Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor: Antologia de Poesia Angolana
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Irene Guerra Marques
Natural de Luanda, licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Entre 1965 e 1975 foi professora de Língua Francesa e de Língua e Literatura Portuguesa. Foi coordenadora nacional de Língua Portuguesa e Literatura Angolana no Centro de Investigação Pedagógica (CIP, CIPIE) do Ministério da Educação entre os anos de 1976 e 1982. Desde 1983 até 1988, dirigiu o Instituto de Línguas Nacionais tendo posteriormente, entre 1988 e 2000, sido directora do Instituto Nacional de Formação Artística e Cultural. De 2001 a 2002, desempenhou as funções de assessora principal do vice-ministro da Educação e Cultura para a Reforma Educativa e, entre 2003 e 2010, foi consultora dos ministros da Cultura. Entre 2002 e 2019, foi docente das cadeiras de Língua Portuguesa e de Literatura Angolana na Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto, onde exerceu, de 2010 a 2015, o cargo de chefe de Departamento de Língua Portuguesa.
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Entre a Lua, o Caos e o Silêncio - Irene Guerra Marques
Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor Antologia de Poesia Angolana
Título: Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor – Antologia de Poesia Angolana
Organização: Irene Guerra Marques e Carlos Monteiro Ferreira
© Autores e Guerra e Paz, Editores, Lda, 2021
Reservados todos os direitos
A presente edição não segue a grafia do novo acordo ortográfico.
Pesquisa, selecção, organização e introdução: Irene Guerra Marques e Carlos Monteiro Ferreira
Revisão: Marília Laranjeira e Joana Camões Pereira
Design: Ilídio J.B. Vasco
Imagens de capa e miolo: Mestre José Rodrigues
ISBN: 978-989-702-633-1
Guerra e Paz, Editores, Lda
R. Conde de Redondo, 8–5.º Esq.
1150-105 Lisboa
Tel.: 213 144 488 / Fax: 213 144 489
E-mail: guerraepaz@guerraepaz.pt
www.guerraepaz.pt
Literatura de revolta, de afirmação combativa, de luta, de guerrilha, irá cumprir uma missão didáctica.
Toda a literatura tem algo de «proveito e exemplo». Esta também tem. Saiba-se, então, colher o exemplo que ela nos dá.
António Jacinto
De manifesto pendor pedagógico, esta antologia poética Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor prima por uma abrangência metodológica séria e notável, a par de uma rigorosa sistematização de dados que suscitam outras leituras sócio-históricas. Esta antologia poética vem, certamente, preencher uma lacuna nos estudos literários de Angola.
Boaventura Cardoso
AGRADECIMENTOS
Apesar das muitas horas utilizadas na organização desta antologia, numa espécie de viagem no tempo pela poesia angolana, muitos foram os que contribuíram para que este trabalho pudesse ser partilhado com o público de hoje e das gerações futuras.
A eles, gostaríamos de endereçar os agradecimentos:
– Ao presidente do grupo DST, Eng. José Teixeira, cuja visão e sensibilidade permitiram o apoio essencial sem o qual esta edição não teria sido possível.
– Aos editores Manuel S. Fonseca, da Guerra e Paz (Portugal) e Arlindo Isabel, da Mayamba Editora (Angola), pelo empenho e confiança demonstrados.
– Aos escritores Henrique Guerra e Costa Andrade (in memoriam), pela cedência de material imprescindível para a consecução desta antologia.
– Ao jornalista Acácio Barradas (in memoriam), cuja ajuda foi também indispensável para a concretização deste projecto.
– Ao professor doutor Francisco Soares, pela disponibilidade, pelo apoio solidário de sempre e pela valiosa troca de informações sobre inúmeros aspectos da Literatura Angolana.
– Ao professor doutor Francisco Topa, por nos ter confiado o resultado inédito da sua pesquisa, fundamental para a História da literatura angolana do século XVII.
– Ao professor doutor Luís Kandjimbo, pela troca de opiniões e partilha de documentos importantes.
– À União dos Escritores Angolanos, pela atenção e colaboração prestadas a esta edição.
– Ao cineasta Jorge António, pela amizade, pela paciência e pelo apoio incondicional que nos deu em todos os momentos.
– À professora doutora Ana Paula Tavares, à professora doutora Aida Freudenthal e à Dra. Luísa Almeida, pelo material disponibilizado para este livro e pela amizade e cumplicidade ao longo de tantos anos de trabalho.
– À Dra. Raquel Sousa pela sua disponibilidade e prontidão na relação com os editores.
A todos os que, escrevendo, lendo, estudando, ensinando, investigando e analisando, vão criando as condições para que a literatura angolana prossiga, cumprindo o seu papel, sendo a flor, em meio à Lua, ao caos e ao silêncio.
A grafia original de todos os poemas, em línguas nacionais e em língua portuguesa, foi mantida.
