Discover millions of ebooks, audiobooks, and so much more with a free trial

Only $11.99/month after trial. Cancel anytime.

Em Nome de Deus
Em Nome de Deus
Em Nome de Deus
Ebook266 pages9 hours

Em Nome de Deus

Rating: 0 out of 5 stars

()

Read preview

About this ebook

“A vida é um enigma e a morte uma aberração que faz da vida um momento de transposição para o Além. É ténue a linha que separa a vida da morte. Só se começa a dar importância à vida quando se está a morrer. É aqui que o sobrenatural toma o seu lugar, na MORTE!" 
LanguagePortuguês
Release dateApr 20, 2021
ISBN9791220295758
Em Nome de Deus

Related to Em Nome de Deus

Related ebooks

Thrillers For You

View More

Related articles

Related categories

Reviews for Em Nome de Deus

Rating: 0 out of 5 stars
0 ratings

0 ratings0 reviews

What did you think?

Tap to rate

Review must be at least 10 words

    Book preview

    Em Nome de Deus - Álvaro Caeiro

    2017

    PRÓLOGO

    ‘A morte é o princípio da vida, assim como um fruto podre se transforma em semente para voltar de novo a ser fruto’.

    Paris, Sexta-feira, 13 de novembro de 2015, dia de bruxas, noite de horrores.

    A INQUIETUDE. Esta palavra dava um excelente título para um livro. Um livro sobre qualquer temática do desassossego. O inquietamento de quem não sabe estar sossegado. A inquietação é a palavra de momento, associada que está à palavra indignação. A sociedade atual permite o uso e abuso destas duas palavras. Vivemos em constante estado de deslumbramento inquietante e num desassossego indignado e permanente. O mundo transforma-se a cada instante e o dia rapidamente dá lugar à noite.

    Esta é uma noite diferente. Uma noite que pode abalar o mundo. A cidade das mil luzes, onde as palavras LIBERDADE, IGUALDADE e FRATERNIDADE tomam outro sentido, foi crivada de morte. As imagens televisivas descrevem um cenário de terror e os testemunhos são chocantes. Não é a noite do holocausto, nem a noite da caça às bruxas, mas é uma noite diferente. Vivemos num estado de guerra permanente, planetário, claustrofóbico. Vivemos em permanente estado de medo, angústia e solidão. ‘O terrorismo obriga-nos a lutar pela vida’, mas por vezes o terrorismo é a causa da nossa morte. A melhor forma de homenagear os mortos não é chorá-los, é não os esquecer.

    Ouço na rádio uma expressão axiomática: ‘A contagem decrescente para a morte inicia-se no momento em que nascemos’. Curiosamente dou por mim a refletir sobre a essência da vida e a natureza da morte. Há quem afirme que a ‘vida é um jogo e a morte faz parte dele’. Macabro pensamento, talvez. Mas é um facto que a vida é um tabuleiro de xadrez limitado, castrante, construído num cenário dantesco, onde forças invisíveis controlam os movimentos das peças que serpenteiam de quadrado em quadrado, fugindo ou expondo-se, segundo critérios ou jogadas previamente delineadas e que terminam com o ‘cheque mate’ ao REI, provocando a sua queda, leia-se ‘morte’.

    No caos ciclópico onde mergulhamos, a vida é o caminho que nos conduz para o ‘buraco negro’, espaço emergente do vazio, sem princípio nem fim, onde tudo acontece. Ninguém ‘decide’ nascer, ninguém ‘evita’ morrer. Tudo é controlado por forças invisíveis a que hoje damos o nome de DEUS, e a que antigamente chamávamos DEUSES. ‘Na mitologia grega as Parcas eram as três irmãs que determinavam o destino, tanto dos deuses, quanto dos seres humanos. Eram três mulheres lúgubres, responsáveis por fiar, tecer e cortar aquilo que seria o fio da vida de todos os indivíduos. Cloto, fabricava o fio da vida. Era a deusa da gestação e do nascimento. Láquesis estava associada ao crescimento e desenvolvimento e por fim Átropos, cortava o fio da vida, determinando o momento da morte’. Quando alguém nasce já tem o seu destino traçado e a morte também.

    A vida é um enigma e a morte uma aberração que faz da vida um momento de transposição para o Além, para quem acredita nestas coisas do Além. Para outros é simplesmente o fim. A morte é algo mesquinho que não nos deixa viver. É ténue a linha que separa a vida da morte. Só se começa a dar importância à vida quando se está a morrer. É aqui que o sobrenatural toma o seu lugar, na MORTE.

