O efeito backlash como estímulo à accountability do sistema de justiça brasileiro
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O efeito backlash como estímulo à accountability do sistema de justiça brasileiro - Bruno Ávila Fontoura Kronka
Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
A pesquisa tem como objeto a relação entre o impacto de reações sociais e políticas às decisões tomadas em sede de jurisdição constitucional no Brasil e a introdução de novas ferramentas de accountability que aferem a atuação dos membros do Sistema de Justiça³.
A discussão sobre o efeito backlash oriundo de desacordos morais principiados por precedentes judiciais e os efeitos sobre a própria atuação do Poder Judiciário e demais instituições do sistema de justiça surge como assunto a ser abordado, com especial destaque às reações das organizações sociais (como a imprensa e movimentos organizados), legislativas e até de emendas à constituição como respostas imediatas impulsionadas pela pressão do lobby político.
Teóricos tais como Michael Klarman (1994) e Cass Sunstein (1999), cada um à sua maneira, tendem a superestimar os custos do backlash e a subestimar os seus benefícios. Um exemplo desse medo é a recorrente simpatia pelo chamado Minimalismo Judicial
, que apregoa mínima intervenção da Corte Constitucional para evitar que as decisões protetivas a direitos fundamentais gerem como consequências retrocessos políticos e culturais. Cabe ao Judiciário antever eventuais reações à sua atuação, de modo a promover soluções estratégicas que evitem conflitos futuros e um eventual enfraquecimento do Estado Democrático de Direito? Ou a postura judicial deve ser sempre destemida e independente, não importando as consequências sociais e políticas advindas de cada decisão?
O Constitucionalismo Democrático é oferecido como uma alternativa de visão constitucional que equilibra a interdependência inevitável entre lei e política (POST; SIEGEL, 2007). Partindo-se da premissa estabelecida pelo marco teórico adotado neste estudo, do constitucionalismo democrático para o qual as reações sociais e políticas das partes interessadas, após o processo decisório não representam uma ameaça à Democracia, mas a fortalecem, questiona-se: o efeito backlash de decisões tomadas em sede de jurisdição constitucional pode tornar o Sistema de Justiça mais accountable?
A resposta a esse questionamento torna-se especialmente relevante quando vislumbradas as questões de atual efervescência no Brasil, que inevitavelmente chegam ao Supremo Tribunal Federal e fazem parte de um intrincado sistema de diálogo social e institucional.
No âmbito do Poder Judiciário, Mauro Cappelletti (1989) propôs encontrar o ponto de equilíbrio entre os dois valores democráticos da independência e responsabilidade dos magistrados, potencialmente conflitantes, sintetizando a ideia de que o poder deve ser controlado para que não sofra desvios. Busca-se responder, de certa forma, à antiga questão proposta por Juvenal em Sátiras
: Quem vigia os vigilantes
?
Pretende-se testar a seguinte hipótese: o efeito backlash às decisões tomadas em sede de jurisdição constitucional pode funcionar como mecanismo de ampliação da accountability do sistema de justiça.
Busca-se responder ao problema da pesquisa a partir de uma revisão bibliográfica na doutrina, legislação e jurisprudência nacionais e internacionais, considerando que, apesar de amplamente debatido no meio acadêmico internacional (majoritariamente estadunidense), o efeito backlash é um assunto relativamente novo no âmbito jurídico brasileiro. O trabalho também traz uma revisão bibliográfica do estado da arte sobre a temática da accountability do sistema de justiça. Tais revisões foram desenvolvidas sob o contexto da metodologia qualitativa, em que se utilizou a técnica de análise documental sobre a jurisprudência pesquisada e sobre os marcos teóricos adotados, de modo a permitir a identificação de uma ampliação da accountability estimulada pelo efeito backlash ocorrido nos casos estudados.
No capítulo inaugural propõe-se um estudo do "efeito backlash", a partir de sua apresentação conceitual e origem do instituto. Passa-se a caracterizá-lo como parte do fortalecimento da Democracia, conforme o marco teórico do constitucionalismo democrático.
No capítulo seguinte, passa-se a analisar a accountability como uma abordagem para a construção de uma responsabilização que se baseia em engajamento cívico, ou seja, em que são cidadãos comuns e/ou organizações da sociedade civil que participam direta ou indiretamente da fiscalização do Poder Público (MALENA; FOSTER; SINGH, 2004, p. 3). Este trabalho vale-se dos critérios adotados pela ENCJ (European Network of Councils for the Judiciary) para aferir de forma objetiva a accountability do Sistema de Justiça perante as partes interessadas⁴. Além desses parâmetros objetivos, são utilizadas as definições de accountability encontradas na doutrina mais abalizada, a fim de que as diversas dimensões do instituto possam fornecer pistas para verificarmos nos casos concretos os mecanismos criados para tornar as instituições mais transparentes, participativas, responsivas, e eticamente responsáveis. Essas classificações são parâmetros adequados para auxiliarem na busca da resposta ao problema da pesquisa.
No último capítulo, direciona-se a pesquisa à discussão dos casos que configuram efeito backlash a decisões do Poder Judiciário no exercício da jurisdição constitucional, sob o prisma da capacidade de ampliação da accountability do Sistema de Justiça em cada situação. Optou-se por fazer um levantamento de casos exemplificativos mais recorrentes na doutrina do efeito backlash no Brasil a partir de precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Operação Lava Jato, segundo a bibliografia levantada.⁵
Por fim, as considerações finais apontam para as respostas encontradas para o problema da pesquisa. Traça-se uma linha lógica demonstrando o cumprimento do objetivo geral do projeto, bem como indicando os métodos científicos adotados na conclusão sobre a confirmação da hipótese inicialmente proposta.
