Constituição, Educação e Docência: contradições entre as normas constitucionais e a realidade da educação pública
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Metodologicamente, esta abordagem se concentra na técnica da pesquisa bibliográfica baseada nas reflexões, dentre outras, de Joaquim José Gomes Canotilho e Luís Roberto Barroso a respeito da efetividade das normas constitucionais.
O aporte teórico da obra – como contributo das ciências sociais na análise da questão pesquisada – é o pensamento do cientista social Pierre Bourdieu. Portanto, o leitor está diante de um trabalho de cunho científico que aposta na pesquisa com valor no inventivo da transdisciplinaridade como instrumental.
Resultado de investigação acadêmica, este exemplar não é mera análise teórica distante do mundo dos fatos, pois tem o seu caráter empírico perceptível através dos dados coletados por meio de análises documentais e da apresentação de gráficos, quadros e tabelas que demonstram índices relativos ao déficit de professores, à evolução do piso salarial do magistério, dentre outras abordagens.
Não só aos juristas, educadores e cientistas sociais, a presente obra desvela a todos os que se interessam pelo tema, de forma clara e didática, alguns dos grandes desafios do sistema de ensino público a serem superados, pois estes se apresentam, efetivamente, como verdadeiras contradições entre as normas constitucionais e a realidade da educação pública.
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Constituição, Educação e Docência - Luiz Carlos de Souza Junior
1. DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS
O presente capítulo objetiva realizar uma análise a respeito dos aspectos histórico-sociais e teóricos dos direitos fundamentais sociais e sua relação direta com a educação. Ao longo dos escritos, destaca-se o dirigismo da Constituição Federal de 1988, bem como a maneira através da qual a mesma determina os parâmetros de valorização dos profissionais de educação.
Nos moldes atuais, as Constituições dos Estados democráticos, como documento jurídico munido de força normativa hierarquicamente superior no ordenamento nacional, organizam uma estrutura de proteção aos direitos fundamentais do homem fundada num alicerce histórico-social, político, cultural e econômico anterior, de reconhecimento formal, insculpido nas primeiras Constituições escritas dos clássicos direitos de matriz liberal-burguesa.
A aceitação e valorização dos direitos fundamentais como cerne da proteção da dignidade da pessoa é notória, no caso brasileiro, desde o preâmbulo do texto constitucional de 1988, pois há o propósito de se instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais
.
Parte da doutrina constitucionalista pátria, capitaneada por Paulo Bonavides⁷, leciona que, a partir da Revolução Francesa, os direitos fundamentais, tais como hoje são concebidos, passaram por um processo de transformação histórico-social e gradativa até serem institucionalizados e recepcionados nos catálogos constitucionais e na alçada do Direito Internacional com características similares e valor comum⁸.
Com isso, paulatinamente, as conquistas políticas, culturais, e econômicas angariadas pelo homem foram possibilitando que os direitos fundamentais fossem vislumbrados e disciplinados nos textos constitucionais, sendo que, a partir do final do século XVIII e início do século XIX, com a inauguração do contratualismo ocidental e em resposta do Estado liberal ao absolutista, os direitos civis e políticos clássicos (liberdade, propriedade etc.) passaram a ser identificados como os direitos de primeira dimensão, que têm por titular o indivíduo (...), são os direitos de resistência ou de oposição perante o Estado
⁹.
Noutro giro, a partir do século XIX, a Revolução Industrial europeia embalou os direitos de segunda dimensão, pois, com as calamitosas condições de trabalho e o agravamento das disparidades sociais, os movimentos trabalhistas reivindicaram normas de assistência social. Fixando, no início do século XX, os direitos sociais, culturais, econômicos e coletivos¹⁰. Nesta fase, exige-se uma prestação material do Estado, por isso, passou-se por um período de juridicidade questionada, de crise de observância e execução das normas, até a formulação dos preceitos de aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais¹¹.
No século XX, uma nova dimensão de direitos fundamentais surgiu diante das mudanças na comunidade internacional e frente às discrepâncias entre os Estados desenvolvidos e subdesenvolvidos, são os direitos de terceira dimensão, considerados transindividuais, atinentes a salvaguarda do gênero humano, com elevado teor de universalidade, como direitos ao ambiente ecologicamente equilibrado, ao desenvolvimento e de proteção ao consumidor. Como referenciais históricos do reconhecimento destes direitos, pode-se citar o período pós 2ª Guerra e o surgimento da ONU e, como referencial jurídico, a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Referente à próxima dimensão de direitos fundamentais, Norberto Bobbio leciona que as novas exigências provocaram a necessidade de se reconhecer os direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo
¹² (direito decorrente da manipulação genética, trazendo à baila os debates referentes à bioética e ao biodireito). Sob outra perspectiva, Bonavides sublinha que a globalização política no campo do ordenamento jurídico insere os direitos da quarta dimensão, dentre os quais se destacam os direitos à democracia (direta), à informação e pluralismo, os quais, enfim, institucionalizaram o Estado social¹³.
