A Formação das Literaturas Africanas em Português
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Quando há várias nações, antigamente metrópole e colônias, usando a mesma língua, outros fatores devem ser usados para definir quais obras pertencem a uma nação. Além disso, é importante caracterizar o momento, durante o período de colonização, se houver, em que um determinado autor declara sua identidade como um distinto dos demais escritores da Metrópole, refletindo assim uma visão de mundo diferente.
Dois elementos, os itens lexicais locais e a tradição social, são assim tidos em conta como possíveis fatores definidores da nacionalidade, tendo como objeto de estudo as obras literárias do mundo da lusofonia. Mediante a descrição diacrônica das literaturas portuguesa e brasileira e de suas histórias sociais, constata-se que esses elementos foram utilizados como tais.
A África lusófona é então descrita; discute-se também a taxonomia adequada no que se refere à literatura ali produzida, a opção pela língua oficial e a africanidade e seus processos. A seguir, é feita uma coleção das tradições sociais e itens lexicais presentes nas literaturas de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé-Príncipe, incluindo a construção de glossários para todos os países exceto Angola, e sua discussão.
Uma vez que os itens lexicais locais e a tradição social estão presentes nas literaturas lusófonas nacionais, está provado que são verdadeiros fatores de nacionalização; portanto, a construção da literatura nacional tem agora pelo menos dois padrões objetivos.
Alamir Correa
Graduação em Letras pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (1978) e em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (1995), mestrado em Literatura pela Universidade de Brasília (1982) e doutorado em Literaturas Hispânicas - Indiana University Bloomington (1990). Professor Sênior de Teoria da Literatura e Literatura Brasileira da Universidade Estadual de Londrina. CV: http://lattes.cnpq.br/0870889505625113
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A Formação das Literaturas Africanas em Português - Alamir Correa
A FORMAÇÃO DAS LITERATURAS AFRICANAS EM PORTUGUÊS
Alamir Aquino Corrêa
2021
COPYRIGHT © 2021, Alamir Aquino Corrêa
Contato: alamir@uel.br
Ficha catalográfica
C824f Corrêa, Alamir Aquino, 1960-
A formação das literaturas africanas em português / Alamir Aquino Corrêa. -
Londrina : [o Autor], 2021.
212p.
Inclui índice.
ISBN 9781393252696
1. Literatura africana (Português)—História e crítica. 2. Literaturas em língua portuguesa - história e crítica. 3. Lusofonia
CDU 869.0996
SUMÁRIO
Introdução
Capítulo I - Conceito de Literatura Nacional
1.1 Historiografia, cânone e autoridade
1.2 A história do conceito de literatura nacional
1.3 Política e literatura nacional
1.4 Identidade e literatura nacional
1.5 A língua e a tradição social
Capítulo II - A Literatura Portuguesa
2.1 Ibéria, Hispânia, Portugal
2.2 Historiografia literária portuguesa
2.3 A língua portuguesa
2.4 A tradição social
Capítulo III - A Literatura Brasileira
3.1 As insurreições no Brasil Colonial
3.2 O romantismo e a brasilidade
3.3 O determinismo realista
3.4 O nacionalismo na contemporaneidade
3.5 Uma língua brasileira
3.6 Coisas e retratos do Brasil
Capítulo IV - A África Lusófona
4.1 Generalidades
4.2 Opção político-linguística
4.3 Africanidade
4.4 Um dilema taxionômico
4.5 Processos da africanidade
Capítulo V - A Literatura Moçambicana
5.1 Perfil histórico-literário
5.2 Tentativas de canonização
5.3 Moçambicanismos
Capítulo VI - As Literaturas Bilíngues:
Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe
6.1 A expressão em crioulo
6.2 A literatura de Cabo Verde
6.3 A literatura da Guiné-Bissau
6.4 A literatura de São Tomé e Príncipe
Capítulo VII A Literatura Angolana
7.1 A história literária
7.2 Os canonizadores
7.3 Mulemba ou mulembeira?
7.4 Sou escritor de mulala na mbunda
Conclusão
Obras citadas
Anexo 1
Glossário de Moçambique
Anexo 2
Glossário de Cabo Verde
Anexo 3
Glossário da Guiné-Bissau
Anexo 4
Glossário de São Tomé e Príncipe
Apresentação
Este texto foi apresentado, com o título A formação das literaturas nacionais lusófonas em África
, como tese doutoral à Indiana University, em 26 de novembro de 1990, aos membros do comitê doutoral, Luís Dávila, John Dyson, Russel Salmon e Patrick O’Meara, sob a presidência de meu orientador, Heitor Martins, a quem agradeço especialmente pela amizade e pelo norteamento acadêmico desde sempre.
Contribuíram para os estudos doutorais e para a escrita da tese, as seguintes instituições acadêmicas ou de fomento à pesquisa: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Centro de Ensino Unificado de Brasília (hoje Uniceub), Indiana University (Departamento de Espanhol e Português, Programa de Estudos Africanos, Escritório de Serviços Internacionais), Coordenação Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) e Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Registro meus agradecimentos a Agapito Rey, Alberto Péres, Wagner Pimenta, Margarida Patriota, Henrique Ávila, Ivone Dias Ayres, Ronaldo Barbieri e às Irmãs Donald, por terem, a seu tempo, oportunidade e condição, contribuído para a realização deste programa de estudos.
Ao longo do curso doutoral, tive a honra de interagir com os professores Darlene Sadlier, Vítor Manuel de Aguiar e Silva, Gwedollen Carter, Emile Snyder, Sam Waweru, Roy Sieber e Patrick McNaughton. Durante a escrita da tese, dialoguei com Russel Hamilton, Gerald Moser, Manuel Ferreira, Pires Laranjeira, Phyllis Reisman e Lourenço Rosário, a quem agradeço as críticas, as informaçöes, os comentários e, principalmente, pelo seu trabalho acerca da lusofonia africana.
Já se passaram trinta anos, ou seja, o texto reflete o estado da arte e das literaturas lusófonas em 1990. Na presente edição, fiz ligeiras alterações de linguagem e de formatação, suprimi as tabelas com os dados dos glossários, mas o escopo do texto original está preservado.
Desde então, a crítica literária tem enfatizado o multiculturalismo e o transnacionalismo; entretanto, as escolas continuam a ensinar as literaturas nacionais. Há concursos literários a identificar os bons escritores pertencentes a cada cidade, região ou país; mesmo os concursos internacionais no mundo de língua portuguesa reservam lugares de representatividade nacional ou continental. A lusofonia, especialmente pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, torna-se a cada dia um processo de interação e de reconhecimento de espaços particulares e também comunitários.
Ao se observar o estado da arte a crescer principalmente nas universidades, não há dúvida do largo crescimento da quantidade de estudos de largo fôlego e de variada compreensão das diferentes manifestações da lusofonia africana. Também é necessário reconhecer que os dicionários digitais e os mecanismos de busca facilitam muito a compreensão das diferenças locais, com particular atenção a grupos de discussão sobre léxico e de experiências de vida no tocante ao uso da língua portuguesa. Desnecessário dizer do crescimento da produção literária e técnica das nações africanas lusófonas, cada vez mais vocalizando suas identidades e assumindo o diálogo cultural entre as diferentes nações como forma de expansão de horizontes e de experiências individuais e coletivas. Assim, esse pequeno registro, por essa edição, talvez possa provocar a continuidade da discussão sobre nossas identidades. Ao fim e ao cabo, nossa pátria é a nossa língua.
Londrina, janeiro de 2021
Introdução
O vocábulo formação
pode ser entendido de duas maneiras: (a) a criação de um sistema orgânico que conjugue autor-obra-público e (b) o surgimento de um conjunto de obras específico. Toma-se aqui a segunda possibilidade. O objeto primário, pois, deste estudo é caracterizar o processo por meio do qual se formam novas literaturas nacionais lusófonas. A questão adjacente é, em decorrência, a caracterização de uma literatura nacional.
