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Ação, Caráter e Responsabilidade Moral em Aristóteles: o caso do intemperante
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Ação, Caráter e Responsabilidade Moral em Aristóteles: o caso do intemperante

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Este livro oferece ao leitor uma análise sobre a possibilidade de mudança de caráter que foi e sempre será um tema atual e em discussão, sobretudo, quando se trata da análise de uma disposição de caráter que tem como objeto de busca, simplesmente, o prazer em si mesmo sem sentir remorso, compaixão ou arrependimento das suas ações, ou seja, sem nenhum conflito moral.
A partir de um dos grandes pensadores da história da filosofia - Aristóteles - serão abordadas questões pertinentes à ação moral e a ética a partir da possibilidade de mudança de caráter num aparente caso de determinismo psicológico com implicação na responsabilidade moral. Serão analisadas algumas figuras morais e o modo como elas buscam o objeto de busca de seus desejos tendo como principal reflexão o caso do intemperante.
Enfim, este livro pretende fazer com que o leitor se depare com questões presentes da filosofia aristotélica que o levarão as diversas reflexões sobre a ação humana no âmbito moral e ético e que também estão em nosso cotidiano.
LanguagePortuguês
Release dateJan 5, 2021
ISBN9786558776031
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    Ação, Caráter e Responsabilidade Moral em Aristóteles - Genival Carvalho Batista

    CAPÍTULO I. O PROBLEMA DA MUDANÇA DE CARÁTER EM ARISTÓTELES

    A proposta do presente capítulo é investigar uma possível fixidez do caráter do intemperante (akólastos). O que define o caráter intemperante? A partir de uma análise de tal caso procuraremos entender como um agente com o caráter já formado, que adquiriu disposições em agir em uma única direção estaria aparamente impossibilitado de agir de outro modo. Para alcançar esta proposta, nesse primeiro momento da pesquisa, analisaremos a definição da disposição moral intemperante, na qual buscaremos os elementos que caracterizem propriamente esse tipo de disposição moral a partir da Ética Nicomaqueia. Isso, no intuito de melhor compreender tal disposição moral que tem relação direta com o determinismo, pois se tal agente está impossibilitado de agir de modo diferente a sua disposição adquirida, segundo a ética aristotélica, estaria também impossibilitado de adquirir um caráter diferente do seu, visto que, para adquirir, como também para alterar certa disposição moral, é necessária a realização de ações constantes na mesma direção, que significa agir na mesma direção até que tais ações se tornem um hábito. Sendo assim, esse primeiro capítulo tem como objetivo explorar a natureza da disposição intemperante, enfocando na incurabilidade de tal agente moral e a problemática que envolve tal tipo de caráter moral.

    1.1 DEFINIÇÃO DE INTEMPERANÇA

    Nesse tópico procuraremos definir a disposição intemperante e analisar suas características principais, tendo como objetivo problematizar a pressuposta incurabilidade deste tipo de disposição moral, e os problemas que se seguem, como veremos posteriormente.

    Do primeiro ao sétimo capítulo do livro VII da Ética Nicomaqueia, Aristóteles ressalta que os objetos com que se relacionam tanto o continente quanto o incontinente são os mesmos com os quais o temperante e o intemperante se relacionam, a saber: os prazeres e as dores. Na Ética Nicomaqueia, livro VII, capítulo 7, 1150a10-22, Aristóteles afirma que

    Com respeito aos prazeres e dores, apetites e aversões procedentes do tato e do gosto, com relação aos quais temos definido antes a intemperança e a moderação, é possível uma disposição tal que somos dominados, inclusive, por aqueles que a maioria dos homens dominam, e é possível também dominar aqueles pelos quais a maioria dos homens são vencidos. Se se trata dos prazeres, tendemos, respectivamente, ao caso do incontinente e do continente; se das dores, o fraco e o rígido. No meio se encontra a disposição própria da maioria dos homens, mesmo quando tendem mais para as piores. Posto que, alguns prazeres são necessários e outros não, até certo ponto, mas os excessos e deficiências não o são (e o mesmo ocorre com respeito aos apetites e dores), aqueles que perseguem os excessos com relação aos prazeres, ou de modo excessivo e por escolha [deliberadamente] e pelos próprios prazeres em vista deles mesmos e não pelas consequências, são intemperantes; necessariamente um homem assim não está disposto ao arrependimento, de modo que é incurável, pois o incapaz de arrependimento é incurável. ³

    No início da citação acima, o filósofo argumenta que – no que diz respeito aos prazeres e dores, apetites e aversões que procedem do tato e do gosto – já definiu em passagens anteriores tanto o intemperante como a temperança. Deste modo, antes de nos adentrarmos propriamente na análise da citação acima, procuremos apresentar as definições que são apresentadas pelo filósofo, no intuito de perceber, juntamente com o que é dito acima na citação, o que caracteriza propriamente o caráter intemperante.

    Assim, verifica-se em passagens anteriores, mencionadas pelo filósofo, no que diz respeito à temperança, em EN III 10, 1117b25, que tal disposição moral consiste no meio-termo em relação aos prazeres. Se opondo a tal disposição, o filósofo diz que a intemperança se define na mesma esfera dos prazeres, sendo, porém, exatamente o seu contrário, o excesso nos prazeres.

