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Além do PT: A crise da esquerda brasileira em perspectiva latino-americana
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Além do PT: A crise da esquerda brasileira em perspectiva latino-americana

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Na abertura do presente ensaio, Fabio Luis Barbosa dos Santos declara não se arrepender de ter votado e defendido o PT. Não é o único, claro. Porém, de tanto se votar e defender, naturalizou-se a identificação entre esquerda e PT. Nela reside um dos principais fatores do imobilismo político de agora. Por isso, o autor considera um imperativo político incontornável fazer o luto do PT.

Diante da crise terminal que o consome, por que não ajudar seus militantes a atravessar o estágio inicial de negação — e de paranoia — em que se encontram? Ao contrário do que ainda fantasiam, não era bem um cerco que vinha se armando e fechando em torno da esquerda. Fazia tempo que o PT era a parte mais ativa desse mesmo cerco ao campo popular, que lograra afinal asfixiar e por fim desmoralizar depois de havê-lo instrumentalizado até à corda.

Fabio Luis demonstra o seu argumento por um ângulo surpreendente e, ao meu ver, fulminante: enterrar essa mentalidade de cerco estendendo o luto a ser feito até a chamada onda progressista sul-americana, iniciada com a eleição de Hugo Chávez, em 1998, e que dezoito anos depois veio morrer justamente na praia petista. Vista pelo prisma desse esgotamento continental, o nosso muda inteiramente de figura.

Segundo o autor, a derrocada não menos calamitosa dos governos progressistas-extrativistas se explica muito pouco pela pressão imperialista de sempre, que no limite se confunde com a história do subcontinente, e muito mais pela economia política do petismo, que projetou seu modo de regulação de conflito social, juntamente com seus famigerados "campeões nacionais", para o seu entorno estratégico regional. Menos um cerco geopolítico do que um projeto de poder exercido para conter a expectativas de mudança, não somente no país mas em toda a região. A ser assim, fica a dúvida: melancolia e luto pela esquerda petista sim, mas pelo poder petista?

— Paulo Arantes
LanguagePortuguês
Release dateFeb 13, 2020
ISBN9788593115585
Além do PT: A crise da esquerda brasileira em perspectiva latino-americana

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    Além do PT - Fabio Luis Barbosa dos Santos

    Casa

    su

    rio

    apresentação

    prefácio à segunda edição

    introdução

    I. Observando a crise

    da esquerda brasileira

    1. Dialética ou terapia: enxergando o pt

    2. O Brasil encontrado pelo pt

    3. O pt encontrado pelo Brasil

    4. O pt na presidência

    5. A reforma agrária E o mst

    6. Neodesenvolvimentismo

    7. Integração sul-americana

    8. A deposição de Lugo no Paraguai

    9. Regionalismo pós-neoliberal?

    10. Junho

    11. Parênteses futebolístico

    12. Das eleições ao impeachment

    13. Do pt para frente

    II. a Mudança na América Latina

    em perspectiva histórica

    1. Por que revolução?

    2. Primórdios da política radical

    3. Reforma, revolução E contrarrevolução na Guerra Fria

    4. Revolução na Bolívia

    5. Revolução Cubana

    6. Governo Revolucionário dasForças Armadas no Peru

    7. Revolução chilena

    8. A contrarrevolução se impõe

    9. O eclipse da nação

    10. O eclipse da América Latina

    11. Nacional-desenvolvimentismo acossado

    12. Crise e abertura

    13. Revolução Sandinista

    14. Disciplinando a democracia

    15. A onda progressista

    16. Dilemas da Revolução Bolivariana

    17. Bolívia: Um governo dos movimentos sociais?

    18. a izquierda permitida em perspectiva

    III. por um balanço e um futuro

    epílogo: horizontes

    bibliografia

    sobre O autor

    apre

    sen

    ta

    ão

    ruy braga

    Escrevo no dia seguinte à cassação do mandato da presidente Dilma Rousseff pelo Senado Federal. Começou o golpe de 2016. Se eu estiver certo, em um intervalo curto de tempo, a elite política brasileira, escudada pela grande mídia, pelos bancos e pelas classes médias rentistas, fará uma atualização global do modelo de (sub-)desenvolvimento do país.

    Evidentemente, existe uma dinâmica política inerente ao impeachment de Dilma Rousseff que não devemos menosprezar. Trata-se da notória tentativa da elite política do país, atolada até o último fio de cabelo em esquemas corruptos e ameaçada pela operação Lava Jato, de salvar a própria pele. No entanto, não fosse pelo atual quadro de crise econômica – em grande medida, é verdade, aprofundada pelo governo petista – o desfecho da crise política muito provavelmente seria outro. É a necessidade das classes sociais dominantes de restaurar as bases da acumulação de capital que impulsiona o atual golpe palaciano.

