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Um mundo desejado pelos céus: Desejado pelos Céus, #1
Um mundo desejado pelos céus: Desejado pelos Céus, #1
Um mundo desejado pelos céus: Desejado pelos Céus, #1
Ebook294 pages4 hours

Um mundo desejado pelos céus: Desejado pelos Céus, #1

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Vencedor do Catholic Arts and Letters Awards em 2016!

Amara McKirnan e Nathan Simmons são católicos devotos, mas suas lealdades são de lados opostos na Guerra Civil Americana. Apoiando a causa dos Confederados, Amara se oferece para ajudar no hospital provisório do tio em Atlanta. O destino traz Nathan à porta deles e para a vida de Amara. O que ela não sabia era que o soldado ferido que cuidou esconde um segredo que, não vai somente pôr em perigo a própria vida, mas como também a de Amara. De uma Atlanta devastada pela guerra, passando pelos campos de guerra ao norte da Georgia até as planícies do leste do Texas, as vidas dos dois se tornam entrelaçadas de tal forma que se chocam com os mundos separados que viviam. 
 

LanguagePortuguês
PublisherBadPress
Release dateNov 14, 2020
ISBN9781071574881
Um mundo desejado pelos céus: Desejado pelos Céus, #1

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    Book preview

    Um mundo desejado pelos céus - Amanda Lauer

    Sumário

    Capítulo I

    Capítulo II

    Capítulo III

    Capítulo IV

    Capítulo V

    Capítulo VI

    Capítulo VII

    Capítulo VIII

    Capítulo IX

    Capítulo X

    Capítulo XI

    Capítulo XII

    Capítulo XIII

    Capítulo XIV

    Capítulo XV

    Capítulo XVI

    Capítulo XVII

    Capítulo XVIII

    Capítulo XIX

    Capítulo XX

    Capítulo XXI

    Capítulo XXII

    Capítulo XXIII

    Capítulo XXIV

    Capítulo XXV

    Capítulo XXVI

    Capítulo XXVII

    Capítulo XXVIII

    Capítulo XXIX

    Capítulo XXX

    Capítulo XXXI

    EPÍLOGO

    Para John

    Meu primeiro, meu último, meu tudo

    Capítulo I

    30 de maio de 1864

    Atlanta, Georgia

    Ela não estava completamente preparada para o que olhos viram enquanto permanecia parada na entrada do grande salão. Os catres ocupavam cada canto do espaço que antes foi um imponente salão de festas. Correndo os olhos de ponta a ponta, a névoa surreal em que estava vivendo nos últimos três anos se dissipou como se puxasse uma cortina fina de uma janela. Os oficiais miseráveis que estavam em cima das camas provisórias tornaram-se muito reais para ela — não eram mais apenas almas sussurradas discretamente por trás das sombrinhas seguradas pelos dedos das damas refinadas de Atlanta.  

    Amara esteve naquele salão muitas vezes no passado, mas em circunstâncias bem diferentes. Ela conseguia se recordar de um incidente ocorrido na infância do lugar onde estava parada. Depois de subir as escadas em espiral na ponta dos pés até a entrada, espiou por entre as largas portas duplas para ver os diversos casais rodopiando pelo reluzente chão de madeira em uma perfeita sincronia. Enquanto a pequena orquestra tocava uma valsa, um casal em particular se destacava. O nobre cavalheiro tomava o espaço com elegância com uma senhora encantadora nos braços, ao passo que ela se ocultava em um belo vestido azul-marinho que realçava sua silhueta esbelta. O casal não tirava os olhos um do outro, totalmente alheios ao escrutínio carinhoso da filha.

    ––––––––

    Essa era uma das muitas memórias guardadas no fundo da consciência de Amara. Fragmentos mais recentes e menos alegres tomaram conta de suas lembranças até o ponto em que ela se perguntava se os dias felizes realmente existiram. Como se obedecesse a um comando, a recordação mais recente da mãe veio aos seus pensamentos — viu-a definhar por muitos meses enquanto a tísica sugava-lhe a vida. Embora já se tenham se passado quatro anos, as sensações de impotência e abandono ainda eram tão reais que a cena poderia ter ocorrido no dia anterior. Balançando a cabeça, Amara se concentrou na cena à frente, e percebeu que o que viu nos últimos dias de vida da mãe não era nada em comparação com o que observava naquele instante.

    — Esses são os sortudos — comentou o oficial depois de pigarrear para chamar a atenção de Amara. —, esses rapazes são os que possuem chances de sobreviver.

    Ele pausou para retirar a boina e segurá-la perto do coração.

