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Acesso à Justiça, Estado e Cidadania: para além de um paradigma normativista
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Ebook194 pages4 hours

Acesso à Justiça, Estado e Cidadania: para além de um paradigma normativista

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A obra trata do acesso à justiça numa perspectiva crítica, de modo a fazer uma análise do instituto através de uma leitura sobre as funções do Estado no sistema capitalista juntamente com a ideia de Cidadania e Democracia. Deste modo, defende-se que a emancipação social conquistada através de um pleno exercício da cidadania é um importante fator de conquistas e efetivação dos direitos. Também é enfatizado na obra o estudo do acesso à justiça à luz dos direitos fundamentais.
LanguagePortuguês
Release dateFeb 8, 2021
ISBN9786558777533
Acesso à Justiça, Estado e Cidadania: para além de um paradigma normativista

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    Acesso à Justiça, Estado e Cidadania - Frederico Pinho

    Bibliografia

    1. INTRODUÇÃO

    As pesquisas e trabalhos sobre o acesso à justiça, ao longo dos tempos, têm-se concentrado, primordialmente, no plano da ampliação dos direitos ou da sua efetivação através do processo, isto é, a atenção dispensada pela doutrina em relação à evolução e concepção do acesso à justiça se concentra, em muitos aspectos, na esfera normativa. Este quadro é pautado na seguinte lógica: os direitos positivados não são aplicados no plano social, tendo como uma das causas a ineficiência dos poderes constituídos, com especial destaque para o Poder Executivo e Poder Legislativo, o que faz gerar uma alta demanda para o Poder Judiciário em busca da concretização destes direitos.

    Deste modo, em virtude do seu alto significado constitucional e social, as discussões e propostas para o melhoramento do acesso à justiça – embora não limitem o seu sentido e alcance ao ingresso aos tribunais – quase sempre detêm a sua análise na busca de efetividade dos direitos consagrados no plano constitucional e infraconstitucional, seja na criação de mais direitos, seja no aperfeiçoamento de técnicas processuais, nas formas alternativas de resolução dos conflitos ou no aparelhamento das funções essenciais à justiça, entre outras coisas. Ou seja, invariavelmente, o objeto de análise concentra-se, primordialmente, no plano do direito positivo.¹

    São estas características, em linhas gerais, que refletem seu valor no Estado contemporâneo, de acordo com uma proposta de análise jurídica. Nesta ordem de ideias, um dos fatores de desenvolvimento do acesso à justiça deve-se, sobretudo, pela mudança de entendimento promovida pelo constitucionalismo. A Constituição passa a ser dirigente, documento vinculante em relação a todos os poderes constituídos e não somente um diploma de mera exortação política. Essa noção causou forte impacto no tema do acesso à justiça no século XX.

    Um fenômeno que pode ser constatado, de acordo com a afirmação descrita, refere-se ao aumento da judicialização da política ou ativismo judicial, tema controverso e que tem raízes fincadas no acesso à justiça.

    A crescente onda de litigiosidade, muito impulsionada pela falta de justiça social e pela distribuição desigual de direito básicos, deixa escancarada uma situação de contradição social que, por sua vez, termina por impactar no Judiciário que, certamente, será demandado para se pronunciar sobre a falta de aplicabilidade das normas constitucionais.

    Pode-se constatar, numa análise inicial e sumária, que este quadro gera um ciclo vicioso. Os órgãos de diretrizes políticas não cumprem de forma adequada e integral as proclamações previstas no ordenamento jurídico e o judiciário é provocado a concretizar, mediante um processo jurisdicional, os direitos básicos previstos no ordenamento jurídico. É como se todas as mazelas sociais fossem desaguar na esfera do Judiciário e os problemas sociais, então, pudessem ser resolvidos ou atenuados.

    Daí, então, percebe-se uma vertiginosa onda de litigiosidade que brota constantemente do tecido social. Esta litigiosidade exacerbada, por sua vez, não é fruto de um determinismo ou de um evento de caráter singular, mas acontece em decorrência de um processo histórico que se encontra estruturalmente ligado ao sistema econômico que rege a sociedade. Trata-se, pois, de uma crise estrutural que tem nítidos reflexos para o acesso à justiça.

    É possível dizer através da leitura da Constituição Federal vigente que o Estado aparece como provedor de direitos, principalmente de direitos sociais. Contudo, em virtude da grande dificuldade dos direitos e das políticas públicas abarcarem, igualmente, todos os setores ou camadas da sociedade civil, o protagonismo do acesso à justiça e da efetivação dos direitos passa a ser deslocado para o Judiciário e a aposta para a sua efetivação concentra-se, em muitos aspectos, na busca ou criação de instrumentos para efetivar as suas decisões, bem como no melhoramento da justiça.

