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Escritos de Direito Fundamentais - Volume 4
Escritos de Direito Fundamentais - Volume 4
Escritos de Direito Fundamentais - Volume 4
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Escritos de Direito Fundamentais - Volume 4

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O livro é uma coletânea de artigos de mestrandos, que por meio de uma leitura constitucional dos Direitos Fundamentais, traz reflexões fundamentais para a teoria e a prática do Direito. Com a organização do Professor José Emílio Medauar Ommati, mestre e doutor em Direito Constitucional, os trabalhos deste quarto volume abordam temas como: crise no sistema penitenciário; regularização fundiária; Direito Fundamental à Saúde; jurisdição constitucional; garantias fundamentais no inquérito civil; meio ambiente ecologicamente equilibrado; mutação constitucional; inquérito policial e democracia constitucional; diretivas antecipadas de vontades e Direito Fundamental; judicialização das políticas públicas; e o estado de inocência.
LanguagePortuguês
Release dateOct 1, 2020
ISBN9786586529616
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    Escritos de Direito Fundamentais - Volume 4 - Conhecimento Livraria e Distribuidora

    ORGANIZADOR.

    A Crise no Sistema Penitenciário Nacional, o Descumprimento de Tratados Internacionais de Direitos Humanos e o Direito a Ressocialização pelo Condenado

    Andreia Ferreira Noronha[*]

    1 Introdução

    Ao longo da história da humanidade, a grande evolução do direito moderno ocorreu sobretudo na humanização das penas que representou um avanço na civilização uma vez que o histórico das prisões medievais eram verdadeiras masmorras em que o preso era jogado a própria sorte, vulnerável a todo tipo de doença, eram tais as condições que era preferível a guilhotina ou a forca. A grande evolução do direito moderno foi a previsão no ordenamento jurídico de uma pena para cada ilícito praticado, o cumprimento da pena em condições dignas e a possibilidade de ressocialização do indivíduo. Nesse sentido Beccaria[1] relata que para cada ilícito aplicar-se-á uma pena previamente prevista, é que só as leis podem fixar as penas de cada delito e que o direito de fazer leis penais não pode residir senão na pessoa do legislador, que representa toda a sociedade unida por um contrato social.

    Nessa perspectiva, o Estado brasileiro adotou o Estado Democrático de Direito na constituição de 88 e a prática de qualquer ilícito tem como consequência uma sanção previamente prevista em lei, como respeito a um dos princípios básicos da legalidade e na seara penal uma das formas de punição é a pena privativa de liberdade. Contudo, o que se verifica na prática é que o sistema prisional se revela o oposto da finalidade adotado pela constituição, principalmente no aspecto ressocializador. É impossível obter a melhora do agente com a imposição de penas a serem cumpridas em um meio que, em vez de recuperá-lo, contribui para denegri-lo.

    O Estado Brasileiro apresenta um cenário de massivas violações de direitos humanos no sistema carcerário. As condições insalubres, aliadas à falta de vontade política em resolver a questão, implica no desrespeito ao Estado Democrático de Direito e na frustração das funções da pena, sobretudo no que se refere a reinserção na social que configura um direito do condenado ao acerto de contas com o Estado punidor e seu retorno ao meio social reestabelecendo o status quo anterior do indivíduo.

    Embora os órgãos internacionais de proteção dos Direitos humanos, como Corte Americana de Direitos Humanos tenha requerido medidas cautelares para vários presídios nos últimos, inúmeros massacres têm ocorrido o que evidencia necessário sanções mais enérgicas ao Estado Brasileiro por descumprimento a proteção aos direitos humanos.

    2 Contexto do Sistema Carcerário Brasileiro

    Os números da violência letal dentro dos presídios brasileiros desnudam o fracasso cotidiano do Estado Brasileiro na garantia das condições mais básicas de sobrevivência daqueles que se encontram sob sua custódia. As prisões brasileiras têm sido há muito qualificadas como centros de tortura por organismos internacionais.

