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Conflito e Intriga: Kalila e Dimna, #2
Conflito e Intriga: Kalila e Dimna, #2
Conflito e Intriga: Kalila e Dimna, #2
Ebook265 pages7 hours

Conflito e Intriga: Kalila e Dimna, #2

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About this ebook

Os contos deste livro descendem do mergulho ancestral da humanidade nas tradições orais, nos tempos em que o "era uma vez" provocava uma entrada absoluta em mundos imaginários de histórias. Manifestações selvagens de música primitiva (provavelmente de flauta ou tambor), vozes, sotaques, mímica, canções e danças suscitavam em pequenos grupos – naquele tempo e ainda hoje – um vívido sentido social de extra-dimensionalidade.

 

Atualmente, a nossa tradição literária de contar histórias, mais moderada, linear e asséptica, que se desenvolveu ao longo dos últmos 2.500 anos, é codificada por meio de partituras ou da palavra escrita. Há uma enorme diferença entre ler silenciosamente uma peça de Shakespeare ou absorvê-la em meio ao rebuliço de uma apresentação no palco. 

 

Os contos de Kalila e Dimna são ouvidos desde tempos mais selvagens, próximos à nossa era de caçadores-coletores, antes da agricultura, quando animais, sombras e espíritos pairavam ao redor. Algumas de suas antigas histórias de animais foram primeiro transcritas e depois reformuladas por poetas, monges e acadêmicos em cinco línguas – os Contos de Jakata, em Pali (450 BC?); o Panchatantra, em Sânscrito (300 BC?); em Árabe (750 AD); Persa (1505 AD); e na versão em inglês de Sir Thomas North, de 1570 (publicada quando Shakespeare era apenas um moleque de seis anos). Dois dos primeiros manuscritos do Panchatantra academicamente "re-construídos" no século XIX (bastante diferentes um do outro) estão diretamente ligados à tradição oral da humanidade de contar histórias fisicamente. Somos tão atraídos por suas histórias quanto pelo desconhecido das pinturas rupestres em cavernas pré-históricas. Aqui há insondáveis mistérios!

 

O romancista mexicano Carlos Fuentes observou, em 1980: "As histórias maravilhosas de Wood deveriam estar ao lado do reconto de Italo Calvino dos contos populares italianos. Nenhum outro elogio se faz necessário." 
 

LanguagePortuguês
PublisherZirac Press
Release dateOct 3, 2020
ISBN9781913900038
Conflito e Intriga: Kalila e Dimna, #2
Author

Ramsay Wood

Ramsay Wood is a former (1981-1990) performance storyteller,[1] professional photographer and non-academic author of two late 20th Century sui generis novels which aim — via vernacular spiels within complex frame-story narratives — to popularize the pre-literate, oral story-listening drama of multicultural animal fables mimed and declaimed along the ancient Silk Road.[2] His books blend The Jatakas Tales, The Panchatantra and the likely (fourth century BCE) role of Alexander the Great's legacy in "bringing the Aesopian tradition to North India and Central Asia" via Hellenization in Central Asia and India. Wood's Kalila and Dimna – Selected Fables of Bidpai (Vol 1) was published by Knopf in 1980 with an Introduction by 2007 Nobel Laureate Doris Lessing.[3] A Times Literary Supplement (3/3/82) review stated that "Wood has produced a vigorous modern version . . . overlaid with a racy personal idiom, a witty mixture of archaic grandiloquence, modern slang, and (in some passages) the jargon of sociology, television and local government . . . his version will certainly be much more attractive to modern readers than the older translations, with their drier narratives and unfamiliar oriental hyperbole".