3 A opção metodológica pela utilização do termo sistema de justiça
já no título do trabalho justifica-se pela abrangência do estudo realizado. Não se tem como foco apenas a atuação das Cortes judiciárias ou de juízes brasileiros na jurisdição constitucional. A análise sobre a ampliação do uso de mecanismos de accountability engloba membros e instituições de todo o sistema de justiça, tais como do Ministério Público, Tribunais de Contas, Defensoria Pública, Ministérios e Secretarias de Justiça e Segurança Pública, OAB(s), etc. Ainda que muitas vezes os exemplos abranjam apenas o STF e outros Juízos, opta-se preferencialmente pela referência ao à denominação mais ampla do sistema de justiça
, a fim de se evitar restrições indevidas ao objeto da pesquisa.
4 A ENCJ – European Network of Councils for the Judiciary/Réseau Européen des Conseils de la Justice (Rede Europeia de Conselhos para o Judiciário – RECJ), criada no ano de 2004, instituiu em 2013 um grupo de projetos sobre a independência e accountability do Judiciário europeu. As pesquisas passaram a ser desenvolvidas anualmente e passaram a ser estendidas para outros membros e instituições do sistema de justiça, como o Ministério Público e a Ordem dos Advogados dos países observados. Na Europa já houve questionamentos sobre a adequação da utilização dos mesmos critérios para a aferição da independência e accountability de sistemas judiciais tão diversos entre si. Por tais motivos anualmente os parâmetros são reavaliados e eventualmente alterados para a manutenção da eficácia do método. Em razão da ausência de um estudo com alcance semelhante na América Latina, bem como por se tratar de indicadores válidos para a realidade brasileira, optou-se pela reprodução dos indicadores contidos no mais recente relatório da ENCJ (2019).
5 Como ponto de partida foram utilizados os critérios adotados como indicadores de impacto do backlash proposto por Fonteles (2019, p. 105-109) para escolha dos precedentes e identificação casuística do fenômeno.
2. DA HARMONIA ENTRE O CONSTITUCIONALISMO E A DEMOCRACIA
Neste capítulo, pretende-se analisar a utilidade do efeito backlash na democratização do sistema de Justiça sob a ótica do Constitucionalismo Democrático.
O debate tradicional do constitucionalismo opõe o princípio democrático das legislaturas à atuação contramajoritária do Judiciário na defesa de direitos. A expansão da atuação judicial começa a ser questionada a partir da reivindicação de uma maior participação de outros intérpretes no estabelecimento do(s) significado(s) da Constituição.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido protagonista no noticiário nacional, passando a fazer parte dos debates diários da família brasileira, no lugar do Parlamento ou do Governo Federal, em questões políticas. Exemplo disso é que pesquisa no site do jornal Folha de São Paulo (veículo com maior abrangência digital no território nacional e único que possui ferramenta de buscas por ano) demonstrou um crescimento significativo, ainda que não linear, no número de matérias com o termo STF
ao longo dos anos.⁶ Foi realizada pesquisa apenas quantitativa, mas capaz de levar à conclusão de que o número total de matérias com menção ao STF entre 1994 e 1999 foi menor do que o verificado individualmente nos anos de 2012 ou 2013, quando ocorreu o julgamento da ação penal nº 470, conhecida como Mensalão
(CARDINALI, 2016).
Em trabalho sobre a influência da opinião pública no comportamento judicial dos membros do STF, Marcelo Novelino estabeleceu contraponto entre a posição de quem entende que as garantias institucionais (autonomia administrativa e financeira) e funcionais (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade da remuneração) devem vedar a participação popular do processo decisório e dos que defendem que pode haver alguma relação entre a pressão popular e os votos de ministros do STF, desde que isso não signifique subserviência das Cortes. Em determinados assuntos de grande controvérsia e em que haja razoáveis dúvidas, concluiu que os pontos de vista da sociedade podem atuar como razões contributivas para a manutenção ou mudança de uma determinada decisão (NOVELINO, 2013, p. 321).
O risco do julgamento dos magistrados norteados pela opinião pública é que, inversamente proporcional ao aumento do coeficiente democrático da decisão, ocorra a queda da segurança jurídica e do Estado de Direito ocasionada por tal escolha. Por que e até que ponto o Tribunal deve se preocupar com uma reação positiva ou negativa da opinião pública às suas decisões? Esta preocupação efetivamente interfere no resultado final? Em que casos esta interferência tem maior probabilidade de ocorrer?⁷
O Constitucionalismo Democrático, que será tratado de forma mais aprofundada neste capítulo, é uma teoria que pretende auxiliar a construção de um novo modelo do Constitucionalismo Liberal⁸ com maior participação e fiscalização popular. O efeito backlash surge como um elemento constitutivo do constitucionalismo democrático capaz de estimular a ampliação da participação do povo na definição do significado constitucional.
A partir dessa concepção é possível discutir os obstáculos a serem enfrentados pela Teoria Política e Constitucional na normalização do efeito backlash como manifestação democrática e democratizante do poder estatal.
2.1 O JUDICIAL REVIEW EM XEQUE?
O judicial review, comumente traduzido para o português como controle de constitucionalidade, pode ser sinteticamente definido como o poder dos tribunais para examinar a compatibilidade entre as normas e a Constituição. Esse poder de declaração da inconstitucionalidade de normas e declará-las nulas, retirando-lhes os efeitos, transformou o judicial review em um instituto indispensável aos Estados