Índice
Prefácio
Introdução
FORMAS DE ARTE VERBAL OU ORATURA
KIKONGO
Canção entoada no momento da partida para a circuncisão
Canção dos submetidos ao rito da circuncisão
Canção entoada no momento da partida para a circuncisão
Canção de dança
KIMBUNDO
Maria Kandimba
Maria Candimba
Dotolo Felele
Doutor Freire
Ximinha
Ximinha
Xixídia
Cecília
Milanda Eliki
Miranda Henriques
KWANYAMA
Canção dos guerrilheiros
Canção do pastor, enquanto os bois descansam à sombra
Osimanya tasiimbwa,
Ovakwanime
Ovakwanyoka
Aos da serpente
Haisikoti
A chuva
Para honrar a memória do rei mandume
A morte de um companheiro
Kalunga
Hailikana, hailikana, hailikana
Imploro, imploro, imploro
Namongo talipepele,
Improvisação lírica
UMBUNDO
Okulima Kuvala
Mãe Weya
Nditchimbumba Tchukulu
Baião Andingu
PRECURSORES
PRIMEIROS TEXTOS POÉTICOS MANUSCRITOS
LUÍS FÉLIX da CRUZ
Descrição da cidade de luanda e reino de Angola
ANTÓNIO DIAS DE MACEDO
Se a Deos chamão por tu,
PRIMEIROS TEXTOS POÉTICOS ESCRITOS
ARSÉNIO POMPÍLIO POMPEU DE CARPO (1792-?)
Satisfação
JOSÉ DA SILVA MAIA FERREIRA (1827-1867)
Benguelinha
Porque podes duvidar?
À minha terra!
Já não tenho fé!
Eu ouvi!
Carlinda
cÂNDIDO FURTADO (1864-1905)
No álbum de uma africana
CORDEIRO DA MATTA (1858-1894)
Súplica
Canção
Libelo a Portugal
Uma quissama
Nguibanga-kiê (que faço!)
Muanô,tata!
O sentimento do poeta
Negra!
EDUARDO NEVES (1854-1889)
Uatoála
Cana’Ngana
ERNESTO MARECOS (1836-1879)
Juca, A Matumbola
PEDRO FÉLIX MACHADO (1860-1907)
Retrato À Pena
A Carapuça
A Cruz Do Jogador
Pé-De-Boi
Frei Tomás
Gemidos
LOURENÇO DO CARMO FERREIRA (s/d)
Sonho
JORGE ROSA (s/d)
Ilusões
SÚPlica
MODERNIDADE E CONTEMPORANEIDADE (CONTINUIDADES E DESCONTINUIDADES)
ABREU PAXE (1969)
Exactamente perdia margem
Azul leito em poesia
Terezinha o lugar poesia pai
E as botas deste Novembro determinadas saíram à rua em brilho
ADRIANO BOTELHO DE VASCONCELOS (1955)
Voz da terra
Negro zuze dia mbaxi
Um pouco do avesso de mim
Toda a cicatriz...
A primeira letra a brincar em teu corpo...
A morte é uma simples conversa de café...
AGOSTINHO NETO (1922-1979)
Sim em qualquer poema
Poesia africana
Na pele do tambor
Partida para o contrato
Quitandeira
A renúncia impossívelnegação
A tua mão poeta
AIRES DE ALMEIDA SANTOS (1922-1991)
A mulemba secou
Lenda
Mariposa vermelha
Colar de missangas
Poema da esperança
A casa
Carta para havana
ALBANO NEVES E SOUSA (1921-1995)
Batuque de Santiago
Limites dos sete cantos da cidade de S. Filipe de Benguela
Viagem ao sul
ALDA LARA (1930-1962)
De longe
Anúncio
Prelúdio
Maternidade
Presságio
Testamento
Ronda
ALEXANDRE DÁSKALOS (1924-1961)
Companheiros
Buscando rumo
Visões
Poema
Porquê
Poesia amarga.
Foi um golpe certeiro
ÁLVARO MACIEIRA (1958)
Determinação da existência
Canto ao amor distante
Rosto na penumbra
Voz distante
AMÉLIA DALOMBA (1961)
Ânsia
Sombra d’África
Espigas do sahel
À sombra do chão
Ao porvir, chegarei
AMÍLCAR BARCA (1880-1958)
Minha terra
ANA BRANCO (1967)
Agora aqui;
Vão longe…
O sono não vem.
De nada valeu
ANA DE SANTANA (1960)
Trazia o recorte
Castelo de areia
Música sanguínea
ANNY PEREIRA (1951)
Identidade
Costumo definir-me a mim própria...
