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Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor: Antologia de Poesia Angolana
Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor: Antologia de Poesia Angolana
Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor: Antologia de Poesia Angolana
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Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor: Antologia de Poesia Angolana

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About this ebook

Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor é a antologia mais completa e abrangente já publicada de Poesia Angolana, incluindo os períodos e os autores mais marcantes da sua história. Esta é uma edição histórica, oferecendo um retrato sistemático, plural e riquíssimo do admirável património literário angolano aos leitores de língua portuguesa em todo o mundo. Com excepcional organização de Irene Guerra Marques e Carlos Ferreira, a Antologia de Poesia Angolana divide-se em três partes. A primeira, dedicada à literatura oral, oferece a transcrição literal dos poemas nas línguas nacionais, seguida de tradução acompanhada por notas explicativas que contextualizam cada poema. A segunda secção, referente aos precursores, abarca nomes sonantes da poesia angolana, de Luís Félix Cruz a Jorge Rosa, levando o leitor numa viagem do século XVII, assinalado pelos primeiros textos poéticos manuscritos, até ao século XIX. «Modernidade e Contemporaneidade» é a última parte da antologia e nela irrompem os poetas dos séculos XX e XXI, contrastando, a cada virar de página, manifestações artísticas distintas – as «continuidades e descontinuidades» a que o subtítulo dessa secção alude.
LanguagePortuguês
Release dateMay 1, 2021
ISBN9789897026331
Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor: Antologia de Poesia Angolana
Author

Irene Guerra Marques

Natural de Luanda, licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Entre 1965 e 1975 foi professora de Língua Francesa e de Língua e Literatura Portuguesa. Foi coordenadora nacional de Língua Portuguesa e Literatura Angolana no Centro de Investigação Pedagógica (CIP, CIPIE) do Ministério da Educação entre os anos de 1976 e 1982. Desde 1983 até 1988, dirigiu o Instituto de Línguas Nacionais tendo posteriormente, entre 1988 e 2000, sido directora do Instituto Nacional de Formação Artística e Cultural. De 2001 a 2002, desempenhou as funções de assessora principal do vice-ministro da Educação e Cultura para a Reforma Educativa e, entre 2003 e 2010, foi consultora dos ministros da Cultura. Entre 2002 e 2019, foi docente das cadeiras de Língua Portuguesa e de Literatura Angolana na Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto, onde exerceu, de 2010 a 2015, o cargo de chefe de Departamento de Língua Portuguesa.

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    Entre a Lua, o Caos e o Silêncio - Irene Guerra Marques

    9789897026331.jpg

    Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor Antologia de Poesia Angolana

    Título: Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor – Antologia de Poesia Angolana

    Organização: Irene Guerra Marques e Carlos Monteiro Ferreira

    © Autores e Guerra e Paz, Editores, Lda, 2021

    Reservados todos os direitos

    A presente edição não segue a grafia do novo acordo ortográfico.

    Pesquisa, selecção, organização e introdução: Irene Guerra Marques e Carlos Monteiro Ferreira

    Revisão: Marília Laranjeira e Joana Camões Pereira

    Design: Ilídio J.B. Vasco

    Imagens de capa e miolo: Mestre José Rodrigues

    ISBN: 978-989-702-633-1

    Guerra e Paz, Editores, Lda

    R. Conde de Redondo, 8–5.º Esq.

    1150­-105 Lisboa

    Tel.: 213 144 488 / Fax: 213 144 489

    E­-mail: guerraepaz@guerraepaz.pt

    www.guerraepaz.pt

    Literatura de revolta, de afirmação combativa, de luta, de guerrilha, irá cumprir uma missão didáctica.

    Toda a literatura tem algo de «proveito e exemplo». Esta também tem. Saiba-se, então, colher o exemplo que ela nos dá.

    António Jacinto

    De manifesto pendor pedagógico, esta antologia poética Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor prima por uma abrangência metodológica séria e notável, a par de uma rigorosa sistematização de dados que suscitam outras leituras sócio-históricas. Esta antologia poética vem, certamente, preencher uma lacuna nos estudos literários de Angola.

    Boaventura Cardoso

    AGRADECIMENTOS

    Apesar das muitas horas utilizadas na organização desta antologia, numa espécie de viagem no tempo pela poesia angolana, muitos foram os que contribuíram para que este trabalho pudesse ser partilhado com o público de hoje e das gerações futuras.

    A eles, gostaríamos de endereçar os agradecimentos:

    – Ao presidente do grupo DST, Eng. José Teixeira, cuja visão e sensibilidade permitiram o apoio essencial sem o qual esta edição não teria sido possível.

    – Aos editores Manuel S. Fonseca, da Guerra e Paz (Portugal) e Arlindo Isabel, da Mayamba Editora (Angola), pelo empenho e confiança demonstrados.

    – Aos escritores Henrique Guerra e Costa Andrade (in memoriam), pela cedência de material imprescindível para a consecução desta antologia.

    – Ao jornalista Acácio Barradas (in memoriam), cuja ajuda foi também indispensável para a concretização deste projecto.

    – Ao professor doutor Francisco Soares, pela disponibilidade, pelo apoio solidário de sempre e pela valiosa troca de informações sobre inúmeros aspectos da Literatura Angolana.

    – Ao professor doutor Francisco Topa, por nos ter confiado o resultado inédito da sua pesquisa, fundamental para a História da literatura angolana do século XVII.