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    Conflito e Intriga - Ramsay Wood

    CONFLICTO E INTRIGA

    Contos de Kalila e Dimna – Vol. 2

    Ramsay Wood

    Zirac Press

    Este livro é dedicado a minha querida esposa,

    G. M. Whitworth

    Published by:


    Zirac Press

    Exeter Mews (off West Hampstead Mews)

    London

    NW6 3AX


    © Ramsay Wood, 2011, 2020

    Illustrations © G M Whitworth, 2011, 2020


    The right of Ramsay Wood to be identified as the author of this work has been asserted by him in accordance with the Copyright, Designs, and Patents Act 1988.


    No part of this publication may be reproduced, stored in a retrieval system or transmitted, in any form or by any means, electronic, mechanical, photocopying, recording or otherwise, without the prior permission of the publisher.


    ISBN. 978-1-913900-03-8

    CONFLICTO E INTRIGA

    Contos de Kalila e Dimna

    Vol. 2

    Na sequência de

    Kalila e Dimna

    Amizade e Traição

    Vol. 1


    Contado por

    Ramsay Wood


    Tradução

    Julia Grillo


    Ilustrado por

    G.M. Whitworth


    Introdução

    Prof. Michael Wood


    Zirac Press

    London

    Sumário

    Kalila E Dimna

    Nota do Autor

    Introdução

    Prologue

    BIDPAI CONTA ‘COMO PERDER O QUE SE TEM"

    Caco de Dente e Conversa Fiada

    Orelhas de Abano, Sorriso e Zarolho, o Leão

    Cara Lanhada, o Ceramista

    O Chacal Adotado por Leões

    Bolhas de Sabão e Amoroso

    Homens Mortos que Sangram

    MIMOSA CONTA ‘COMO SER DESCUIDADO E PRECIPITAR A CALAMIDADE’

    O Monge Dourado

    A Cobra e o Mangusto

    Do Buscador que Quebrou seu Pote de Mel

    O Gato e o Rato

    O Gato que Declarou Paz

    O Chacal Vegetariano

    As Moscas no Mel

    Elath e Seu Rei

    PRÍNCIPE LEÔNIDAS INTERROMPE

    Elath e seu Rei (cont.)

    Os Caçadores de Tesouros

    O Macaco e o Grão de Bico

    Os Três Idiotas Sábios

    O Tecelão Idiota

    O Corvo que Queria Andar como um Galo

    O Bode Vestido de Cão

    A Vingança do Macaco

    O Cego, o Corcunda e a Princesa Trimamília

    Traste Tosco e a Freira

    POSTFÁCIO

    NOTA DO AUTOR

    Kalila e Dimna são os nomes árabes de dois irmãos chacais, cujas aventuras aparecem apenas na primeira seção dessa coletânea complexa e multicultural de contos interconectados. No entanto, desde 750 AD, a convenção popular do Oriente Médio tem sido intitular o livro inteiro – que ainda tem mais quatro seções – como Kalila e Dimna, embora os irmãos chacais nunca mais voltem a aparecer.

    O título do original em sânscrito, mais antigo (e há muito tempo perdido), do qual se origina Kalila e Dimna, o Panchatantra, significa cinco (pancha) partes, tratados, discursos, capítulos, teares ou seções (tantra). Esse penúltimo volume da minha trilogia é uma reconfiguração moderna dos discursos quatro e cinco, a partir das traduções para o inglês de diversas compilações dos contos em árabe, sânscrito e persa.

    Introdução

    Esta é uma seleção primorosa de um dos maiores ciclos de histórias da cultura humana, uma das contribuições duradouras da Índia à literatura mundial. A Índia foi reconhecida como a principal fonte da literatura de fábulas do mundo e o Panchatantra (os Cinco Discursos, do qual se originam as histórias deste livro) exerceu uma influência tão grande quanto os ciclos do Rei Artur, os mitos gregos ou os contos de Gilgamesh. Esses contos têm exercido seu feitiço Desde Esopo até As Mil e Uma Noites e de La Fontaine a Kipling. A nova versão de Ramsay Wood, que transmite essa mágica de forma brilhante, tornou-se o projeto de uma vida. Seu memorável trabalho Kalila e Dimna – Contos de Amizade e Traição foi publicado originalmente há trinta e um anos, e os seus muitos admiradores desde então esperavam avidamente pela continuação. A espera valeu a pena. Juntos, seus dois livros constituem um feito magnífico. São joias da arte de escrever histórias, narradas com a visão psicológica e com os ritmos e mudanças de andamento sutis que são a marca de um veterano. Divertidos, alegóricos, ricamente ambíguos e provocantes em sua complexidade narrativa e ao mesmo tempo capciosamente claros em suas resoluções: imergir-se no mundo desse estrategista é saborear o prazer de ler em sua máxima intensidade.