    Em seu pronunciamento televisivo logo após ser empossado, o usurpador Michel Temer insistiu nas reformas da previdência e das leis trabalhistas. A agenda do golpe está explícita. Assim como a primeira medida da ditadura em 1964 foi acabar com a estabilidade no emprego garantida pela clt, os golpistas atuais tentarão três grandes jogadas: regulamentar a terceirização — leia-se, alterar estruturalmente o mercado de trabalho brasileiro, fazendo com que a maioria da força de trabalho seja terceirizada —, assegurar que o negociado prevaleça sobre o legislado, ou seja, liquidar, em termos práticos, os direitos trabalhistas para a maioria da população trabalhadora não-sindicalizada ou subrepresentada sindicalmente, ampliar a jornada de trabalho e, finalmente, aumentar a idade mínima para a aposentadoria.

    Essas medidas irão se somar ao atual quadro de desmanche das políticas públicas e de cortes nos gastos sociais implementados pelo antigo governo interino. Até as pedras do Palácio do Planalto sabem que estamos diante de um violento ajuste de rota cujo sentido consiste em impulsionar a mercantilização do trabalho, aprofundando a acumulação por espoliação por meio do recurso à violência política. Tradicionalmente, o marxismo tendeu a interpretar como uma transição sequencial a passagem da acumulação primitiva escudada na violência política condensada no Estado para a forma industrial do capital apoiada na violência econômica da exploração do trabalho assalariado.

    Em sua clássica interpretação do imperialismo, Rosa Luxemburgo foi quem primeiro aventou a hipótese de uma reinvenção mais ou menos permanente da estratégia da acumulação por espoliação. Recentemente, David Harvey atualizou a teoria luxemburguista a fim de descrever a estratégia predominante da acumulação durante o período da crise do neoliberalismo. De fato, a plasticidade das relações de exploração capitalistas somada ao caráter cíclico da economia mercantil torna factível a convivência íntima e complementar das diferentes estratégias sociais de acumulação.

    Tendo em vista a multiplicidade dos ritmos, desiguais, porém combinados, que regem a relação de forças entre as classes, além das dificuldades derivadas do processo de recomposição permanente da divisão internacional do trabalho, é expectável que ocorram oscilações mais ou menos frequentes do polo da exploração para o da espoliação, e vice-versa, no tocante à direção geral do regime de acumulação. Em minha opinião, o golpe de 2016 consagrou a espoliação social como estratégia prioritária de acumulação, consolidando um novo ciclo de violência política no país. O fim do lulismo significa a derrocada final de qualquer possibilidade de crescimento econômico com inclusão social, como gostavam de afirmar os petistas. A partir de agora, a retomada do crescimento dependerá cada dia mais da espoliação dos direitos dos trabalhadores e da repressão militarizada de suas lutas.

    Este desfecho soa assustadoramente familiar para aqueles que conhecem a obra e a trajetória de Florestan Fernandes. Para ele, uma das características mais importantes do funcionamento do capitalismo na semiperiferia seria o monopólio do aparelho político pela burguesia e seus representantes a fim de assegurar a reprodução das bases despóticas de um regime de acumulação organizado em torno da superexploração do trabalho e da degradação ambiental. Tendo em vista o fato de que o desenvolvimento capitalista na semiperiferia mostrou-se subalterno, tardio e dependente dos investimentos estrangeiros, a burguesia autóctone não é capaz de assegurar sua dominação recorrendo exclusivamente aos mecanismos endógenos ao funcionamento econômico. Ela depende do monopólio do controle do Estado.

    Segundo Florestan, nestas condições históricas, as classes economicamente dominantes recorrem estruturalmente à violência política a fim de assegurar seu poder. Daí a fragilidade da democracia na semiperiferia do sistema. Trata-se de uma conclusão que carrega consigo implicações políticas radicais. Entre os superlativos méritos deste ensaio de interpretação histórica de Fabio Luis Barbosa dos Santos, gostaria de destacar, em primeiro lugar, sua brilhante reinterpretação da obra de Florestan Fernandes para compreender os governos petistas.

    Profundo conhecedor tanto do pensamento como da política radical na América Latina, Fabio Luis alcançou neste curto (porém denso) volume algo que estava realmente fazendo falta no debate sobre as contradições do lulismo, isto é, um enquadramento internacional capaz de contextualizar o modo de regulação lulista e sua crise em uma perspectiva internacional. Trata-se de um esforço que dialoga explicitamente com o pensamento marxista latino-americano, em especial com Ruy Mauro Marini e Theotonio dos Santos, mas cuja fonte principal é mesmo a obra de Florestan Fernandes.