    – Ao professor doutor Luís Kandjimbo, pela troca de opiniões e partilha de documentos importantes.

    – À União dos Escritores Angolanos, pela atenção e colaboração prestadas a esta edição.

    – Ao cineasta Jorge António, pela amizade, pela paciência e pelo apoio incondicional que nos deu em todos os momentos.

    – À professora doutora Ana Paula Tavares, à professora doutora Aida Freudenthal e à Dra. Luísa Almeida, pelo material disponibilizado para este livro e pela amizade e cumplicidade ao longo de tantos anos de trabalho.

    – À Dra. Raquel Sousa pela sua disponibilidade e prontidão na relação com os editores.

    A todos os que, escrevendo, lendo, estudando, ensinando, investigando e analisando, vão criando as condições para que a literatura angolana prossiga, cumprindo o seu papel, sendo a flor, em meio à Lua, ao caos e ao silêncio.

    A grafia original de todos os poemas, em línguas nacionais e em língua portuguesa, foi mantida.

    Índice

    Prefácio

    Introdução

    FORMAS DE ARTE VERBAL OU ORATURA

    KIKONGO

    Canção entoada no momento da partida para a circuncisão

    Canção dos submetidos ao rito da circuncisão

    Canção entoada no momento da partida para a circuncisão

    Canção de dança

    KIMBUNDO

    Maria Kandimba

    Maria Candimba

    Dotolo Felele

    Doutor Freire

    Ximinha

    Ximinha

    Xixídia

    Cecília

    Milanda Eliki

    Miranda Henriques

    KWANYAMA

    Canção dos guerrilheiros

    Canção do pastor, enquanto os bois descansam à sombra

    Osimanya tasiimbwa,

    Ovakwanime

    Ovakwanyoka

    Aos da serpente

    Haisikoti

    A chuva

    Para honrar a memória do rei mandume

    A morte de um companheiro

    Kalunga

    Hailikana, hailikana, hailikana

    Imploro, imploro, imploro

    Namongo talipepele,

    Improvisação lírica

    UMBUNDO

    Okulima Kuvala

    Mãe Weya

    Nditchimbumba Tchukulu

    Baião Andingu

    PRECURSORES

    PRIMEIROS TEXTOS POÉTICOS MANUSCRITOS

    LUÍS FÉLIX da CRUZ

    Descrição da cidade de luanda e reino de Angola

    ANTÓNIO DIAS DE MACEDO

    Se a Deos chamão por tu,

    PRIMEIROS TEXTOS POÉTICOS ESCRITOS

    ARSÉNIO POMPÍLIO POMPEU DE CARPO (1792-?)

    Satisfação

    JOSÉ DA SILVA MAIA FERREIRA (1827-1867)

    Benguelinha

    Porque podes duvidar?

    À minha terra!

    Já não tenho fé!

    Eu ouvi!

    Carlinda

    cÂNDIDO FURTADO (1864-1905)

    No álbum de uma africana

    CORDEIRO DA MATTA (1858-1894)

    Súplica

    Canção

    Libelo a Portugal

    Uma quissama

    Nguibanga-kiê (que faço!)

    Muanô,tata!

    O sentimento do poeta

    Negra!

    EDUARDO NEVES (1854-1889)

    Uatoála

    Cana’Ngana

    ERNESTO MARECOS (1836-1879)

    Juca, A Matumbola

    PEDRO FÉLIX MACHADO (1860-1907)

    Retrato À Pena

    A Carapuça

    A Cruz Do Jogador

    Pé-De-Boi

    Frei Tomás

    Gemidos

    LOURENÇO DO CARMO FERREIRA (s/d)

    Sonho

    JORGE ROSA (s/d)

    Ilusões

    SÚPlica

    MODERNIDADE E CONTEMPORANEIDADE (CONTINUIDADES E DESCONTINUIDADES)

    ABREU PAXE (1969)

    Exactamente perdia margem

    Azul leito em poesia

    Terezinha o lugar poesia pai

    E as botas deste Novembro determinadas saíram à rua em brilho

    ADRIANO BOTELHO DE VASCONCELOS (1955)

    Voz da terra

    Negro zuze dia mbaxi

    Um pouco do avesso de mim

    Toda a cicatriz...

    A primeira letra a brincar em teu corpo...

    A morte é uma simples conversa de café...

    AGOSTINHO NETO (1922-1979)

    Sim em qualquer poema

    Poesia africana

    Na pele do tambor

    Partida para o contrato

    Quitandeira

    A renúncia impossívelnegação

    A tua mão poeta

    AIRES DE ALMEIDA SANTOS (1922-1991)

    A mulemba secou

    Lenda

    Mariposa vermelha

    Colar de missangas

    Poema da esperança

    A casa

    Carta para havana

    ALBANO NEVES E SOUSA (1921-1995)

    Batuque de Santiago

    Limites dos sete cantos da cidade de S. Filipe de Benguela

    Viagem ao sul

    ALDA LARA (1930-1962)

    De longe

    Anúncio

    Prelúdio

    Maternidade

    Presságio

    Testamento

    Ronda

    ALEXANDRE DÁSKALOS (1924-1961)

    Companheiros

    Buscando rumo

    Visões

    Poema

    Porquê

    Poesia amarga.