    O Homem sempre foi supersticioso, é próprio da sua natureza. Os mitos dos lobisomens nas luas cheias e das figuras fantasmagóricas que povoam as nossas mentes, sempre existiram desde os primórdios da vida humana e sempre existirão até à eternidade. Os vampiros e os extraterrestres também fazem parte desse mundo hollywoodesco, que nos é oferecido em qualquer sala de cinema e no aconchego das nossas casas. O cérebro é um mecanismo suficientemente complexo para nos fazer entender o que quer que seja e o medo da morte leva o homem a agarrar-se à vida através de uma palavra: ‘ressurreição’, isto porque a imortalidade não existe.

    ‘A alma não morre só o corpo se transforma em matéria orgânica’. Será? Qual a relação, se é que existe, entre alma e religião? Um agnóstico também tem alma? O conceito de alma varia de religião para religião ou é transversal a todas as religiões? O que é ser cristão, ou budista, ou muçulmano, ou hindu ou seguidor de outra qualquer religião ou filosofia de vida. Não são todas diferentes e iguais entre si, defendendo os mesmos princípios, mas com retóricas por vezes um pouco antagónicas? Deus não é SER ÚNICO, qualquer que seja a religião professada? E a vida para lá da morte será que existe, ou é uma invenção da religião? Ou da ciência?

    Uma das perguntas que coloco muitas vezes a mim mesmo é a eterna questão: Para onde vão os mortos? Confesso, não sei. Ninguém sabe. Há quem fale num vazio ou no nada. Há quem diga que se for crente, a alma irá para o Céu, para junto de Deus. Se não for, o local mais apropriado será o Inferno. Outra corrente de opinião refere o infinito ou o cosmos como o destino mais provável do morto, dependendo da sua fé. E aqui coloca-se mais uma questão: O que é a fé? Na minha modesta opinião, a fé é uma questão de racionalidade e de valores que se vão conquistando ao longo da vida, por isso a fé só está presente depois da nossa morte, ou dito de outra maneira, no fim da nossa vida.

    Quando se fala na vida e na morte os personagens mais representativos são os cientistas e os teólogos. Estão em lados opostos e defendem teorias diferentes entre si. Procuram dar resposta através da ciência ou da religião, não concertando esforços, mas o abismo para o conhecimento da mente humana ainda tem muito espaço para ser explorado. Em anos longínquos, os feiticeiros tinham o dom de fazer ‘acreditar’, através da magia e da superstição. A religião sempre exerceu um poder mítico na espécie humana e a ciência é algo que interfere com os mandamentos divinos, daí se encontrarem dessincronizados.

    Sou um simples mortal, hoje, defunto amanhã. Todos nós passamos por estes dois estados. Não sou a pessoa mais indicada para falar da morte, nem da vida, pois se nem sei quem sou, de onde vim ou para onde vou, tal como o poeta. Como todos os mortais, tenho as minhas superstições, acredito em algo transcendental, que não sei o que é, mas não me revejo numa doutrina religiosa, seja ela qual for. Hoje, amanhã não sei. Talvez venha acreditar em todas as religiões que existem no mundo. Na hora da morte acreditamos que todas as nossas superstições estão certas e a alma, essa, vingará a nossa existência.

    Cova da Iria, Cova do Vapor, Cova da Moura, que têm de comum estas três povoações? Nada, excetuando talvez o facto de todas elas estarem unidas pela palavra: cova. Segundo o dicionário da língua portuguesa, a palavra cova pode ser definida como buraco fundo feito no solo ou como sepultura. A expressão vulgarmente utilizada de estar com os pés para a cova quer dizer que aquela pessoa está para morrer, o que penso não ser o meu caso, mas como para morrer basta estar vivo, lá diz o velho ditado, qualquer um de nós pode ser subscritor de tal fatalidade.

    Mas é precisamente escapar-me da cova o que eu quero quando estiver a morrer, preferindo ser cremado. Dizem os antigos que o fogo purifica as almas. E será que tenho alma? E o que é a alma? Vou voltar a reencarnar noutro corpo? Mas essa nova pessoa serei eu? Mas quem sou eu afinal? De onde vim? Para onde vou? As velhas questões de sempre…

    Explicar a razão deste meu livro é um exercício demasiadamente complexo para tão breve introdução. Não é seguramente um documento sobre Fátima, ou sobre os seus mistérios, nada disso. É simplesmente um ensaio narrativo sobre o estigma da morte e o mistério da vida, é uma viagem que termina antes de ter começado.