ANTERO ABREU (1927-2017)
A poesia anda por aí
Ainda está na hora, já está na hora
Cada um sabe da sua vida
Lamento do ghetto
Música
A verdade
É tudo uma questão de tempo
ANTÓNIO CARDOSO (1933-2006)
Saudade é onça…
Um dia…
Poema
Desafio ao guardador de rebanhosa sanha do teu ódio
Conselho a um jovem, artista ou não
Raticida
Naufrágio no corredor da cela disciplinar
ANTÓNIO FONSECA (1956)
Do mestre
Canto na madrugada
Exercício poético
Renasçam as almas incandescentes
ANTÓNIO GONÇALVES (1960)
Fotografia
Versos libertinos
Sem o meu espírito normal (a)
Gemido da terra
Os segundos que faltam…
Piando poesia
ANTÓNIO JACINTO (1924-1991)
Carta dum contratado
Canção de entardecer
Autobiografia
O que sinto no exílio
Um canto moço, ousado e forte
Cantar…
Oração
ANTÓNIO NETO (1928-1994)
Os mortos perguntam
Canção de embalar meninos pretos
Programa
Arte poética
ANTÓNIO PANGUILA (1963-2018)
A vaca que arrasta o tempo
Encante a gaivota
Quando o sol for sol
Na festa do mar
Chamamento espiritual
ANTÓNIO POMPÍLIO (1964)
O sal dos olhos do mar
Sinais
Fortaleza do poder
O lume brando na estrada
Contratempos
ARLINDO BARBEITOS (1940)
vogando
por
à sombra da árvore velha de muitos sobas
da madeira carcomida
lesto
na
longe
ARNALDO SANTOS (1936)
Soneto
Choravam bordões
Poema
Regresso
Nasci
Nova memória
Meu pai no corredor
BANDEIRA DUARTE (1926-1984)
Finalidade
Ser poeta
BETO VAN-DÚNEM (1935-2020)
Lamentação
Tristeza
Não
CARLA QUEIRÓS (1968)
Registo
Declaração
Regresso
CARLOS FERREIRA (1960)
Dizer adeus
Onde está o meu riso?
A demora foi tão grande como a espera
Oitavo poema
Setenta e seis
mencontraram nesse cubico
CARLOS GOUVEIA (GÓIA) (1930-2006)
O meu barco de bimba
Anjo negro
Outro dia
Um poema diferente
A nova semente
Para a eternidade
CARLOS PEDRO (1983)
Vida de sarjeta
O poema
Bandeira inglória
CARLOS PIMENTEL (1944-2016)
Para que fosses livre…
Revolução
Salfabetizando
Os escritores pela paz
Meu filho
CHÓ DO GURI (1958-2017)
Os rostos
As árvores
Vem!
Escuta
Voltei
COCHAT OSÓRIO (1917-2002)
Adágio
Destino
Lamúria
Vontade
Último poema
Ode ao mar
Cidade
CONCEIÇÃO CRISTÓVÃO (1962)
Repressão e memória das coisas
Horizontes da vida
Desabafo ii
Dualidades: de cá e de lá
Profissões e confissões
Do chão no chão
COSTA ANDRADE (1936-2009)
Insubstância
1. A partida
Fecunda a descoberta
Poema 10 – segunda parte – o amor
Terra autobiográfica (fragmento)
Carlos rocha dilolwa
Orquídea
CRISTÓVÃO NETO (1964)
A escada do suicídio
Alarme
Lá longe o mar canta
Autocarro do prenda
XXI
Galguei
DARIO DE MELO (1935)
Entardeci, amor …
Preciso inventar o teu perfume
tarde da tarde
DAVID CAPELENGUELA (1969)
Derivações do instante – 3.ª maturação
Sentido d’alma
Meditação
Assobio de aviso
Tundavala
A dor
Explosão do cofre
Vogais da voz
DAVID MESTRE (1948-1997)
Maka na muxima
4.
A memória dos barcos
Pedaço de pirão
Material subversivo
Calçada dos enforcados
DEOLINDA RODRIGUES (1938-1963)
Mamã
Um quatro de fevereiro
A consoada
DOMINGOS FLORENTINO (1953)
África escultural (i)
Panamor
Quero os anjos cósmicos
Ausência
Palavras
E. BONAVENA (1955)
2. pedra
VI
VIII
Recuo,
Futuro (in)certo
À espera de ti
ELEUTÉRIO SANCHES (1935-2016)
Poente africano
Orfeu negro
Uma canção do subúrbio
EMA NZADI (1987)
Carruagem de mistérios
Campos dos provérbios
EMANUEL CORGO (1945-1977)
Escolha
Terra-mãe
Raízes da revolta
ERMELINDA XAVIER (1931-2016)
Nossa fome
Mensagem
Choro
ERNESTO LARA FILHO (1932-1977)
Poema
Serenata ridícula
A casa da velha
Regresso
Dongo
Quando eu morrer
Resposta
EUGÉNIA NETO (1934)
Porque me vem este odor forte
O mundo dos poetas
A luz poisou suavemente no teu rosto
Criámos,
Angola
Escuta a sinfonia
FERNANDO KAFUKENO (1962)
Página
Clorofila
Miseke
A doçura dos teus lábios
A ilusão das lágrimas
FLAS N’DOMBE (1959)
Dilema
Metamorfose
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FERNANDO MARCELINO (1931-1992)
Óbito
Encontro
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FONSECA WOCHAY (1949)
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FRAGATA DE MORAIS (1941)
Optimismo
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Chingufos
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FREDERICO NINGI (1959-2019)
Na boca do vulcão
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A tinta é desta lata
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GARCIA BIRES (1944)
Nós o tempo
Regressei
No próximo encontro
Alma da flor
Tinha que ser diferente
No crepúsculo
GERALDO BESSA VICTOR (1917-1990)
Ideal
A marimba
Queimada
Soneto da ansiedade
Momento místico
Crianças
O menino negro não entrou na roda
GOCIANTE PATISSA (1978)
Não se fez manhã ainda
Tríade do tempo da pedra e da obra
Sem vida no pé
Serviçais do parque
À mão morena do chão
HÉLDER NETO (1939-1977)
Nem medalhas nem louvores
Síntese 2
Não esperes
HÉLDER SIMBAD (1987)
Partida!