    Foi um golpe certeiro

    ÁLVARO MACIEIRA (1958)

    Determinação da existência

    Canto ao amor distante

    Rosto na penumbra

    Voz distante

    AMÉLIA DALOMBA (1961)

    Ânsia

    Sombra d’África

    Espigas do sahel

    À sombra do chão

    Ao porvir, chegarei

    AMÍLCAR BARCA (1880-1958)

    Minha terra

    ANA BRANCO (1967)

    Agora aqui;

    Vão longe…

    O sono não vem.

    De nada valeu

    ANA DE SANTANA (1960)

    Trazia o recorte

    Castelo de areia

    Música sanguínea

    ANNY PEREIRA (1951)

    Identidade

    Costumo definir-me a mim própria...

    ANTERO ABREU (1927-2017)

    A poesia anda por aí

    Ainda está na hora, já está na hora

    Cada um sabe da sua vida

    Lamento do ghetto

    Música

    A verdade

    É tudo uma questão de tempo

    ANTÓNIO CARDOSO (1933-2006)

    Saudade é onça…

    Um dia…

    Poema

    Desafio ao guardador de rebanhosa sanha do teu ódio

    Conselho a um jovem, artista ou não

    Raticida

    Naufrágio no corredor da cela disciplinar

    ANTÓNIO FONSECA (1956)

    Do mestre

    Canto na madrugada

    Exercício poético

    Renasçam as almas incandescentes

    ANTÓNIO GONÇALVES (1960)

    Fotografia

    Versos libertinos

    Sem o meu espírito normal (a)

    Gemido da terra

    Os segundos que faltam…

    Piando poesia

    ANTÓNIO JACINTO (1924-1991)

    Carta dum contratado

    Canção de entardecer

    Autobiografia

    O que sinto no exílio

    Um canto moço, ousado e forte

    Cantar…

    Oração

    ANTÓNIO NETO (1928-1994)

    Os mortos perguntam

    Canção de embalar meninos pretos

    Programa

    Arte poética

    ANTÓNIO PANGUILA (1963-2018)

    A vaca que arrasta o tempo

    Encante a gaivota

    Quando o sol for sol

    Na festa do mar

    Chamamento espiritual

    ANTÓNIO POMPÍLIO (1964)

    O sal dos olhos do mar

    Sinais

    Fortaleza do poder

    O lume brando na estrada

    Contratempos

    ARLINDO BARBEITOS (1940)

    vogando

    por

    à sombra da árvore velha de muitos sobas

    da madeira carcomida

    lesto

    na

    longe

    ARNALDO SANTOS (1936)

    Soneto

    Choravam bordões

    Poema

    Regresso

    Nasci

    Nova memória

    Meu pai no corredor

    BANDEIRA DUARTE (1926-1984)

    Finalidade

    Ser poeta

    BETO VAN-DÚNEM (1935-2020)

    Lamentação

    Tristeza

    Não

    CARLA QUEIRÓS (1968)

    Registo

    Declaração

    Regresso

    CARLOS FERREIRA (1960)

    Dizer adeus

    Onde está o meu riso?

    A demora foi tão grande como a espera

    Oitavo poema

    Setenta e seis

    mencontraram nesse cubico

    CARLOS GOUVEIA (GÓIA) (1930-2006)

    O meu barco de bimba

    Anjo negro

    Outro dia

    Um poema diferente

    A nova semente

    Para a eternidade

    CARLOS PEDRO (1983)

    Vida de sarjeta 

    O poema 

    Bandeira inglória 

    CARLOS PIMENTEL (1944-2016)

    Para que fosses livre…

    Revolução

    Salfabetizando

    Os escritores pela paz

    Meu filho

    CHÓ DO GURI (1958-2017)

    Os rostos

    As árvores

    Vem!

    Escuta

    Voltei

    COCHAT OSÓRIO (1917-2002)

    Adágio

    Destino

    Lamúria

    Vontade

    Último poema

    Ode ao mar

    Cidade

    CONCEIÇÃO CRISTÓVÃO (1962)

    Repressão e memória das coisas

    Horizontes da vida

    Desabafo ii

    Dualidades: de cá e de lá

    Profissões e confissões

    Do chão no chão

    COSTA ANDRADE (1936-2009)

    Insubstância

    1. A partida

    Fecunda a descoberta

    Poema 10 – segunda parte – o amor

    Terra autobiográfica (fragmento)

    Carlos rocha dilolwa

    Orquídea

    CRISTÓVÃO NETO (1964)

    A escada do suicídio

    Alarme

    Lá longe o mar canta

    Autocarro do prenda

    XXI

    Galguei

    DARIO DE MELO (1935)

    Entardeci, amor …

    Preciso inventar o teu perfume

    tarde da tarde

    DAVID CAPELENGUELA (1969)

    Derivações do instante – 3.ª maturação

    Sentido d’alma

    Meditação

    Assobio de aviso

    Tundavala

    A dor

    Explosão do cofre

    Vogais da voz

    DAVID MESTRE (1948-1997)

    Maka na muxima

    4.

