Coração do Sertão
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Em Coração do Sertão, uma coletânea de contos ambientados no sertão brasileiro, Mailson Ramos narra as aventuras amorosas de personagens verossímeis e apaixonantes. Traições, amores malfadados, finais felizes em histórias cativantes. O livro é também uma dedicatória ao povo simples do sertão. A fome e a desigualdade social ainda são estigmas fortes nesta região do país. Em relatos crus da realidade sertaneja e das reminiscências de infância, o autor resgata a essência da dor de um povo que está isolado do mundo, portanto, distante das benesses que o progresso pode lhe proporcionar. A obra ainda retrata o folclore, com humor e devoção.
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Coração do Sertão - Mailson Ramos
Coração do Sertão
Mailson Ramos
Copyright
© 2020 Mailson Ramos de Oliveira
Todos os direitos reservados.
Este ebook ou qualquer parte dele não pode
ser reproduzido ou usado de forma alguma sem
do autor ou editor, exceto pelo uso de citações
breves em uma resenha do ebook.
Capa: Mailson Ramos
Revisão: Lucca Fróes
Escreva para o autor:
E-mail: ramosunic@gmail.com
Sumário
APRESENTAÇÃO
CAPÍTULO I: Coração do Sertão
CAPÍTULO II: A Dona do Bordel
CAPÍTULO III: Casaca-de-Couro
CAPÍTULO IV: O Caçador de Lobisomem
CAPÍTULO V: Êxodo
CAPÍTULO VI: O Amor de Tereza
CAPÍTULO VII: O Mundo de Zé Menino
CAPÍTULO VIII: Mãe Sertaneja
CAPÍTULO IX: Jaguatirica
NOTA DO AUTOR
SOBRE O AUTOR
Ao povoado de Caruaru, o coração do meu sertão.
Quando subir no telhado, mais perto do céu, fala com Deus que o povo está passando fome. E indo embora do sertão
.
Zé Menino
A mãe apanhou o prato com devoção. Aparou com a mão o restante de farinha que sobrou e jogou na boca. Não comera nada naquela noite. Mais uma noite em que deixava para o rebento o pouco da comida que ainda restava em casa.
Mãe Sertaneja
Tomara que aconteça. Sou um sacerdote e a minha função também é torcer por um final feliz
.
Padre Aroldo
Tanto boi e o povo morrendo de fome!
Carlinhos
Apresentação
No mesmo caminho de Cartas Sertanejas, Coração do Sertão tem como cenário o sertão nordestino, as personagens icônicas desta região brasileira, as dificuldades, o isolamento, a falta de perspectivas de vida. Mas, em outro espectro, este livro fala das coisas do coração. Boa parte das histórias fala sobre amores malfadados, traições, duelos e finais felizes, para não dizerem que o autor não falou das flores. Fala também sobre o amor impossível, sobre as ansiedades da conquista e das paixões intensas.
O amor é a matéria fundamental da vida. Não é possível pensar em humanidade se pensar no amor, em suas diversas características. E o amor arrasta uma infinidade de outros sentimentos que são bases para a construção de narrativas de sucesso. A palavra sucesso aqui tem a ver com a satisfação do público e não com a notoriedade, embora, em algum momento, elas possam até andar juntas. Depois de Cartas Sertanejas, um sucesso junto ao público que leu, Coração do Sertão tem tudo para alcançar o mesmo patamar. Por que?
Porque desta vez, os fãs de romances podem se sentir representados ao ler alguns dos contos. Antecipo aqui a épica história de um homem que sequestra a noiva errada na porta da igreja, provocando uma confusão fenomenal, quando queria evitar o casamento da amada. Esta é, por si só, uma boa história de amor, marcada por uma ação destrambelhada, que no final acaba dando... Bom, só posso revelar até aqui.
Ou como a improvável história de um casal que é distanciado pelas famílias: o homem acaba se tornando padre e a mulher uma cafetina. Em A Dona do Bordel existem muitos motivos para se emocionar por conta de um amor impossível, cuja distância não está traçada no campo do espaço, mas no território das convenções sociais, das influências de poder e patriarcalismo.
Por outro lado, mostra o amor em essência na narrativa de Casaca-de-Couro. Esta é uma ave muito tradicional do sertão nordestino, com o seu canto forte e peculiar. Tem uma plumagem de cor forte, um marrom quase avermelhado e um topete que parece estar sempre pé quando ela canta. É um romance descritivo, sem diálogos e sobre a vida de uma ave que representa o sertão em todas as suas dificuldades.