    Não pretendo debruçar-me sobre temáticas esotéricas abordadas em todos os meios de comunicação social, configurando-se na boca de todos nós, através de juízos de valor inconscientes ou demagógicos Não pretendo criar lugares comuns, esse é o espaço para outros que não eu. Não pretendo alimentar discussões sobre as quais não consigo discutir porque não tenho nem conhecimentos nem informações suficientes para formular uma opinião sequer. Sou um resiliente por natureza, mas não acredito na bondade humana.

    A natureza do Homem é cínica, até por instinto de sobrevivência e a religião ainda acentua mais esse cinismo. Acredito, isso sim, na sobrevivência da raça humana, mas também ela, a exemplo do que acontece no universo cósmico, um dia acabará por se extinguir. A vida não está nas nossas mãos e por isso não somos eternos, nem mesmo os Deuses. A morte acaba sempre por chegar para dar lugar a um novo SER.

    Não sou um erudito da escrita, nem um mestre da ficção, direi até que sou um péssimo contador de estórias e as palavras são o único fio condutor que tenho para expressar o que me vai na alma. As palavras, essas, saem-me naturalmente sem nenhuma preocupação de construção semântica ou linguística. Não procuro as palavras esteticamente mais atraentes ou de estilo, limito-me a escrever o que naquele momento estou a sentir. Gosto de dizer que escrevo com o coração.

    Assim, através de uma escrita ficcionada, procurei simplesmente criar uma história em que fosse possível lançar a discussão entre a vida e a morte, formatada no triângulo virtual entre o misticismo, o transcendentalismo e o gnosticismo.

    Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Todos os cenários são originários da imaginação do autor.

    Miragem

    Miragem da tua alma.

    Não o conhecimento absoluto de ti próprio.

    Apenas miragem.

    Só a matéria se pode possuir:

    Tua alma, essa, deixamo-la fugir.

    António Barradas,

    in livro CRIAMENTEARTE, Arte e Saúde Mental. Editado pela Fundação S. João de Deus

    Capítulo 1

    A morte ao raiar da madrugada

    A Morte ao raiar da madrugada.

    O velho, por detrás da cortina da sua velha casa de madeira, assistiu a tudo. Já passava das quatro horas da madrugada quando ouviu a inquietação da rua. Os cães uivavam como se tivessem visto o Diabo. As ondas do mar batiam com força na areia indo beijar com sofreguidão as rochas desalinhadas que davam para a povoação. A idade e os comprimidos tiravam-lhe o sono, pouco tempo lhe restava de vida, disso tinha a certeza. Movido pela curiosidade, chegou-se pé ante pé para junto da janela do seu quarto. O frio que entrava pela esguelha do vidro partido e da dobradiça descaída fazia tremer o santo no altar, mas, firme, manteve-se hirto encostado ao velho guarda-vestidos e de ouvido à escuta. Afastou ligeiramente a cortina.

    A casa ficava situada na quinta avenida em frente ao Retiro do Pescador. Dois matulões sentados no muro de pedra do hostel partilhavam os restos de um charro. Tinham um ar composto, bem vestidos de fato e gravata, mas não eram de certeza portugueses. As suas expressões faciais e a cor do cabelo davam a sensação que deviam de ser do leste da europa, russos ou moldavos, talvez.

    Durante longos anos estivera ligado à política, mas, um dia, desiludido com os seus camaradas refugiou-se neste lugar tão próximo de Lisboa, mas tão longe de tudo. Não sabia viver longe de Lisboa. A sua luz exercia uma carga muito forte na personalidade de Duarte Cunha, o ‘comuna’, como era conhecido. Acompanhava de perto as notícias e sabia muito bem que tinham entrado em Portugal inúmeros imigrantes de países daquela zona da Europa. Porém, nunca tinha visto aqueles rostos por ali.

    Vinda do mar, uma silhueta franzina, gritando numa linguagem indecifrável, correu em direção aos homens. Trazia um cobertor enrolado na mão. Estava exausto quando chegou ao pé dos outros. Conheciam-se, dava para perceber. Abriram o cobertor e, envolvido num manto branco, surgiu um objeto com forma algo bizarra, parecia um pequeno cofre. Apesar de várias tentativas, aperceberam-se rapidamente de que não conseguiam descobrir o que se encontrava no seu interior, dado que o mesmo estava protegido por um código ou uma chave.

