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Você já é feminista!
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Você já é feminista!

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Você já é feminista! Duvida? Esta segunda edição do livro organizado pelas jornalistas Nana Queiroz e Helena Bertho, da Revista Azmina, foi toda atualizada e ampliada. Além do teste para saber com que corrente do feminismo você se identifica mais, do glossário com termos sobre diversidade de gênero e de orientação afetivo-sexual e outros assuntos que já estavam presentes na primeira edição, novos temas essenciais foram incluídos, como feminismo cristão, gordofobia, o rompimento do ciclo familiar de trabalho doméstico, os tipos de violência doméstica, a relação – conturbada – de muitas mulheres com suas vaginas, e muitos outros. Vem se incluir ou se aprofundar na luta pelos direitos das mulheres você também!
LanguagePortuguês
Release dateMar 15, 2021
ISBN9786587113203
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    Você já é feminista! - Nana Queiroz

    Saia do armário e se assuma feminista

    Lola Aronovich

    Quando digo que sou feminista desde criancinha, tem quem atire pedras. Como assim, você era feminista com 8 anos? Isso não existe! Bom, essa é a minha realidade. Tive o privilégio de ter pais liberais que, desde cedo, me provocaram um forte senso de justiça. Nos meus diários, eu escrevia que mulheres não eram inferiores aos homens, que podíamos fazer tudo o que os homens podem fazer. Óbvio, não era um feminismo teórico. E ter me assumido feminista com 8 anos não me faz uma feminista melhor ou pior do que ninguém. Só significa que nunca fui contagiada pelo discurso antifeminista. Tudo isso que falam das feministas – que somos ogras peludas e frustradas querendo ser homens – nunca me afetou, porque eu decidi ser feminista muito antes de ser exposta às besteiras que criaturas retrógradas dizem sobre o assunto.

    Por não prestar atenção às definições que os inimigos do feminismo dão às feministas, não tive conflitos para me assumir. Meus lábios nunca sussurraram as palavras sou humanista, não feminista. Nem sou a favor de direitos iguais entre homens e mulheres, mas pelo amor de Deus, não sou feminista!. E muito menos o famigerado sou feminina, não feminista, louvados sejam meus lábios!

    Sempre tive desconfiança de gente que demoniza a luta legítima das mulheres. Só algumas décadas mais tarde é que fui descobrir que os insultos que essa turma conservadora dedica às feministas de hoje são os mesmos usados contra as sufragistas, as mulheres que lutaram pelo direito ao voto 160 anos atrás. Ou seja, eles são conservadores mesmo: não mudam o discurso, não trocam o disco. E não são exatamente criativos.

    Quando comecei a escrever o blog Escreva, Lola, Escreva, quase oito anos atrás, me dei conta de que muitas mulheres não se assumem feministas não tanto pela influência da propaganda antifeminista, mas porque pensam que pra ser feminista é preciso agir de certa forma, ou ter lido um monte de livros. Ler é incrível e ajuda a não ter que reinventar a roda toda vez que se está diante de um dilema. Mas não existe um comitê feminista que vai testar você e perguntar o que Simone de Beauvoir ou Judith Butler escreveram sobre a vida sexual dos pandas. E ninguém vai cassar sua carteirinha se você casar na igreja, pintar as unhas, usar salto alto ou parar de trabalhar por um tempo pra criar um filho.

    Volta e meia talvez surja alguma feminista que não recebeu o memorando do tal comitê inexistente e não saiba que feminismo é sobre escolhas, não sobre proibições. Não se deixe abalar se alguém vier com uma lista de etiqueta feminista e não quiser aceitá-la no clubinho. A verdade é que não há clubinho, porque não existe hierarquia. Ninguém manda. Mas há vertentes, e inúmeras vezes essas vertentes discordam entre si (saiba mais sobre cada uma delas no próximo capítulo). É a vida, todo ativismo tem isso. Eu, pessoalmente, nunca me identifiquei com nenhuma corrente em particular. Pra mim, me assumir feminista já basta. Não preciso rotular meu feminismo em alguma vertente se tenho pontos de concordância com todas elas.

    Agora, as más notícias. Ninguém se torna uma pessoa iluminada por ser feminista. As opressões não desaparecem magicamente depois que você se assume. No máximo você se empodera, se torna mais forte, mais preparada para o combate, mais livre. Mas é um caminho sem volta. Ler uma revista feminina não será mais a mesma coisa. Você também passa a enxergar preconceitos que nem imaginava que existiam.

    Só que vale a pena. E, pra falar a verdade, nem sei se é uma escolha. Num mundo tão cheio de injustiças, ninguém pode se dar ao luxo de não ser feminista.