    É necessário, contudo, redimensionar o estudo e desenvolvimento do acesso à justiça. Os estudos do acesso à justiça devem estar, inexoravelmente, pautados em critérios de justiça social, voltados à percepção das desigualdades com a sua obrigatória diminuição.

    E não é só: é elementar compreender que as raízes e as causas constituintes da desigualdade e exploração derivam da forma de reprodução social, que é ordenada por um sistema capitalista que, também, é totalizador e desigual.

    Neste aspecto, como será demonstrado ao longo desta obra, o Estado através de suas instituições políticas e jurídicas funciona como um terceiro garantidor deste sistema complexo. A dinâmica das relações sociais é pautada sob a forma de valor, expressada no dinheiro e sob a forma política, que reflete a existência de um Estado separado da sociedade. Nesta ordem de ideias, os institutos jurídicos funcionam, ainda que de modo não exclusivo, como forma de legitimar a dinâmica capitalista e as formas sociais vigentes.

    A linha de raciocínio aqui adotada parte de premissas teóricas totalmente distintas do que aquelas usualmente utilizadas para o estudo do acesso à justiça. Defende-se que a plena realização do acesso à justiça também pode estar pautada na dinâmica das relações sociais. A noção de cidadania está imbricada com a participação política e com os movimentos sociais para a conquista de direitos. Não existe possibilidade de mudanças efetivas em larga escala no que tange especificamente ao acesso à justiça se não houver mobilização popular e desenvolvimento das pessoas em relação aos conflitos e dificuldades que devem ser vencidas.

    É preciso entender que a busca pela implementação e efetivação dos direitos, em uma ampla dimensão, passa por uma cultura política ativa das bases sociais e não pela via exclusiva dos poderes constituídos. A cidadania e a emancipação social devem ser buscadas e conquistadas na base das relações sociais, de modo que ela – a cidadania – não pode ser terceirizada ou substituída pelo Poder Judiciário, pois este fenômeno acarretará reflexos na democracia.

    Deste modo, as ideias expostas na presente obra se distanciam da concepção predominante do acesso à justiça, sobretudo, por dois fundamentos básicos. Em primeiro lugar, parte-se da premissa de que o Estado não é uma coisa ou um ente racional que atua como uma única finalidade ou propósito, mas sim como um complexo de relações sociais, ou seja, o Estado surge como entidade separada das classes sociais e que reflete em sua conjuntura relações de domínio, de desigualdade e exploração. Portanto, o Estado não pode ser compreendido de forma direta.

    A ideia de Estado, como pessoa jurídica de direito público, dotado de soberania e de uma Constituição, além de outros elementos, é uma ideia de predominância jurídica e que, aqui, será objeto de crítica por ser insuficiente para explicar a atuação do Estado na sociedade sob a perspectiva do acesso à justiça.

    As instituições estatais e o processo político refletem esse quadro de luta e de desigualdade existente no tecido social e, desse modo, pode-se afirmar que o Estado, por si só, não tem peso fundamental para modificar a realidade através do seu aparato jurídico e governamental.

    O senso comum teórico que permeia o imaginário de muitos estudiosos sobre o acesso à justiça, é que o Estado tem por função promover o bem comum e dar conta de uma totalidade social e quando as prescrições legais não atingem as camadas mais desfavorecidas da sociedade, pelos mais diversos motivos, o próprio Estado concede um arcabouço jurídico para que os cidadãos alcance determinados direitos básicos, contudo, ao mesmo tempo, não opera de modo universal e igualitário esse mesmo arcabouço.

    Nestes termos, torna-se um problema insolúvel pensar que o Estado, através do ordenamento jurídico e das políticas públicas, efetivará todos os direitos proclamados na Constituição Federal e quando não concretizados, o próprio Estado – por meio do Poder Judiciário – promoverá a transformação social tão almejada. Trata-se, efetivamente, de um quadro complexo.

    Como segundo fundamento, a ideia de acesso à justiça deve estar inexoravelmente ligada à ideia de justiça social, de forma que o direito funciona como um componente vital para a preservação das conquistas obtidas. A justiça social deve ser entendida como uma sociedade pautada num ambiente de liberdade, de emancipação das pessoas, onde nenhuma seja tratada como cliente ou consumidora, mas sim como sujeitos capazes de decidir sobre aquilo que realmente necessitam. Deste modo, haveria uma transformação radical na relação entre indivíduo e sociedade, e a ideia de consumo coletivo e produção coletiva obedeceria a uma nova diretriz.