Coração do Sertão é, antes de tudo, a continuação de um roteiro, para este autor, que ainda vai durar por muito tempo: escrever sobre o sertão nordestino, a sua gente, a sua cultura, fauna e flora. Escrever também sobre o amor, mesmo os malfadados. Criar pessoas, personalidades e destinos tão singulares quanto verossímeis. E dos folclóricos não se pode esquecer. Eles são os mais marcantes, aqueles que permanecem na mente do público por muito tempo. Desejo uma boa leitura!
Mailson Ramos
Coração do Sertão
Coração do Sertão era uma cidade pequena, perdida no meio das terras áridas do Rio Juruá, cujas águas haviam secado na primeira metade da década de 1970. Em suas margens arenosas, o que restava era uma gramínea seca que se vestia de verde com a chegada das chuvas de inverno. E árvores, crestadas pelo sol, com os troncos nus retorcidos e rachados, empilhavam-se como uma fogueira arrumada pelo próprio tempo. Pelo meio daquele cenário desolador passavam algumas estradas. Aqueles caminhos tortuosos e esburacados permaneciam meses sem ver o rastro de um pneu, abandonados ao sabor do vento que soprava a poeira de sua solidão pelos rincões da caatinga. As únicas engrenagens que rodavam sobre aquele chão vermelho eram os eixos de carroças velhas, arrastadas de um lado para o outro por animais de carga à procura de água. De longe se podia ouvir o sacolejar das estruturas despedaçadas, das vigas enferrujadas e das madeiras rachadas, empenadas para trás pelo peso dos toneis. Cobertos com uma manta de borracha, estes toneis carregavam uma água barrenta que servia para matar a sede de rebanhos esqueléticos e até mesmo para consumo humano. As carroças iam aos solavancos, passando sobre bicos de pedras, enfrentando camadas de areia e cortando os beirais dos barrancos. E as cercas esfarrapadas que limitavam aquelas estradas tinham arames enferrujados que não suportavam o peso de um anu. No meio daquela pasmaceira era só o seu canto que se ouvia. Os pássaros, em bandos barulhentos, faziam algazarra no meio de uma quixabeira, a única planta verde naquelas redondezas onde até os mandacarus e juazeiros começavam a secar. Entre grunhidos e sons de galhos secos quebrando, as aves construíam um ninho que era prenúncio de chuva. Mais adiante, um batalhão de formigas cortava a estrada carregando uma infinidade de pedaços de folhas verdes que encontraram por certo nos arredores de algum ribeirão. As plantas que nasciam ali serviam para as formigas e para meia dúzia de vacas magras que vagavam num pasto poeirento. Elas passavam o dia a ruminar, recostando-se de vez em quando nos troncos das baraúnas, para usufruir da sua sombra. E da estrada velha de cascalho dava para ver o rebanho, em triste estado, a andar com os seus ossos aparecendo sob o couro, à espera de uma chuva que nunca chegava. À certa altura, uma placa sinalizava que faltavam dois quilômetros para Coração do Sertão. Daquele ponto em diante as paisagens começaram a ficar ainda mais desoladas. As casas com paredes rachadas, tinham quintais vazios, com árvores frutíferas mortas, despidas e ressequidas sob o sol. Um umbuzeiro brigava contra o tempo, fazendo vingar galhos novos, com tenras folhas, que as cabras matreiras escalavam para devorar. E mais casas com paredes rachadas surgiam no horizonte daquele sertão, repletas em seu vazio de humanidade e silenciosas em seus vãos, que caiam aos pedaços. E as casas seguintes, sem paredes e sem telhado, apareciam em estruturas primárias, com os seus alicerces à mostra e o piso de chão batido, que há muito não via os pés descalços dos seus donos. Dali a poucos metros a primeira visão da cidade. As cores vivas de algumas casas tremiam sob o sol. Aliás, toda a cidade tremia. Esturricava. O vento quente que soprava daquela planície arrastava uma infinidade de folhas secas que já haviam viajado por toda a região em pertinazes redemoinhos. A primeira impressão sobre aquele lugar distante surgia em três palavras: poeira, sol e pobreza. As ruas estavam miseravelmente vazias, com exceção de um grupo de crianças que corria debaixo de uma algaroba, saltando sobre as folhas amarelas, às gargalhadas. Não se sabia do que sorriam. O restante era silêncio e calor numa manhã de ruas desertas. Mais adiante, uma as portas de uma mercearia se abriram. Ambrósio apareceu coçando a barba branca. Os cabelos ralos e esvoaçantes diante do vento. Vestia uma camisa branca de manga comprida, uma calça bege e arrastava uma sandália de couro remendada que não tinha mais cor. As mãos pousaram numa cesta, arrancando as cascas de cebolas brancas. Permaneceu por alguns minutos agachado, como estivesse fazendo preces