    A violação dos direitos humanos é evidente no atual sistema carcerário brasileiro, conforme relato do CNJ[2], com instalações prisionais insalubres, superlotação, ausência de um sistema coeso de divisão de presos, inexistência de oferta de educação, trabalho, atendimento médico, assistência jurídica, tortura e falta de segurança implicam em um tratamento desumano aos custodiados e, automaticamente, na violação sistêmica da Constituição.

    Atualmente as prisões brasileiras são comparadas as masmorras medievais, nesse sentido o acusado é submetido a uma pena muito mais gravosa daquela imposta pelo ordenamento jurídico atual. A perversa realidade dos encarcerados resta flagrante a violação de direitos humanos e a inércia das instituições e autoridades brasileiras faz admitir que o Estado pode violar a dignidade dos presos, situação essa incompatível com o Estado Democrático de Direito.

    O colapso do sistema prisional afronta grave e diretamente a Constituição Federal, a lei de Execução Penal e os tratados internacionais sobre matérias de direitos humanos nos quais o Brasil é signatário, como o Pacto de São José da Costa Rica

    As prisões brasileiras são marcadas pela violência caracterizada pela disputa de domínio entre facções criminosas e as penitenciárias tornaram-se central de comando de crimes. A situação vivenciada dentro das prisões deixa claro a grave violação de direitos e as ações empregadas pelo poder público têm sido insuficientes para conter a violência e menos ainda na ressocialização dos presos. Nesse sentido:

    essa convivência intramuros é tão desumana que acaba por fazer com que o apenado perca até mesmo o sentido de dignidade e honra que ainda lhe restava, i.e., em vez de o Estado, por meio do cumprimento da pena, nortear a sua reintegração ao meio social, dotando-o de capacidade ética, profissional e social, procura agir de forma contrária, abandonando-o e esquecendo-se de que ele também é de sua responsabilidade, uma vez que o exclui e não o reintegra na vida social.[3]

    A reincidência dos massacres nas penitenciarias brasileiras nos últimos anos e a inércia do Estado Brasileiro, demonstra um total descompromisso com o cumprimento de tratados internacionais de proteção da pessoa humana e ocorre uma reiterada violação de Direitos Humanos. As ações empregadas pelo poder público não têm sido suficientes para garantia do mínimo da dignidade no cumprimento da pena. É necessário respeitar a lei de execução penal no que tange aos direitos da pessoa encarcerada, respeitando a sua dignidade como pessoa nesse sentido:

    O modo como a punição é aplicada no nosso sistema carcerário condiz com o sistema de punição por suplicio físico. Ninguém discute a boa fé com que os homens da inquisição mandavam para a fogueira os incréus, na certeza de que, assim obrando, estariam a salvar suas almas, purificadas pelo fogo. Assim também o Estado contemporâneo , ao empilhar em cubículos minúsculos pessoas de conduta desviante, na suposição de que isso contribuirá para sua ressocialização. Restringe-se a liberdade para que a pessoa possa aprender a viver em liberdade, eis a ironia disso. Violentam-se física e mentalmente os condenados na pressuposição de que a violência é algo inaceitável. Misto de inquisitor e carcereiro, juiz criminal brasileiro vai convivendo com essa inadmissível contradição, transformando-se custos libertatis, que sua razão de ser exige que seja, para um mero placitador de atos policiais.[4]" (Suannes, 1999. p. 315)

    Revela-se imprescindível que se discuta também a respeito de todos os meios acessíveis, a curto e longo prazo, mas efetivos, de solução para a gama de problemas que se delineiam, discussão que não pode deixar de fora o papel do Poder Judiciário e do próprio Supremo Tribunal Federal, enquanto garantidor do respeito à Constituição Federal para alcançar os resultados almejados.