A maninha das palavras
Morfossintaxe da pátria
HELENA DIAS (1991)
Espelhos da alma
Patroa das ruas
HENDRIK VAAL NETO (1944)
Cansaço
És tu que o dizes ou mandaram-te dizer-mo?
Provérbio cokwe
HENRIQUE ABRANCHES (1932-2004)
Poema
Visão de uma fresca madrugada
O pensador
1965 – Carta à frente de cabinda
A noite proletária
Ao bater da chuva
Permanecerão apesar de tudo
HENRIQUE GUERRA (1937)
Carta a um amigo
O moringue
Língua-mãe
Regresso
Negras
Quadras soltas
Penetro no teu templo de silêncio e insubstância
HUMBERTO DA SILVAN (1925-1992)
África
Descoberta
Ó meus olhos de poeta desesperado,
Xico Bilha
ISABEL FERREIRA (1960)
Desilusão
Tectos de rua
Amor candongueiro
Ante o espelho
Desejo da terra
Oceano ao avesso
ISMAEL MATEUS (1963)
A guerra da boavida
Mágoa calada
Os caminhos da geração
JIMMY RUFINO (1962-2020)
Atuzemba
Maria kandimba
Rikita luanda
Kapreco da marica
JOÃO ABEL (1938-2008)
Simples
Poema aos meus irmãos
Madrigal onze
Bom dia
não me demoro nas palavras desbotadas
pouco falta para enlouqucer
O rato
Ainda assim
JOÃO MAIMONA (1955)
XI
O que (não) está ausente
A morte no deserto
Meus braços de gelo
Noite aberta
Os meus edificiosos calendários de hoje
JOÃO MARIA VILANOVA (1933-2005)
Canção de uma tarde qualquer
Canção do pequeno discípulo
Canção da intimidade
Kibixila kutululuka
A voz trazida na noite
Mon’ami
Kimbo solitário coxilando sob o lado oculto da lua
JOÃO MELO (1955)
A cobra e o arco-íris
Tempo tempo
Música – i
Querem proibir-nos a autêntica memória...
Ele disse: o país sobreviverá...
O homem prodigioso
JOÃO PEDRO (1935-1998)
Vamos
Ponto um
Liberdade poética
Saia um fino bem gelado
JOÃO TALA (1959)
Pode ser. Pode ser
Despertar
O rebentar das águas
Muitas palavras
Sussurrava a luz dessa noite sem fim
Quando costuras o tempo em teus violinos
JOB SIPITALI (1985)
…Alimento da idade…
…Chegada II…
…Acção e contemplação…
JOFRE ROCHA (1941)
Consciência
Poema
Biografia
Hora verde
Sugestão para um epitáfio
Promessa
Testamento do poeta
JOHN BELLA (1968)
Oiço linguagem no cérebro
No abismo das nossas mentes
Lei da vida
Pé no ngimbo
JORGE MACEDO (1941-2009)
A cidade à noite
O filho esquecido
Vestiremos
No mesmo mar
A chegada do comboio
Não fossem as maiangas da saudade
Tenho dó
JOSÉ EDUARDO AGUALUSA (1960)
Mukubais II
Poema na morte de Ernesto Lara III
Liberdade
JOSÉ LUÍS MENDONÇA (1955)
O resto é poesia
É de pássaros que se
Nos olhos da pátria que buscaste
Mordo as sandálias do vinho
Gostava de matirar dum prédio abaixo
Papagaio de papel
JOSÉ MENA ABRANTES (1945)
Futebol
Estrelas
lixo tóxico
Foice
Antena parabólica
Assim fosse
KANGUIMBO ANANAZ (1958)
Sambilar
Lavadeira
Noite de luar
KIOKAMBA CASSUA (1986)
Não é este o último adeus
Conficção
De mim até ao fundo
KUDIJIMBE (1955)
Promessa predilecta
Reencontro dos heróis
Tabuada invertida
Kandandu
No amanhecer da curva
Nvula i noka
LÍLIA DA FONSECA (1916-1992)
Uma canção na noite
Poema da hora presente
Bandeira branca
Sobressalto
LOPITO FEIJÓO J.A.S.K. (1963)
1. Otyiivaluko
Texto do vento
Segredando na lucidez do instinto
Quem?