    Antes de haver civilização, havia histórias. Ao longo da História humana, grandes histórias têm atravessado todas as fronteiras culturais, às vezes viajando enormes distâncias no tempo e espaço para ressurgir nas roupagens mais improváveis. Circe e Calipso, de Homero, que ganhou vida na Iônia do século 7 a.C., inconfundivelmente espelham Siduri, a menina do bar no fim do mundo em Gilgamesh, uma criação do segundo milênio a.C. no Iraque. Apesar de situar-se no país de Gales Arturiano, nublado e chuvoso, do Mabinogion, a árvore sagrada de ‘A Donzela da Fonte’, ao lado de uma nascente no deserto, guardada por um leão, denuncia sua origem nos mitos da Mesopotâmia. Essas transformações são encantadoramente humanas – o poder da história é simplesmente mágico.

    Assim como eles, o fabuloso compêndio do Panchatantra também atravessou fronteiras culturais por todo o mundo, indo muito além da sua terra de origem; suas formas e recursos narrativos são tão inteligentes e universais que foram adaptados e transformados em toda parte, mas continuam sempre sendo reconhecíveis como eles mesmos. Embora a origem popular dessas histórias tenha frequentemente sido ventilada, nunca chegou a ser provada. Mas, certamente, é seguro afirmar que a sensibilidade por trás delas, sua forma de ver o mundo, é tão antiga quanto a própria cultura indiana. A maravilhosa série de pinturas pré-históricas de animais de Bhimbetka, com os seus misteriosos diagramas das camadas do cosmos compartilhadas por seres humanos e animais, plantas e peixes, sugerem a antiga percepção indiana da unidade de todas as formas de vida. No hinduísmo desenvolvido, até os primeiros avatares do deus Vishnu assumem formas de animais – peixe, tartaruga, javali e, em seguida, a força bruta do ser primitivo metade homem metade leão – todos antes da encarnação de Rama, o humano ideal: como se retratasse uma espécie de psico-história darwiniana. A maestria das línguas dos animais também é comum nas lendas indianas, como se as fronteiras entre os seres humanos e o mundo animal tivessem sido sempre permeáveis e fluídas. Na Índia tradicional há uma ideia profunda de que os mundos divino, humano e animal se cruzam: todas as formas de vida possuem uma alma, e a depender do carma de cada um podem reencarnar em qualquer lugar na cadeia da vida, almas humanas em animais e vice-versa. Então, naturalmente, os animais são capazes de conversar uns com os outros e de sentir como os seres humanos. Talvez seja por essa razão que esses contos de transformação diferem dos de Esopo e de outras fábulas gregas, pois aqui os animais falam e agem não como animais, mas como humanos.