    — Se for da vontade de Deus, eles viverão para se juntarem as suas unidades Confederadas[1]. O destino dos soldados nas salas do andar de baixo, não vou mentir para você, senhorita, é horrível. Eu posso lhe mostrar o andar de baixo quando tiver alguns minutos.

    Amara balançou a cabeça em negativa. Era tudo demais para aguentar de uma vez só, pois ela já estava fazendo um grande esforço para domar a vontade de segurar as saias e disparar escada abaixo até a porta por onde entrou minutos antes. Onde eu vim parar?

    — Não, obrigada, senhor, mas agradeço a sua gentileza. Tenho certeza de que verei tudo no tempo certo.  

    O oficial recolocou a boina e continuou a andar pela sala. Amara o seguia de perto logo atrás dele. Ela tentava manter os olhos em foco atrás dos ombros do oficial em direção ao crucifixo pendurado na parede ao fundo, porém não conseguia evitar olhar ao redor enquanto atravessavam a sala.

    Ave Maria, cheia de graça... Havia soldados enfaixados em bandagens ensanguentadas. O Senhor é convosco... Alguns tinham ferimentos na cabeça e muitos estavam com os ossos quebrados em talas. Bendita sois Vós entre as mulheres... A bílis subiu por sua garganta pela visão medonha dos cotocos em carne viva dos membros amputados. Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus... Se a visão dos feridos já era ruim, o fedor era insuportável. Santa Maria Mãe de Deus, rogai por nós pecadores... Amara puxou o lenço da manga com fragrância de lavanda e colocou-o no nariz. O odor que tragava a sala deixou-a engasgada, mas o seu guia não percebeu. Agora e na hora de nossa morte, amém. Amém.

    Por ter passados tantos dias ociosos quando criança ajudando o tio William no consultório no andar inferior, Amara pensou que auxiliá-lo na enfermaria seria uma tarefa simples. Mas cortar e dobrar bandagens e colocar nas prateleiras informações de curas medicinais não a preparou para a visão macabra que encontrou.

    O oficial parou para fitar Amara e um olhar de preocupação cruzou o seu rosto. Naquele momento um de gemido baixo veio de um homem deitado em um catre perto de onde eles estavam. O oficial se aproximou e gentilmente puxou o lençol que cobria a metade do tronco. O braço estava muito machucado e o osso superior estava em ângulo esquisito.  

    Os olhos de Amara se arregalaram pela visão, e ela sentiu a cor subindo pelo rosto — se era vermelho ou verde não podia dizer. 

    — Bem, vamos colocar esse osso no lugar assim que o seu número for chamado, soldado — assegurou o oficial.  

    O homem deu um leve aceno de agradecimentos, mordendo o lábio para abafar os gemidos de dor que ameaçavam escapar da garganta novamente.

    Amara não conseguia tirar os olhos da cena funesta. Devagar, ela se afastou do soldado ferido e a alma quase saiu do corpo quando uma mão segurou o seu cotovelo e a virou. Reconhecendo o homem por trás dos óculos de aro coruja, os joelhos de Amara quase cederam de alívio.

    — Tio William!

    O homem afrouxou o aperto no cotovelo de Amara e deu-lhe um sorriso cansado, mas conteve-se em abraçá-la, o que era o seu cumprimento habitual para sua única sobrinha.  Amara achou um pouco esquisito, até ela encarar a camisa do tio encharcada de sangue.  

    — Amara, querida — disse ele — Muito bom vê-la.

    Amara levantou a cabeça e gaguejou:

    — Fico feliz também em vê-lo, senhor.

    Com um aceno de cabeça e um rápido agradecimento, o médico mandou o oficial para o andar de baixo para buscar uma maca. Em seguida, ele deu total atenção para Amara.

    — Você me parece bem, querida — disse olhando-a de cima para baixo — Está emagrecendo, mas é de se esperar nesses tempos.

    — Você parece bem, tio William — responde ela de forma automática, concentrando-se no rosto dele e não na vestimenta suja de sangue.

    Na verdade, ele parecia ser um homem dez anos mais velho do que o William Burgess que ela viu não tinha ao menos cinco meses antes. Ele era um homem robusto, e mesmo que sempre tenha sido baixo, parecia que havia encolhido alguns centímetros pelos ombros estarem encurvados para frente — provavelmente por se inclinar dia e noite cuidando dos pacientes, deduziu Amara. A barba fina estava agora grisalha e as linhas de expressão da testa estavam mais visíveis.

    Consciente do escrutínio dela, o médico fitou a própria camisa e desenrolou as mangas para parecer mais apresentável.

    — Desculpe por isso, Amara. Eu esqueci que você estaria aqui pela manhã.