    Afinal, o fio condutor deste ensaio radical é mesmo a ideia tão cara ao autor d’A revolução burguesa no Brasil em sua explicação das origens e dos fundamentos do Estado autoritário brasileiro: a burguesia na semiperiferia abandonou o nacionalismo do período da industrialização fordista tardia, afastando-se completamente de qualquer enfrentamento com o imperialismo ou do apoio a reformas sociais. Trata-se de uma conclusão que Fabio Luis explora de maneira percuciente, atualizando-a para interpretar tanto os estreitos limites das (quase inexistentes) reformas da era Lula, quanto o atual quadro político marcado pelo golpe palaciano travestido de impeachment da presidenta eleita, Dilma Rousseff.

    Quando se debruçarem sobre o período atual, os historiadores do futuro encontrarão algumas tentativas bem-sucedidas da análise crítica das classes sociais em decifrar os enigmas do lulismo, seu modo de desenvolvimento e seu colapso. Seguramente, eles saberão apreciar a riqueza deste belo ensaio. Em primeiro lugar, como disse, porque, ao contrário da maioria das análises correntes sobre o modo de regulação lulista, o autor enquadra esta experiência histórica no contexto latino-americano. Assim, por meio da comparação com outros países, como Venezuela, Bolívia e Cuba, as contradições e insuficiências dos governos petistas ganham mais relevo e passamos a perceber com clareza como a desmobilização popular ensejada pelo lulismo triturou a ossatura dos movimentos sociais no país, deixando-os amorfos e rendidos.

    Além disso, este ensaio tocou em outro ponto-chave das lutas sociais no Brasil contemporâneo: a necessidade da reinvenção da esquerda a partir da superação da experiência petista. Ou, como afirma Fabio Luis: a necessidade de matar simbolicamente o pai. Sem isso, não há a menor chance de as lutas sociais no país readquirirem o protagonismo que já tiveram no passado. E, consequentemente, não conseguiremos enfrentar à altura os ataques que estão sendo implementados pela radicalização do neoliberalismo brasileiro sob a forma do governo de Michel Temer. Por isso, este livro é tão urgente e importante.

    Ruy Braga é professor livre-docente do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo e autor de diversos livros, dentre os quais A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista (Boitempo, 2012) e A pulsão plebeia: trabalho, precariedade e rebeliões sociais (Alameda, 2015)

    pre

    cio

    à segunda edição

    A burguesia partiu para cima do povo brasileiro. A combinação entre o congelamento do gasto público por vinte anos, a reforma da previdência e a reforma trabalhista aponta para uma regressão das condições de vida do trabalhador ao século xix. Profundamente antipopular, este processo é acompanhado pela agudização da repressão e da criminalização da luta social; por ataques à organização sindical e ao direito de greve; pelo escola sem partido; e pela reforma do ensino médio, entre outras medidas visando coagir a insubordinação necessária.

    O governo Michel Temer é o instrumento político desta ofensiva. Concebido no pecado original da traição, é um mandato instável entre os de cima, aliados eternos enquanto dure; e impopular entre os de baixo, que cedo ou tarde reagirão.

    No momento, a brutalidade dos ataques não corresponde à capacidade de defesa do campo popular: será necessário construí-la. Diante deste desafio, a disputa sobre o sentido do impeachment reveste-se de uma importância política central, pois é da leitura que se faz neste momento que dependerá a política futura.

    A interpretação do campo filopetista é a de que o golpe foi necessário para implementar o projeto da direita ora em curso. Segundo este enfoque, a derrota de Aécio Neves nas eleições presidenciais de 2014 deixou as elites sem alternativa para impor seu programa, além do golpe. A truculência das medidas que seguiram comprovaria a tese. A principal função ideológica desta narrativa é relativizar — quando não ocultar — as continuidades em relação aos governos anteriores. Sua consequência programática é clara: ao sublinhar a ruptura e absolutizar o governo Temer, a restauração da ordem petista desponta como horizonte político.

    Em outro polo, um setor da esquerda, empenhado em demarcar as continuidades, entende que não houve golpe: é um governo ilegítimo — e não golpista. Ao ignorar as nuances do processo, esta análise pouco dialoga com o profundo mal-estar popular, um dado que torna a conjuntura volátil e precisa ser explicado. No limite, este discurso arrisca uma despolitização de sinal contrário. Nas ruas, o fora todos nunca foi uma alternativa ao volta, querida.

    Diante das implicações da discussão para o campo da esquerda, reafirmarei algumas hipóteses deste livro, à luz de acontecimentos recentes.

    -

    O pt é corresponsável pela situação que o tragou. Não é o único responsável, mas tampouco é uma vítima. E é corresponsável em todos os seus aspectos, inclusive por catapultar Michel Temer à vice-presidência, com Eduardo Cunha à tiracolo.

