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O Canto da Via Látea
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O Canto da Via Látea

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About this ebook

Nico é um jovem francês que vive num orfanato em Paris desde que se lembra. Nunca conheceu os seus pais biológicos e leva uma vida um tanto marginal. Porém, tudo muda quando Alphonse, um funcionário da instituição, descobre por coincidência algumas informações acerca do paradeiro da sua mãe. 
LanguagePortuguês
Release dateApr 20, 2021
ISBN9791220294751
O Canto da Via Látea

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    O Canto da Via Látea - Beatriz Gouveia Santos

    látea.

    Agradecimentos

    Agradeço aos meus pais, pelo apoio que me dão todos os dias e por me ensinarem que a educação e a cultura são duas das coisas às quais devemos dar mais valor na vida. Aos meus avós, pela felicidade, pelo entusiasmo e pelo orgulho que irradiam ao saber que a neta escreveu um livro. Ao resto da minha família,

    padrasto, tios, primos, amigos dos meus pais e seus filhos que considero família emprestada, de quem também gosto muito e com quem também aprendo. À professora Brígida, que foi uma das pessoas que mais despertou em mim este gosto por esta coisa tão bonita que é a literatura. Às amigas de longa data, Dany, Maria, Adriana, Bea Costa e Bea Figueiredo. Apesar de não falarmos todos os dias, sei que estão felizes por mim

    e espero que triunfem nas coisas que fazem, porque também fazem coisas fantásticas. À Ana e à Isabel, que, apesar de se estarem sempre a rir de mim, gostam do meu verdadeiro eu e acreditam no meu potencial. À Daniela, a melhor amiga que eu podia ter e com quem posso falar de tudo. Ao Leandro, por me amar todos os dias e por fazer de mim a namorada mais feliz do mundo. Ao Mesut, que apesar de nem sequer saber quem eu sou me ensinou que nada é impossível e que devemos lutar  pelos nossos sonhos, por mais complicada que a nossa vida seja.

    E, claro, à Cordel D´Prata por esta oportunidade incrível! Este livro também é vosso!

    Capítulo 1

    A instituição ficava numa daquelas ruas de Montmartre nas quais os edifícios clássicos e imponentes se encontram desgastados pelo tempo e pelo uso. O quarto tinha os vidros das janelas riscados, sendo possível identificar num deles um corte provocado por uma navalha. As tábuas do chão já haviam perdido a cor há muito tempo e ninguém se admiraria se alguma delas se partisse. Tinha seis beliches de metal com colchões rijos e instáveis, mas sempre era melhor do que dormir na rua. Naquela noite, apenas quatro rapazes estavam presentes. Os outros oito tinham saído, para ir vaguear nos boulevards ou para consumir na estação de St. Denis, quiçá encontrar alguém para passar a noite. Nico estava sentado na parte de cima de um beliche. O luar iluminava ligeiramente o seu rosto. Era um rapaz simples, mestiço, comum. Pente zero. Não muito encorpado, mas com o tronco relativamente definido. Talvez a característica que chamasse mais a atenção seria a sua ligeira semelhança com uma suricata, da qual Marc zombava sempre. Marc era o melhor amigo de Nico, rapaz franzino, branquela, com o cabelo castanho claro encaracolado. Não tão reservado e ponderado como ele – era mais extrovertido, infantil, por vezes um pouco inconveniente. Estavam sentados lado a lado, sem camisola, fumando cigarros enquanto das suas colunas de som emergiam os raps de Chuck D. Estavam de frente para Gerard, que estava ainda com roupa de andar na rua: sweatshirt branca e calças de ganga justas. Mexia no telemóvel, teclando avidamente.

    -Então Gérard? Outra vez no Tinder? – perguntou Nico.

    -Amanhã vou ter com uma miúda a Bobigny, vai ser divertido. Devias instalar.

    -Achas? Tenho a Amélie.

    Namoravam há 3 anos, desde que Nico tinha 14. Ela tinha estado na instituição até aos 8 anos, quando foi adotada por uma família abastada residente em Saint Louis. Após 5 anos sem contacto, Nico conseguira voltar a conectar-se com ela através de um amigo em comum. Apesar de ter ido para um colégio privado e ter adquirido um estilo de vida de abundância, Amélie nunca tinha perdido a sua rebeldia e estava constantemente a opor-se aos pais e ao irmão adotivos.