    A estratégia narrativa do Panchatantra é simples: as histórias são contadas com o intuito de instruir os três filhos do rei – todos eles tolos – sobre como viver a vida com sabedoria e justiça, e como devem se portar no mundo. E isto, os contos nos mostram, deve ser feito por meio de uma sabedoria mundana, adaptável e terrena, não de uma moralização devota e inconsciente. Essa sensibilidade realística, pode-se acrescentar, é compartilhada por outros antigos textos indianos, tais como a poesia de Purananuru do Sul da Índia. Os cinco grandes temas do Panchatantra, cada um dos quais é título de um dos seus Cinco Discursos, tratam do comportamento humano categorizado em uma forma característica do pensamento indiano, como por exemplo no Kama Sutra, ou na poesia akam-puram, as paisagens interiores/exteriores dos antigos Tamils. Assim como esta poesia, os discursos tratam de situações humanas essenciais – como ganhar e perder amigos, guerra e paz, conflito e perda: como perder o que se tem, como Ramsay o coloca – e como é fácil ser descuidado na vida e precipitar a calamidade (esses dois últimos Discursos dos textos antigos constituem o presente volume). Valendo-se de sua estratégia narrativa central, o livro é introduzido pelo autor (que a tradição chama de Vishnu Sharma – talvez sintomaticamente um Vaishnavita), que conta os contos como a voz narrativa de Chaucer nos Contos da Cantuária. Cada um dos Cinco Discursos usa um conto principal subsequente como moldura, e este contém em si vários outros contos, sagazmente embrulhados dentro dele, conforme um dos personagens começa a contar outra história. Muitas vezes esses contos dentro de contos também têm contos suplementares, como uma boneca russa, o que torna a leitura ainda mais divertida.

    Em sua forma atual (embora possa derivar de uma tradição de histórias orais muito mais antiga), o Panchatantra foi constituído em escrita em sânscrito, na Caxemira, por volta do ano 200 a.C, ao final da grande era dos Maurianos, (cujos governantes, curiosamente, foram os primeiros do mundo a criar uma legislação que protegesse espécies animais). A partir daí tornou-se a obra literária da Índia mais frequentemente traduzida, com muitas versões diferentes, em uma dúzia das línguas regionais indianas. Há atualmente mais de duzentas versões do Panchatantra em mais de cinquenta idiomas pelo mundo afora, pois ao longo da Idade Média a obra se difundiu de Java para a Islândia. A história de como foi transmitida para o ocidente é em si mesma um conto fascinante. O Panchatantra passou primeiro do sânscrito para sua língua irmã, o persa clássico. Daí passou para o árabe, por volta do ano 750 AD, ganhando o título pelo qual segue sendo conhecido, Kalila wa Dimna. Em seguida veio para o ocidente, semeando uma incrível árvore genealógica com o espanhol, hebraico, alemão, latim e italiano, a partir da qual ganhou sua versão em um vigoroso inglês elisabetano, traduzida por Sir Thomas North, o grande tradutor de Plutarco.

    Sagazes, práticos e realistas, nunca moralizantes; até mesmo (já foi dito) maquiavélico, o Panchatantra desde então tem influenciado a arte de contar e escrever histórias na Europa, desde os contos de La Fontaine (que os citou como sua principal inspiração) até o Livro da Selva de Kipling, embora talvez neste caso não só por meio da palavra escrita (apesar de Kipling conhecer as histórias impressas), mas "em tudo que eu havia escutado", conforme contou sobre sua infância, tendo sido criado em seus primeiros seis anos de vida por uma aya que falava hindi, em Bombaim. Pode não ser muito fantasioso, também, sugerir que a influência do Panchatantra se faz sentir em muitos dos filmes e animações modernos, como por exemplo nos desenhos da Disney. Tome a fábula dos peixes em Procurando Nemo, em que criaturas indefesas cooperam como amigos para escapar das redes do caçador – uma situação arquetípica de ajuda mútua, encontrada pela primeira vez no segundo discurso do Panchatantra, e que também inspirou os enciclopedistas da Irmandade da Pureza no século 10 em Basra. Tais contos eram vistos como exemplares da ética no mundo árabe medieval, e é claro que ainda funcionam, motivo pelo qual as pessoas ainda hoje os adoram. Na Índia, essas histórias ainda persistem nos livros e revistas em quadrinhos infantis, e são recicladas na forma de romances, alegorias e filmes modernos – sem esquecer, também, que continuam fazendo parte das histórias de avós, como um amigo indiano me contou recentemente.

