ESPORTE DO OPRIMIDO: Utopia e Desencanto na Formação do Atleta de Futebol
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Um livro como este, apesar de seu cunho acadêmico, expressa, também, as conquistas e vicissitudes, os avanços e recuos, os sonhos e os desafios de e um jovem que deixa sua casa, na mais tenra idade, para viver no internato de um clube esportivo, em busca de um sonho de profissionalização futebolística, como milhares de jovens do mundo e do Brasil. Apresenta, porém, preocupação com questões históricas, sociais, políticas e educacionais específicas relativas à formação do jogador de futebol profissional, reveladas "sem cortes", especialmente por abordar a opressão – mas, também, o eventual e possível processo de conscientização – inerente nas relações de poder que se manifestam nos bastidores esportivos, desde os processos desenvolvidos nas "escolinhas" (comerciais) de futebol, até os que ocorrem no interior dos grandes clubes, que são também formadores de atletas.
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Book preview
ESPORTE DO OPRIMIDO - Hergos Ritor Froes de Couto
Sumário
CAPA
CONSELHO EDITORIAL BIG TIME EDITORA/BT ACADÊMICA
Conselho Editorial Liber Livro:
Ficha Catalográfica
Ficha Técnica
Dedicatória
APRESENTAÇÃO | A PENEIRA – O TREINO – A CONVOCAÇÃO
INTRODUÇÃO | A CONCENTRAÇÃO
PRELEÇÃO | PENSANDO SOBRE O QUE PENSARAM DO FUTEBOL
AQUECIMENTO | DO FUTEBOL AMADOR AO PROFISSIONAL
PRIMEIRO TEMPO | O SONHO DE SER CRAQUE
SEGUNDO TEMPO | O CRAQUE DESENCANTADO
COLETIVA E CONSCIENTIZAÇÃO | CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
Hergos Ritor Froes de Couto
ESPORTE DO OPRIMIDO
Utopia e Desencanto na Formação do Atleta de Futebol
São Paulo | Brasil | Março 2021
1ª Edição Epub
Big Time Editora Ltda.
Rua Planta da Sorte, 68 – Itaquera
São Paulo – SP – CEP 08235-010
Fones: (11) 2079-3460 | (11) 96573-6476
Email: editorial@bigtimeeditora.com.br
Site: bigtimeeditora.com.br
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos do Código Penal), com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
CONSELHO EDITORIAL BIG TIME EDITORA/BT ACADÊMICA
PROF. ANTONIO MARCOS CAVALHEIRO – (Editor)
Graduado em Letras pela Universidade Nove de Julho – Uninove. Editor de livros Acadêmicos e Literários. Escritor.
PRESIDENTE
PROF. DR. JOSÉ EUSTÁQUIO ROMÃO – Graduado em História, pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em 1970 e Doutor em Educação, pela Universidade de São Paulo (USP), em 1996. Diretor Fundador do Instituto Paulo Freire do Brasil. Secretário Geral do Conselho Mundial dos Institutos Paulo Freire.
MEMBROS
PROF. DR. AFONSO CELSO SCOCUGLIA – Professor Titular da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Doutorado em Ciências da Educação (Université de Lyon, França, 2009) e Pós-Doutorado em História e Filosofia da Educação (Unicamp, 2010).
PROF. DR. CASEMIRO MEDEIROS DE CAMPOS – Graduado em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará (1989), mestrado em Educação pela Universidade Federal do Ceará (1996) e doutorado em Educação pela Universidade Federal do Ceará (2013).
PROF. DR. CÉLIO DA CUNHA – Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1987). Pós-doutoramento na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia(Lisboa).
PROF. DR. DANTE CASTILLO – Chileno, sociólogo. Académico de la Facultad de humanidades de la Univesidad de Santiago de Chile. Investigador de la Unidad de Recherche de I’École Doctorale (ICAR-UMR5191) de la Université Lumière II, Francia.
PROF. DR. JASON FERREIRA MAFRA – Doutor (2007) e mestre (2001) em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado e licenciado em História pela Unisal.
PROFA. DRA. MARTHA APARECIDA SANTANA MARCONDES – Doutora em Educação pela Universidade do Minho/Portugal (2004), validado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
PROF. DR. MAURÍCIO PEDRO DA SILVA – Doutor em Letras Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (2001). Pós-Doutorado em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (2005).
PROF. DR. REMI CASTIONI – Graduado (Bacharelado) em Ciências Econômicas pela Universidade de Caxias do Sul (1991) e doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2002).
MAGALI SERAVALLI ROMBOLI – ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – Graduação em Comunicação Social, com Habilitação em Jornalismo, pela Faculdade Cásper Líbero (١٩٨٦).