    A memória dos barcos

    Pedaço de pirão

    Material subversivo

    Calçada dos enforcados

    DEOLINDA RODRIGUES (1938-1963)

    Mamã

    Um quatro de fevereiro

    A consoada

    DOMINGOS FLORENTINO (1953)

    África escultural (i)

    Panamor

    Quero os anjos cósmicos

    Ausência

    Palavras

    E. BONAVENA (1955)

    2. pedra

    VI

    VIII

    Recuo,

    Futuro (in)certo

    À espera de ti

    ELEUTÉRIO SANCHES (1935-2016)

    Poente africano

    Orfeu negro

    Uma canção do subúrbio

    EMA NZADI (1987)

    Carruagem de mistérios

    Campos dos provérbios

    EMANUEL CORGO (1945-1977)

    Escolha

    Terra-mãe

    Raízes da revolta

    ERMELINDA XAVIER (1931-2016)

    Nossa fome

    Mensagem

    Choro

    ERNESTO LARA FILHO (1932-1977)

    Poema

    Serenata ridícula

    A casa da velha

    Regresso

    Dongo

    Quando eu morrer

    Resposta

    EUGÉNIA NETO (1934)

    Porque me vem este odor forte

    O mundo dos poetas

    A luz poisou suavemente no teu rosto

    Criámos,

    Angola

    Escuta a sinfonia

    FERNANDO KAFUKENO (1962)

    Página

    Clorofila

    Miseke

    A doçura dos teus lábios

    A ilusão das lágrimas

    FLAS N’DOMBE (1959)

    Dilema

    Metamorfose

    Com

    À Cristina

    FERNANDO MARCELINO (1931-1992)

    Óbito

    Encontro

    Vocação de pied noir

    FONSECA WOCHAY (1949)

    Viver é lutar

    Quem somos nós!…

    Aqui estou

    FRAGATA DE MORAIS (1941)

    Optimismo

    Dilemas coloridos

    Chingufos

    Tempos sonhados

    FREDERICO NINGI (1959-2019)

    Na boca do vulcão

    Amém

    A terrível audiência do outro

    Leões Marinhos

    A tinta é desta lata

    Só aos pedaços

    GARCIA BIRES (1944)

    Nós o tempo

    Regressei

    No próximo encontro

    Alma da flor

    Tinha que ser diferente

    No crepúsculo

    GERALDO BESSA VICTOR (1917-1990)

    Ideal

    A marimba

    Queimada

    Soneto da ansiedade

    Momento místico

    Crianças

    O menino negro não entrou na roda

    GOCIANTE PATISSA (1978)

    Não se fez manhã ainda

    Tríade do tempo da pedra e da obra

    Sem vida no pé

    Serviçais do parque

    À mão morena do chão

    HÉLDER NETO (1939-1977)

    Nem medalhas nem louvores

    Síntese 2

    Não esperes

    HÉLDER SIMBAD (1987)

    Partida!

    A maninha das palavras

    Morfossintaxe da pátria

    HELENA DIAS (1991)

    Espelhos da alma

    Patroa das ruas

    HENDRIK VAAL NETO (1944)

    Cansaço

    És tu que o dizes ou mandaram-te dizer-mo?

    Provérbio cokwe

    HENRIQUE ABRANCHES (1932-2004)

    Poema

    Visão de uma fresca madrugada

    O pensador

    1965 – Carta à frente de cabinda

    A noite proletária

    Ao bater da chuva

    Permanecerão apesar de tudo

    HENRIQUE GUERRA (1937)

    Carta a um amigo

    O moringue

    Língua-mãe

    Regresso

    Negras

    Quadras soltas

    Penetro no teu templo de silêncio e insubstância

    HUMBERTO DA SILVAN (1925-1992)

    África

    Descoberta

    Ó meus olhos de poeta desesperado,

    Xico Bilha

    ISABEL FERREIRA (1960)

    Desilusão

    Tectos de rua

    Amor candongueiro

    Ante o espelho

    Desejo da terra

    Oceano ao avesso

    ISMAEL MATEUS (1963)

    A guerra da boavida

    Mágoa calada

    Os caminhos da geração

    JIMMY RUFINO (1962-2020)

    Atuzemba

    Maria kandimba

    Rikita luanda

    Kapreco da marica

    JOÃO ABEL (1938-2008)

    Simples

    Poema aos meus irmãos

    Madrigal onze

    Bom dia

    não me demoro nas palavras desbotadas

    pouco falta para enlouqucer

    O rato

    Ainda assim

    JOÃO MAIMONA (1955)

    XI

    O que (não) está ausente

    A morte no deserto

    Meus braços de gelo

    Noite aberta

    Os meus edificiosos calendários de hoje

    JOÃO MARIA VILANOVA (1933-2005)

    Canção de uma tarde qualquer

    Canção do pequeno discípulo

    Canção da intimidade

    Kibixila kutululuka

    A voz trazida na noite

    Mon’ami

    Kimbo solitário coxilando sob o lado oculto da lua

    JOÃO MELO (1955)

    A cobra e o arco-íris

    Tempo tempo

    Música – i

    Querem proibir-nos a autêntica memória...

    Ele disse: o país sobreviverá...