    O desespero intensificou o tom da conversa, tornando-a mais rude e agressiva. Dava para ver os olhares de raiva que trocavam entre si. As vozes alteraram-se e começaram a discutir. Gesticulavam muito e gritavam sem se entender o que diziam. Impossível a vizinhança não ouvir, mas na rua não se via vivalma. A discussão atingiu o seu auge quando de repente um deles tirou uma navalha do bolso das calças e a encostou ao rosto do homem que acabara de chegar. Pouco depois tudo havia terminado. O homem caiu sem vida. Os outros entraram num carro estacionado mais adiante, junto do restaurante do Zé Trigueiro, e arrancaram a grande velocidade.

    Receoso, mas ao mesmo tempo curioso, o velho baixou as cortinas e desceu do seu quarto em direção ao corpo estendido no chão. Abriu sorrateiramente a porta e aproximou-se do corpo prostrado no asfalto. Tomou-lhe o pulso e sentiu sangue a brotar como água que jorra de uma fonte. Estava morto. Virou o corpo para si e reconheceu aquele rosto algo já desfigurado pelas navalhadas recentes. Recolheu cuidadosamente o pequeno cofre de estanho que tinha ficado esquecido. Com a confusão, os outros dois homens só haviam levado o cobertor, mas sem nada enrolado. O cofre de estanho tinha uma chancela: Lucinda da Encarnação, fevereiro 2007, Fátima, Portugal.

    Num ápice o velho voltou a entrar em casa e fez duas chamadas telefónicas. A primeira para a Guarda Nacional Republicana da Trafaria, a comunicar o óbito, a segunda para o seu amigo de outras lides, o pároco da Igreja do Santo Condestável há mais de trinta anos, Filipe Ferreira. Alguma coisa estava a acontecer e ele queria perceber o que era. Dirigiu-se ao calendário pendurado na parede e desenhou um círculo a assinalar a efeméride: 13 de maio.

    Um crime por desvendar…

    A Guarda Nacional Republicana chegou logo de seguida. Quatro agentes, três homens e uma mulher. Entraram na povoação a grande velocidade e pararam o carro junto do corpo. Os pescadores estavam a chegar da faina e olhavam curiosos para o aparato policial. Àquela hora não era muito comum aquilo tipo de espetáculo. Lá longe, o dia ainda não havia nascido, mas o cheiro a morte já se entranhava no ar. Pouco depois outro carro fazia a sua entrada na povoação, era a brigada da Polícia Judiciária de Setúbal.

    - Então o que temos para aqui? - perguntou o inspetor Carlos Matias da Silva Torres, chefe de brigada do Departamento de Investigação Criminal de Setúbal, da PJ. Um tipo bem vestido e todo esfaqueado, quase que não se reconhece o rosto. Quem fez isto sabia o que estava a fazer. Isto é pesca grossa, só pode.

    Depois olhou para os pescadores e perguntou para a geral:

    - Então ninguém viu nada? Não há testemunhas da ocorrência? Conhecem o morto? Vestido como está o sujeito não era daqui de certeza, comentou entre dentes. "Bem isto está bonito, bem bonito…"

    O oficial de dia da GNR da Trafaria acenou-lhe com a mão. Estava a falar com um velho que vestia uma camisa às riscas, mas percebia-se que não era pescador. Talvez alguém que procurava aproveitar a sua reforma e gozar um fim de vida mais calmo. Procurando avançar por entre a pequena multidão que se tinha juntado à volta dos carros da polícia, Carlos Torres pediu a um dos seus agentes para tentar identificar a vítima quanto antes. Abordou o velho de camisa às riscas e perguntou-lhe o que tinha visto. Duarte Cunha limitou-se a descrever o que havia presenciado.

    - Senhor agente…

    - Qual agente, qual quê, eu sou inspetor da Polícia Judiciária, por isso meu amigo trate-me por senhor inspetor que é essa a minha função.

    Duarte Cunha retomou o seu discurso.

    - Senhor Inspetor, o que vi da janela do meu quarto foi dois homens à bulha com o sujeito que está morto e depois fugiram de carro, que estava mais adiante estacionado próximo do restaurante do Zé Trigueiro.

