O Bispo de Beja e afins
()
About this ebook
Poucos meses antes da proclamação da República, os republicanos aproveitam o escândalo do bispo de Beja, acusado de ter feito “propostas desonestas, de natureza homossexual” a dois padres locais, para promoverem a causa anticlerical e antimonárquica. Santos Vieira, um editor panfletário, lança, sob o pseudónimo de Homem-Pessoa, uma sátira em versos fesceninos, "O Bispo de Beja", na qual expõe a suposta vida “depravada” e contranatura de D. Sebastião, acusando o governo monárquico de encobrir o caso. Ao longo dos anos seguintes, irão proliferar caricaturas e de historietas brejeiras acerca da suposta homossexualidade do bispo. Como afirma Fernando Curopos, “além de se inscrever nessa luta política, a circulação de "O Bispo de Beja" não deixa de ser relevante para a história da homossexualidade em Portugal. Com efeito, participará da difusão dos termos “homossexual” e “homossexualidade” no discurso social português” ao mesmo tempo que contribui para o “reacender da homofobia política nos primórdios da República.”
Nesta coletânea que agora se publica, Fernando Curopos reúne o opúsculo de Homem-Pessoa a dois outros textos satíricos da época sobre o bispo de Beja e a "Uma Ceia Alegre" (1908), uma paródia à "Ceia dos Cardeais" (1902) de Júlio Dantas, para nos dar um panorama do manancial de literatura anticlerical e homofóbica clandestina que circulava em Portugal e no Brasil no início do século XX.
Fernando Curopos
Fernando Curopos é professor auxiliar com provas de agregação na universidade Sorbonne Université. Autor de "António Nobre ou la crise du genre; L’Émergence de l’homosexualité dans la littérature portugaise (1875-1915)"; "Queer(s) périphérique(s): représentations de l’homosexualité au Portugal (1974-2014)"; "Lisbonne 1919-1939: des Années presque Folles". Codirigiu, com Maria Araújo da Silva, o volume "Paris, Mário de Sá-Carneiro et les autres". A sua pesquisa tem incidido sobre questões de género, sexualidade e assuntos queer na literatura portuguesa finissecular, modernista e contemporânea. Tem trabalhado sobre cinema português numa perspetiva crítica LGBTQ.
Related to O Bispo de Beja e afins
Related ebooks
Nova Safo: 2.a edição, com Introdução por Anna M. Klobucka Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsTriste fim de Policarpo Quaresma Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsAmérico Vespúcio: A história de um erro histórico Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsEnsaios Wilde Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsAsfalto selvagem: Engraçadinha, seus amores e seus pecados Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsVersos Fanchonos, Prosa Fressureira: uma antologia (1860-1910) Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsA Queda d’Um Anjo Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsO Berloque Vermelho Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsO cortiço Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsOs Devaneios do Caminhante Solitário Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsComo ler Maquiavel: A arte da política Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsBiografia José Saramago Rating: 5 out of 5 stars5/5Eufrásia e Francisca: As Irmãs Teixeira Leite e o Seu Tempo – Uma História Romanceada Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsO crime do padre Amaro Rating: 4 out of 5 stars4/5Memórias de um sargento de milícias Rating: 0 out of 5 stars0 ratings7 melhores contos - Brasil Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsPernambucanos imortais e mortais: Trinta perfis e outras palavras Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsAs pupilas do senhor Reitor Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsBartleby, o escrivão Rating: 5 out of 5 stars5/5Marília de Dirceu: A musa, a Inconfidência e a vida privada em Ouro Preto no século XVIII Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsOs Fidalgos da Casa Mourisca Rating: 5 out of 5 stars5/5A arte de mentir: Pequenos textos encontrados na caverna de Cronos Rating: 4 out of 5 stars4/5Arraia de fogo Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsO Alienista Rating: 4 out of 5 stars4/5Cartas Inéditas de Fradique Mendes e Mais Páginas Esquecidas Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsAnita Garibaldi Revive: Na literatura, na cultura e na economia Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsPalavras Cínicas Rating: 5 out of 5 stars5/5Noites ilícitas: histórias e memórias da prostituição Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsCruz E Sousa Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsO Bom Crioulo Rating: 4 out of 5 stars4/5
General Fiction For You
Poesias Rating: 4 out of 5 stars4/5Pra Você Que Sente Demais Rating: 4 out of 5 stars4/5A Arte da Guerra Rating: 4 out of 5 stars4/5Para todas as pessoas intensas Rating: 4 out of 5 stars4/5As menores histórias de amor do mundo: e outros absurdos Rating: 4 out of 5 stars4/5Palavras para desatar nós Rating: 4 out of 5 stars4/5O amor não é óbvio Rating: 5 out of 5 stars5/5Novos contos eróticos Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsGramática Escolar Da Língua Portuguesa Rating: 5 out of 5 stars5/5Simpatias De Poder Rating: 5 out of 5 stars5/5A Morte de Ivan Ilitch Rating: 4 out of 5 stars4/5Para todas as pessoas apaixonantes Rating: 5 out of 5 stars5/5A Sabedoria dos Estoicos: Escritos Selecionados de Sêneca Epiteto e Marco Aurélio Rating: 3 out of 5 stars3/5Onde não existir reciprocidade, não se demore Rating: 4 out of 5 stars4/5As Melhores crônicas de Rubem Alves Rating: 5 out of 5 stars5/5Para todas as pessoas resilientes Rating: 5 out of 5 stars5/5A batalha do Apocalipse Rating: 5 out of 5 stars5/5MEMÓRIAS DO SUBSOLO Rating: 5 out of 5 stars5/5Jogos vorazes Rating: 4 out of 5 stars4/5Invista como Warren Buffett: Regras de ouro para atingir suas metas financeiras Rating: 5 out of 5 stars5/5Quincas Borba Rating: 5 out of 5 stars5/5Contos e Lendas do Japão Rating: 5 out of 5 stars5/5Noites Brancas Rating: 4 out of 5 stars4/5Coroa de Sombras: Ela não é a típica mocinha. Ele não é o típico vilão. Rating: 5 out of 5 stars5/5Dom Quixote Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsTudo que já nadei: Ressaca, quebra-mar e marolinhas Rating: 5 out of 5 stars5/5
Reviews for O Bispo de Beja e afins
0 ratings0 reviews
Book preview
O Bispo de Beja e afins - Fernando Curopos
O Bispo de Beja e Afins
Organização e Introdução por:
Fernando Curopos.
Edição integral, revista e anotada.
INDEX ebooks
2021
Ficha técnica
Título: O Bispo de Beja e Afins
Organização e Introdução: Fernando Curopos.
Coletânea: O Bispo de Beja (1910), de Homem-Pessoa; D. Sebastião de Vasconcelos (Bispo de Beja), em Varões Assinalados (1910), de Dias de Mello; É Padre e Basta em O Zé (1913), de Chacon Siciliani; e Uma ceia Alegre (Paródia à Ceia dos Cardeais (1919), de autor anónimo.
Capa: pormenor de caricatura não assinada, publicada no jornal A Capital, no dia 7 de janeiro de 1912.
Revisão: João Máximo, Luís Chainho e Patrícia Relvas.
Coleção Clássicos de Literatura Gay: número 12.
Data de publicação: 10 de maio de 2021
Edição 1.00 de 10 de maio de 2021
Copyright © João Máximo e Luís Chainho, 2021
Todos os direitos reservados.
Esta publicação não poderá ser reproduzida nem transmitida, parcial ou totalmente, de nenhuma forma e por nenhuns meios, eletrónicos ou mecânicos, incluindo fotocópia, digitalização, gravação ou qualquer outro suporte de informação ou sistema de reprodução, sem o consentimento escrito prévio dos editores, exceto no caso de citações breves para inclusão em artigos críticos ou estudos.