Conselho Editorial Liber Livro:
Bernadetti A. Gatti
Iria Brzezinski
Maria Celia de Abreu
Osmar Fávero
Pedro Demo
Rogério de Andrade Córdova
Sofia Lerche Vieira
Ficha Catalográfica
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Esporte do Oprimido. Utopia e Desencanto na Formação do Atleta de Futebol / Hergos Ritor Froes de Couto – São Paulo: BT Acadêmica. 1ª Edição Ebook, Março de 2021.
1ª Edição: Brasília: Liber Livro, 2014. Impresso.
2ª Edição: Revista e Atualizada, São Paulo: BT Acadêmica, Junho de 2019. Impresso.
ISBN: 978-65-86882-32-2
1. Educação. 2. Ensaio 3. Formação profissional. 4. Esporte. 5. Futebol. I. Título.
Ficha Técnica
Projeto gráfico: Big Time Editora | Diagramação: Marcello Mendonça Cavalheiro | Capa: Samuel Tabosa de Castro | Revisão: Autores
Dedicatória
Ao meu pai querido, Agostinho Coleta de Couto, o homem da minha vida, o espelho que espelha o que busca o meu sendo
.
A Ângela Hypollito Peres, minha eterna gratidão, admiração e carinho.
Ao Prof. Dr. José Eustáquio Romão pelo acolhimento, amizade e cumplicidade singular no mergulho profundo do conhecimento acadêmico que resultou na realização desta obra, meu respeito sincero e minha eterna gratidão pelo meu desenvolvimento pessoal.
A minha mãe Marisa Fróes de Couto (in memorian).
PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO
No lançamento da primeira edição deste livro em um evento acadêmico realizado na Universidade Federal do Oeste do Pará, pude falar a respeito do conteúdo da obra e detalhar alguns de seus aspectos, especialmente os que se relacionam com parte da trajetória de minha vida, quando fui jogador de futebol das categorias de base e profissional de um grande clube de futebol do cenário nacional. Também expliquei que o livro é resultante de minha tese de doutorado e que, portanto, não poderia ser apenas uma representação particular das experiências vividas por mim acerca do que ocorre no ambiente futebolístico, dentro e fora do campo, mas que desenvolve, também, reflexões mais histórico-sociológico-políticas e pedagógicas sobre a formação do jogador profissional do esporte bretão. O mesmo se passou quando fui convidado por uma livraria, localizada na cidade de Santarém, no estado do Pará, para apresentar esta obra ao público em geral.
Um livro como este, apesar de seu cunho acadêmico, expressa, também, as conquistas e vicissitudes, os avanços e recuos, os sonhos e os desafios de e um jovem que deixa sua casa, na mais tenra idade, para viver no internato de um clube esportivo, em busca de um sonho de profissionalização futebolística, como milhares de jovens do mundo e do Brasil. Apresenta, porém, preocupação com questões históricas, sociais, políticas e educacionais específicas relativas à formação do jogador de futebol profissional, reveladas sem cortes
, especialmente por abordar a opressão – mas, também, o eventual e possível processo de conscientização – inerente nas relações de poder que se manifestam nos bastidores esportivos, desde os processos desenvolvidos nas escolinhas
(comerciais) de futebol, até os que ocorrem no interior dos grandes clubes, que são também formadores de atletas.
Espera-se que os leitores – acadêmicos ou não, aficionados pelo esporte, ou não – apreciem este exame das relações que ocorrem no futebol e que reproduzem as que se dão em outros ambientes de uma sociedade cuja estrutura desigual e antidemocrática é, em última instância, responsável pelo que se revela, também, no universo específico desta obra: articulações que são tramadas para atenderem, quase sempre, a interesses nem sempre confessáveis e que beneficiam apenas aos membros de uma elite que detêm poder de decisão no setor, em geral apelidada sabiamente pela linguagem popular de cartolas
.
Felizmente este livro foi bem recebido na sua primeira edição, que se esgotou rapidamente, constando, hoje, das bibliotecas físicas de importantes universidades brasileiras, tendo alcançado, também, relativa repercussão popular, graças à divulgação realizada em duas emissoras de televisão (uma de canal aberto e uma de canal fechado, em programas esportivos de grande audiência no território nacional). Em ambas oportunidades, fez-se referência ao conteúdo do livro e à importância do conhecimento acerca da formação de aspirantes a jogadores do futebol profissional, desnudando artimanhas e conchavos que podem abortar sonhos, transformando muitos em verdadeiros pesadelos, no percurso de vida de muitos jovens esportistas, e trazendo prejuízos emocionais e educacionais incomensuráveis.
Em suma, este livro busca revelar os disfarces do fracasso dos que querem debitar na conta das próprias vítimas de sua ação – mais ingênuos e com pouca ferramenta para a compreensão e a interpretação de como verdadeiramente se instauram o sucesso dos que vão adiante e o infortúnio dos que ficam pelo caminho.
