Studiolo
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Book preview
Studiolo - Giorgio Agamben
Bibliografia
Advertência
Nos palácios renascentistas, studiolo era o nome dado ao pequeno quarto no qual o príncipe se retirava para meditar ou ler, rodeado pelos quadros que amava de modo especial. Para o autor, este livro é uma espécie de studiolo. Mas, para cada um, o que são as imagens das quais sempre se gostaria de estar acompanhando senão uma espécie de paraíso? Um paraíso dos sentidos, por certo, mas também, e acima de tudo, da mente, se nessas imagens o que está em questão é algo que de outro modo não seria possível compreender. Os textos que acompanham as imagens reunidas no livro pretendem, por isso, colocar-se na tradição do comentário e não da crítica e da história da arte. Todavia, a partir do momento que um studiolo se dirige antes de tudo ao olhar, motivos críticos — isto é, destinados a limpar os obstáculos que impedem a visão do campo — não deixam de se entrelaçar, aqui e ali, ao comentário. Apesar disso, fica claro que se trata de um comentário pelo fato de que as obras, independentemente de sua situação na história da arte, são consideradas como clássicos e que, portanto, destas se pretende extrair um ensinamento ou um conselho, não importando se os alunos aos quais se dirige são os olhos ou a mente de quem lê e se os leitores são competentes ou inexperientes, próximos ou distantes no tempo das próprias obras. A aposta sobre a qual todo comentário filosófico se funda é, com efeito, que o momento em que a obra foi produzida não coincide necessariamente com o de sua legibilidade. E se chamamos de presente o instante em que uma obra chega à sua legibilidade, as obras comentadas no livro, ainda que compostas em um arco de tempo que começa em 5000 a.C. e chega até hoje, são todas igualmente presentes, convocadas aqui e agora em um instante eterno — paradisus anime intelligentis.
Os textos «O que é a inspiração?» e «O cobertor e o mar» foram publicados na revista on-line De pictura, da editora Quodlibet.
STUDIOLO
Giovanni Bellini, A embriaguez de Noé, óleo sobre tela, 103 x 157 cm.
O velho e o nu
A primeira impressão é claustrofóbica, de falta de espaço: o quadro não é pequeno, mas as quatro figuras estão como que fechadas em uma caixa. A impressão aumenta pela falta de fundo: as maravilhosas paisagens, tão características na arte de Bellini, aqui são suplantadas por uma cortina de espessos ramos de vinhas que mal deixa entrever uma rocha na direita e uma estaca na esquerda. O pé direito de Jafé e, no lado oposto, as costas de Sem e o pé de Noé tocam a borda da tela como se esta tivesse sido cortada de forma intencional e precisa. Assim como o espaço, também o ar parece faltar — e mesmo a nudez do velho estirado no chão, com a cabeça apoiada em uma pedra, emana uma luz tão deslumbrante que de um só golpe a caixa se escancara, e esquecemos que até agora há pouco não podíamos respirar.
Longhi, que foi o primeiro a atribuir o quadro a Bellini, definiu a obra como tardia, «a primeira obra da pintura moderna», talvez composta um ano antes da morte, quando o príncipe dos pintores venezianos olhava com curiosidade para a lição de Giorgione ou de seu «criado» Ticiano. Talvez seja possível que no velho bêbado desnudado e exposto à zombaria e, ao mesmo tempo, à piedade, o mestre figurasse a si mesmo e os pintores que estavam para tomar seu lugar na cena veneziana.
Qual é — além das sugestões autobiográficas — o tema do quadro, o que o pintor pretendeu representar? Todos conhecem a história do Gênesis 9, 20-27: o patriarca bêbado é descoberto em sua tenda e o filho menor, Cam, vê sua nudez e corre para contar aos irmãos, os quais, caminhando de costas para não ver o pai nu, cobrem-no pudicamente com uma manta. É provável que Bellini, que até então jamais havia pintado uma cena do Antigo Testamento, não estivesse interessado no contexto teológico da cena nem na maldição que condena os descendentes de Cam à escravidão. O tema do quadro é o corpo nu, um argumento no qual o pintor quase nunca havia se arriscado. Como já se observou, o velho está acomodado em primeiro plano como a Vênus que Giorgione acabara de pintar. Bellini substitui a beleza incomparável da deusa pelo corpo de um velho, traçando com cuidado o ventre magro, porém flácido, o mamilo esquerdo bem visível e o umbigo talhado. E enquanto na tradição iconográfica do episódio bíblico a escandalosa nudez do pai é compreendida literalmente e o que o velho mostra a descoberto é acima de tudo o sexo, na tela de Bellini os filhos tinham acabado de cobrir, com uma tira da manta vermelha que se sobrepõe ao corpo deitado, o falo que Cam acabara de ver e que gostaria de ter mostrado aos irmãos.
Ao escolher esse tema, Bellini teria se lembrado do relevo que, desde criança, caminhando pela margem do canal que fica diante do Palazzo Ducale, tinha visto inúmeras vezes. No relevo, colocado acima da coluna que fica exatamente no ângulo sul do palácio, Noé é representado em pé, tendo em mãos uma tigela de vinho tombada para o chão (no quadro, a tigela está inclinada para a terra em primeiro plano, com apenas um resto de vinho). Ao lado e sobre ele há uma espessa rama de vinha retorcida, da qual o velho bêbado colhe um cacho. Do outro lado do ângulo, exatamente como no quadro,