14
47
LUÍS KANDJIMBO (1960)
No cimo da muralha
Lealdade do pecado
O caixilho e os lábios
A chave e a porta
40 Anos
Canto às simetrias
MANUEL LIMA (1935)
Jornada
Quissange na noite
África
África
África
Escravos
MANUEL RUI (1941)
Aqui e deste lado
Uma onda e áfrica
De passagem
O sonho
Lágrima
Para depois
Memória 6.ª
MARIA ALEXANDRE DÁSKALOS (1957)
Da resignação nada sei.
Passava eu naquela rua havia muito tempo
Talismã
Porque tiraram mil luas
A casa grande
Em manhã de sol
MARIA CELESTINA FERNANDES (1945)
Recordar
O meu canto
A gardénia
A chuva
Saudade
MÁRIO ANTÓNIO (1934-1989)
Setembro (Diário de Férias)
Noites de luar no morro da maianga
Dois momentos
O henda i xala
Choro
Até se revoltarem os escravos
O tocador de dicanza
MÁRIO ARSÉNIO (1936)
Fuga
Poema do presente
Anoitecer
«Ngongo»
MÁRIO PINTO DE ANDRADE (1934-1990)
Muimbu ua sabalu
Canção de sabalu
MARQUITA 50 (1995)
Olhar dos astros
Coisas para serem lidas de costas
MAURÍCIO GOMES (1920-2012)
Doçura
Estrela pequenina
Bandeira
Se a minha terra é de cor
Exortação
MASSALO (1980)
2. (E mais nada…)
XXII. A noite
NICOLAU SPENCER (1945-1971)
Guerrilheiro
Partida em missão
Recreio
Agora
N’GUDIA WENDEL (1940-2010)
Nós voltaremos, luanda!
Triunfo de humilhados
O fogo está aceso
Um guerrilheiro no relvado
NOK NOGUEIRA (1983)
É enorme o silêncio da tua voz
Nostálgico sentido africano
Estação primeira
Estação quarta
ONDJAKI (1977)
I
II
Segredos
Arve jánãoélógica
Lágrima, gota lágrima (ou: todas despedidas do mundo)
«Territórios»
PAULA TAVARES (1952)
O maboque
Ex-voto
Assim o corpo
Sombras
E o silêncio
Debaixo da árvore da febre
PEDRO DE CASTRO VAN-DÚNEM (1942-1997)
Dois poemas para hoji ia henda
RAS NGUIMBA NGOLA (1976)
Experimento do amor invertido
Kundalini
Notícias quentes
RAUL DAVID (1918-2005)
Apologia
O asfalto negro
Basta
Olofa vya sekenha
Univaluko
Memória
Ukulu wendamba
O ancião
Ovota kombanda, ovota kongongo
Armas de um lado, armas do outro
RODERICK NEHONE (1965)
Aspiração
Sem poesia
Graus e degraus
Quebrando distâncias
Velhice
As cores do virtuosismo
ROSA CRUZEIRO (1965)
A voz do meu lamento
Noites de insónia
ROSÁRIO MARCELINO (1955)
Despertar
O mundo
Menino e homem
Cadoji
RUI AUGUSTO (1958)
Exorcismo
Vapor
Magnificência de ouro
O ciclo da solidão
Poema póstumo
Talismã
RUI DE MATOS (1943-2004)
Procuro um leão
Lição de geologia
Guerra
RUY DUARTE DE CARVALHO (1941-2010)
Última estória
Como se mede um espaço
A terra que te ofereço
e se eu fizer da ausência
SEGUNDA CLAREIRA (Reconversões)
4
As crianças
SÁ CORTEZ (1945)
O mundo
Nascimento
SAMUEL DE SOUSA (1927-2011)
Pequei e peco
III
VI
XV
Duque de bragança
SÃO VICENTE (1960)
Picada, pingo de alegria
… nesta doce manhã
II – A voz esporádica acantonada nas palavras movediças do desassossego às avessas
SAPYRUKA (1962)
Cidades sem sarjetas
Negrume
Convicção
S.O.S.
Na hora cataléptica
SILVÉRIO CONCEIÇÃO (1965)
2.
4.
5.
SAYDI MINGAS (1942-1977)
Não há caminhos
Dimensão
Chamar-te-ei simplesmente homem
Em ti
TCHIAKU SPIELE (1946-1982)
Minu nvúla
Sou chuva
Biála bi monho
Cacussos vivos
Já é manhã
Nunca
TIAGO DE BUCA (1960)
Te seguimos queriendo
Metáfora
Pergunto-me a ti, amigo
A luta continua
Do canto à idade
por onde é que eu andei?