    O homem prodigioso

    JOÃO PEDRO (1935-1998)

    Vamos

    Ponto um

    Liberdade poética

    Saia um fino bem gelado

    JOÃO TALA (1959)

    Pode ser. Pode ser

    Despertar

    O rebentar das águas

    Muitas palavras

    Sussurrava a luz dessa noite sem fim

    Quando costuras o tempo em teus violinos

    JOB SIPITALI (1985)

    …Alimento da idade…

    …Chegada II…

    …Acção e contemplação…

    JOFRE ROCHA (1941)

    Consciência

    Poema

    Biografia

    Hora verde

    Sugestão para um epitáfio

    Promessa

    Testamento do poeta

    JOHN BELLA (1968)

    Oiço linguagem no cérebro

    No abismo das nossas mentes

    Lei da vida

    Pé no ngimbo

    JORGE MACEDO (1941-2009)

    A cidade à noite

    O filho esquecido

    Vestiremos

    No mesmo mar

    A chegada do comboio

    Não fossem as maiangas da saudade

    Tenho dó

    JOSÉ EDUARDO AGUALUSA (1960)

    Mukubais II

    Poema na morte de Ernesto Lara III

    Liberdade

    JOSÉ LUÍS MENDONÇA (1955)

    O resto é poesia

    É de pássaros que se

    Nos olhos da pátria que buscaste

    Mordo as sandálias do vinho

    Gostava de matirar dum prédio abaixo

    Papagaio de papel

    JOSÉ MENA ABRANTES (1945)

    Futebol

    Estrelas

    lixo tóxico

    Foice

    Antena parabólica

    Assim fosse

    KANGUIMBO ANANAZ (1958)

    Sambilar

    Lavadeira

    Noite de luar

    KIOKAMBA CASSUA (1986)

    Não é este o último adeus

    Conficção

    De mim até ao fundo

    KUDIJIMBE (1955)

    Promessa predilecta

    Reencontro dos heróis

    Tabuada invertida

    Kandandu

    No amanhecer da curva

    Nvula i noka

    LÍLIA DA FONSECA (1916-1992)

    Uma canção na noite

    Poema da hora presente

    Bandeira branca

    Sobressalto

    LOPITO FEIJÓO J.A.S.K. (1963)

    1. Otyiivaluko

    Texto do vento

    Segredando na lucidez do instinto

    Quem?

    14

    47

    LUÍS KANDJIMBO (1960)

    No cimo da muralha

    Lealdade do pecado

    O caixilho e os lábios

    A chave e a porta

    40 Anos

    Canto às simetrias

    MANUEL LIMA (1935)

    Jornada

    Quissange na noite

    África

    África

    África

    Escravos

    MANUEL RUI (1941)

    Aqui e deste lado

    Uma onda e áfrica

    De passagem

    O sonho

    Lágrima

    Para depois

    Memória 6.ª

    MARIA ALEXANDRE DÁSKALOS (1957)

    Da resignação nada sei.

    Passava eu naquela rua havia muito tempo

    Talismã

    Porque tiraram mil luas

    A casa grande

    Em manhã de sol

    MARIA CELESTINA FERNANDES (1945)

    Recordar

    O meu canto

    A gardénia

    A chuva

    Saudade

    MÁRIO ANTÓNIO (1934-1989)

    Setembro (Diário de Férias)

    Noites de luar no morro da maianga

    Dois momentos

    O henda i xala

    Choro

    Até se revoltarem os escravos

    O tocador de dicanza

    MÁRIO ARSÉNIO (1936)

    Fuga

    Poema do presente

    Anoitecer

    «Ngongo»

    MÁRIO PINTO DE ANDRADE (1934-1990)

    Muimbu ua sabalu

    Canção de sabalu

    MARQUITA 50 (1995)

    Olhar dos astros

    Coisas para serem lidas de costas

    MAURÍCIO GOMES (1920-2012)

    Doçura

    Estrela pequenina

    Bandeira

    Se a minha terra é de cor

    Exortação

    MASSALO (1980)

    2. (E mais nada…)

    XXII. A noite

    NICOLAU SPENCER (1945-1971)

    Guerrilheiro

    Partida em missão

    Recreio

    Agora

    N’GUDIA WENDEL (1940-2010)

    Nós voltaremos, luanda!

    Triunfo de humilhados

    O fogo está aceso

    Um guerrilheiro no relvado

    NOK NOGUEIRA (1983)

    É enorme o silêncio da tua voz

    Nostálgico sentido africano

    Estação primeira

    Estação quarta

    ONDJAKI (1977)

    I

    II

    Segredos

    Arve jánãoélógica

    Lágrima, gota lágrima (ou: todas despedidas do mundo)

    «Territórios»

    PAULA TAVARES (1952)

    O maboque

    Ex-voto

    Assim o corpo

    Sombras

    E o silêncio

    Debaixo da árvore da febre

    PEDRO DE CASTRO VAN-DÚNEM (1942-1997)

    Dois poemas para hoji ia henda

    RAS NGUIMBA NGOLA (1976)

    Experimento do amor invertido

    Kundalini

    Notícias quentes

    RAUL DAVID (1918-2005)

    Apologia

    O asfalto negro

    Basta

    Olofa vya sekenha

    Univaluko

    Memória

    Ukulu wendamba

    O ancião

    Ovota kombanda, ovota kongongo

    Armas de um lado, armas do outro

    RODERICK NEHONE (1965)

    Aspiração

    Sem poesia

    Graus e degraus

    Quebrando distâncias

    Velhice

    As cores do virtuosismo

    ROSA CRUZEIRO (1965)

    A voz do meu lamento

    Noites de insónia

    ROSÁRIO MARCELINO (1955)

    Despertar

    O mundo

    Menino e homem

    Cadoji

    RUI AUGUSTO (1958)

    Exorcismo

    Vapor

    Magnificência de ouro

    O ciclo da solidão

    Poema póstumo

    Talismã

    RUI DE MATOS (1943-2004)

    Procuro um leão

    Lição de geologia

    Guerra

    RUY DUARTE DE CARVALHO (1941-2010)

    Última estória

    Como se mede um espaço

    A terra que te ofereço

    e se eu fizer da ausência

    SEGUNDA CLAREIRA (Reconversões)

    4

    As crianças

    SÁ CORTEZ (1945)

    O mundo

    Nascimento

    SAMUEL DE SOUSA (1927-2011)

    Pequei e peco

    III

    VI

    XV

    Duque de bragança

    SÃO VICENTE (1960)

    Picada, pingo de alegria

    … nesta doce manhã

    II – A voz esporádica acantonada nas palavras movediças do desassossego às avessas

    SAPYRUKA (1962)

    Cidades sem sarjetas

    Negrume

    Convicção

    S.O.S.