Este conceito não está ainda definido em forma plena por críticos e historiadores literários. Embora tenha sido estudado ou contemplado, praticamente, por todas as correntes críticas, há variáveis ainda não delimitadas. Ainda, o termo literatura nacional tem estreita relação com o fato político; ocorre haver um complicador, pois a literatura normalmente tem concorrido para a efetivação daquele ou dele faz reflexo. O primeiro capítulo trata da discussão sobre os aspectos teóricos e as diferentes proposições sobre o conceito efetuadas pela crítica. Assim, é necessário fazer uma contextualização dos problemas de qualificação da literatura nacional, levantando-se possíveis variáveis, bem como recuperando historiograficamente fatos comuns relativos a um possível conceito de literatura nacional
A partir da verificação de elementos comuns usados no processo de canonização de uma literatura nacional, far-se-á, no contexto geral do mundo de língua portuguesa, a observação se contribuíram para o processo de diferenciação, portanto de criação de identidade, da literatura portuguesa no contexto hispânico. Para tanto, no segundo capítulo, serão usados não só os textos, mas fundamentalmente as histórias literárias, ou seja, procurando identificar quais elementos comuns são utilizados, tanto pela crítica quanto pela história literária, para a caracterização do cânone literário português. Além disto, tendo em vista o todo ibérico, a língua, item mais que identificador de uma obra, passou por um processo político semelhante de defesa e coesão nacional, quando se toma consciência de que houve momentos de dominação castelhana sobre Portugal e, ainda assim, a língua se manteve como fator diferenciador.
A outra literatura nacional expressa em Português é a brasileira; por extensão, o processo político, linguístico e historiográfico-literário deve ter sido o mesmo, para que haja coerência teórica do conceito proposto dentro do mundo de língua portuguesa. Uma vez provada essa premissa, haverá uma lógica de formação ou de surgimento de novas literaturas nacionais lusófonas; em outros termos, a formação de novas literaturas nacionais, como processo de diferenciação, dentro da mesma língua, em países diferentes, hipoteticamente se dará pelo uso de determinadas categorias tanto na produção literária, quanto na recepção e na sua canonização enquanto herança nacional.
O fato político importante no contexto da segunda metade do século XX é o surgimento de cinco países africanos, cuja língua oficial é o Português, tornados independentes em entre 1973 e 1975. O quarto capítulo trata dessas novas nações e de condições particulares no seu processo de construção identitária, tanto para afastar-se do mundo colonial como para afirmar uma africanidade e variantes, de maneira positiva de exemplo e herança. A formação dessas novas literaturas nacionais fez parte do processo de diferenciação e consciencialização dos povos partícipes das lutas de libertação ou, antes, de tomada de posição em relação à antiga Metrópole, gerando uma identidade nova diferente daquela dos dominadores políticos.
Ainda que o surgimento das literaturas nacionais lusófonas seja relativamente recente em termos políticos, já há manifestações continuadas desde os anos de 1920, com alguns casos remontando a metade do século XIX. A observação deste cânone permitirá, se comprovada a correlação com o processo de formação das literaturas portuguesa e brasileira, a construção de um modelo teórico de literatura nacional, ainda que parcial, válido para a língua portuguesa, em um exercício de macro-história.
Argumentado haver elementos comuns utilizados para o processo de canonização, propostos diacronicamente pela crítica literária e usados pelos historiadores das literaturas portuguesa e brasileira, se o processo de unidade nacional decorre de uma conscientização em termos de repúdio a identidade imposta, resta verificar se a mesma sistema lógica norteia as literaturas nacionais de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, para que se prove haver essa diferenciação ou caracterizar como se formaram as novas literaturas nacionais africanas em língua portuguesa, como se verá nos capítulos cinco a sete.