TOMÁS JORGE (1928-2009)
Búzio
Ama negra
A meu pai
Federico garcia lorca
Acontece
Brindar o corpo
Raiva
TOMÁS VIEIRA DA CRUZ (1900-1960)
Mar africano
Nhuca
Adeus
Vunge
Surucucu
Dongo
Coqueiro
TRAJANNO NANKHOVA TRAJANNO (1958)
3.ª balada para devaneio das sementes
3.ª canção fisiológica do tempo
Instrumentalização do voo 3.º momento
Instrumentalização do vento 4.º momento
Luz e omissão 4.º fórum
Vigésima quarta-feiraenunciação
WAYOVOKA ANDRÉ (1963-2009)
Lume novo
porque é que assim
1
2
3
VICTOR JORGE (1960)
As palavras
Interiorizo
eram
VIRIATO DA CRUZ (1928-1973)
Dois poemas à terra
Rimance da menina da roça
Serão de menino
Sô santo
Mamã negra
(Canto da esperança)
Namoro
ZETHO CUNHA GONÇALVES (1960)
Rio cutato
À flor do fogo
Trago nas minhas mãos – o coração do mundo
Falam, conversam o mundo
Os cinco sentidos
Exorcismo para fazer nascer um rio
REFERÊNCIAS BIOBIBLIOGRÁFICAS
Fontes
PREFÁCIO
1. Ponto prévio
A literatura desenvolve-se e propaga-se pela palavra escrita, mais precisamente pelo uso das letras para designar os sons da linguagem.
O sistema onde se inclui a literatura, porém, assenta sobre várias esferas de circulação artística e, portanto, integra as oralidades, a escultura de provérbios como nos testos de panela, a geometria de estórias e ensinamentos como nos desenhos sona, as memórias arcaicas (dos arcanos ou dos princípios) como nas figuras do Tchitundu-hulu. Simultaneamente, não deixa de lado os restantes sistemas artísticos, a cujos estames recorre como o vento (ou seja: passa por lá e leva as sementes), porque a sua própria constituição é intersistémica, descontínua e abrangente. Como diria, em resumo, Aristóteles, numa linguagem mais antiga ainda do que esta meio estruturalista, a poesia (termo que uso para nomear todas as manifestações de arte verbal) é a imitação do homem através da linguagem (ou das linguagens, se preferirem). Portanto nenhuma linguagem lhe é estranha.
2. Historial
Essa ideia de conjunto assistiu sempre, assumida ou liminar, à criação e, sobretudo, ao desenvolvimento de uma comunidade literária em Angola. Disse, de propósito, literária e não poética, porque falo da escrita e de uma escrita não-simbólica. Em A Literatura Angolana, em 1963, Carlos Ervedosa já narra o nascimento da primeira geração nacionalista no ambiente suburbano das conversas de muro ao fim do dia, das farras de musseques, e transcreve ou refere a poesia oral urbana, incluindo as histórias das ou para as crianças, os casos do dia e, particularmente, a poesia das marchas de carnaval, como a da Cidrália, ou Cidralha, ou a dos Invejados (Ervedosa, 1963 pp. 20-22, 30-31), de que nos traz excertos. Na verdade, essa primeira geração nacionalista foi também uma geração de quintal e muros baixos, conversáveis, onde a oralidade se expandia sobre uma escrita resumida. Assim se mantinham abertos os poros da semiosfera urbana e literária para a influência vivificante da oratura local. Ao contar-nos esse instante fulcral da nossa história literária, Ervedosa demonstrava a consciência de um sistema de conjunto, em que as oraturas nos assistem contínua e conscientemente (embora sempre haja casos de fuga – muito estimulantes, aliás, e como sucede nas outras literaturas).
O primeiro livro a levar uma demão de um angolano foi um catecismo (Pacconio, et al., 1642) que o jesuíta António do Couto (1614--1666) acomodou «á1 capacidade dos sogeitos, que se instruem». O livro pode ser lido e baixado no Google por qualquer um de nós. Observe-se, entretanto, que tais sujeitos pertenciam a uma semiosfera banto com predominância da oralidade. A acomodação do catecismo à capacidade dos sujeitos era, também, a adaptação do Livro (a Bíblia) a duas das oraturas locais (a de língua Kikongo – ou quicongo – e a de língua kimbundu, ou quimbundo).
No mesmo século, a História Geral das Guerras Angolanas (Cadornega, 1942; 1972), do alentejano e proto-angolano A. O. Cadornega trazia a voz das oralidades para a escrita, gerando um português muito local, vivo e prenhe de literariedade. Essa transdução linguística e literária incluía também a transcrição (talvez criativa) de contos, estórias narradas ao fim do dia e nas romarias das igrejas de Massangano e da Muxima, narrativas que misturavam milagres da Bíblia com lendas e contos tradicionais bantos. Inédito até 1942, nem por isso foi inconsequente, como se pode ver pelos poemas nele transcritos e atribuídos, muito mais tarde, ao «boca do inferno», baiano e proto-brasileiro, Gregório de Matos, que os terá lido em Salvador, antes de ir para Angola livrar a boca da forca.