    Colocando a camisa por debaixo da calça, ele a olhou por cima dos óculos.

    — Não é exatamente o que imaginou quando se ofereceu para ajudar, não é?

    Balançando a cabeça, Amara retorquiu:

    — Não tenho certeza se é possível preparar qualquer pessoa para isso, sendo honesta com o senhor.

    Após respirar fundo, ela endireitou os ombros e olhou o cavalheiro gentil à sua frente direto nos olhos.

    — Tio William, eu não sei que tipo de ajuda eu possa oferecer, mas tenha ciência que eu tenho a intenção de manter a minha palavra e ajudá-lo com minhas melhores habilidades. Meu pai tem poucos clientes na loja a cada dia que passa, e não tolero ocupar o meu tempo com trabalhos inúteis quando sei que o senhor precisa de ajuda urgente por aqui.

    — Compreendo — respondeu ele passando uma mão nas costeletas de forma distraída enquanto avaliava a sobrinha com um novo senso de admiração.

    Então ele cruzou os braços e se dirigiu à sobrinha em tom de advertência:

    — Entretanto, mocinha, se você propõe se colocar sobre minha responsabilidade, você deve dispensar as formalidades. Doc é o apelido para todos os médicos nas linhas de frente. Se você me chamar de William, a equipe não vai saber a quem você está se referindo.

    — Sim, senhor — respondeu Amara.

    — Amara...

    — Quero dizer Doc, senhor, hã, Doc — acrescentou ganhando a aprovação dele.

    Antes de continuar, ele acenou para duas mulheres vestidas de forma similar e simples que cuidavam de dois pacientes do outro lado do salão.

    — Como pode ver, temos mulheres mais velhas aqui oferecendo serviços qualificados de enfermagem. O que podemos aproveitar de você é demonstrar compaixão pelos soldados. Oferecer uma palavra de encorajamento, ler alguns versos da bíblia, escrever cartas para seus entes queridos...

    A voz dele diminuiu enquanto procurava um sinal de entendimento da sobrinha.

    — Eu posso fazer isso — Amara se prontificou acenando em afirmação com alívio.

    — Muito bem. Ali naquela gaveta de cima você vai encontrar papéis timbrados, canetas tinteiros e uma bíblia — continuou ele apontando para um gaveteiro em um canto do salão.

    — Obrigado novamente por sua ajuda — Doc falou —, dê um olá para a sua família por mim. Deus sabe quando terei tempo livre para passar por lá visitá-los formalmente de novo.

    Ele pegou uma folha de papel do pé de uma cama vazia.

    — Devo continuar minhas rondas. Se você tiver qualquer dúvida, você pode perguntar para uma das mulheres da ala.

    Com um rápido aceno, ele se retirou, deixando Amara à vontade.

    Com escrúpulos, ela atravessou as fileiras desiguais de camas até o gaveteiro, juntando tudo o que precisaria. Olhando ao redor, ela decidiu o que faria. Vou começar no fundo do salão e seguirei por entre os soldados que estavam acordados e coerentes.

    Tímida, ela se aproximou para o catre mais próximo onde um soldado, que não parecia ser mais velho do que os dezessete anos de Amara, estava deitado com o rosto virado para a parede.

    — Senhor, posso ajudá-lo com alguma coisa?

    O rapaz virou a cabeça em direção a Amara. Ela se assustou quando viu que os olhos dele estavam completamente cobertos com bandagens.

    — Senhorita, eu não consigo vê-la, mas você tem a voz de um anjo. Estou vivo ou morto?

    — Você está bem vivinho até onde posso ver — Amara respondeu tentando o melhor para soar alegre.

    — Droga. Por uns instantes pensei que eu tinha enganado São Pedro e passado pelos Portões de Pérolas — disse com desânimo —, se eu estou vivo, então significa que eu realmente não posso enxergar. Eu tava esperando que tudo fosse só um sonho ruim, e que eu acordaria encarando o bichano feio do meu colega de quarto. Claro que isso por si só é um pesadelo.

    Ele riu. Amara admirava o senso de humor do rapaz, considerando as circunstâncias. Sorriu enquanto falava:

    — Pode me dizer seu nome?

    — Meu nome é Bartholomew, mas meus amigos me chamam de Bubba.

    — Então o chamarei de Bubba — respondeu ela —, meu nome é Amara McKirnan. Eu sou voluntária aqui no hospital.

    — Hospital? — Bubba perguntou —, humm... o que cê sabe? Eu só me lembro de estar saindo de um buraco em Pumpkin Vine Creek. Vi alguns Ianques passando entre as árvores; tinha um na minha mira e levei um golpe e um tiro, cai de costas e meus olhos pareciam em chamas.  Depois só me lembro de estar aqui. Onde aqui é?