Capítulo I––––––––Conceito de Literatura Nacional
1.1 Historiografia, cânone e autoridade
A expressão literatura nacional
pressupõe uma caracterização adjetiva de determinado corpus literário como particular de uma nação. Ainda que óbvia demais, a implicação feita não permite que se compreenda a exata extensão do significado do termo adjetivado. A palavra literatura pode, entre outras acepções, significar:
a: writings in prose or verse; esp writings having excellence of form or expression and expressing ideas of permanent or universal interest . . . b: the body of written works produced in a particular language, country or age . . . c: the body of writings on a particular subject . . . d: leaflets, handbills, circulars, or other printed matter of any kind. (Literature
1976)
Literatura nacional, em termos simples, seria em princípio o corpus de obras escritas num país. Esta assertiva ainda é geral, pois não se pode nacionalizar
uma obra que trate das reações físico-químicas de um carbonato qualquer. Então se deve ver a literatura nacional, tomado o adjetivo, como o conjunto de obras ligado a uma nação que tenha excelência de forma ou expressão e que manifeste ideias de interesse permanente ou universal.
O passo seguinte, em seguimento ao raciocinio, é verificar como essa literatura pode ser nacional. Se ela deve expressar ideias de interesse permanente ou universal,
o adjetivo eexige que tais obras pertençam a uma nação, porque (a) geograficamente foram ali produzidas ou (b) os valores de interesse permanente ou universal são próprios daquele país. Se a localização geográfica parece ser por demais limitada (Weisstein 1973: 11), então uma literatura nacional deve ter, assim, valores permanentes ou universais de uma nação específica.
A caracterização da literatura nacional como manifestante de determinados valores está na área da historiografia literária. Mais que o simples apontamento de datas e fatos, a história literária está sujeita a um contexto do historiador, que escolhe ou filtra o material a ser historiado. Não há história, em qualquer área do conhecimento humano, que não deixe transparecer que value judgements are implied in the very choice of materials
(Wellek e Warren 1949: 32). A separação do joio do trigo se dá a partir da consciência do historiador daquilo que é bom ou ruim, ou seja, uma escolha de valores. Basicamente, ele se utiliza de princípios aceitos pela comunidade, que lhe conferem uma condição de autoridade.
Como o ato de escolha acarreta a criação de um objeto a ser preservado, valorizado e ensinado como algo fundamental para esse grupo, a seleção do corpus literário de uma nação por um historiador implica (a) a intenção de perenização desse universo, portanto história, e (b) o atendimento de interesses específicos, pois the history of literature can be seen as both creation and signification in its genetic as well as its communicative processes
(Weimann 1976: 175-76). Trata-se aqui de quatro elementos: (a) o material literário a ser triado, (b) os referenciais de triagem, (c) o agente do processo e (d) o produto final. Uma literatura nacional seria o produto dessa seleção. Resta estabelecer o universo inicial, os valores que servem de filtros e como o crítico recebe a autoridade para tal trabalho.
A palavra cânone pode significar relação ou catálogo importante, definido por autoridade reconhecida; assim, cânone literário implica um conjunto de obras valorizadas por uma característica qualquer: the idea of canon certainly implies a collection of works enjoying exclusive completeness (at least for a time)
(Fowler 1982: 214). Entretanto, o denominador comum depende de contexto social mutável, resultando em alteração ou reinterpretação de cânone: the literary canon varies obviously – as well as inobviously – from age to age and reader to reader
(Fowler 1982: 213).
A formação de um cânone tem uma função específica: preservar uma estrutura de valores considerada como fundamental, quer para o indivíduo ou para o grupo; esses valores constituem uma norma, sob a qual este ou aquele se guia. O cânone é, pois, resultado de um consenso de valores, que passa a refletir o ideal do grupo, agindo ainda como padrão de conformidade, na medida em que há uma discussão da extensão daqueles mesmos valores: Canons are simply ideological banners for social groups: social groups propose them as forms of self-definitions, and they engage other proponents to test limitations while exposing the contradictions and incapacities of competing groups
(Altieri 1984: 43). O cerne do reconhecimento e valorização de determinado cânone literário está, pois, na visão grupal deste universo; o cânone obrigatoriamente reflete características positivas reguladoras de um comportamento compatível com a sociedade em questão, permitindo que as societies maintain their own interests, since the canon allows control over the text a culture takes seriously and the methods of interpretation that establish the meaning of ‘serious’
(Altieri 1984; 42). Este processo formativo depende, logo, de regras que definam o cânone, pois what I claim to be canonical (or to be a criterion for determining canons) does depend on norms that I establish or, at least, on institutional norms that I certify
(Altieri 1984: 44).