Do «outro lado» desta complementaridade, ou seja, pela parte da semiosfera para-colonial, podemos reter o exemplo de Beatriz Kimpa Vita, cujos sermões, orações e lema, ao criar o antonianismo, se tornaram famosos também pela arte da palavra, que misturava as referências do Livro (a Bíblia) com as do complexo sistema religioso e cultural do Congo (Kongo).
Não será necessário somar exaustivamente os passos dessa convivência intersistémica. Basta mencionar que, ao publicar o nosso primeiro roteiro crítico-histórico, em 1959, inserido numa antologia organizada por Carlos Ervedosa (em livro introduzido por ele e por Fernando Costa Andrade para a Casa dos Estudantes do Império), Mário António já começava o seu «estudo», justamente, pelas tradições orais do território entretanto angolano, antes de passar à história da literatura, ou seja, da arte da palavra pela escrita não-simbólica nem ideográfica.
A antologia da poesia angolana que agora introduzo – a mais completa que já li até hoje – vem culminar o rumo e o esforço historiográfico iniciado por Mário António, Carlos Ervedosa, Costa Andrade e outros no âmbito da CEI. Começa, por isso também, cartando água do mesmo rio profundo que é o das nossas oraturas, ampliando a diversidade das recolhas e das culturas para-coloniais antologiadas (se o termo não existe – para-coloniais – fica registado e, segundo o novo acordo, sem hífen: paracoloniais).
3. Cronologias
A cronologia da nossa literatura pode dividir-se em três grandes períodos, que esta antologia demonstra bem, mesmo não seguindo, em absoluto, um critério cronológico. A consideração das oraturas é mais complexa.
As oraturas, também elas, sofrem e provocam mutações em face da presença, não direi colonial (uma vez que toda a história da humanidade foi colonial), mas extracontinental, como em face de qualquer presença estrangeira. Havia, mesmo antes do assentamento colonial europeu no interior, uma circulação intensa de oralidades, a maioria bantos, outra misturando com as europeias e bíblicas de raiz. O comércio e a catequização punham a circular essas notícias de longe, cruzando-as com o corpus local, do que dão sinal as recolhas de Cordeiro da Matta e Chatelain já no século xix. Há, portanto, uma fase pré-colonial, outra para--colonial e outra colonial e pós-colonial, no que diz respeito às oraturas veiculadas no actual espaço angolano.
Quanto ao percurso de formação de uma literatura angolana, escrita e impressa, passo a detalhar os três períodos em que penso.
O primeiro período foi o da longa e descontínua criação da comunidade literária local. Iniciado com a chegada das escolas e a alfabetização de filhos da terra, deu os primeiros sinais com a elaboração de uma tentativa de história de Angola (na verdade, história da instalação da colónia de Angola, em particular no que diz respeito a Luanda e à religião) despoletada pelo visitador e geral Pero Rodrigues quando visitou a missão local (veio a ser, em seguida, geral do jesuítas no Brasil e o segundo e mais importante dos biógrafos iniciais do Pe. José de Anchieta). Um concurso realizado pelos jesuítas, para comemorar a beatificação do Pe. Francisco Xavier, acolheu muitas colaborações de filhos da terra, sobretudo dos que estudavam no colégio de Luanda, filhos de sobas, sekulus e comerciantes locais ou residentes. Por aí se vê que havia não só leitores de poemas e de peças literárias, também cultores das musas entre nós nesse tempo recuado.
Cadornega, na História Geral das Guerras Angolanas, ao transcrever um poema (um «repente», manuscrito) do capitão António Dias de Macedo, aqui reproduzido, nos deu sinal da continuidade poética nos pequenos núcleos urbanos coloniais desse tempo (para o caso, Massangano, Muxima e terras afins). Ainda no mesmo século xvii, sabemos da existência de um poeta e nobre congolês, D. Miguel de Castro, que também compunha em latim.
Não é provável que, depois disso e até 1850, ninguém mais tivesse escrito poemas em Angola. Simplesmente não nos restam provas ou sinais dessa prática, pois estarão guardados ainda em arquivos, sobretudo os da Igreja, a que não temos acesso no momento (possivelmente estarão no Vaticano ou em Lovaina).
Esta fase está representada, na antologia, pela secção «Primeiros Documentos Literários (poéticos)» e reúne dois textos, um de um filho da terra e outro de um reinol, ambos do século xvii e transcritos por Cadornega.