    Diante da situação vivenciada percebe-se que as penas são convertidas em cruéis e desumanas e uma ofensa generalizada nas prisões do Brasil aos direitos assegurados pela Carta Fundamental e pela legislação processual penal. Tudo isso demonstra que as ações empregadas pelo Poder Público não têm sido suficientes para a garantia do mínimo a quem cumpre pena. Nesse sentido Barroso relata:

    Mandar uma pessoa para o sistema prisional é submetê-la a uma pena mais grave do que a que lhe foi efetivamente aplicada. Mais do que a privação da liberdade, impõe-se ao preso a perda da sua integridade, de aspectos essenciais de sua dignidade, assim como das perspectivas de reinserção na sociedade (STF, RE 580.252/MS, Voto-vista Ministro Luís Roberto Barroso, Brasília, 27 abr. 2015. p. 14).

    Já o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, destacou o descaso, negligência e total indiferença do Estado em relação ao vivenciado nas penitenciárias brasileiras, também afirmando que a pessoa sentenciada acaba por sofrer penas sequer previstas pelo Código Penal, que a nossa ordem jurídica repudia. Diante desse contexto caótico do sistema penitenciário a suprema corte declarou o Estado de Coisa Inconstitucional (ECI) no sistema penitenciário brasileiro.

    3 Estado de Coisa Inconstitucional no Sistema Carcerário Brasileiro

    Segundo Luciano Meneguetti Pereira[5], o Estado de Coisa Inconstitucional está relacionado à constatação e declaração de um quadro de violações generalizadas, contínuas e sistemáticas de direitos humanos fundamentais que, para ser superado, requer a ocorrência de transformações na estrutura e na atuação dos poderes constituídos (Legislativo, Executivo e Judiciário), que importem na construção de soluções estruturais aptas a extirpar a situação de inconstitucionalidades declaradas.

    A origem do Estado de Coisa Inconstitucional (ECI) vem de uma decisão pioneira da Corte Colombiana que estabeleceu determinados pressupostos imprescindíveis à invocação do estado de coisas inconstitucional: i) a violação massiva e generalizada dos direitos fundamentais que afeta um número amplo e indeterminado de pessoas; ii) a omissão reiterada das autoridades públicas quanto à garantia dos direitos fundamentais e, a consequente incapacidade em reverter o quadro objetivo de inconstitucionalidade, uma verdadeira falha estatal estrutural; iii) a atuação coordenada de órgãos e entidades do poder público para a adoção de medidas complexas, necessárias à superação do quadro de violação de direitos; e iv) a potencialidade de congestionamento da justiça.

    Embora no Estado de Coisa Inconstitucional dê embasamento ao Judiciário para um ativismo judicial efetivo, essa atuação só é legítima por meio dos diálogos institucionais para não comprometer as competências exclusivas do Legislativo e Executivo. No entanto, percebe-se tratar de um tema sensível pois não há como o Judiciário tomar providências sem interferências externas o que compromete o princípio da separação dos poderes.

    A declaração do Estado de Coisas Inconstitucional representa a defesa da dimensão objetiva dos direitos fundamentais pelo Poder Judiciário. Como se sabe, a Carta Magna não só instituiu tais direitos, mas criou mecanismos para a tutela deles. Dentre esses mecanismos, temos a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF que na atualidade apresenta-se como o principal instrumento processual com o objetivo de proteção dos direitos fundamentais. Isso porque tem como objeto de controle, o ato do Poder Público, no qual a falha estrutural do sistema carcerário e as deficiências de elaboração de políticas públicas voltadas aos presos, se encaixam perfeitamente.

    Sobre o tema, Daniel Sarmento[6] salienta que o drama carcerário é a mais grave questão de direitos humanos do Brasil contemporâneo. As prisões brasileiras – que já foram descritas pelo Ministro da Justiça, sem nenhum exagero, como masmorras medievais – são, em geral, verdadeiros infernos dantescos, com celas superlotadas, imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida intragável, temperaturas extremas, falta de água potável e de produtos higiênicos básicos. Homicídios, espancamentos, tortura e violência sexual contra os presos são frequentes, praticadas por outros detentos ou por agentes do próprio Estado.