    — Atlanta. Aqui é a casa do meu tio. Foi transformada em um hospital dos Confederados como a maioria das residências em Capital Square.

    — Atlanta? — Bubba retrucou incrédulo —, sempre ouvi que aqui é uma cidade legal. Esperava marchar aqui qualquer dia na frente do exército de Lee. Do jeito que as coisas estão hoje, não parece que eu ou o Lee tão cedo veremos a cidade.

    — Não vamos falar dessas coisas agora, tudo bem? — Amara disse na esperança para mudar o curso da conversa —, o que acha de eu escrever uma carta para sua mãe? Tenho certeza de que ela está preocupada contigo.

    — Ela não lê muito bem — confessou —, mas talvez um dos vizinhos possa ajudar a decifrar. Sei que ela está morrendo de preocupação. Mamãe tem cuidado da fazenda desde quando pai morreu e eu e meu irmão saímos para brigar na guerra. Pensei que eu voltaria como herói e cuidaria dela depois de bater nos Ianques.

    Um suspiro escapou antes dele continuar:

    — Parece que eu vou ser mais como um fardo do que ajuda para ela quando eu finalmente voltar.

    — Bem, apenas escreva e diga ela o que sofreu e que está vivo — Amara afirmou com convicção.

    Dali em diante Amara fez o caminho em sentido anti-horário pelo salão. Um número considerável de pacientes não estava em condições de conversar, então ela desviou daqueles catres. Vários dos soldados que encontrou estavam ansiosos para enviar correspondências para casa, alguns ansiavam em ouvir passagens bíblicas, e outros apenas queriam ouvir uma voz reconfortante, dizendo a eles que tudo ficaria bem. Amara não tinha certeza se tudo ficaria bem para todos os soldados, mas ela manteve uma conduta positiva ao longo do dia, e os confortava da maneira que pudesse.

    Enquanto Amara se aproximava da última cama, já estava exausta das tarefas. Os ombros doíam por ser inclinar por cima de tantos catres, transpirava pelo calor, e a cabeça começava a latejar. Ela observou o último cavalheiro enquanto ele estava deitado encarando o teto. Os olhos pareciam intactos, todos os órgãos pareciam no lugar. Uma bandagem estava enrolada e bem apertada em torno da parte superior do peito nu, e com o conhecimento que Amara adquiriu nas últimas horas, ela concluiu que ele foi ferido por metralha — um tipo de munição com inúmeras balas de ferro disparadas por um canhão. Os dedos da mão direita do rapaz apertavam firmemente uma corrente dourada pendurada em seu pescoço.

    — Senhor — Amara o chamou enquanto se aproximava da cama —, gostaria de companhia por alguns minutos?

    O soldado ajustou rapidamente a corrente, colocou alguma coisa atrás do pescoço e em seguida, baixou o braço ao lado do corpo. Ele deu um olhar lacônico para Amara e depois desviou o rosto.

    Amara inclinou a cabeça esperando por uma resposta. Após alguns instantes, o soldado quebrou o silêncio desconfortável.

    — Não, obrigado, senhorita. Prefiro a minha própria companhia.

    Amara ficou um tanto quanto surpresa. "Que resposta estranha", pensou. A maioria dos soldados pareciam ansiosos por sua companhia. Muitos deles comentaram que ela era um deleite para os olhos; claro que ela sabia que era somente uma expressão, porque ainda tinha a concepção que ainda era a adolescente desengonçada, magra como um palito e portando uma cabeleira ruiva indomável. Sem perceber, ela colocou um cacho fora do lugar atrás da orelha, um hábito que tinha em uma situação embaraçosa. 

    Agarrando as saias para impedir que as mãos colocassem os cachos por trás da outra orelha, Amara deu uma rápida olhadela para o soldado, avaliando-o de cima a baixo. Mesmo deitado, pode perceber que ele era mais alto do que todos os cavalheiros que conhecia. Os cabelos escuros eram ondulados, e com as feições angulares e porte musculoso, ele era muito bonito. Tudo bem, ele era atraente, mas por experiência, Amara sabia que homens muito bonitos eram de forma inevitável os que tinham maiores egos.

    A moça não ia permitir que ele contasse vantagem. Com determinação em ganhar uma resposta positiva, Amara propôs:

    — Eu posso escrever uma carta para você. Não tem uma namorada que deixou para trás que está ansiosa pelo seu bem-estar?

    — Eu lhe asseguro, eu não tenho uma namorada sofrendo por mim — o rapaz respondeu de forma franca e direta.