O agente da formação de um cânone detém poderes reconhecidos pela sociedade em que se insere: a professional community . . . has authority to define (or indicate the limits of) a subject; to impose valuations and validate interpretations
(Kermode 1979: 72). O consenso do grupo em torno de certos valores se dá a partir da aceitação da autoridade que os define, esta baseada no princípio da experiência, no qual o velho sempre ensina ao jovem: [the] continuance [of such a community] depends on the right of the old to instruct the young; the young submit because there is no other way to the succession
(Kermode 1979: 73). A preservação do passado, conservadora por natureza, é feita por uma comunidade cuja função é reconhecer a autenticidade de uma obra. Embora a juventude tenda a substituir progressiva e pacificamente a geração anterior, obviamente a autoridade ou o control over interpretation may vary with the social stability of the institution
(Kermode 1979: 84).
O cânone literário in the broadest sense,
ou potencial, comprises the entire written corpus together with all surviving oral literature
(Fowler 1982: 214). Além desse, existe o acessível, interno ao primeiro, fruto de limitações de ordem física; ou seja, há variáveis, no longo prazo, também resultado de uma seleção subjetiva, tais como o custo, a publicação e censura de uma obra (Fowler 1982: 215), que determinam a sua disponibilidade para leitura, interpretação e julgamento. Um terceiro cânone, o seletivo, é o produto de uma seleção autoritária, por meio da verificação da presença de valores numa determinada obra: It is obvious that control of interpretation is ultimately connected with the valuations set upon texts. The decision as to canonicity depends upon a consensus that a book has the requisite qualities, the determination of which is, in part, a work of interpretation
(Kermode 1979: 77).
Uma vez estabelecidos tais valores, subjetivamente a mais das vezes, a formação de um cânone deve atender a certos princípios sociais gerais, ou pelo menos, aceitos pela maioria, [b]ecause we are not likely to locate truths univocally establishing values a canon can reflect, we must learn to negotiate the endless circles that constitute cultural traditions
(Altieri 1984: 41).
Dadas as noções de autoridade e cânone expostas acima, pode-se voltar agora ao problema do conceito de literatura nacional, ainda que hipoteticamente. Seria um universo específico, selecionado a partir de um corpus maior por um ou mais críticos, detentores de autoridade estabelecida pelo grupo, com base numa autenticidade ou referenciais permissores da seleção. A literatura nacional seria, pois, um cânone formado seletivamente com base em elementos particulares de uma nação. Necessário questionar agora, ainda que se ande em círculos, o que torna nacional uma obra ou conjunto de obras.
Weisstein levanta uma série de problemas relacionados à definição de uma literatura nacional (1973: 11-15). Primeiro, há de se observar o ambiente, político-histórico ou linguístico, em que se inserem a formação e os limites de uma literatura nacional. Visto que as transformações políticas são mais bruscas e nítidas que as linguísticas no curso da história, o critério a prevalecer é aquele da língua. Observe-se, por exemplo, que, embora seja possível dizer que há uma diferença entre o cânone literário americano e o inglês, é difícil afirmar que as literaturas das duas Alemanhas, antes da reunificação política, fossem díspares em termos canônicos. Por outro lado, a vida de um escritor pouco caracteriza uma obra como nacional: o exílio forçado ou voluntário não o libera de uma força sócio-cultural integrada a sua visão do mundo. Os escritores que vivem fora de seus países continuam ligados a um ambiente significativo particular, pelo qual têm afinidade, seja de sua terra natal ou adotada, como é o caso de Heinrich Mann citado por Weisstein (1973: 11).