    - A que horas ocorreu essa briga? – quis saber o inspetor da PJ.

    - Por volta das quatro da madrugada…

    - E o que fazia acordado a essa hora? - estranhou Carlos Torres.

    - Sabe, senhor Inspetor, com a minha idade pouco se dorme e o raio dos comprimidos que o médico me receitou para as insónias fazem um efeito contrário, em vez de me darem sono, tiram-me o sono…

      - Está bonita a coisa está… - resmungou o inspetor.

    A conversa foi interrompida por um dos guardas presentes no local.   

    - Encontrámos um Audi A8 com matrícula espanhola, junto do bar Atlântico. Não tinha ninguém no interior.

    Carlos Torres, pediu a um dos seus agentes que acompanhasse o colega para vistoriarem a viatura em questão. Podia estar relacionada com o acontecimento ocorrido no Largo e era necessário recolher todas as provas possíveis em ‘estado virgem’, nomeadamente as impressões digitais do ou dos ocupantes.

    Aquele modelo de carro com matrícula estrangeira, não se enquadrava de todo naquele tipo de população. Voltou de novo ao interrogatório a Duarte Cunha, mas este não referiu nada de novo. É estranho…, pensava o inspetor, de si para si, "deve ter havido barulho, os tipos a discutir, as facadas e ninguém ouviu nada, nem mesmo as pessoas do hostel, é estranho. Será que se passa algo que estas pessoas queiram esconder?- interrogou-se, para depois completar o seu raciocínio, não acredito, isto é malta de fora da povoação, só pode. É peixe graúdo…".

    Entretanto um dos agentes da Polícia Judiciária de Setúbal enviou de imediato a fotografia do morto para a Sede, em Lisboa. Logo de seguida recebeu a novidade, tratava-se de Lucas Lombardi, um conhecido marchand italiano de obras de arte sacra, procurado por causa da rede de contrabando e de falsificação que controlava este mercado a nível europeu, a partir do seu escritório no edifício Quercus IP, no Parque Empresarial Costa Vella, situado em Santiago de Compostela.

    Em Portugal, Lucas Lombardi tinha sido notícia poucos dias antes, com direito a manchetes nos jornais e abertura em todos os telejornais das vinte horas, durante a semana da Páscoa, pela sua evasão do Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada. Quinze dias antes, Lombardi tinha sido detido pela Polícia Judiciária por se suspeitar que transportava a bordo do seu iate uma significativa quantidade de cocaína. A embarcação do italiano tivera problemas mecânicos próximo da ilha de Santa Maria, o que o obrigou a dirigir-se para a marina de Ponta Delgada. Antes de o fazer, Lombardi terá tentado esconder a cocaína que transportava na costa norte da ilha de S. Miguel, levantando então as suspeitas das autoridades policiais.

    Presente ao Tribunal de Ponta Delgada, o marchand encontrava-se em prisão preventiva por penderem sobre si vários mandatos de captura internacionais, nomeadamente da Interpol que o associava ao desaparecimento de um manuscrito sobre a terceira parte do Segredo de Fátima, patente no Santuário de Fátima, no âmbito da exposição ‘Segredo e Revelação’. O manuscrito havia sido cedido pelo Arquivo da Congregação para a Doutrina da Fé.

    Candidato refratário: Duarte da Silveira Cunha, o ‘comuna’ irradiado que se exilou na Cova do Vapor.

    Começou muito cedo a ser atraído pela política quando chegou ao Instituto Superior Técnico. Os pais possuíam uma pequena mercearia nas Avenidas Novas e o seu sonho era que o filho se formasse ‘engenheiro’ e frequentasse aquela ‘Escola’ tão imponente que se debruçava sobre a Avenida, de frente para a Fonte Luminosa. O filho lá lhes fez a vontade e entrou para cursar engenharia mecânica, no outono de 1959, tinha vinte e um anos de idade.

    Além de ter ‘jeito com as mãos’, como dizia o pai Carlos, ou ‘com jeito para os trabalhos manuais’, como defendia a mãe Floriana, Duarte Cunha adorava as coisas das escritas e gostava muito de ler. Bom leitor, não tinha preferências literárias, desde o simples anúncio de jornal até às obras dos maiores escritores portugueses e estrangeiros, de consulta permitida pelo governo salazarista, tudo podia ser sinónimo de um

    Enjoying the preview?
    Page 1 of 1