    Vivemos hoje em um único mundo. Essas histórias falam por toda a humanidade e pertencem a toda a humanidade. Doris Lessing observou, no primeiro volume de Ramsay, há mais de trinta anos, que na Europa do século 19, de qualquer um que afirmasse ter uma educação literária esperar-se-ia que as conhecesse: pelo menos vinte traduções da obra em língua inglesa foram feitas ao longo dos cem anos que antecederam 1888. Mas agora, ela observava, a maioria das pessoas no ocidente não terão ouvido falar dela. O primeiro volume de Ramsay, tão amplamente impresso e reimpresso, ajudou a mudar essa realidade; e esta segunda parte dá continuidade a essa realização. Não é um exagero dizer que se trata de uma verdadeira façanha da imaginação, que vai levar esse texto mágico a muitos novos leitores por todo o mundo. Em uma sociedade humana, cada geração deve absorver e reinterpretar os clássicos, e passá-los adiante renovados e revigorados. O que Ramsay realizou ao longo dos últimos trinta anos foi fazer a versão desse clássico para o nosso tempo.


    Prof. Michael Wood - Historiador, apresentador e autor de The Story of India – Julho 2011

    Prologue

    Ahistória até agora


    Era uma vez, muito tempo atrás, na Índia, um jovem rei tirânico chamado Dabschelim, que mal sabia coisa alguma. Ele supunha que sabia, é claro, porque seus pais haviam lhe dito que ele era a criança mais maravilhosa que já havia nascido.

    Assim, Dabschelim sentia-se livre para seguir qualquer capricho que capturasse sua imaginação, chegando até a torturar seus súditos quando o desejava. As coisas continuaram dessa maneira até que Dabschelim chegou aos seus vinte e poucos anos, quando aconteceu que um velho contador de histórias chamado Bidpai visitou a corte. Bidpai falou abertamente sobre tudo o que viu, e o preâmbulo bem educado culminou em palavras ferozes que chocaram a todos:

    – Será que você é cego ao sofrimento que está bem diante de seus olhos?, – o velho perguntou. – Você é um rei ou algum tipo de melão? Tem algo de errado com o seu cérebro ou com seus olhos?

    Dabschelim, enfurecido, mandou atirar Bidpai em um calabouço, o que era praticamente a mesma coisa que condená-lo à morte.

    Porém, depois de algumas semanas, graças a um sonho misterioso que levava a um tesouro inacreditável, o Rei Dabschelim readmitiu Bidpai, implorando por seu perdão e tratando o velho e a sua mulher com todos os mimos possíveis nos quartos privativos do palácio. Por que esta mudança de fortuna? Porque em seu sonho, aninhada entre pilhas de joias e metais preciosos naquele tesouro maravilhoso, o rei encontrara uma antiga carta manuscrita, de um rei há muito tempo falecido, chamado Houschenk, endereçada diretamente a ele, através das gerações, na qual se mencionava Bidpai.

    Na carta, o rei Houschenk advertia Dabschelim a conduzir-se sabiamente, exortando-o a escutar às fábulas de Bidpai, que juntas, em um conjunto chamado de Kalila e Dimna, com leões e leopardos e chacais e cobras e corvos e coelhos e peixes e as aventuras de qualquer outro tipo de criatura que você possa imaginar, agia como um tipo de remédio para curar a negligência dos líderes.

    A humildade sincera, combinada a uma determinação suficiente para prosseguir em direção à autoconsciência, permitiu a Dabschelim escutar as surpreendentes fábulas do contador de histórias durante vários dias, na privacidade do palácio. O resultado desta experiência foi uma amizade cordial, cada um doando-se ao outro generosamente.