O bilinguismo literário de certos escritores é uma barreira difícil de ser transposta; o período de dominação filipina em Portugal exemplifica a extensão do problema, números escritores portugueses de nascimento e vida que escreveram apenas em Espanhol. Ainda há aqueles autores dominando perfeitamente línguas e tradições diferentes e escrevendo obras significativas (Weisstein 1973: 12). Se a língua usada se torna denominador comum de uma literatura nacional, surge o problema de várias nações com a mesma língua ou de nações com várias línguas, como é o caso dos idiomas Inglês, Francês, Alemão, Espanhol, Português, Árabe e Suaíle, e dos países Canadá, Bélgica, Suíça, Ïndia e da maioria das nações africanas. Outro nível de caracterização, para Weisstein aplicável especialmente às literaturas africanas, está na possibilidade de uma cor local e/ou uma diferente visão do mundo tornarem-se traços literários nacionais. O crítico cita ainda o problema especial de bolsões literários dentro de uma nação, como é o caso da Inglaterra e da França (1973: 14); esse assunto é levantado também por Bernardo Canal Feijóo em relação à literatura argentina (1981: 41-48).
A perspectiva de Weisstein é a da Literatura Comparada, na medida em que ele pressupõe categorias a serem estudadas, que são razão e objeto dessa área de pesquisas. Se há literaturas nacionais, elas podem ser comparadas. A comparação de obras permite o estabelecimento de grupos diferentes, cujos elementos têm uma ou mais características comuns. Embora não tenha sido mencionado por Weisstein, há um pequeno mas importante segmento literário que pode ser visto como nacional, enquanto observar-se um conceito lato de nação, o da literatura étnico-religiosa (literatura judaica, por exemplo). Os problemas de definição são vários, pois há sempre um caso particular que nega uma generalização do conceito de literatura nacional; as tentativas de definição do que é literatura nacional datam da Idade Média, havendo diacronicamente diferentes percepções do que é um cânone nacional.
1.2 A história do conceito de literatura nacional
Uma dos tipos de seleção de corpus literário como nacional se dá a partir da língua em que uma obra foi escrita. Na Idade Média, o Latim é o meio linguístico principal. Com base neste fato, há de se observar as listas de autores latinos como cânones nacionais.
A ideia parece forçada, mas não é se considerado o fato concreto da universalização da Língua Latina no período. As listas de Notker Balbulus (séc. IX), Winrich de Treves (séc. XI), Conrad de Hersau (séc. XII), Hugh de Trimberg (séc. XIII), Dante Allighieri e Geoffrey Chaucer (séc. XIV) apresentam autores bons, sem período nem história, dentro do pensamento medieval, cuja característica comum é pertencerem à literatura de expressão latina (Curtius 1963: 260-64). A questão da língua, tratada por Dante em De vulgari eloquentia, é retomada por Pietro Bembo em Prose della volgar lingua (1525), quando ao selecionar obras, com base na Língua Italiana como novo e aceitável meio de expressão, ele aponta a tríade canônica da literatura italiana, constituída por Dante, Petrarca e Boccaccio (Curtius 1963: 264). As coletâneas em dialeto galego-português, o Cancioneiro da Ajuda (séc. XIII), o Cancioneiro da Biblioteca Nacional e o Cancioneiro da Vaticana (séc. XIV) são perfeitos exemplares de canonização de um corpus literário de gosto específico, em língua que não a Latina.
A perspectiva geográfica incorpora ao cânone todos os autores que nasceram ou viveram numa determinada região. A literatura espanhola caracteriza-se, desde o Marquês de Santillana (ca. 1448), por tal visão: Iberian authors of the Imperial Age are considered to belong to Spanish national literature
(Curtius 1963: 267). A avaliação favorável de obras dentro de um contexto ficcional, como é o caso de Corte na Aldeia e de D. Quijote, é exemplo de estabelecimento de uma autoridade e de cânone. Essa referência de nomes, canonização por excelência, aparece também