    O feminismo, esse filho bastardo

    Nana Queiroz

    Enquanto tomavam as ruas e cortavam cabeças sob o lema Liberdade, Igualdade, Fraternidade, os revolucionários franceses mal podiam imaginar que uma parcela não desejada da população também podia se sentir representada: as mulheres. Porque, afinal, quando se fala em acabar com as opressões dos nobres sobre o povo, por que não acabar também com as opressões dos homens sobre as mulheres? Sem querer, os revolucionários e revolucionárias deram a elas um bom arcabouço teórico para começar a construir o feminismo. É por isso que se diz que o feminismo é um filho bastardo da Revolução Francesa.

    Em 1789, os insurgentes escreveram a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que define os direitos individuais e coletivos, resumindo os sonhos para a França pós-revolução. Eles acreditavam que o documento contemplava, por meio da palavra homem, todo o gênero humano. Três anos depois, no entanto, a escritora britânica Mary Wollstonecraft veio à público dizer Peraí, meus caros, a coisa não é bem assim.

    O polêmico livro que ela escreveu em resposta à declaração, Reivindicação dos direitos da mulher, é considerado por muitos historiadores, até hoje, o fundador do movimento feminista. Outras mulheres – e até homens – já haviam escrito em defesa dos direitos das mulheres ou analisado questões de gênero, mas foi Mary quem primeiro compilou, no Ocidente, o incômodo em forma de demandas concretas, inspirando outras mulheres a se organizarem em prol desses objetivos. Os homens instauraram o clima de combate contra tiranos e opressores, e Mary usou esse mesmo espírito para questionar os privilégios que tinham em relação às mulheres. O direito divino dos maridos, tal como o direito divino dos reis, pode, espera-se, nesta era esclarecida, ser contestado sem perigo, afirmou ela na obra.

    Mesmo estando à frente de sua época, Mary naturalmente não se distanciava demais do modo de pensar vigente. Apesar de defender a educação como meio de empoderamento feminino, o que era bastante revolucionário para aquela geração, seu argumento central em defesa das mulheres era o de que elas deviam ser educadas para que fossem mães e esposas mais competentes, beneficiando, assim, toda a sociedade. E, pasme, ela teve que gastar muita tinta defendendo o óbvio: que mulheres não eram inferiores aos homens, elas apenas não tinham acesso a formação e informação como eles. As lutas sistematizadas por Mary guiaram, por muito tempo, as feministas do que hoje é chamada de primeira onda do feminismo – que foi a mais longa de todas.

    Mas contra o que as mulheres estavam se insurgindo, afinal? Contra um sistema que mais tarde foi chamado de patriarcado. O patriarcado pode ser definido, grosso modo, como a organização social em que os homens heterossexuais têm mais poder que pessoas de qualquer outro gênero. Assim são as sociedades em que mulheres não são autorizadas a estudar, dirigir nem votar. Ou, como no Brasil de hoje, em que nós não temos direitos sobre o governo absoluto dos nossos corpos e somos vítimas de violências físicas, psicológicas e sexuais por parte de homens que acham que são nossos donos.

    Àquela época, as mulheres não tinham nenhum desses direitos fundamentais, além de serem proibidas de receber herança, de escolher com quem se casariam e de precisarem, na maioria dos países, de autorização dos maridos até para fazer tratamentos médicos. (E não pense que tudo isso acabou. Atualmente ainda existem locais em que mulheres vivem uma realidade bem parecida: como as sauditas, que só em 2015 ganharam o direito de votar; e as afegãs, que são até assassinadas por insistirem em ir à escola.)

    É importante lembrar que o patriarcado não é o estado natural das coisas e que nem todas as sociedades se organizaram dessa maneira. Existiram e existem muitas sociedades matriarcais ou equânimes em aspectos de gênero entre os indígenas da América e povos da África, por exemplo. Até mesmo na Grécia houve períodos em que se veneravam deusas mulheres e se exaltava o que se chamava de energia feminina. Uma teoria bem popular entre historiadores é a de que as grandes potências europeias exportaram o patriarcado para as outras partes do mundo por meio da escravidão, do colonialismo e, depois, do neocolonialismo. Assim, o que era antes um problema europeu ganhou cores para praticamente todas as mulheres do mundo.

    O feminismo ganha ruas e mentes

    As ideias de Mary ganharam força durante os séculos 19 e 20. Grupos de mulheres se organizaram em diversas partes do Ocidente, destacando-se, especialmente, nos movimentos de independência e de abolição da escravatura. Vale a pena se debruçar sobre a luta dessas mulheres inspiradoras.

    Dos dois lados do Atlântico, feministas compararam a escravidão dos negros à das mulheres, ainda durante a primeira onda. Susan B. Anthony, nos Estados Unidos, e Harriet Taylor Mill, na Inglaterra, são apenas alguns exemplos. Já no Brasil, Nísia Floresta foi a primeira a importar as ideias de Mary, com o livro Direitos das mulheres e injustiça dos homens, de 1832. Ela não só defendia as mulheres, mas queria acesso a direitos iguais também para povos indígenas e negros. Mulheres foram importantes também na criação de rotas ocultas para a fuga de escravos do sul ao norte dos EUA, com grande destaque para irmãs Sarah e Angelina Grimké.

