. Por essas razões que acabei de citar, ainda não posso atuar mais ostensivamente em movimentos de contestação, pois posso me desequilibrar emocionalmente. Mas um dia vou voltar à frente de luta, vou levantar a bandeira da justiça em nosso país. Aquele que passa fome, que não tem onde morar, que é rejeitado pelas instituições caiadas por fora, mas podres por dentro vão me ter ao seu lado; os Josés e as Marias não podem ficar sob o jugo da hipocrisia daqueles que não comungam com a justiça.

    - Os Pedros-Pedreiros também! E aqui vai uma pergunta: Por que você gravou tão pouco o Chico Buarque? Tem ideia de quantas pessoas esperavam um disco Elis canta Chico Buarque?

    - Muitos compositores me ofereciam músicas. Às vezes sintonizávamos melhor com esta ou aquela mensagem. Mas Chico é Chico! Do meu coração! No dia em que vocês fizerem a grande viagem, e se eu ainda estiver aqui, prometo cantar Chico Buarque para vocês. Vocês não vão me pedir para cantar agora, não é?

    - Claro que não! Mas bem que gostaríamos de ouvi-la! Como você foi contatada para participar do nosso projeto?

    - Minha amiga enfermeira (Natália) me falou que no Ceará, especificamente em Fortaleza, um grupo criara um projeto sobre evocações e que eu fora convidada a participar. Deveria, portanto, preparar-me para ser entrevistada. O que eu devo fazer? Perguntei. Responder a algumas perguntas, disse-me ela. Eu já fui evocada alguma vez? Insisti. Muitas pessoas já lhe evocaram, mas você não pôde responder, complementou. Mas, isso é inédito na minha vida. O que é que eu vou dizer? Como vou me comportar? Então Natália, que nunca perde a paciência, explicou: Vá! Escute as perguntas e responda com naturalidade. Seja você mesma. Não precisa demonstrar genialidade, muito menos uma superioridade que ainda não atingiu. Seja Elis Regina. É isso que eles esperam de você.

    Então, através de Natália, que havia sido procurada pelo Dr. Kröller, eu cheguei aqui. Há três dias que estou em Fortaleza. Nossa colônia não é nessa área, mas mantém uma espécie de embaixada, a Mansão das Flores, que tem a função de cuidar de nossos contatos por aqui. Permaneci lá ouvindo palestras, estudando, e me contaram que este projeto visa entrevistar personalidades já falecidas, e que vai mexer com muita gente.

    Eu gostaria de poder dialogar com vocês utilizando-me das palavras certas, emitindo opiniões mais consistentes. Acredito que esse projeto terá grande aceitação e que haverá divergência de pensamentos a respeito. A minha parte, que é dialogar com vocês, espero estar fazendo como o esperado.

    - Está se saindo muito bem. O nosso tempo está se esgotando e gostaríamos de deixar alguns minutos para que você se expresse livremente, deixando sua mensagem final. De nossa parte, foi um imenso prazer, uma emoção muito forte, uma alegria cristalina ter você conosco nessa conversa de velhos amigos.

    - Eu gostaria ainda de dizer o que aconteceu comigo, logo no início, quando cheguei a esse abrigo. Fiquei sentada, aguardando, mas sentia como se alguma coisa fosse me puxando. Engraçado é que eu conseguia ouvir a vocês e a nós. Escutei a leitura do Evangelho, que também, por coincidência, foi o mesmo escolhido pela equipe que me trouxe. O Dr. Kröller disse para mim: antes de começar a entrevista, você vai sentir como se estivesse sendo atraída para uma das mulheres da mesa, mas não imponha resistência. E de repente eu senti uma leve vertigem e estava aqui com a emoção à flor da pele, como se estivesse falando por duas bocas, conversando com vocês.