Quando, entre o fim de 1849 e os primeiros meses de 1850, veio à luz o primeiro livro de líricas escrito por um angolano e impresso em Angola, havia já uma pequena comunidade local operando no terreno. Fora escrita (na última década do século xviii) a História de Angola, do luso-brasileiro Elias Alexandre da Silva Corrêa (Corrêa, 1937), que esteve seis anos em território colonizado, participou numa frustrada tentativa de invasão de Cabinda e foi depois estabelecer-se definitivamente em São Gonçalo, frente à Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. Tinham sido degredados para a colónia vários instruídos e letrados inconfidentes de Minas (entre os quais o poeta Alvarenga Peixoto), que vieram a desempenhar funções importantes na colónia africana. O padre Manuel Patrício Correia de Castro, filho da terra (e mestiço, para quem interessar isso), fora deputado às Cortes constituintes liberais em Lisboa e publicara um panfleto político retoricamente perfeito, manifestando um domínio da linguagem de recorte neoclássico. O luandense Joaquim António de Carvalho e Menezes (neto de uma escrava local e de família nobre portuguesa), que seria também deputado às Cortes (mais de vinte anos depois) e membro do Associação Marítima e Colonial, publicara em 1848, no Rio de Janeiro (já exilado e onde viria a falecer), a sua Demonstração Geográfica e Política do Território Portuguez na Guiné Inferior […], ampliação da Memoria Geografica, e Politica das Possessões Portuguesas […], saída em 1834 em Lisboa e também dedicada a Angola. Em 1848, recorde-se, estava Maia Ferreira no mesmo Rio de Janeiro, temporariamente, no intervalo da sua residência em Luanda e Benguela, e começara a publicar ali por via do poeta e jornalista português João d’Aboim (conhecimentos de Lisboa, onde estudou cerca de três anos – de 1840, ou 1841, a 1843 – no Lycée Parisien), além disso convivente e amigo de Gonçalves Dias. Enfim, as páginas do Boletim oficial do Governo-geral, entretanto instalado (e em cujas oficinas se imprimiram as Espontaneidades de Maia Ferreira), publicavam, de quando em quando, crónicas e até poemas, que demonstravam a continuidade de uma prática literária local, ora tocada por residentes, ora por filhos da terra.
Esse berço, também cultural e literário, dará lugar à comunidade de escritores e leitores do segundo período, que Mário António definiu como o da formação da literatura angolana (genericamente 1850-1949, embora o ensaísta de Maquela prefira 1851-1950). Era um meio social embrenhado profundamente (por negócios e famílias) no interior do país e com ramificações familiares ou comerciais no exterior (sobretudo no Brasil, mas também nos EUA e, claro, em Portugal). É o momento, não só da formação, mas da gradual e cautelosa diferenciação literária e identitária dos filhos da terra face à potência colonial, impante nos seus abusos e grávida da violação consagrada pela Conferência de Berlim. Durante esse processo irão gradualmente substituindo a expressão definidora (filhos da terra) pela racial (negros ou, por eufemismo, africanos), sob influência americana, trazida no bojo dos navios onde muitos deles se empregaram.
Por essas e outras vias (a das notícias vindas de outras colónias e ex-colónias africanas e americanas, a da Casa dos Estudantes do Império, o fluxo estudantil para a Europa livre ou democrática, e também para o «bloco de Leste», etc.) eclode ou explode a nossa primeira literatura nacionalista, inaugurando a fase de afirmação, de soberania, propriamente nacional, que vem até hoje – sofrendo embora uma transformação radical nas últimas décadas, o que esta antologia torna bem visível. Agora são os novos angolanos que desenvolvem naturalmente uma literatura própria, diversificada e aberta ao imprevisto.
O século xix está contemplado, na antologia, na secção «Precursores». O século xx (e até aos nossos dias) está incluído na secção «Modernidade e Contemporaneidade/Continuidades e descontinuidades».
A fase final deste período, que hoje vivemos, acompanhando (por vezes antecipando) a vida política, social e antropológica, os movimentos demográficos e migratórios, as crises económicas e militares locais e globais, assiste à implosão da comunidade literária anterior e à sua substituição pela multiplicidade de critérios, fontes, padrões e protagonistas. No coroar de todo o historial anterior, construíra-se um espelho de nação – a angolana – único, sem dúvida (de Cabinda ao Cunene), através de uma tessitura cuidada, fabricada lenta e criteriosamente por nacionalistas cautelosos, que procuravam chão firme para o sustento mental e político de uma identidade comum. Tal espelho encontrou moldura e até substância na União de Escritores Angolanos, similar a muitas Uniões pelo mundo socialista fora. Ela centralizava a ainda pequena comunidade literária local e definia os cânones, os paradigmas, os limites ou a «essência» da angolanidade literária – termo equívoco, mas útil politicamente. Não necessariamente por um processo autoritário, mas decorrendo de uma linha de continuidade que, sendo nacionalista e angolana, se tornara também socialista e unívoca – numa sequência comum a vários países do mundo. Pertencer à literatura angolana implicava então – sem que nenhuma lei nos obrigasse a tanto – pertencer à União de Escritores. Houve raríssimas excepções embaciando o espelho e que não o macularam, casos ilustres como os de Mário António, mas também um Manuel dos Santos Lima destoando e criticando o cenário do partido único da literatura, como vários outros, sobretudo