    Na hora cataléptica

    SILVÉRIO CONCEIÇÃO (1965)

    2.

    4.

    5.

    SAYDI MINGAS (1942-1977)

    Não há caminhos

    Dimensão

    Chamar-te-ei simplesmente homem

    Em ti

    TCHIAKU SPIELE (1946-1982)

    Minu nvúla

    Sou chuva

    Biála bi monho

    Cacussos vivos

    Já é manhã

    Nunca

    TIAGO DE BUCA (1960)

    Te seguimos queriendo

    Metáfora

    Pergunto-me a ti, amigo

    A luta continua

    Do canto à idade

    por onde é que eu andei?

    TOMÁS JORGE (1928-2009)

    Búzio

    Ama negra

    A meu pai

    Federico garcia lorca

    Acontece

    Brindar o corpo

    Raiva

    TOMÁS VIEIRA DA CRUZ (1900-1960)

    Mar africano

    Nhuca

    Adeus

    Vunge

    Surucucu

    Dongo

    Coqueiro

    TRAJANNO NANKHOVA TRAJANNO (1958)

    3.ª balada para devaneio das sementes

    3.ª canção fisiológica do tempo

    Instrumentalização do voo 3.º momento

    Instrumentalização do vento 4.º momento

    Luz e omissão 4.º fórum

    Vigésima quarta-feiraenunciação

    WAYOVOKA ANDRÉ (1963-2009)

    Lume novo

    porque é que assim

    1

    2

    3

    VICTOR JORGE (1960)

    As palavras

    Interiorizo

    eram

    VIRIATO DA CRUZ (1928-1973)

    Dois poemas à terra

    Rimance da menina da roça

    Serão de menino

    Sô santo

    Mamã negra

    (Canto da esperança)

    Namoro

    ZETHO CUNHA GONÇALVES (1960)

    Rio cutato

    À flor do fogo

    Trago nas minhas mãos – o coração do mundo

    Falam, conversam o mundo

    Os cinco sentidos

    Exorcismo para fazer nascer um rio

    REFERÊNCIAS BIOBIBLIOGRÁFICAS

    Fontes

    PREFÁCIO

    1. Ponto prévio

    A literatura desenvolve-se e propaga-se pela palavra escrita, mais precisamente pelo uso das letras para designar os sons da linguagem.

    O sistema onde se inclui a literatura, porém, assenta sobre várias esferas de circulação artística e, portanto, integra as oralidades, a escultura de provérbios como nos testos de panela, a geometria de estórias e ensinamentos como nos desenhos sona, as memórias arcaicas (dos arcanos ou dos princípios) como nas figuras do Tchitundu-hulu. Simultaneamente, não deixa de lado os restantes sistemas artísticos, a cujos estames recorre como o vento (ou seja: passa por lá e leva as sementes), porque a sua própria constituição é intersistémica, descontínua e abrangente. Como diria, em resumo, Aristóteles, numa linguagem mais antiga ainda do que esta meio estruturalista, a poesia (termo que uso para nomear todas as manifestações de arte verbal) é a imitação do homem através da linguagem (ou das linguagens, se preferirem). Portanto nenhuma linguagem lhe é estranha.

    2. Historial

    Essa ideia de conjunto assistiu sempre, assumida ou liminar, à criação e, sobretudo, ao desenvolvimento de uma comunidade literária em Angola. Disse, de propósito, literária e não poética, porque falo da escrita e de uma escrita não-simbólica. Em A Literatura Angolana, em 1963, Carlos Ervedosa já narra o nascimento da primeira geração nacionalista no ambiente suburbano das conversas de muro ao fim do dia, das farras de musseques, e transcreve ou refere a poesia oral urbana, incluindo as histórias das ou para as crianças, os casos do dia e, particularmente, a poesia das marchas de carnaval, como a da Cidrália, ou Cidralha, ou a dos Invejados (Ervedosa, 1963 pp. 20-22, 30-31), de que nos traz excertos. Na verdade, essa primeira geração nacionalista foi também uma geração de quintal e muros baixos, conversáveis, onde a oralidade se expandia sobre uma escrita resumida. Assim se mantinham abertos os poros da semiosfera urbana e literária para a influência vivificante da oratura local. Ao contar-nos esse instante fulcral da nossa história literária, Ervedosa demonstrava a consciência de um sistema de conjunto, em que as oraturas nos assistem contínua e conscientemente (embora sempre haja casos de fuga – muito estimulantes, aliás, e como sucede nas outras literaturas).

    O primeiro livro a levar uma demão de um angolano foi um catecismo (Pacconio, et al., 1642) que o jesuíta António do Couto (1614--1666) acomodou «á1 capacidade dos sogeitos, que se instruem». O livro pode ser lido e baixado no Google por qualquer um de nós. Observe-se, entretanto, que tais sujeitos pertenciam a uma semiosfera banto com predominância da oralidade. A acomodação do catecismo à capacidade dos sujeitos era, também, a adaptação do Livro (a Bíblia) a duas das oraturas locais (a de língua Kikongo – ou quicongo – e a de língua kimbundu, ou quimbundo).