    -Vá lá, Nico…não sejas assim, pá! – respondeu Gérard, rindo. O mestiço riu-se de volta, já estava habituado às atitudes de garanhão do colega de quarto.

    -Então e tu, Taulant?

    O quarto rapaz encontrava-se sentado na parte de baixo de um beliche ao pé da janela. Lia um livro cuja capa tinha palavras indecifráveis. Tinha 13 anos e tinha vindo da Albânia há quatro. Fora retirado aos pais após sofrer inúmeros abusos físicos. Tirar-lhe uma palavra da boca era uma tarefa relativamente difícil, tanto pelo facto de ser muito introvertido como pelo facto de ainda não dominar totalmente o francês.

    -Nada. – respondeu.

    A conversa continuou entre Gérard, Marc e Nico. Era daquelas conversas sobre assuntos banais mas que geram grandes momentos. Nico sentia-se extremamente bem a falar assim com os amigos, entre música e gargalhadas. Podia ficar assim a noite toda, nem sempre são precisas grandes ações para originar grandes memórias. Às vezes basta ficarmos a conversar assim, durante horas, com pessoas que nos compreendem. De repente, parecia que aquele quarto velho e fracamente decorado, localizado num bairro pobre de Paris, era o centro do universo. Que tudo acontecia ali. Qualquer um dos rapazes se encontrava noutro mundo, noutra dimensão quando, subitamente, alguém bateu à porta.

    -Queres ver que é aquele cabrão do Younes outra vez? – rematou Marc.

    Younes era o manda-chuva da instituição e ninguém gostava dele. Era um homem rude, mal-formado, bruto, e falava sempre para os rapazes com desdém. Até os colegas de trabalho o detestavam. Nico tentava sempre evitá-lo, pois não queria meter-se em problemas.

    Taulant abriu a porta e toda a gente no quarto ficou mais aliviada ao ver que quem estava à porta era Alphonse, o funcionário de quem toda a gente gostava. Era um homem bastante bem parecido, trazia uma camisola azul de manga cava, revelando dois braços cobertos de tatuagens.

    -Sup, Alphonse? – disse o rapaz de cabelo encaracolado.

    -Sup miúdos. Old school hip hop? – respondeu o funcionário, referindo-se à música que soava à sua volta.

    -Nem mais.

    -Mas olhem. Não metam a música muito alto, se não o Younes ainda se passa. – disse, claramente em tom de brincadeira.

    -O Younes que se foda. Manda-o de volta para a Argélia. – respondeu Marc, fazendo toda a gente rir.

    -E cuidado com os cigarros, que sua excelência também não gosta.

    -Hipócrita. O gajo passa os dias a fumar nas escadas do Sacré-Couer. – Marc não teria problema nenhum em dizê-lo diretamente ao indivíduo em questão.

    -Vá…não sejas assim. De qualquer maneira, Nico, posso falar contigo durante uns minutos? Tenho umas informações que te podem interessar.

    Aquando desta afirmação de Alphonse, o ambiente ficou mais tenso. O semblante dos rapazes tornou-se pesado. O rapaz mestiço desceu do beliche em silêncio sob os olhares curiosos e preocupados dos amigos. Que informações seriam? Passar-se-ia algo mau?

    Capítulo 2

    O corredor era escuro, muitas das lâmpadas estavam partidas. Um silêncio sepulcral pairava sobre o resto dos quartos. Já era tarde, e a maioria deles eram frequentados por crianças mais novas que provavelmente já estavam a dormir.

    -Alguém…alguém me quer adotar? É que eu já tenho 17 anos…

    Nico chegara à instituição dias depois de ter nascido. Não sabia quem eram os seus pais. Apenas sabia que tinha sido deixado à porta, enrolado num cobertor com o seu nome escrito a caneta permanente. Típico cliché. Nunca conhecera outro lar para além daquele edifício naquele bairro de artistas. Nunca conhecera outra vida para além daquela, de deambular por Paris com os amigos, tocando às campainhas, observando os turistas deslumbrados, vendo jogos nos cafés, rindo e gozando de idosos conservadores e retrógrados que passavam nas ruas. Até ter mais ou menos 10 anos, tinha todos os dias esperança que fosse adotado. Via as outras crianças a passear com os pais, imaginando como era. O que para uns é a coisa mais comum de todas, para outros é um sonho. Mas depois começou a crescer e desistiu dessa ideia. Ninguém iria querer um adolescente. Então acabou por se habituar à liberdade que tinha. De manhã ia à escola, a todas as aulas. À tarde ficava a passear com Amélie ou com os amigos. Costumavam ir ao Bosque de Boulogne e ficar a tarde toda a conversar e a fumar no café ou à beira do Lago. Por fim, à noite, aventurava-se pela Paris subterrânea, por vezes juntar-se-ia aos colegas em St. Denis ou então ia para a estação de Louvre-Rivoli a contemplar os sarcófagos e o resto das obras de arte.

