Variedades Linguísticas: da teoria à prática em sala de aula
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Book preview
Variedades Linguísticas - Fabrício Pimenta
Bibliografia
1. Para início de conversa
Esta obra é fruto de uma intervenção realizada em sala de aula como proposta do Mestrado cursado na Universidade Federal da Bahia (UFBA), finalizado em 2015, e que ganha agora formato de livro como produto final de sistematização da experiência vivenciada no curso e posta em prática numa escola de Ensino Médio da rede pública com o objetivo claro de refletir sobre o ensino de língua portuguesa e a minha prática em sala de aula com o firme propósito de unir teoria à prática.
Tendo como área de pesquisa Linguagens e Letramentos, escolhi a linha Teorias da Linguagem e Ensino pelo fato de me propor a estudar e pesquisar sobre o ensino de variedades linguísticas em sala de aula, trazendo as teorias mais recentes da área para redimensionar a minha prática, refletindo sobre ela e construindo-a paulatinamente a partir da proposta de sequências didáticas elaborada por Dolz e Schneuwly (2004).
Ao mesmo tempo em que se reflete sobre a prática pedagógica e vai se construindo uma possibilidade de ensino sobre variedades linguísticas, esta obra tem também a finalidade de apresentar uma proposta de trabalho com a temática da variação por meio de sequências didáticas e se constitui num material complementar ao livro didático e, portanto, de apoio ao professor que queira desenvolver um olhar mais sociolinguístico nas aulas de língua portuguesa, visto que o livro didático apresenta, muitas vezes, a temática de forma breve e caricata.
Dentro da disciplina língua portuguesa, o tema escolhido por mim foi a variedade linguística, em virtude do preconceito linguístico percebido em nossa comunidade (mais adiante isto será retomado) e o aspecto de interesse a ser trabalhado neste tema foi o âmbito fonético/fonológico e semântico. A etnografia foi o método desenvolvido para esta pesquisa e o procedimento foi a proposta de sequência didática dos autores supracitados. Por fim, decidi pelo gênero da entrevista por perceber que seria uma excelente oportunidade de os alunos vivenciarem o fenômeno da variação na prática, sendo eles mesmos os sujeitos do processo de construção de conhecimento. Desta forma, haverá um estímulo ao desenvolvimento da habilidade investigativa, da análise crítica, da interpretação e do questionamento de conceitos já cristalizados, contribuindo assim para o combate ao preconceito linguístico. Além disso, proporciono a mim também o desenvolvimento da autonomia em relação ao material didático que vem pronto para a escola.
O objetivo do trabalho que me propus a realizar como produto de minha experiência no Mestrado não se limitou apenas ao conhecimento sobre variedades linguísticas, mas num letramento do indivíduo a partir delas e que oportunizou a ele variadas práticas sociais de leitura, escrita, ampliando assim o letramento desses alunos e aprimorando sua competência comunicativa. Sobre isto, escreveu Bortoni-Ricardo (2004, p 73): ...a competência comunicativa de um falante lhe permite saber o que falar e como falar com quaisquer interlocutores em quaisquer circunstâncias.
E mais adiante a linguista amplia esta questão afirmando que:
Ao chegar à escola, a criança, o jovem ou o adulto já são usuários competentes de sua língua materna, mas têm que ampliar a gama de seus recursos comunicativos para poder atender às convenções sociais, que definem o uso linguístico adequado a cada gênero textual, a cada tarefa comunicativa, a cada tipo de interação. (BORTONI-RICARDO: 2004, p.75)
Foi pensando nas reflexões acima que a intervenção surgiu com o objetivo primordial de proporcionar ao educando o desenvolvimento de sua capacidade comunicativa e o reconhecimento da mutabilidade da língua, possibilitando, por meio das práticas de leitura e escuta (rodas de conversa), o progresso da prática de exposição oral e a adequação da linguagem de acordo com o contexto em que esteja inserido. Além disso, acredito ser necessário oportunizar ao aluno, por meio de atividades, a percepção do conhecimento linguístico que ele possui, tornando-o mais crítico em relação ao prestígio que é dado a uma das variantes de uma mesma língua. O aluno precisa perceber que a língua varia no tempo e no espaço e nos diversos contextos em que é utilizada e que necessitará, em alguns momentos, fazer uso de uma dessas variações, por exemplo, o uso da norma padrão gramatical em algumas situações sociais sem, contudo, repudiar e/ou desconsiderar as variedades linguísticas. Compete ao professor oportunizar ao aluno o desenvolvimento das capacidades leitora e escritora por meio de textos e situações que façam uso das diversas modalidades de uso da língua, possibilitando a ele, dessa forma, o contato com diversas formas de uso da língua e discussões em sala de aula que poderão despertar o repúdio a qualquer forma de preconceito.