    No mesmo século, a História Geral das Guerras Angolanas (Cadornega, 1942; 1972), do alentejano e proto-angolano A. O. Cadornega trazia a voz das oralidades para a escrita, gerando um português muito local, vivo e prenhe de literariedade. Essa transdução linguística e literária incluía também a transcrição (talvez criativa) de contos, estórias narradas ao fim do dia e nas romarias das igrejas de Massangano e da Muxima, narrativas que misturavam milagres da Bíblia com lendas e contos tradicionais bantos. Inédito até 1942, nem por isso foi inconsequente, como se pode ver pelos poemas nele transcritos e atribuídos, muito mais tarde, ao «boca do inferno», baiano e proto-brasileiro, Gregório de Matos, que os terá lido em Salvador, antes de ir para Angola livrar a boca da forca.

    Do «outro lado» desta complementaridade, ou seja, pela parte da semiosfera para-colonial, podemos reter o exemplo de Beatriz Kimpa Vita, cujos sermões, orações e lema, ao criar o antonianismo, se tornaram famosos também pela arte da palavra, que misturava as referências do Livro (a Bíblia) com as do complexo sistema religioso e cultural do Congo (Kongo).

    Não será necessário somar exaustivamente os passos dessa convivência intersistémica. Basta mencionar que, ao publicar o nosso primeiro roteiro crítico-histórico, em 1959, inserido numa antologia organizada por Carlos Ervedosa (em livro introduzido por ele e por Fernando Costa Andrade para a Casa dos Estudantes do Império), Mário António já começava o seu «estudo», justamente, pelas tradições orais do território entretanto angolano, antes de passar à história da literatura, ou seja, da arte da palavra pela escrita não-simbólica nem ideográfica.

    A antologia da poesia angolana que agora introduzo – a mais completa que já li até hoje – vem culminar o rumo e o esforço historiográfico iniciado por Mário António, Carlos Ervedosa, Costa Andrade e outros no âmbito da CEI. Começa, por isso também, cartando água do mesmo rio profundo que é o das nossas oraturas, ampliando a diversidade das recolhas e das culturas para-coloniais antologiadas (se o termo não existe – para-coloniais – fica registado e, segundo o novo acordo, sem hífen: paracoloniais).

    3. Cronologias

    A cronologia da nossa literatura pode dividir-se em três grandes períodos, que esta antologia demonstra bem, mesmo não seguindo, em absoluto, um critério cronológico. A consideração das oraturas é mais complexa.

    As oraturas, também elas, sofrem e provocam mutações em face da presença, não direi colonial (uma vez que toda a história da humanidade foi colonial), mas extracontinental, como em face de qualquer presença estrangeira. Havia, mesmo antes do assentamento colonial europeu no interior, uma circulação intensa de oralidades, a maioria bantos, outra misturando com as europeias e bíblicas de raiz. O comércio e a catequização punham a circular essas notícias de longe, cruzando-as com o corpus local, do que dão sinal as recolhas de Cordeiro da Matta e Chatelain já no século xix. Há, portanto, uma fase pré-colonial, outra para--colonial e outra colonial e pós-colonial, no que diz respeito às oraturas veiculadas no actual espaço angolano.

    Quanto ao percurso de formação de uma literatura angolana, escrita e impressa, passo a detalhar os três períodos em que penso.

    O primeiro período foi o da longa e descontínua criação da comunidade literária local. Iniciado com a chegada das escolas e a alfabetização de filhos da terra, deu os primeiros sinais com a elaboração de uma tentativa de história de Angola (na verdade, história da instalação da colónia de Angola, em particular no que diz respeito a Luanda e à religião) despoletada pelo visitador e geral Pero Rodrigues quando visitou a missão local (veio a ser, em seguida, geral do jesuítas no Brasil e o segundo e mais importante dos biógrafos iniciais do Pe. José de Anchieta). Um concurso realizado pelos jesuítas, para comemorar a beatificação do Pe. Francisco Xavier, acolheu muitas colaborações de filhos da terra, sobretudo dos que estudavam no colégio de Luanda, filhos de sobas, sekulus e comerciantes locais ou residentes. Por aí se vê que havia não só leitores de poemas e de peças literárias, também cultores das musas entre nós nesse tempo recuado.

    Cadornega, na História Geral das Guerras Angolanas, ao transcrever um poema (um «repente», manuscrito) do capitão António Dias de Macedo, aqui reproduzido, nos deu sinal da continuidade poética nos pequenos núcleos urbanos coloniais desse tempo (para o caso, Massangano, Muxima e terras afins). Ainda no mesmo século xvii, sabemos da existência de um poeta e nobre congolês, D. Miguel de Castro, que também compunha em latim.

    Não é provável que, depois disso e até 1850, ninguém mais tivesse escrito poemas em Angola. Simplesmente não nos restam provas ou sinais dessa prática, pois estarão guardados ainda em arquivos, sobretudo os da Igreja, a que não temos acesso no momento (possivelmente estarão no Vaticano ou em Lovaina).

    Esta fase está representada, na antologia, pela secção «Primeiros Documentos Literários (poéticos)» e reúne dois textos, um de um filho da terra e outro de um reinol, ambos do século xvii e transcritos por Cadornega.