Após cinco anos de seu primeiro lançamento, o livro continua atual, pelo muito que ainda se percebe dos conluios remanescentes no ambiente esportivo, não apenas no mundo do futebol, no qual ainda há um maior índice de descarte de candidatos ao profissionalismo, indiscutivelmente por se tratar do esporte da massa, mas também em modalidades esportivas com menor apelo nas mídias e com menor acompanhamento pelo público brasileiro e estrangeiro.
Os detentores do poder de escolha e seleção acabam por atribuir privilégios e vantagens àqueles apadrinhados
, ou aos que se sujeitam às diferentes formas de manipulação, quase sempre coagidos e silenciados pela troca de oportunidades que lhes possam garantir a realização do sonho de ingressar no ínfimo universo dos participantes do estrelato, dos que alcançam participar do banquete celestial
do reconhecimento social, da fama e do fastio financeiro.
Esta segunda edição oportunizou pequenas correções, porque a primeira já havia sido rigorosamente revisada.
Não se termina uma peça escrita com citação, mas eu gostaria de concluir este prefácio à segunda edição com as linhas, não publicadas, do prefaciador da primeira e orientador da tese de doutorado de que resultou esta obra: A harmoniosa combinação dos elementos de conteúdo e forma acabaram fazendo do trabalho de Hergos uma original contribuição, seja para a pesquisa em educação, seja para a investigação científica sobre o esporte mais popular do Brasil
.
Hergos Ritor Froes de Couto
Professor do PPGE-UFOPA
PREFÁCIO
Como sabemos, em geral, nos nossos programas de Mestrado e Doutorado, o(a) estudante sofre a ditadura do orientador
, ou seja, para garantir sua classificação para as minguadas vagas, fica permeável, para não dizer vulnerável, às preferências temáticas e referenciais de seu (sua) orientador(a), renunciando, muitas vezes a seus próprios objetivos de pesquisa. Foi o que quase aconteceu com Hergos Ritor Froes de Couto, autor deste livro.
Conheci Hergos de uma maneira quase casual, mas providencial. Candidato a nosso programa de doutorado em Educação, aprovado e classificado, foi dirigido ao orientador que havia indicado na inscrição. Já a partir dos primeiros encontros, mudou, completamente o projeto original – voltado para a análise da formação do atleta de futebol – que apresentara no processo seletivo para ingresso no programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Nove de Julho (PPGE-UNINOVE). Não me lembro mais dos detalhes de como tomei conhecimento dessa situação e nem porque Hergos acabou mudando de orientador e se me tocou orientá-lo. Assim que iniciamos as sessões de orientação, procurei saber qual era o estranhamento
de Hergos. Estou convencido de que, quando buscamos pesquisar qualquer coisa, é porque estranhamos
as explicações dadas até o momento para a compreensão dela. Em outros termos, quando identificamos um objeto de pesquisa, identificamos um problema ainda não conhecido, ou incompleta e indevidamente conhecido. Pois bem, Hergos estranhava o senso comum que estava convencido pela disseminação a crença de que as escolinhas de futebol
eram a estrada real
para a profissionalização.
Durante quase três anos, Hergos dedicou-se rigorosamente, a ler toda a literatura que não era de seu domínio, na área de educação. Despendeu, também, um esforço impressionante para desenvolver uma imensa pesquisa empírica junto a todos os atores envolvidos nas escolinhas de futebol
, tais como professores, alunos, pais e gestores dessas instituições. Entrevistou, também, inúmeros jogadores profissionais, vitoriosos ou fracassados, reunindo riquíssimo material que, certamente, pode alimentar muitos outros estudos.
Na qualidade de prefaciador não me estenderei mais, porque penso que o leitor será muito mais beneficiado compartilhar, desde já, do estranhamento
talentoso de Hergos.
José Eustáquio Romão
Diretor e Professor do PPGE-UNINOVE
APRESENTAÇÃO
A PENEIRA – O TREINO – A CONVOCAÇÃO
"Eu vim de lá, eu vim de lá pequenininho
Mas eu vim de lá pequenininho
Alguém me avisou pra pisar nesse chão devagarinho..."
(D. Ivone Lara).
Sou natural de uma cidade chamada Santarém que se situa no Estado do Pará. Dentre as muitas comunas paraenses, sem dúvida Santarém é um dos municípios que apresenta uma beleza natural das mais admiradas, tanto por sua variedade de rios, igarapés e praias, como também por suas verdes matas que caracterizam a bela Amazônia – fatores que atraem grande quantidade de turistas durante o ano inteiro.
Meu pai, nascido no interior do Ceará, migrou para o Pará, especificamente para Santarém, e ali construiu sua história. Apaixonado por futebol, tinha comércio e na variedade de artigos que vendia, comercializava também materiais esportivos. Constantemente me presenteava com uma nova bola e um calçado específico para brincar com a pelota.