INDEX ebooks
www.indexebooks.com
indexebooks.com@gmail.com
www.facebook.com/indexebooks
Lisboa, Portugal
ISBN: 978-1005550349 (ebook)
Introdução
O Bispo de Beja e afins
Fernando Curopos¹
Os historiadores estabelecem como ponto de partida de uma maior difusão e mediatização das questões relativas à homossexualidade no mundo ocidental o julgamento de Oscar Wilde, ao ponto de alguns deles considerarem que "toda a história gay moderna começa doravante em 1895²". Contudo, pensar o caso português a partir do escândalo Wilde, editado pela primeira vez em Portugal no ano da publicação de O Bispo de Beja (1910)³, seria continuar a acreditar que Lisboa era como Eça de Queirós a retratou: No vício é tímida: copia desjeitosamente as Babilónias distantes, aproveita o fogo de Sodoma para aquecer os pés
.⁴ Com efeito, como temos vindo a confirmar, não eram só os pés que os homossexuais lisboetas aqueciam; a subcultura queer masculina era muito mais intensa e o discurso social sobre as relações sexuais entre homens era uma realidade. Aliás, se atentarmos às palavras de Raul Brandão, Lisboa foi sempre, como Nápoles, uma cidade de pederastas
,⁵ facto atestado por toda uma literatura marginal e marginalizada, que circulava no Portugal da época⁶, e por toda uma série de escândalos, esses altamente mediatizados.
Na realidade, no que diz respeito à periférica ocidental praia Lusitana
, mais do que o pederasta inglês, o genial Oscar Wilde
, nas palavras de Homem-Pessoa, é um homem político, D. José de Menezes e Távora Rappach da Silveira e Castro, Marquês de Valada (1826-1895), que virá dar corpo e cara à figura do homossexual recém-inventada pela medicina psiquiátrica. Na noite de 2 de agosto de 1881, o marquês foi surpreendido pela polícia na Travessa da Espera, n° 63, 1°, em repreensíveis libidinosidades com um soldado
;⁷ a autoridade soltou o conhecido político, mas prendeu o militar envolvido e a dona da casa, onde tudo se teria passado.
⁸ O marquês era, na altura, governador civil substituto de Lisboa, uma das vozes mais conservadoras do Partido Regenerador na câmara alta e amigo pessoal do rei
.⁹ As suas extravagâncias
pelas ruas de trás
darão azo, no Portugal finissecular, ao surgimento da homofobia e acabarão por sedimentá-la. Logo, as palavras de Didier Éribon a respeito de Wilde podem aplicar-se na perfeição à mediatização do outing do Marquês de Valada pela imprensa coeva e à sua condenação pela sátira – essa bela forma de castigo da justiça, pelo verbo
, no dizer de Homem-Pessoa: A injúria é coletiva. As invetivas e as caricaturas, as brejeirices, o riso, o desprezo, todo esse lodo carregado pela imprensa… tudo isso, também tinha a ver com eles [os homossexuais].
¹⁰
Os intelectuais republicanos¹¹ apoderam-se do caso para abalar o poder e a monarquia, inscrevendo o marquês numa tradição secular, a do conselheiro exercendo a sua má influência, o seu poder corruptor no corpo do Estado, no sentido literal e figurado
:¹² o caso era tanto mais grave e escandaloso porque o marquês de Valada era um importante par do reino, o que demonstrava a «valia moral» da câmara que acabou por ditar o fim do governo progressista.
¹³ Até à sua morte, foi alvo de ataques ad personam contínuos nos jornais e na imprensa humorística, com direito a uma sátira, "O Julgamento da Rua de Traz,¹⁴ em que [o] fidalgote vicioso foi exautorado,¹⁵ e se
na caricatura triunfava o marquês de Valada",¹⁶ o mesmo acontecia no teatro de revista¹⁷, e até aparecia, sempre alvo de chacota, na literatura brejeira e pornográfica coeva:
[…] Julieta lembrou-se de um outro dos seus antigos amantes, um fidalgo extremamente abastado e com o qual, por esse motivo, era razoável contar. […] Era esse fidalgo o Marquês de Valladio (sic).
Julieta contou-lhe a sua história. O marquês ouviu-a com afabilidade […]. Não lhe deu, porém, um único beijo, não lhe tocou, sequer, com um dedo, e isto não podia deixar de ferir a suscetibilidade de Julieta.
Afinal, resolveu-se a falar-lhe com toda a franqueza, oferecendo-se-lhe, sem rodeios, para repetirem juntos as práticas afrodisíacas de outros tempos.
O marquês olhou para ela com visível desdém; depois soltou uma gargalhada e respondeu:
– Não pode ser, pequena; mudei completamente, e hoje abomino as mulheres. […]