    -Não, não é isso. Mas tem a ver com a tua mãe biológica.

    Nico sentiu um aperto no coração.

    -Foi uma coincidência. – continuou Alphonse. – A minha mãe conheceu uma mulher no aeroporto.

    -No De Gaulle?

    -No Orly. Ela ficou tão ocupada a apontar as informações que nem sequer ficou com o contacto da mulher. Apenas sabe que se chamava Eloise e que ia para Milão.

    -Ela conhecia a minha mãe?

    -Vagamente. Eu explico tudo.

    -Força.

    -A tua mãe é criada e chama-se Charlotte . A família que ela servia na altura, e que provavelmente ainda serve, os Dubuc, vivia numa quinta aqui nos arredores de Paris. Por sua vez, a Eloise vivia numa quinta vizinha, cuja criada era amiga da Charlotte.

    O jovem ouvia atentamente todas as palavras de Alphonse, como se estivesse a ouvir uma explicação de um professor na véspera de um importantíssimo exame.

    -Ela estava grávida, os patrões não sabiam e ela não queria ser despedida – continuou o homem - Então pronto, acabou por fazer aquilo que tu sabes. Deixou-te à porta da instituição. Aliás, foi por aí que começou a conversa entre a minha mãe e a Eloise. Ela disse que eu trabalhava aqui e surgiu esse assunto.

    -E tens a certeza deque o bebé era eu?

    -Quem mais podia ser? Bate tudo certo. Não há muita gente a deixar os filhos aqui à porta. Aconteceu há cerca de 15 anos, disse ela. Tu tens 17. Além disso, não temos muitos africanos na instituição, e os outros que temos a maioria temos informação dos pais biológicos. Só podes ser tu.

    -Quais são as origens dela?

    -A Eloise não tem a certeza, a criada dela disse-lhe por alto, ela pensa que seja do Senegal.

    -E o meu pai? – perguntou, curiosíssimo. Obviamente que a identidade do seu pai também lhe interessava imenso.

    -Pelo o que a criada lhe disse, o teu pai era o namorado da Charlotte na altura. Não consegui obter grandes informações sobre ele. Apenas que era negro, que tinha rastas e que se chamava Jamal.

    -Então e a minha mãe ainda vive nessa quinta?

    -Não, uns 3 anos depois eles mudaram-se para uma casa na zona rica de Barcelona e ela foi com eles.

    -Barcelona?! – disse o mestiço, quase num grito. Agora, que finalmente descobria algo sobre a sua mãe, ela morava no estrangeiro? Espanha podia fazer fronteira com França, mas, para ele, Barcelona era uma realidade altamente distante e apenas atingível, quiçá, por via do futebol.

    -Sim. – confirmou o funcionário, assertivamente.

    -Não tens o apelido ou assim? Podia tentar procurá-la no Facebook.

    -Não, mas tenho algo melhor. A morada. – piscou o olho esquerdo, comprometedoramente.

    -O quê? Como? – exclamou Nico, não querendo acreditar no que ouvia.

    -Eu fui lá, à tal quinta. Aquilo agora é uma associação recreativa, mas no meio da papelada consegui obter algo em relação à mudança de casa. Posso dizer que tive bastante sorte, estas informações são bastante difíceis de encontrar. Felizmente, após quase uma hora à procura, encontrei uns ficheiros com fotografias e informações acerca da casa. Podia não ter encontrado. Aponta aí.

    -Diz. – o rapaz estava estupefato com todo o trabalho que Alphonse tivera. Ficou feliz por ter alguém que se preocupasse assim tanto com ele. Sentiu-se extremamente grato e amado naquele momento. Aquele vigoroso funcionário podia ter os braços plenos de músculos e de tatuagens, mas tinha um coração tão grande como a sua dedicação. 

    -75, Calle Joan Piper, Barcelona. Também tirei uma foto ao ficheiro que tinha as imagens da casa, vou mandar-te para o whatsapp.

    -Não dá para ligar para lá?