    Para a consecução desta transformação, deve-se ampliar substancialmente as formas de vida, de modo a não deixar as formas de interação social adstritas à forma mercantil. Deve-se construir novos paradigmas de serviços essenciais às pessoas, como saúde, educação, lazer, transporte público, moradia, entre outros. Para a finalidade aqui proposta, o acesso à justiça deve ser estudado na perspectiva das bases sociais através da promoção de uma cultura política ativa, ou seja, a conquista de uma sociedade mais igualitária deve passar por uma reformulação radical das relações sociais, sendo que a cidadania emancipatória passa a ser vista como um componente importante do conceito de acesso à justiça. Esse aspecto tem especial relevância.

    O exercício da cidadania desempenha um fator de promoção para o estabelecimento pleno do acesso à justiça. São conceitos que se encontram, à toda evidência, imbricados na proposta defendida nesta pesquisa. Destaca-se que o Judiciário não deve funcionar como um elemento substitutivo do cidadão na luta por uma melhor condição de vida. Essa luta se faz através de movimentos sociais e na modificação das relações sociais pautadas em um sistema de exploração.

    O Judiciário, em tema de acesso à justiça, desempenha ou deve desempenhar a importante função de preservar as conquistas obtidas num cenário social e político adequado para a concretização do direito posto. O acesso à justiça, apto a propiciar uma justiça social, não ocorrerá somente através da modificação dos arranjos institucionais (de caráter jurídico), mas sim através da ruptura das relações sociais, com uma cidadania plena.


    1 Na doutrina brasileira, percebe-se o aumento de trabalhos doutrinários que se debruçam sobre a mediação e conciliação. Conferir o importante trabalho de CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 25-112.

    2. A CRISE DO ESTADO E DO CAPITAL

    2.1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS

    O capital está permeado como elemento totalizador no âmbito da dinâmica das relações sociais e, como será demonstrado mais adiante, também na esfera política.

    Interessante é a passagem no preâmbulo do livro o Enigma do Capital de David Harvey, onde o autor aponta que:

    O capital é o sangue que flui através do corpo político de todas as sociedades que chamamos de capitalistas, espalhando-se, às vezes como um filete e outras vezes como uma inundação, em cada canto e recanto do mundo habitado. É graças a esse fluxo que nós, que vivemos no capitalismo, adquirimos nosso pão de cada dia, assim como nossas casas, carros, telefones celulares, camisas, sapatos e todos os outros bens necessários para garantir nossa vida no dia a dia.²

    O Estado passou a assumir o controle sobre todas ou quase todas as facetas da vida social e este Estado, portanto, atua por meios das suas instituições e órgãos que reflete os estágios de acumulação do capital e da dinâmica social.

    No capitalismo, invariavelmente, o Estado é interventor e sua forma política é capitalista, pois os meios de financiamento das ações sociais e para o necessário custeio da máquina pública são retirados do processo capitalista de produção e de valorização. Por conseguinte, como o processo de acumulação do capital encontra-se propenso a crises e colapsos, em decorrência de alguma paralisação deste fluxo de circulação do dinheiro, o Estado, do mesmo modo, entra em crise.

    Como ente estatal surge como um reflexo e uma condensação das relações sociais contraditórias, que são estruturadas na desigualdade, esta conjuntura acarreta sempre novas crises institucionais e, portanto, propicia novos arranjos no sistema jurídico e político. Nestes termos, a crise do capital enseja no tempo e no espaço uma modificação e uma intervenção do Estado como forma de manutenção do sistema.

    Estas ideias serão desenvolvidas nos itens e capítulos a seguir.

    2.2 - O CAPITALISMO COMO PROCESSO TOTALIZADOR E IRRESISTÍVEL DAS RELAÇÕES SOCIAIS

    O capital, como destacado por David Harvey, não é um bem que possa ser apreendido pelos nossos sentidos, não é uma coisa, mas um processo em que o dinheiro entra em uma dinâmica constante de circulação objetivando a busca de mais dinheiro. Os capitalistas, então, os protagonistas desse processo de circulação do dinheiro, assumem identidades diferentes e estratégias distintas.³

    Sendo o capital um processo de acumulação constante, ainda de acordo com o pensamento

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