    Crispando os lábios, Amara o encarou de mais de perto. A calça cinzenta do uniforme padronizado confirmava que ele era um soldado Confederado. Porém, ele de fato não tinha a fala arrastada dos sulistas que ela estava acostumada a ouvir. A arrogância dele era um sinal de que ele era um homem bem-educado — ela já conheceu homens desse tipo. A curiosidade a venceu e ela continuou o diálogo.

    — Posso indagar-lhe de onde é, senhor...?

    — É Cabo, senhorita. Cabo Nathan Michael Edward Simmons, Território do Norte do Texas.

    Texas? Isso poderia esclarecer muitas coisas. Enquanto oficialmente o Texas era um estado sulista por quase vinte anos, Amara tinha ouvido por aí que ainda havia selvagens no território. Isso explica o sotaque estranho e suas maneiras questionáveis, mas como ele conseguiu ser educado? Havia ao menos escolas naquela terra indomável?

    Para encerrar a conversa, Amara indagou:

    — Há alguma coisa que eu possa fazer por você, Cabo Simmons?

    — Agradeço sua disposição, mas você pode voltar às suas tarefas de se socializar com os outros soldados — o texano respondeu secamente —, tenho certeza de que há muitos homens aqui que ficariam felizes em conhecê-la. Enquanto a mim, estou perfeitamente bem sozinho.

    O sangue esquentou as bochechas de Amara. Precisou de um tempo para enunciar uma resposta, uma vez que a primeira coisa que veio à ponta da língua seria um comentário a respeito da criação duvidosa dele.

    — Como desejar — ela respondeu da mesma maneira e deu meia volta.

    Estou quase escrevendo uma carta para a mãe dele eu mesma. Um olhar de satisfação surgiu no rosto de Amara enquanto imaginava uma mulher sulista indignada marchando pela ala e arrastando o filho consternado pelas orelhas, e que os ferimentos que se danem.

    Com o queixo levantado, Amara   retornou até o gaveteiro para guardar a bíblia, papel e caneta antes de deixar a sala. Enquanto passava por entre os soldados, com graciosidade desejava melhoras e uma promessa de retornar no dia seguinte. Sem olhar para trás, atravessou a porta de entrada, e de forma silenciosa, fechou as elegantes portas entalhadas enquanto saía.  Ela pausou no topo das escadas para deliberar sobre o encontro desconcertante com o cabo.  Sempre dando a uma pessoa o benefício da dúvida, um pensamento veio à sua mente.

    Talvez ele tenha sofrido um golpe na cabeça e está agindo de forma contrário ao seu comportamento normal. É isso!

    Com uma nova excitação, ela prosseguiu até o tio William para dizer que um certo soldado no segundo andar precisava de exame meticuloso na cabeça imediatamente.

    Capítulo II

    Amara fez a sugestão para o tio, que estava escondido no escritório. Em seguida, prosseguiu para a porta de entrada da casa mantendo os olhos longe da sala de visitas que tinha sido transformada em uma ala para os feridos mais graves. Ela já tinha visto sangue o suficiente por um dia.  

    Perto da porta, o irmão James estava encostado preguiçosamente em uma das colunas da varanda. Amara se sobressaltou ao vê-lo com as muletas debaixo do braço e uma das pernas da calça vazia, com o tecido balançando de forma livre. ‘Talvez seja o destino por eu estar aqui no hospital ajudando outros soldados que sofreram tanto quanto James."

    Assumindo um semblante neutro, Amara saiu da casa para cumprimentar o irmão.

    — Olá, irmãzinha. Vejo que conseguiu passar pelo primeiro dia — James disse de forma afável.

    — Eu consegui, embora gostaria de dizer o mesmo para todos os homens que estão aqui. Realmente tem sido uma batalha pavorosa que eles estão empreendendo em Paulding County — Amara respondeu —, dizem que o General Johnson destroçou as tropas de Hooker, mas nós também tivemos nossas vítimas.  

    Enquanto James descia devagar as escadas, Amara permaneceu ao lado dele. Ela queria ficar a uma curta distância se ele tropeçasse, mas também desejava avaliar furtivamente a condições de James.

    Amara nunca tinha certeza em que estado encontraria James naquela hora do dia. Ele estava muito bem trajado, as palavras não saíam balbuciadas, e ele a esperou na hora marcada — tudo era um bom sinal. Porém, desde o dia em que foi trazido para casa do hospital militar na Carolina do Sul, James não tem sido mesmo. Ele sofria daquilo que tio William havia chamado de dor fantasma — a perna foi amputada, mas a dor

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