Ainda há de se pensar, conforme Bonavides, na quinta dimensão dos direitos fundamentais, o direito à paz, uma vez que a dignidade jurídica da paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da convivência humana, elemento de conservação da espécie
¹⁴. A paz, neste sentido, é axioma da democracia participativa ou supremo direito da humanidade.
Com base no exposto, constata-se que, em um primeiro momento, partindo dos ideais revolucionários franceses do século XIX, os direitos de primeira, segunda e terceira dimensão foram anunciados, posteriormente, a doutrina jurídica entendeu pertinente a inclusão de mais duas dimensões: a quarta e quinta.
1.1 A EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A EDUCAÇÃO
Com este subtítulo se pretende demonstrar que no ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito não basta que as regras de direito sejam apenas formalmente válidas, é preciso haver sua efetividade, isto é, que o Direito seja concretizado, realizando sua função social.
A estrutura tridimensional do direito autoriza afirmar que a norma jurídica é resultado de um tríplice enlace que deve ser considerado preliminarmente quando se pretende tratar de efetividade dos atos jurídicos em geral. São eles os aspectos fáticos, axiológicos e normativos. Isto significa que os fatos ou acontecimentos (econômicos, demográficos etc.) ordenados de acordo com valores diversos que concerne significação a estes mesmos fatos, somados a uma regra ou norma, que representa a medida de integração entre os dois elementos referidos, não existem desvinculados uns dos outros, mas coexistem numa unidade concreta (...) de tal modo que a vida do Direito resulta da interação dinâmica e dialética dos três elementos que a integram
¹⁵.
Neste sentido, a proposição jurídica diferencia-se daquela que a lei natural exprime, por assim dizer a causalidade fixada pela norma jurídica não é fatalista como ocorre nas leis naturais, haja vista que os fenômenos do corpo correspondentes ao mundo do ser são providos de coação imanente e fatal, por designo da natureza sempre se cumprem. Já as leis jurídicas disciplinam as condutas em sociedade e são produzidas pela autoridade jurídica por meio de um elemento volitivo que, embora expresse comandos de cumprimento obrigatório, são prováveis, podendo-se cumprir ou não: é um dever-ser, sob sanções cabíveis¹⁶ que são aplicadas por força da imputação (e não da causalidade). Com isso, "o ‘dever-ser’ tem, na proposição jurídica, um caráter simplesmente descritivo"¹⁷.
Em contrapartida, pensar quais sejam os valores a serem protegidos e o telos buscado a cada época trata-se de uma questão política, no entanto, concluída pelo órgão cabível, e o sistema ideal
se formaliza na descrição do Direito. Assim, o poder toma a feição jurídica, que por meio dos atos jurídicos emanados do Estado criam o direito objetivo, que se caracteriza por ser geral, abstrato e obrigatório com fins de acondicionar a vida em coletividade ¹⁸.
Dessa forma, as normas jurídicas¹⁹ são dotadas de imperatividade, não havendo caso de ausência desta, exceto quando se estabelece sobre a graduação de seu teor, de acordo com a vontade do legislador quando este prevê condição específica (regras de obrigatoriedade incondicionada e condicionada).
Sendo a Constituição um sistema de normas jurídicas que anuncia os direitos fundamentais dos indivíduos e as finalidades públicas a serem atingidas, toda norma inscrita em uma Constituição rígida, dotada de supremacia e alocada no ápice do ordenamento jurídico, serve de fundamento de validade para as outras normas²⁰.
Por isso, os atos jurídicos, entendidos como os fatos jurídicos provenientes da manifestação de vontade, podem ser analisados cientificamente sob três planos distintos: o da existência, o da validade e o da eficácia. Nosso foco se concentra neste último.
Em caráter sumular, a existência de um ato jurídico depende da presença dos elementos agente, forma e objeto. O ato jurídico será válido se reunir os requisitos legitimidade do órgão, competência ratione materiae e legitimidade do procedimento, assim, a norma já pode ser exigida ou aplicada (vigência).
No que corresponde à eficácia, Miguel Reale a trata como sinônimo de efetividade²¹, afirmando que a eficácia é aplicação ou execução da norma jurídica, uma vez que a regra de direito deve ser formalmente válida e socialmente eficaz, daí extraindo que os requisitos de validade da regra jurídica reúne o fundamento de ordem axiológica, eficácia social (em razão de sua compatibilidade com vontade da coletividade) validade formal ou vigência, pois é formulada por órgão competente e segue os trâmites impostos pelo ordenamento jurídico vigente.
No entanto, Luís Roberto Barroso²², citando o próprio Miguel Reale, pondera que uma norma jurídica pode trazer consigo parâmetros de perfeição, validade e eficácia, na medida em que for concluído seu ciclo de elaboração, mas, ainda assim, deve-se diferenciar a eficácia jurídica da eficácia social. Sendo que a esta última Barroso denomina efetividade.