    Em 1851, a ex-escrava Sojourner Truth foi a primeira mulher negra a chamar a atenção para o fato de que a categoria mulher não é única, e que é preciso prestar atenção para as particularidades dentro do grupo. Era um pequenino embrião do feminismo interseccional que se desenvolveria durante a terceira onda.

    Enquanto a Revolução Industrial fez com que mulheres abandonassem sua produção artesanal doméstica de itens que poderiam ser vendidos para incorporarem-se à mão de obra das indústrias, também tornou o trabalho feminino ainda mais desvalorizado, financeiramente falando, em relação ao trabalho masculino. Homens eram ainda mais bem pagos em relação às mulheres do que são hoje.

    Foi no chão de fábrica, portanto, que o feminismo socialista ganhou força, ainda em seus primórdios. E foi também lá que as sufragistas se conheceram e se organizaram na campanha de desobediência civil pelo voto na Inglaterra.

    Na segunda metade do século 19, o Brasil também fervilhava e jornais independentes pregavam a boa nova do feminismo, como o Jornal das Senhoras e O sexo feminino. Foi no final desse século que universidades de nosso país – e também no Chile, no México e na Argentina – passaram a aceitar alunas do sexo feminino.

    O século 20 foi de intensificação da luta das mulheres e das primeiras grandes conquistas. Começou com a luta das chinesas pelo fim da prática dolorosa de amarrar os pés de meninas para impedir que eles cresçam – o chamado foot biding. Elas tiveram uma vitória gradual, fruto da conscientização das famílias. Em 1911, a socialista Clara Zetkin criou o Dia Internacional da Mulher, organizando protestos na Alemanha, Áustria, Dinamarca, Suécia e outros países.

    A Nova Zelândia havia sido, em 1893, o primeiro país a garantir o voto feminino e foi seguida por muitos outros durante as primeiras décadas do século. Alguns exemplos: Noruega em 1910, Reino Unido em 1918, EUA em 1920, Brasil em 1932, França em 1944, Itália e Japão em 1945, Índia em 1950, México em 1953, Suíça em 1971. O último de todos os países a permitir o voto feminino foi a Arábia Saudita, em 2015.

    Importante frisar que nem todas as feministas lutaram pelo direito ao voto e muitas delas achavam que não fazia sentido participar de um sistema político que já era corrupto e constituído sobre bases machistas. É o caso de Emma Goldman e Mary Harry Mother Jones, por exemplo.

    As duas guerras mundiais também colaboraram de maneira inesperada para que mulheres tomassem consciência de que eram uma categoria com interesses em comum. Pela primeira vez, as mulheres brancas foram forçadas a lançar-se ao mercado de trabalho em massa para substituir os homens que estavam no campo de batalha – vale lembrar, de maneira muito triste, que as mulheres negras já trabalhavam pesadamente nas colônias desde a escravidão.

    Chegando ao ano de 1949, surgiu uma bomba chamada Simone de Beauvoir, na França. Ela lançou O segundo sexo, fazendo história com sua célebre frase Não se nasce mulher, torna-se. O que Simone queria dizer com isso é que a categoria que entendemos como mulher, na verdade, não se refere a um conjunto de características naturais, mas socialmente construídas. Ou seja, não nascemos o sexo frágil, mas, se nascemos fêmeas, somos ensinadas a sê-lo. Sua obra abre alas para a liberdade do ser dentro da categoria mulher. Apesar de ser uma leitura um pouquinho complicada, vale a pena debruçar-se sobre a obra: ela é libertadora e permanece bastante atual!

    Outra grande revolução para as mulheres, e que coincide com – e também provoca – o nascimento da segunda onda, foi a pílula anticoncepcional. O remédio possibilitou que nossas mães e avós pudessem separar, com segurança, sua sexualidade da maternidade, ganhando mais independência. Com essa independência surgiram novas questões para reflexão, como o direito ao próprio corpo, à liberdade sexual sem o duplo julgamento do homem pode, mulher não, a negação da maternidade compulsória, maior flexibilidade para a escolha de carreiras como centro da vida, entre outras.

    O lema dessa geração de feministas era o pessoal é político. Já não existia mais um domínio doméstico no qual as feministas não deviam opinar. As mulheres queriam direitos também dentro da família e para o próprio corpo. Feministas dessa época protestaram queimando sutiãs, negaram aos homens o direito de falar em seu nome e valorizaram organizações horizontais em vez de hierarquizadas. Nascia o conceito de irmandade feminina (sororidade).

    Graças às bandeiras dessa geração, hoje são considerados crimes a violência doméstica, o estupro marital, o assassinato de esposas infiéis, o assédio sexual, entre outras violências. Muitos países conquistaram, também, nessa época, a descriminalização do

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