    Sobre esse contexto são esclarecedoras as lições de Maria Lúcia Karam:

    A privação da liberdade, o isolamento, a separação, a distância do meio familiar e social, a perda de contato com as experiências da vida normal de um ser humano, tudo isto constitui um sofrimento considerável. Mas, a este sofrimento logo se somam as dores físicas: a privação de ar, de sol, de espaço, os alojamentos superpovoados e promíscuos, as condições sanitárias precárias e humilhantes, a falta de higiene, a alimentação muitas vezes deteriorada, a violência das torturas, dos espancamentos e enclausuramentos em celas de castigo, das agressões, atentados sexuais, homicídios brutais.[7].

    As instituições prisionais são comumente dominadas por facções criminosas, que impõem nas cadeias o seu reino de terror, às vezes com a cumplicidade do Poder Público. Faltam assistência judiciária adequada aos presos, acesso à educação, à saúde, à seguridade social e ao trabalho. O controle estatal sobre o cumprimento das penas deixa muito a desejar e não é incomum que se encontrem, em mutirões carcerários, presos que já deveriam ter sido soltos há anos. Há mulheres em celas masculinas e outras que são obrigadas a dar à luz algemadas.

    No estudo do Estado de Coisas Inconstitucional, oriundo da Corte Constitucional da Colômbia, verificou-se que o instituto consiste numa declaração por uma Corte Constitucional, de um quadro intolerável de massiva violação de direitos fundamentais, que decorre de uma série de atos (comissivos e/ou omissivos), praticados por distintas autoridades públicas e que é agravado pela inércia continuada dessas mesmas autoridades, de modo que apenas transformações estruturais da atuação dos poderes públicos podem modificar a situação inconstitucional originada.

    As violações de direitos humanos ocorrem diuturnamente no interior dos presídios brasileiros e a precariedade do sistema prisional brasileiro se amolda ao Estado de Coisa Inconstitucional e constitui um dos maiores problemas do país ao longo de sua história. Entretanto mesmo após o reconhecimento de tal status na ADPF 347 pelo STF muito pouco têm sido feito pelo Estado para melhoria das condições mínimas de dignidade dos presos nas penitenciárias.

    4 Descumprimento da Constituição e Legislação Infraconstitucional

    Para Sarmento[8], o atual cenário desalentador não poderia ser mais incompatível com a Constituição de 1988. Afinal, a Lei Fundamental consagra o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), veda a tortura e o tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III), proíbe as sanções cruéis (art. 5º, XLVII, e), impõe o cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e sexo do apenado (art. 5º, XLVIII) e assegura aos presos o respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX).

    A situação também viola gravemente a Lei de Execução Penal, de 1984, assim como diversos tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo país, como o Pacto dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Além disso o art. 5°, §2° contém uma cláusula aberta de outros direitos e garantias "decorrentes do regime de princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais do qual o Brasil seja signatário. O Brasil, aliás, já foi condenado várias vezes pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por conta da situação de suas prisões.

    Nessa perspectiva o marco significativo no ordenamento jurídico brasileiro de relevância aos direitos humanos se deu com a promulgação da constituição de 88, marcadamente humana e protetiva erigiu a dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos humanos como princípios fundamentais da república federativa do Brasil. Esses novos princípios jurídicos conferem um suporte axiológico a todo o sistema normativo brasileiro que devem ser levados em consideração ao interpretar a constituição.

    Sarmento ainda menciona que, não faltam normas jurídicas garantindo o respeito aos direitos humanos dos nossos presos. O que tem faltado ao Estado brasileiro, nos seus diversos poderes e instâncias federativas, é a mínima vontade política para transpor do papel para a realidade a promessa constitucional de garantia da dignidade humana do preso. É que os presos constituem um grupo particularmente impopular na sociedade brasileira, o que desestimula o sistema político e a burocracia estatal a levarem a sério os seus direitos.