Sem adentrarmos na classificação tricotômica de José Afonso da Silva²³, que cuidou da eficácia plena, contida e limitada das normas constitucionais, traz-se à tona apenas sua conclusão de que todas as normas constitucionais possuem eficácia jurídica e são aplicáveis nos limites objetivos de seu teor normativo. Por isso, não existe em uma Constituição cláusula com valor apenas de avisos ou conselhos, pois todas as regras são imperativas, emanadas pela soberania nacional ou popular aos seus órgãos²⁴.
Destarte, a eficácia jurídica relaciona-se à possibilidade de aplicação da norma, todavia, a eficácia social está conectada à efetividade, à concretização do Direito, à realização de sua função social. A efetividade "representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação (...) entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social"²⁵.
O Direito Constitucional, assim como o Direito como um todo, existe para tornar-se real, por isso, como norma superior que é, a Constituição deve ser a garantia em si mesma de efetividade de suas normas. Outrossim, o Direito Constitucional possui sanções que, ao contrário do que se possa difundir, não assemelha-se às penas ou execuções civis, mas a da responsabilização política, que embora a sanção jurídica não seja possível acionar, não autoriza o arbítrio do Executivo, que a partir do sistema de checks and balances, será responsabilizado por meio do controle recíproco entre Poderes Estatais. Em se tratando do exercício dos direitos fundamentais, se os atos estritamente políticos acutilarem direitos individuais, eles se desnaturam e passam a submeter-se ao princípio constitucional abrigado no inciso XXXV do art. 5º da Constituição de 1988, ensejando o controle jurisdicional
²⁶, aplica-se, portanto, uma sanção jurídica.
Considerando a variedade semântica utilizada pela Constituição Federal vigente²⁷ no que tange às expressões de referência aos direitos fundamentais, ressalta-se que o termo de cunho genérico Direitos e Garantias Fundamentais
presente na epígrafe do Título II, abarca todas as demais espécies ou categorias de direitos fundamentais, como os direitos e deveres individuais e coletivos (Capítulo I), os direitos sociais (Capítulo II), a nacionalidade (Capítulo III), os direitos políticos (Capítulo IV) e o regramento dos partidos políticos (Capítulo V)²⁸. Deve-se, ademais, atentar-se que estas espécies, semelhantemente, compreendem as diferentes funções desempenhadas pelos direitos fundamentais, com base em modelos construídos de forma especial na jurisprudência e na doutrina alemãs e recepcionadas pelo direito luso-espanhol, como os direitos de defesa (liberdade e igualdade), os direitos de cunho prestacional (incluindo os direitos sociais e políticos na sua dimensão positiva), e os direitos-garantia e as garantias institucionais²⁹.
Desse modo, cumpre destacar que no presente trabalho utiliza-se o termo direitos fundamentais com a intenção de denotar os direitos reconhecidos, protegidos e qualificados como tais pelo direito constitucional interno do Estado Democrático de Direito Brasileiro e que receberam da Carta Magna um grau mais elevado de garantia de segurança. Assim, adota-se um critério formal de caracterização.
Em que pese a fundamentação constitucional vigente, o escalão hierárquico supremo prescrito constitucionalmente, instaura-se a indagação: quando um direito pode ser considerado fundamental? Nesta seara, anota-se a posição de Robert Alexy, com a qual se coaduna:
A fundamentabilidade fundamenta, assim, a prioridade sobre todos os escalões do sistema jurídico, portanto, também perante o legislador. Um interesse ou uma carência é, nesse sentido, fundamental quando sua violação ou não-satisfação significa ou a morte ou sofrimento grave ou toca no núcleo essencial da autonomia. Daqui são compreendidos não só os direitos de defesa liberais clássicos, senão, por exemplo, também direitos sociais que visam ao asseguramento de um mínimo existencial³⁰.
Desde o século XIX, diante da industrialização e dos intensos problemas socioeconômicos, por força das doutrinas socialistas e pela percepção de que a positivação dos direitos à liberdade e igualdade não bastava para efetivação de tais direitos – quando houve verdadeira transição das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas
³¹ – e, especialmente, por meio das Constituições do segundo pós-guerra, os referidos direitos fundamentais conferiram aos indivíduos o acesso a prestações sociais estatais, como a educação, além de outorgar ao Estado a realização da justiça social.
A partir do texto constitucional, classificam-se os direitos fundamentais em seis, a partir de um agrupamento geral³²: (I) direitos individuais – art. 5º; (II) direitos à nacionalidade – art. 12; (III) direitos políticos – art. 14 a 17; (IV) direitos sociais – arts. 6º e 193 e ss.; (V) direitos coletivos – art. 5º e (VI) direitos solidários (arts. 3º e 225). Não obstante, a Constituição Federal vigente, com base no critério de seu conteúdo referente, concomitantemente, à natureza do bem protegido e do objeto de tutela, admite outros direitos e garantias fundamentais não enumerados, pois no parágrafo 2º do artigo 5º há a declaração de que os direitos e garantias previstos ao longo do texto constitucional não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios admitidos pela Constituição, ou tratados internacionais em que o Brasil seja