    Mas assim que Bidpai terminou de contar sua derradeira fábula, insistiu em despedir-se, explicando que não poderia voltar a ver Dabschelim até que o tempo fosse propício para outra dose. Esta notícia foi devastadora para o rei, porém, estranhamente, fazia todo o sentido. Não lhe tinha sido oferecida já uma enorme riqueza? E o que ele faria com ela, se é que faria alguma coisa?

    As décadas voaram. O Rei Dabschelim tentou praticar o que se lembrava das fábulas que havia escutado, tentando melhorar o padrão de sua vida e, especialmente, seu governo. Vagarosamente, as coisas em seu reino melhoraram. As prisões ficaram quase vazias e a população estava tão feliz quanto permite o equilíbrio terrestre entre a dor e o prazer.

    Enquanto isso, Dabschelim foi pai de três crianças vivazes: dois príncipes e uma princesa, agora adolescentes. Às vezes ele fantasiava que Bidpai poderia reaparecer para contar mais fábulas, ajudando todos a encontrarem mais sentido em suas vidas. Ele até abrigava a vaga esperança de que, de algum modo, se Bidpai retornasse, ele poderia persuadir o velho a reunir essas fábulas em um ‘livro’ – o dispositivo para armazenamento de dados mais avançado de sua época.

    BIDPAI CONTA ‘COMO PERDER O QUE SE TEM"

    Asúbita chegada do contador de histórias de cabelos brancos, um homem magro e ágil, apesar de sua barba branca, não era esperada nem descartada. A instrução permanente do rei Dabschelim aos guardas palacianos era a seguinte: Se chegar alguém pelo nome de Bidpai, deem-lhe acesso imediato ao mordomo. Nós não esperamos que Bidpai apareça. Mas ele pode aparecer. Lembrem-se!

    Anos antes, ao se despedir, o contador de histórias havia dito:

    – Sua majestade, a fórmula para toda a infelicidade humana é simples, mas quase que universalmente ignorada: ‘Expectativa, falta de entrega!’ Se você espera que eu, ou qualquer outra pessoa, ou algum evento agradável ou objeto desejado se materialize, ficará terrivelmente desapontado quando nada acontecer. Portanto vamos supor que nunca nos encontraremos novamente.

    – Tudo bem, – disse o Rei Dabschelim, pairando num estado entre compreensão e incerteza, – mas por que não podemos vê-lo com mais frequência?

    – Porque estas palavras para mim são mais preciosas do que Ah, você por aqui de novo!.

    E isto foi tudo o que Bidpai disse. Agora, tantos anos depois, aqui estava ele novamente, em carne e osso, quando já não restava mais sequer um fiapo de expectativa.

    O contador de histórias pediu ao Rei Dabschelim para manter as formalidades no mínimo necessário, por favor, Sua Majestade. Consequentemente, não houve cerimônia de boas vindas ou celebração, nem qualquer anúncio na corte. Bidpai e o rei simplesmente se encontraram novamente e reiniciaram sua tarefa interrompida. Era uma calma retomada da narrativa que os havia ocupado havia anos, e a qual o velho agora afirmava que o tempo tornara pronta para a conclusão.

    Já bem tarde na segunda noite de seu encontro, depois de terem se assentado com mantas e travesseiros sob as estrelas, ao lado de uma fogueira acesa especialmente em um canto do terreno do palácio, Bidpai começou a contar ao Rei Dabschelim as fábulas relacionadas ao antigo tema de ‘Como Perder o Que Se Tem’, também conhecidas como...

    Caco de Dente e Conversa Fiada

    – À medida que Conversa Fiada, o líder macaco, ficava mais grisalho, seus sentidos se embotavam e seu ritmo diminuía. O orgulho filtrava o que ele não queria ver… Mas o que se esconde de si mesmo pode estar evidente para os outros.

    Assim foi que, um dia, Conversa Fiada teve uma terrível luta com um macho mais jovem, que derrotou o velho macaco e expulsou-o para as profundezas da floresta. Conversa Fiada, que por anos fora o rei inconteste de uma tropa de

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