Dessa forma, desde criança desenvolvi uma predileção pelo jogo de bola e para ajudar tinha meu pai como incentivador e companheiro. Já nessa época, ele me orientava sobre alguns fundamentos do futebol como a condução, o drible, o cabeceio e o chute – estimulava-me a treinar ambos os pés.
As brincadeiras geralmente aconteciam no quintal de casa ou na garagem. Quando meu pai chegava do trabalho, mesmo cansado, bastava eu lhe mostrar a bola e pedir-lhe que fosse o goleiro de meus chutes para seu rosto se iluminar e o cansaço desaparecer.
Com o passar do tempo, meu irmão mais velho passou a ser o principal companheiro de minhas brincadeiras futebolísticas: as plantas de minha mãe, as lâmpadas quebradas na garagem, as paredes marcadas pela sujeira da bola e o portão entortado eram, às vezes, motivos de pequenas rusgas familiares, mas continuavam sofrendo sequelas por causa de nossas brincadeiras. Meu irmão e eu tínhamos, por causa disso, que ouvir os gritos e administrar os aborrecimentos que causávamos a minha mãe, lavando as paredes sujas da garagem, recolhendo os vidros, vasos, galhos das plantas e lâmpadas quebradas, sofrendo pequenos castigos pelas traquinagens típicas da infância e adolescência.
Quando não tinha a companhia desse meu irmão, eu usava as cadeiras, as mesas, os sofás e as colunas da parede como meus adversários e, em corrida frenética, ultrapassava-os, repetida e exaustivamente, com um repertório de fintas e dribles que apenas minha imaginação poderia acompanhar. A qualquer hora do dia ou da noite, eu buscava a bola embaixo da cama e começava o jogo contra os móveis da casa. Apesar de ferir-me às vezes nesse jogo, no final eu sempre vencia e meus adversários imóveis nada podiam fazer. Mas o que importava mesmo era continuar jogando, deixando fluir meu sonho de ser jogador de futebol, alimentado por minha imaginação juvenil.
Com o passar dos anos, a brincadeira de bola inicialmente compartilhada apenas com meu irmão passou a ser socializada também com os amigos da rua, pois este espaço se mostrava mais convidativo que o universo doméstico, além de propiciar outros parceiros vivos para serem alvo dos meus dribles.
A rua de casa era de terra, não havia preocupações com qualquer tipo de trânsito: de vez em quando passava um automóvel; mais intenso
, apenas o tráfego de bicicletas e de pessoas que interrompiam, por instantes, as partidas. Ali, tudo era festa: as brincadeiras eram diversificadas, assim como os desafios mutuamente propostos – éramos amigos da alegria, amigos da diversão.
Havia tempo, criatividade e disponibilidade para tudo. Os jogos infantis iam desde o esconde-esconde, passando pelo pique bandeira, pelo jogo de peteca; empinar pipa e curica[1] também fazia parte do elenco lúdico, mas a predileção de todos se voltava para o futebol.
Quando passamos a nos encontrar constantemente, desenvolveu-se entre nós certa competição. Todos queriam ser reconhecidamente o melhor da rua
; comigo não era diferente: esforçava-me no jogo para fazer jogadas bonitas e marcar muitos gols, de modo a ser apontado como o craque das peladas
da rua.
Constantemente, no final do dia, esperava meu pai chegar do trabalho e enquanto ele tomava seu banho, eu aproveitava para contar-lhe sobre minhas conquistas do dia (dribles e gols) e falar-lhe dos meus sonhos de ser jogador de futebol, substituindo meu grande ídolo Zico, o camisa dez
da Seleção Brasileira e do Flamengo. Imaginava em voz alta as multidões gritando meu nome, as pessoas reconhecendo-me nas ruas como um grande jogador do Brasil, como o novo camisa dez
.
Com 10 anos de idade fui para um colégio em que havia aulas de Educação Física. Lá conheci outros garotos de minha idade que tinham em comum o gosto pela prática do futebol. Entre nós, colegas de colégio, era quase consenso elegermos as aulas de Educação Física como as preferidas, pois na quadra o futebol de salão era o esporte mais praticado. Éramos muito felizes, todos nós, e certamente não o sabíamos. Assim, fomos nos reconhecendo, fora e dentro da quadra, nossa linguagem foi, aos poucos, se transformando no mesmo jargão. Jogávamos futebol no calor escaldante do clima de Santarém, sem nos importarmos com fome ou sede; nossa vontade maior era jogar, jogar, jogar... A diversão nos entusiasmava mais do que qualquer outra necessidade fisiológica: esquecíamo-nos até da hora certa das refeições; já não queríamos ser somente os melhores de nossas respectivas