Mulheres Filosófas: Participação, História e Visibilidade
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Mulheres Filosófas - Iron Mendes de Araújo
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
Dedico este livro a todas as professoras e professores do meu país que resistem, nesses tempos estranhos que vivemos hoje, à avalanche de obscurantismo que tenta tomar de assalto nossas instituições educacionais e as Universidades públicas do Brasil.
AGRADECIMENTOS
Às grandes mulheres da minha vida, representadas nas pessoas de minha mãe, minha esposa e minha filha.
Ao meu filho, cujas contribuições generosas aperfeiçoaram este livro.
Ao incentivo das amigas e amigos, que foram fundamentais para a realização deste trabalho.
Por fim, as professoras e professores, que, com sua sabedoria, moldaram o meu amor pelos livros e sedimentaram meu interesse pelas coisas do intelecto.
Não é que não houvesse mulheres que filosofassem.
É que os filósofos preferiram esquecê-las, talvez depois de se apropriarem de suas ideias.
Umberto Eco
Com algumas excepções, os filósofos têm olhado as mulheres de um modo negativo, ou, quanto muito, condescendente. A tese platónica difundida no Timeu, segundo a qual a mulher representa uma forma inferior de humanidade perdura até Freud, que, retomando Aristóteles, entende a mulher como um homem castrado.
Maria Luísa Ribeiro Ferreira
PREFÁCIO
Foi com grande satisfação e prazer que recebi o convite de Iron Mendes para prefaciar esta obra, resultado de sua dissertação de mestrado no Programa de Filosofia da UFPE, Prof-Filo. Elaborada com paixão e determinação, nela Iron busca desvendar um grande equívoco histórico: a ocultação das mulheres filósofas e suas contribuições filosóficas ao longo da história da filosofia. A presente obra intenta, pois, dar visibilidade às filósofas tornadas invisíveis pela dominação masculina.
A pesquisa realizada por Iron, agora transformada em livro, mostra-nos que o processo de empoderamento das mulheres é antigo, contínuo, persistente e, sobretudo de resistência, embora lento, devido à dominação patriarcal e à institucional exercida sobre elas, não permitindo exibir, em sua totalidade, suas ideias, costumes, gostos, valores e filosofias.
Contudo isso não quer dizer que elas não estivessem presentes, com atuações importantes no mundo da política, da filosofia, da literatura, da poesia, da arte, da música. Elas estavam presentes em todas as esferas da vida humana.
Como se sabe, a dominação patriarcal implica um modelo de sistema social que se caracteriza pela dominação masculina nas sociedades, ou seja, os homens detêm o poder de liderança política, autoridade moral, privilégios sociais e controle sobre todas as formas de riqueza.
Em nossa realidade, essa forma de dominação se mostra em todas as variantes do patrimonialismo, a exemplo do coronelismo, do clientelismo, do nepotismo e do machismo que ainda hoje persistem entranhadas na vida política, social e cultural brasileira.
Observa-se, assim, que o machismo campeia em todas as dimensões da vida do brasileiro cujas manifestações mais significativas se mostram no feminicídio, na misoginia ou nos crimes de ódio contra os grupos de LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros).
Associada à Dominação Patriarcal, encontra-se a Dominação Institucional que, ao longo das sociedades antiga e medieval, chegando aos nossos dias, reforçam a repressão sobre as mulheres, não permitindo a expressão de sua identidade no mundo da vida.
A Dominação Institucional ou do Estado fundamenta-se a partir do que Weber (2004) chama de exercício legitimo da força política e social, o que implica um conceito que apresenta um sentido subjetivamente orientado para o outro com quem pactua elementos significativos da objetividade social. Dito de outra forma, a ação social é um conceito que Weber estabelece para as sociedades humanas e essa ação só existe quando o indivíduo estabelece uma comunicação com os outros.
Tal forma de dominação tem, no Estado, a sua legitimação, não obstante a ideologia do patriarcalismo ir se forjando nas sociedades greco-romanas e que se concretiza nas instituições religiosas papais durante o advento do domínio da igreja que, ao exercer atribuições estatais, durante mais de um milênio, ao longo de toda a idade média, consolida, até os dias de hoje, a dominação masculina que se torna um fenômeno globalizado.
O trabalho de Iron, portanto, visa a desmontar essa farsa histórica que resiste no tempo, em plena Idade Moderna e Contemporânea, de que a ocultação das mulheres é consequência de sua incapacidade para o trabalho intelectual e, portanto, para o exercício da filosofia. Esse arremedo institucional se materializa nos livros didáticos de Filosofia, ao evidenciarem pequena representatividade de filósofas nos livros oficiais da disciplina escolhidos no Programa do MEC (Ministério da Educação e Cultura) por meio do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) – 2018.