    O Estado tem o dever de assegurar os direitos instituídos pela Lei de Execução Penal, com vistas à superação do quadro de violação de direitos e degradação da dignidade da vida. O sistema prisional precisa garantir condições que assegurem a dignidade da pessoa humana. O papel do Estado na consecução dos seus fins é obedecer ao cumprimento do Estado Democrático de Direito e ser responsabilizado quando da violação aos direitos dos custodiados. É necessário refletir as condições atuais de cárcere e o descumprimento pelo estado das suas obrigações mais primárias que é garantir a sobrevivência e condições dignas aos seus cidadãos.

    5 Descumprimentos de Tratados internacionais de Proteção dos direitos Humanos que o Brasil é parte e aplicação do controle de convencionalidade

    O Brasil age na contramão dos tratados ratificados, uma vez que, além das mudanças no ordenamento para maior proteção aos direitos humanos, sobretudo após a Emenda Constitucional 45, ratificou a maiorias dos tratados do mesmo tema. Contudo continua sendo considerado um dos maiores violadores dos Direitos Humanos pelas organizações internacionais, contrariando comandos constitucionais.

    Nesse sentido, praticamente todos os tratados internacionais significativos de proteção aos direitos humanos já foram ratificados pelo Brasil. Além da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) são alguns deles: a) Convenção para a Prevenção e a Repressão ao Crime de Genocídio (1948); b) Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966); c) Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial(1965); d) Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (1984). No âmbito regional: a) Convenção Americana de Direitos Humanos (1969); b) Convenção Interamericana para prevenir, punir a tortura (1985); c) Protocolo a Convenção Americana sobre direitos humanos referente a abolição da pena de morte (1990).

    Esses são apenas alguns dos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pelo Brasil. Os operadores do direito, portanto têm um amplo arcabouço normativo para aplicação das normas protetivas, respaldados pela constituição brasileira que faz previsão de adoção dos tratados internacionais de direitos humanos.

    Art. § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

    § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

    As normas internacionais de proteção aos direitos humanos devem ser observadas de boa-fé, considerando a regra secular do pacta sunt servanda, que a convenção de Viena sobre o direito dos tratados (1969) disciplinou em seu artigo 26: todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé. Esse é considerado o princípio mais importante do direito internacional público na atualidade. O respeito dos Estados aos tratados configura a base necessária para a pacificação mundial e para a organização política e internacional do planeta. Além do art. 26, o art. 27 da Convenção de Viena menciona que "uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Segundo Mazzuoli:

    O descumprimento do tratado acarreta a responsabilidade internacional do Estado infrator, dando causa a possibilidade de ação, especialmente perante o sistema interamericano de direitos humanos.(…). O fundamento, porém, da responsabilidade internacional do Estado é sempre o mesmo: violação de norma internacional que o Estado parte se comprometeu a observar e cumprir.[9]

    A Suprema Corte tem validado as normas de direito internacional no ordenamento brasileiro e nesse sentido tem-se uma corrente mais conservadora e outra mais progressista. Com a Emenda Constitucional 45 que deu status constitucional aos tratados de direitos humanos o ministro Gilmar mendes defendeu que aqueles tratados aprovados pelo quórum previsto no parágrafo 3° teriam status constitucional. Já aquelas não aprovados pelo quórum teriam status supralegal. Por outro lado, Celso de Mello argumentou, por força dos § 1º e §2º também do art. 5º, da CRFB, os tratados internacionais que versassem sobre direitos e garantias fundamentais (Direitos Humanos) possuem status máximo no ordenamento pátrio, ou seja, de norma constitucional. Nesse sentido é também o que afirma Mazzuoli:

    A cláusula aberta do § 2° do art. 5° da Carta de 88, sempre admitiu o ingresso dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos no mesmo grau hierárquico de normas constitucionais, e não em outro âmbito de hierarquia normativa. Portanto, segundo sempre defendemos, o fato de esses direitos se encontrarem em tratados internacionais jamais impediu a sua caracterização como direitos de status constitucional."[10]