A escolha do tema da variação linguística para esta proposta de intervenção se deu por perceber em minha realidade social, na escola, e em minha comunidade, um preconceito linguístico deliberado e não só por parte dos alunos, mas principalmente por parte de alguns colegas de trabalho. Preconceito este percebido nas conversas do intervalo, quando os professores (mesmo graduados e com especialização) se reportavam aos alunos com as seguintes afirmações: ele não sabe falar direito
, eles não escrevem bem
, mal sabem o português
. Percebi que precisava dar significado maior e mais amplo às aulas de língua materna em minha sala de aula.
Como abordagem metodológica, escolhi o viés etnográfico, uma pesquisa qualitativa, por perceber que só saindo de minha zona de conforto de professor de Língua Portuguesa (que aborda somente a variação trazida nos livros didáticos) e passando para o outro lado
, conhecendo de fato a realidade linguística dos alunos e fazendo-os refletir sobre ela, é que minha ação teria sentido. Além disso, só sendo sujeito e objeto de minha prática ela teria uma significativa transformação e daria sentido ao curso e as discussões realizadas nas aulas do Mestrado.
A turma escolhida para aplicar a intervenção foi o 1º ano do Ensino Médio. A escolha do turno se justifica pelo fato de os alunos em sua maioria serem provenientes da zona rural e justamente por isso serem também mais suscetíveis ao preconceito linguístico, em virtude da estigmatização do falar deles, assim como também é no turno da tarde que os alunos menos participam oralmente das aulas, ou seja, há menos interação com uso da língua nas aulas.
Ao escolher o tema da variação linguística, optei por trabalhar o aspecto dos traços linguísticos presentes no português brasileiro, proposto e dividido por Bagno (2007) e Bortoni-Ricardo (2004) em graduais e descontínuos. Ambos os estudiosos agrupam os traços nesses dois grandes conjuntos, sendo que o primeiro traço refere-se àqueles que aparecem na fala de todos os brasileiros, independentemente de sua origem social, regional, dentre outros fatores; e o segundo refere-se a aspectos linguísticos que aparecem principalmente na fala dos brasileiros de origem social humilde, de pouca ou nenhuma escolaridade ou de antecedentes rurais¹. Resolvi abordar este tema pelo fato de o mesmo ser um desafio para mim, já que em minha prática de sala de aula eu ainda valorizava a norma dita culta
e não me sentia seguro para desenvolver um trabalho com variação linguística que não fosse tão limitado, simples e muitas vezes equivocado como os livros didáticos apresentam.
Por meio de questionário² elaborado por mim e respondido pelos alunos e por meio de sequências didáticas previamente elaboradas e reelaboradas com supervisão da minha orientadora, desenvolvi o projeto de intervenção por meio de sequências didáticas em 18 aulas, culminando com uma entrevista realizada pelos alunos, que organizaram num quadro ilustrativo³ os traços linguísticos graduais e descontínuos do português brasileiro a partir da comunidade em que estamos inseridos (Acajutiba/BA) e isto promoveu uma discussão sobre este tema com o propósito de, por um lado, oferecer aos alunos uma reflexão sobre a língua viva, falada por eles, pelos seus pares e por sua comunidade e, por outro lado, apresentar uma proposta de sequência didática para o trabalho com variedades linguísticas na disciplina de Língua Portuguesa para alunos do Ensino Fundamental II e/ou Ensino Médio.
Foi a partir das respostas do questionário aplicado que fui desenvolvendo uma metodologia e decidi aplicar a minha pesquisa por meio de sequências didáticas como procedimento e a entrevista como gênero textual oral por entender que esta atividade estimula o exercício da habilidade investigativa, da análise crítica, da interpretação, do questionamento, da abertura para o novo. Como bem define Schneuwly e Dolz (2004, p 82), sequência didática é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito.
A pesquisa em sala de aula favorece ainda a autonomia do professor, promove a