Este estudo nos dá a impressão de que até na escolha dos livros no PNLD vem imperando o machismo, pois tal representação das filósofas e suas produções nos referidos livros não retratam o empoderamento alcançado por elas nos dias de hoje.
Como afirma Beauvoir (1970), o triunfo do patriarcado não foi nem um acaso nem o resultado de uma revolução violenta. Desde a origem da humanidade, o privilégio biológico permitiu aos homens afirmarem-se sozinhos como sujeitos soberanos
(p. 97). É como se a força bruta dos homens fosse condição para o seu domínio intelectual, como se suas vitórias nos campos de batalhas, nas sociedades antigas e medievais e nos sangrentos jogos romanos se refletissem, também, no plano intelectual. Ou seja, a glória dos homens na Arena e nas guerras expansionistas imperiais forjaram falsos discursos de sua supremacia ao os enaltecerem tanto física como intelectualmente. Por outro lado, as mulheres foram estigmatizadas como o sexo frágil tanto no aspecto físico quanto no uso da racionalidade, a partir da vivência filosófica.
O texto faz inúmeras referências a importantes filósofas na história da Filosofia e suas produções que passaram quase que despercebidas, a exemplo de Themistoclea, Arignote, Damo, Theano de Crotona, Myia, Aesara de Lucania, Phintys de Esparta e Perictione, pertencentes à Escola Pitagórica, para citar apenas na Grécia Antiga, o berço da Filosofia Ocidental. O texto ainda faz referências a filósofas filiadas às escolas Hedonistas, Platônica, Aristotélica e Cínica.
Na Idade Média, o livro cita pelo menos três filósofas e, na modernidade, mais quatro, mostrando que, ao longo dos períodos históricos, as mulheres filósofas sempre estiveram presentes. Sendo assim, era de se esperar que na modernidade e na contemporaneidade a sua expressão de visibilidade fosse bem mais intensa, não apenas pelo seu empoderamento político, com o nascimento do Estado de Direito, mas também pelas exigências de qualificação da força de trabalho para o novo regime que ascende ao poder político e econômico, possibilitando maior acesso à educação da população em geral, tendo em vista o seu engajamento no mundo produtivo.
Como tudo está em movimento, a contradição dialética manifesta-se na medida em que o acesso de mais mulheres à educação superior permite o aparecimento de mais mulheres filósofas, embora com sub-representação nos livros do PNLD de Filosofia.
A obra finaliza com a apresentação de expressiva e concorrida intervenção, em forma de disciplina eletiva, numa escola pública que pode se constituir como inspiração para outros docentes de escolas públicas reproduzirem uma experiência exitosa, evidentemente, usando a criatividade, que é peculiar a todo professor de Filosofia.
Por fim, vale apena ainda informar que o livro é de uma leitura leve e agradável, sem, contudo, perder o rigor acadêmico próprio das universidades e de um trabalho de caráter científico, pois, conforme mencionei no início deste Prefácio, a sua construção foi movida com muita paixão e amorosidade.
Prof. Dr. Itamar Nunes da Silva
Docente do Programa de Pós-Graduação Profissional em Filosofia da UFPE – Prof-Filo
REFERÊNCIAS
BEAUVOIR, S. D. O segundo sexo fatos e mitos. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970.
WEBER, M. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. v. II. São Paulo: Unb, 2004.
APRESENTAÇÃO
O presente livro tem como objetivo compreender o porquê dos livros didáticos de Filosofia do PNLD 2018 apresentarem pouquíssimas mulheres como protagonistas da história da Filosofia, bem como examinar se a dominação patriarcal contribuiu para a ocultação das mulheres filósofas e se o discurso dos filósofos homens sobre elas não reforçou ainda mais a sua invisibilidade. A obra foi desenvolvida mediante pesquisas bibliográficas e aplicação do método de Análise Crítica do Discurso (ACD), elaborado por Norman Fairclough (2001), a partir da temática mulheres na filosofia
, e de sua presença nos conteúdos dos livros didáticos. O referencial teórico possui sua fundamentação em textos dissertados pela filósofa Simone de Beauvoir (1970) sobre o patriarcalismo e a representação social da mulher como sujeito secundário na sociedade para explicar a ocultação das mulheres filósofas, e utiliza-se, também, de conceitos e abordagens elaboradas por Weber (2004), Peteman (1993) e Bordieu (2012), além de referenciar algumas filósofas brasileiras e portuguesas que abordam a importância feminina na temática filosófica. Por fim,