    -Não. Mas aqui na instituição podemos pagar-te a viagem e um hotel para ficares. Não pode é ninguém ir contigo, mas de qualquer maneira isso não constitui um problema porque daqui a dois meses já te vais tornar maior de idade.

    Uma intensa exclamação saiu, automaticamente, da boca do rapaz. Primeiramente, foi invadido por um ligeiro sentimento de culpa. Não se sentia propriamente bem em pensar que a instituição iria gastar tanto dinheiro com ele, dinheiro esse que poderia ser talvez utilizado para melhoramentos das instalações e das condições de vida das crianças que lá moravam. No entanto, aquela poderia ser a oportunidade de uma vida. A oportunidade de poder, finalmente, encontrar as suas origens. Além disso, a ideia de visitar um novo país atraía-o imenso.

    -Muito obrigado, Alphonse. – suspirou. – Nem sei como te agradecer por teres feito isso tudo por mim.

    O homem sorriu amavelmente.

    -Se quiseres, podes já começar a ir ver o percurso do metro para o aeroporto.

    -O De Gaulle ou o Orly?

    -O Beauvais. – riu-se. – estou a gozar, o De Gaulle.

    Capítulo 3

    Quando voltou ao quarto, tanto Taulant como Gerard já dormiam, eram quase 4 da manhã.

    -Nico? – ouviu Marc a sussurrar.

    -Sim?

    -É algo de mau?

    -Não. Ouve. – segredou-lhe o mestiço - Encontraram a minha mãe biológica.

    -O quê? – interrogou o rapaz de cabelos encaracolados, altamente pasmado com o que acabara de ouvir - Mas ela vem buscar-te?

    -Não. Não. Ela mora no estrangeiro. Em Barcelona, pelos vistos .

    -O quê? Em Barcelona?

    -Parece que sim. Eu quero saber tudo. Tudo sobre ela. O Alphonse está a tentar fazer com que a instituição me pague as coisas. – falava cada vez mais depressa, tamanha era a emoção que sentia naquele momento.

    -E vais quando? – Marc ainda estava demasiado surpreendido com a notícia e não conseguia evitar fazer todas aquelas perguntas incessantes. Nunca pensara que o seu melhor amigo viesse a descobrir o que quer que fosse acerca do paradeiro da mãe. Desde pequeno que assumira que a mulher estivesse morta e nunca concebera a hipótese da sua identidade vir a ser sequer revelada.

    -Devo ir nas férias de verão. Falta menos de um mês.

    -Vais sozinho? – fez a pergunta por sentir uma ligeira pontada de inveja. Também queria ir a Barcelona. Também queria voltar a ver os seus pais, de quem tinha sido retirado com quatro anos por negligência.

    -Não sei. Tenho de falar com a Amélie. Amanhã falamos melhor, estou cansado. – na verdade, não estava. Simplesmente não queria continuar aquela conversa naquele momento. Tinha uma enormíssima quantidade de coisas em que pensar e, por muito que gostasse de Marc, não estava com paciência nem disposição para responder àquele infindável interrogatório – Boa noite.

    -Boa noite.

    *

    Nico dormiu cerca de três horas. Por volta das sete da manhã já conseguia ouvir o ruído vindo do corredor, provocado pelas crianças.

    -Raio dos putos. – disse, entre um bocejo, uma voz ensonada que não estivera no quarto na noite anterior. Era Mathys o rapaz mais velho da instituição, devia ter voltado de St. Denis por volta das cinco.

    -Já é hora de acordar. -respondeu o mestiço, bocejando.

    Vestiu-se e falou com Gérard e Taulant sobre a conversa com Alphonse. Ambos tiveram uma reação parecida com a de Marc, até mesmo o tímido albanês. Depois desceu com o melhor amigo para o pequeno almoço. A sala principal já estava cheia por causa dos miúdos mais novos, então tiveram de se dirigir a um pequeno cubículo com vista para um modesto pátio nas traseiras. Uma das mesas já estava cheia com rapazes da idade de Taulant e os únicos lugares vazios encontravam-se na mesa onde Younes estava sentado. Usava uma camisola do Saint-Etiénne e uns óculos Ray Ban não graduados, enquanto lia um jornal sensacionalista que noticiava um assassinato decorrente de uma briga numa taberna em Nantes.

    -Ótimo. – murmurou Marc, ironicamente. Porém, não havia nada a fazer a não ser sentar-se.

    -Bom dia. – cumprimentou Nico, não obtendo uma resposta do argelino, que

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