    No atual desenvolvimento da humanidade não faz sentido interpretação de normas que representem retrocesso em direitos humanos. Há constitucionalistas que relatam que esse tipo de interpretação é vedado inclusive pelo poder constituinte originário, considerando o desenvolvimento da civilização. Embora tenha-se um ordenamento jurídico com uma grande regulamentação da proteção dos direitos humanos decorrentes da constituição cidadã, bem como um amplo arcabouço normativo de tratados internações de proteção de direitos humanos, o que se verifica é que no sistema carcerário de forma reiterada e reincidente o Estado Brasileiro é falho, omisso e negligente com a população carcerária. Há um paradoxo, pois, ao mesmo tempo que é parte de inúmeros instrumentos de proteção de direitos humanos, o Brasil o descumpre de forma despudorada. Reconhecer direitos no plano internacional e frustrar-lhes a eficácia no plano interno representa não só uma incoerência político‐jurídica, mas sobretudo uma afronta à própria Constituição.

    Entretanto, não obstante o Brasil ter assinado diversos tratados internacionais inerentes aos Direitos Humanos, com a finalidade essencial de garantir o respeito e a dignidade à pessoa humana, inclusive à pessoa do preso, de forma que seja ressocializado e, assim, retorne à sociedade, o que se percebe é o descumprimento das normas mais básicas de assistência para que tal fim seja alcançado. De forma significativa, o Comitê de Direitos Humanos também enfatizou que a obrigação de se tratar pessoas encarceradas com dignidade e humanidade é uma norma substancial e fundamental, aplicada universalmente, independente dos recursos materiais do Estado em questão.

    Apresenta-se uma nova era de direito e justiça e para isso é necessário que o operador do direito contemporâneo tenha conhecimento para a aplicação do controle de convencionalidade, fazendo um diálogo das fontes normativas e aplicando as normas mais favoráveis ao princípio pro homine, observando dessa forma a proteção absoluta das condições mínimas de uma vida digna para qualquer indivíduo, independente da sua condição.

    6 Sanções ao Estado Brasileiro pelo Descumprimento dos Direitos Humanos

    Não resta dúvida de que o Brasil é contumaz na afronta às convenções e aos tratados internacionais sobre proteção aos Direitos Humanos, em especial no que se refere à tortura presente nos presídios brasileiros. Desse modo, a Organização dos Estados Americanos (OEA) obriga seus signatários a adotarem medidas para prevenir e punir outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes. Contudo como forma de demonstrar que está no caminho para cumprimento dos princípios constitucionais de proteção internacional dos Direitos Humanos, o Estado brasileiro reconheceu a competência jurisdicional da Corte Interamericana em dezembro de 1998, por meio do Decreto Legislativo n.89, de 3 de dezembro de 1998.

    O Estado, ao assumir compromissos internacionais, traz para si a obrigação de respeitar esses direitos e garanti-los a todo jurisdicionado. Essa postura, sem dúvida, concede um espectro maior de proteção, conferindo mais segurança aos indivíduos e fortalecendo o compromisso firmado entre os Estados em prol da proteção dos direitos humanos. O Estado precisa ser responsabilizado pela obrigação de realizar medidas efetivas e responsáveis de redução do encarceramento massivo e da superpopulação carcerária, de combate à tortura e de garantia da dignidade humana das pessoas privadas de liberdade no país, sendo que nos últimos anos foram vários os reincidentes massacres[11] nas prisões brasileiras. Nesse sentido, não há outra maneira senão buscar meios eficazes a fim de que o Estado Brasileiro diminua as violações dos direitos humanos no sistema carcerário, que seja aplicando sanções internacionais.

    O mecanismo de medidas cautelares, previsto no artigo 25 do Regulamento da CIDH, é manejado em situações de gravidade e urgência, quando a Comissão Interamericana, por iniciativa própria ou a pedido, requer que o Estado adote medidas cautelares para prevenir danos irreparáveis às pessoas ou ao objeto do processo. A Comissão pode solicitar medidas cautelares independentemente de qualquer petição ou caso pendente (Art. 25.2 Regulamento da CIDH).