    Quando, entre o fim de 1849 e os primeiros meses de 1850, veio à luz o primeiro livro de líricas escrito por um angolano e impresso em Angola, havia já uma pequena comunidade local operando no terreno. Fora escrita (na última década do século xviii) a História de Angola, do luso-brasileiro Elias Alexandre da Silva Corrêa (Corrêa, 1937), que esteve seis anos em território colonizado, participou numa frustrada tentativa de invasão de Cabinda e foi depois estabelecer-se definitivamente em São Gonçalo, frente à Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. Tinham sido degredados para a colónia vários instruídos e letrados inconfidentes de Minas (entre os quais o poeta Alvarenga Peixoto), que vieram a desempenhar funções importantes na colónia africana. O padre Manuel Patrício Correia de Castro, filho da terra (e mestiço, para quem interessar isso), fora deputado às Cortes constituintes liberais em Lisboa e publicara um panfleto político retoricamente perfeito, manifestando um domínio da linguagem de recorte neoclássico. O luandense Joaquim António de Carvalho e Menezes (neto de uma escrava local e de família nobre portuguesa), que seria também deputado às Cortes (mais de vinte anos depois) e membro do Associação Marítima e Colonial, publicara em 1848, no Rio de Janeiro (já exilado e onde viria a falecer), a sua Demonstração Geográfica e Política do Território Portuguez na Guiné Inferior […], ampliação da Memoria Geografica, e Politica das Possessões Portuguesas […], saída em 1834 em Lisboa e também dedicada a Angola. Em 1848, recorde-se, estava Maia Ferreira no mesmo Rio de Janeiro, temporariamente, no intervalo da sua residência em Luanda e Benguela, e começara a publicar ali por via do poeta e jornalista português João d’Aboim (conhecimentos de Lisboa, onde estudou cerca de três anos – de 1840, ou 1841, a 1843 – no Lycée Parisien), além disso convivente e amigo de Gonçalves Dias. Enfim, as páginas do Boletim oficial do Governo-geral, entretanto instalado (e em cujas oficinas se imprimiram as Espontaneidades de Maia Ferreira), publicavam, de quando em quando, crónicas e até poemas, que demonstravam a continuidade de uma prática literária local, ora tocada por residentes, ora por filhos da terra.

    Esse berço, também cultural e literário, dará lugar à comunidade de escritores e leitores do segundo período, que Mário António definiu como o da formação da literatura angolana (genericamente 1850-1949, embora o ensaísta de Maquela prefira 1851-1950). Era um meio social embrenhado profundamente (por negócios e famílias) no interior do país e com ramificações familiares ou comerciais no exterior (sobretudo no Brasil, mas também nos EUA e, claro, em Portugal). É o momento, não só da formação, mas da gradual e cautelosa diferenciação literária e identitária dos filhos da terra face à potência colonial, impante nos seus abusos e grávida da violação consagrada pela Conferência de Berlim. Durante esse processo irão gradualmente substituindo a expressão definidora (filhos da terra) pela racial (negros ou, por eufemismo, africanos), sob influência americana, trazida no bojo dos navios onde muitos deles se empregaram.

    Por essas e outras vias (a das notícias vindas de outras colónias e ex-colónias africanas e americanas, a da Casa dos Estudantes do Império, o fluxo estudantil para a Europa livre ou democrática, e também para o «bloco de Leste», etc.) eclode ou explode a nossa primeira literatura nacionalista, inaugurando a fase de afirmação, de soberania, propriamente nacional, que vem até hoje – sofrendo embora uma transformação radical nas últimas décadas, o que esta antologia torna bem visível. Agora são os novos angolanos que desenvolvem naturalmente uma literatura própria, diversificada e aberta ao imprevisto.

    O século xix está contemplado, na antologia, na secção «Precursores». O século xx (e até aos nossos dias) está incluído na secção «Modernidade e Contemporaneidade/Continuidades e descontinuidades».

    A fase final deste período, que hoje vivemos, acompanhando (por vezes antecipando) a vida política, social e antropológica, os movimentos demográficos e migratórios, as crises económicas e militares locais e globais, assiste à implosão da comunidade literária anterior e à sua substituição pela multiplicidade de critérios, fontes, padrões e protagonistas. No coroar de todo o historial anterior, construíra-se um espelho de nação – a angolana – único, sem dúvida (de Cabinda ao Cunene), através de uma tessitura cuidada, fabricada lenta e criteriosamente por nacionalistas cautelosos, que procuravam chão firme para o sustento mental e político de uma identidade comum. Tal espelho encontrou moldura e até substância na União de Escritores Angolanos, similar a muitas Uniões pelo mundo socialista fora. Ela centralizava a ainda pequena comunidade literária local e definia os cânones, os paradigmas, os limites ou a «essência» da angolanidade literária – termo equívoco, mas útil politicamente. Não necessariamente por um processo autoritário, mas decorrendo de uma linha de continuidade que, sendo nacionalista e angolana, se tornara também socialista e unívoca – numa sequência comum a vários países do mundo. Pertencer à literatura angolana implicava então – sem que nenhuma lei nos obrigasse a tanto – pertencer à União de Escritores. Houve raríssimas excepções embaciando o espelho e que não o macularam, casos ilustres como os de Mário António, mas também um Manuel dos Santos Lima destoando e criticando o cenário do partido único da literatura, como vários outros, sobretudo

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