    Continuem! Vão em frente com o Projeto, que é muito lindo. Acima de tudo, quero deixar a mensagem que o mais importante para o ser humano é o amor. Não importa que nome se dê a ele. Amor de mãe, de filho, de esposa, tudo é amor! Nós é que temos a mania de rotulá-lo, mas amor é amor. E quando essa semente brota no coração da gente, não há como não ficar invencível. Eu ainda estou muito aquém do que preciso estar; ainda preciso de muito trabalho em meu interior. Ainda preciso compreender mais, pois encontro-me fortemente ligada à faixa da emoção. Vou continuar a ajudar os jovens que perderam um espaço lindo da vida com as drogas; que se achegam a mim conturbados, com a mente confusa. Eu ainda vou viver um grande amor. Não sei como esse amor virá, mas sei que vou identificar-me plenamente com ele. E que Deus possa, acho que é assim que vocês dizem, encher-nos de força, manter esse ideal de luta e que nunca a injustiça faça morada em nossos corações. Foi um grande prazer conversar com vocês, acreditem.

    E se foi no barco da emoção,

    deixando-nos no porto da saudade.

    Perfil espírita

    Sabe-se, através da Doutrina Espírita, que o instante do desencarne é diferente para cada Espírito. Depende, entre outras coisas, dos conhecimentos acerca do plano espiritual, da causa e do tipo de desencarne, do grau de evolução, enfim.

    Entende-se, igualmente, que o tempo escoa de maneira diversa para os desencarnados, razão pela qual, muitos deles não conseguem precisar o espaço de tempo transcorrido no período de perturbação que se segue à morte.

    Variando de rápidos minutos a décadas, essa perturbação, em casos de Espíritos evoluídos, assemelha-se a simples despertar de um sono leve, e aprofunda-se em pesadelos macabros, que se prolongam por gerações terrenas, em Espíritos renitentes no mal. O remorso e o peso aflitivo da culpa, a exigirem reparação pelo escárnio para com as leis divinas (ceitil por ceitil, como esclarece o Evangelho), tecem o drama da passagem com os fios tensos da dor.

    Elis teve o momento da sua viagem antecipado por um ato desesperado. Em verdade, não acolhia a intenção de suicidar-se. Como Deus julga mais a intenção do que o fato, permitiu que durante o período de tempo que sucedeu à sua morte, estivesse cercada do amparo e gentileza comuns a qualquer enfermo. Tais cuidados lhe eram devidos por causa dos méritos de que se fazia portadora, pois com sua arte ajudara a seus irmãos, alegrando-os, incentivando-os à resistência, lembrando-lhes o poder do amor nos relacionamentos, amorosos ou fraternos.

    Artistas funcionam como válvulas de escape para a catarse do povo. Elis não foi alvo de privilégios. Ninguém o é, no exercício das leis divinas. Sem grande profundidade na problemática pós-morte, conhecedora da imortalidade da alma, mas sem noções verticais sobre as amplas possibilidades do Espírito, aferrada aos automatismos da encarnação recente, não se deu conta de que já habitava e agia em outro plano da vida. Os Espíritos, respeitando sua fragilidade e o delicado transe que atravessava, acharam por bem omitir o detalhe da viagem, que mais a perturbaria, caso fosse revelado sem o devido preparo.

    Mais equilibrada, a revelação lhe chegou através da enfermeira que a assistia. Elis, como ela mesma se define, mais emoção que razão, teve que começar estudos e ouvir palestras, para fortalecer e acalmar a si própria. Deveria seguir um roteiro de atividades, sentir-se útil, elevar a autoestima, para finalmente colocar em prática seu imenso potencial de amor, nem sempre administrado com sabedoria na Terra.

    Canalizar suas emoções e energias para jovens, ex-drogados em recuperação, é o seu desafio presente. A sensação de culpa a fez escolher esta opção, oportunidade de serviço que Deus nunca deixa faltar aos bem intencionados.

    As palavras Espírito, espírita, desencarnado, perispírito, terminologia comum aos adeptos do Espiritismo, não fazem parte ainda do vocabulário da cantora, por esta não ser um Espírito espírita. Não se encontra ligada a rótulos doutrinários, mas à essência da religiosidade, ao amor, semente divina que Deus planta em cada coração humano e lhe permite meios para cultivá-la.

    É marcante em seu depoimento como se sentiu atraída para a médium, iniciando a falar por duas bocas. Estabelecida a afinidade fluídica, caracterizada em seu caso por leve vertigem, seguiu-se o acoplamento mediúnico, facultando a que ela utilizasse dos recursos vocais da médium, exteriorizando seus pensamentos de maneira clara e

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