    Com a abordagem do grande número de casos de violações de direitos nos presídios brasileiros já levados ao Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, e por meio do apontamento das diversas medidas cautelares e provisórias já emitidas pelos órgãos componentes desse sistema em desfavor do Brasil, restou evidenciada a manifesta incapacidade do Estado brasileiro para lidar com a precariedade de seu sistema prisional e para pôr um fim às massivas e sistemáticas violações de direitos que historicamente vêm ocorrendo no âmbito dos presídios do país.

    Dessa forma, surge como legítimo interesse da comunidade internacional a proteção dos direitos humanos, objeto do Direito Internacional dos Direitos Humanos, ao se reconhecer que todo ser humano é portador de dignidade e merecedor de respeito, e que, portanto, tais direitos não podem depender ou ficar à mercê exclusivamente da vontade soberana dos Estados, sujeitos esses que são agora considerados como integrantes iguais de uma comunidade que vai além das fronteiras dos Estados, ou seja, como pertencentes à comunidade global de seres humanos. Para Louis Henkin:

    Esse Direito reflete a aceitação geral de que todo indivíduo deve ter direitos, os quais todos os Estados devem respeitar e proteger. Logo, a observância dos direitos humanos é não apenas um assunto de interesse particular do Estado (e relacionado à jurisdição doméstica), mas é matéria de interesse internacional e objeto próprio de regulação do Direito Internacional.)[12]

    O conceito pós-moderno de soberania mostra-se coerente com o constitucionalismo porque a soberania não pode mais ser pensada desvinculada deste, ou seja, a soberania do Estado é a soberania do povo. E para a efetividade do constitucionalismo, impõe-se a concretização dos direitos humanos e dos direitos constitucionais fundamentais. Nesta perspectiva a regra da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais, prevista no inciso II do art. 4º da Constituição de 1988, mais do que o engajamento do Brasil no processo de elaboração de normas do Direito Internacional dos Direito Humanos, implica na plena integração de tais regras na ordem jurídica interna brasileira

    No estatuto da Corte Internacional de Justiça, o costume é definido como uma "prática geral aceita como sendo o direito. Mazzuoli registra a formulação dada pelo América Law Institute, segundo a qual o direito consuetudinário internacional resulta de uma "prática geral e consistente por parte dos Estados seguida por eles como consequência de entende-la como uma obrigação legal., menciona ainda o autor:

    (…) dois são os elementos necessários a formação dos costumes internacionais, um de natureza material ou objetiva, consistente na repetição generalizada e uniforme de certos atos praticados pelos sujeitos de Direito internacional, e outro de natureza subjetiva, pertinente à crença prematura dos atores da sociedade internacional de que aquilo que se pratica reiteradamente se estima obrigatório pelo fato de ser justo e pertencente ao universo do Direito."[13]

    Para Sergio Gardenghi Suiama[14] a relevância dos tratados internacionais de Direitos Humanos como fonte de obrigações dirigidas aos sistemas nacionais de justiça criminal por um lado impõem aos Estados signatários o cumprimento de obrigações específicas fundadas no princípio amplamente aceito do pacta sunt servanda; e, por outro, contribuem para o processo de estabilização do costume internacional na matéria, ajudando a precisar a norma cogente aplicável a toda comunidade internacional, e não apenas às partes signatárias.

    Os órgãos da ONU que atuam nesse sentido ainda enfrentam sérias limitações, jurídicas e operacionais, que os relegam a uma atuação tímida e subsidiária aos mecanismos nacionais de defesa de direitos, afirma Bobbio:

    […] só será possível falar legitimamente de tutela internacional dos direitos do homem quando uma jurisdição internacional conseguir impor‐se e superpor‐se às jurisdições nacionais, e quando se realizar a passagem da garantia dentro do Estado ‐ que é ainda a característica predominante da atual fase ‐ para a garantia contra o Estado.[15]

    7 Direito ao Cumprimento da pena pelo acusado e respectiva ressocialização

    Na pós-modernidade, o fundamento tanto do direito nacional quanto internacional passa a ser a dignidade da pessoa humana, fundamento e fim último de

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