    Essas definições, tanto do temperante como do intemperante podem ser também constatadas em outra passagem, EN II 7, 1107b 4-5, onde se apresenta uma análise que o filósofo realiza no intuito de demonstrar que a virtude se estabelece como um termo médio entre dois extremos; a falta e o excesso, de modo que o intemperante se encontra exatamente na prática do excesso.

    Aristóteles relaciona o excesso nas ações, claramente, com o intemperante; ele afirma que em relação ao prazer (hedonê) e a dor (lýpê), aquele que tem como característica o meio-termo (mesos)⁴, isto é, que não excede, e em quem não há também deficiência⁵ é tido como temperante, no entanto, este que busca os prazeres em excesso é chamado de intemperante⁶.

    Continuando o que Aristóteles diz na citação acima, 1150a10-22, existe a possibilidade de uma disposição em que o agente seja dominado (hettâsthai). Nesse sentido, o que significa ser dominado? Para o filósofo, ser dominado significa dizer que o agente moral, mesmo tendo conhecimento do que deve ser feito – da ação considerada socialmente correta moralmente⁷– não consegue agir conforme o que a razão aponta como sendo correto realizar, ou seja, acontece de a razão não estar em conformidade com o desejo. Essa situação se enquadra no caso do acrático, que será analisado com mais atenção posteriormente.

    O filósofo ainda afirma que, por um lado, há uma maioria que é vencida, que cede aos desejos, porém, por outro lado, é possível que um agente moral não ceda, como é o caso do controlado. Stewart (1982, p. 189), quando se refere ao incontinente e ao continente argumenta que, há evidentemente alguma referência ao padrão do que deveria ser, senão não poderia dizer que pessoas em geral beiram um pouco para o lado pior⁸. E, completa dizendo que representar a maioria da humanidade como possuindo um caráter moral medíocre, nem eminentemente bons ou ruins, mas inclinando-se a fraqueza, estava de acordo com o ponto de vista grego (p.189).

    Não somente do ponto de vista grego, mas atualmente podemos também dizer que a maioria das pessoas tende a agir de maneira acrática, visto que sabem qual a ação moralmente correta a ser realizada, no entanto renunciando os ditames da razão optam por seguir os desejos; aquilo que lhes proporcionará o prazer imediato. Esse conflito consiste na grande questão encontrada na ética aristotélica, por isso se torna atual, que é o conflito entre desejo e razão.

    No que diz respeito ao intemperante, o conflito sobre a possibilidade de ceder ou não aos desejos, não lhe é relevante, visto que, tal possibilidade – ceder ou não – encontra-se dentro de uma concepção moral em que existe por assim dizer certo conflito, do que deve ou não ser realizado. Nesse sentido, tocamos em algo relevante com relação às características da disposição intemperante, pois nele não reside nenhum conflito moral; quando o intemperante tem certo desejo, ele procura realizá-lo de qualquer forma, independentemente da valoração moral que essa ação possa ter. O que deve ser praticado é, simplesmente, o que lhe proporciona prazer.

    Esse conflito ressaltado pelo filósofo é próprio da pessoa acrática (akratés) e não do intemperante, tal tipo de conflito moral não se estabelece no intemperante, ele é descartado. É relevante ressaltar que esse elemento não é próprio do intemperante como também não se constitui de forma alguma na sua disposição. Podemos afirmar que é descartada a possibilidade de algum conflito em tal disposição de caráter.

    O intemperante age sem qualquer discriminação moral no que concerne à realização das ações que lhe proporcionam prazer, com isso, para ele não é relevante se a realização do seu prazer aparece como correto ou não. Trata-se de uma ação que tem como finalidade deleitar-se com seu objeto de busca.

    Mais adiante, EN 1150a15-16, o filósofo afirma que no meio se encontra a disposição própria da maioria dos homens que são tanto os controlados, que delibera pelo melhor meio em vista da boa ação e consegue realizá-la, como os descontrolados. Entretanto, quando se trata do acrático, mesmo deliberando corretamente sobre o que deve ser realizado, ele realiza o seu contrário. Ou seja, é acometido por um prazer no qual não consegue sustentar a conclusão do seu raciocínio e cede a tal desejo.

    Após ter argumentado sobre as figuras morais próprias da maioria dos homens, Aristóteles afirma que [...] aqueles que perseguem os excessos com relação aos prazeres, ou de modo excessivo e por escolha [deliberadamente] e pelos próprios prazeres em vista deles mesmos e não pelas consequências, é intemperante ⁹. E assim, o filósofo apresenta uma definição mais contundente da disposição intemperante. Nessa definição, procuramos extrair outros elementos, além dos expostos antes, que possam de modo mais específico evidenciar suas características próprias.

    Sendo assim, dando continuidade à análise da disposição intemperante, um primeiro elemento a ser destacado não só nessa citação, mas também em algumas passagens do corpus aristotélicum, como veremos, trata-se da excessividade nas ações prazerosas. Podemos ressaltar que a busca excessiva com relação aos prazeres diz respeito a uma característica peculiar do intemperante; o desejo excessivo (hypebolé) nas coisas que lhe são agradáveis. Essa é a característica principal do intemperante, que atrelada a outras nos oferece uma definição mais significativa. Outro ponto relevante indicado por Aristóteles sobre o intemperante é o fato de que na realização de sua ação, ele o faz por escolha, deliberadamente

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