    Ao fazer do lodaçal parlamentar a sua base, na qual negociou até o último momento sua salvação, o partido aprofundou a desilusão do povo com a esquerda. A indiferenciação resultante agravou o desprestígio da política, o que explica o resultado das eleições municipais de 2016. A soma das abstenções com os votos nulos e brancos superou a preferência popular pelo ex-ministro de Dilma Rousseff, Marcelo Crivella, no Rio de Janeiro, e também pelo novo ceo de São Paulo, João Dória Jr. — quem, diga-se de passagem, é bastante perigoso: não é um aventureiro, mas um projeto.

    O golpe não significa uma mudança de sentido na história brasileira, mas é uma aceleração no ritmo e no tempo das políticas prevalentes. Não há dúvidas de que o governo Temer é mais destrutivo que o anterior. Mas suas propostas não traduzem uma inflexão em relação às políticas até então praticadas pelo Planalto: o congelamento dos gastos públicos por vinte anos radicaliza o ajuste estrutural cultivado pelas gestões petistas, assim como a perseguição popular se escora na lei antiterrorista aprovada por Dilma. Ninguém deu um cavalo de pau na história.

    O que desencadeou o golpe foi o debilitamento petista no pântano parlamentar, o que está associado ao esvaziamento da sua funcionalidade política. Como disse Plínio de Arruda Sampaio Jr., o pt ingressou na política colocando o povo nas ruas, e chegou ao poder tirando o povo das ruas. Quando se tornou impotente para colocar ou tirar o povo das ruas, foi apeado do poder. Foi essa a lição que os de cima tiraram em junho de 2013.

    Para os petistas, a casa caiu. Está em disputa se a esquerda lamentará o telhado, ou olhará para as estrelas. Afinal, uma derrota pode ser um aprendizado, mas também pode ser somente uma derrota.

    -

    Aqueles que teimam na regeneração do partido assistem a provas cotidianas em direção contrária. Se é certo que o povo deu as costas à Dilma, como disse Mano Brown, as tentativas de mobilização em sua defesa foram reféns da ambivalência. No período em que a presidenta esteve afastada, entre abril e agosto de 2016, muitos no pt hesitaram ou se opuseram a acudir às massas. Entre estes estava o líder máximo petista, que não perdeu tempo costurando sua volta à disputa eleitoral em 2018. O descolamento entre as manobras da direção para subsistir politicamente e a sua base, que vivia a agonia genuína de uma derrota popular, foi escandalosa.

    Consumado o impeachment, quem esperava alguma autocrítica se frustrou. O hiato entre o discurso do golpe necessário e a prática partidária foi abismal: o pt se coligou com partidos da base golpista em cerca de 1.500 candidaturas à prefeito Brasil afora, inclusive com tucanos e com o dem. Enquanto isso, seus candidatos evitavam falar no assunto, receando uma contaminação desfavorável ao interesse eleitoral. Foi este o caso do então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, candidato à reeleição, que considerou a palavra golpe um pouco dura.

    No enterro da esposa de Lula, alguns meses depois, o senador fluminense Lindbergh Farias falava pelo partido: Ainda consideramos Temer um presidente ilegítimo.¹

    Os iludidos postergam a regeneração do pt para o congresso partidário de abril de 2017, enquanto os práticos, à direita e à esquerda, ponderam a conveniência de deixar o partido ou não. Enquanto isso, a relação com as massas segue subordinada ao cálculo partidário. E o cálculo é sangrar o governo Temer para disputar as eleições de 2018. Ao partido do mal menor, só convém um fora Temer que possa chamar de seu.

    Caso sobreviva politicamente, Lula ressurgiria então como único candidato capaz de brecar os ataques do governo golpista. Militantes exortariam a unidade da esquerda, após década e meia fazendo frente com o capital. A tragédia lulista se reencenaria como farsa — desta vez com tons messiânicos, condenando os fiéis a se ajoelharem diante da versão brasileira do fim da história.

    Se Temer promete uma ponte para o futuro, o pt oferece, na melhor das hipóteses, uma ponte para o passado.

    -

    Superar a encalacrada histórica que vivemos exigirá persistência, radicalidade e imaginação. Persistência, pois não há saídas imediatas. Radicalidade, porque é o que a história coloca. Imaginação, porque é preciso vislumbrar o diferente e o novo, a despeito da colonização cultural.

    Traduzindo em termos políticos, a esquerda precisa de projeto, organizações, métodos e valores de esquerda: uma teoria e uma prática além do petismo.

    É necessário um horizonte revolucionário, porque a história latino-americana comprova a impossibilidade da reforma. Este horizonte enseja um padrão civilizatório alternativo ao capitalismo, mas também ao comunismo. Isso porque a revolução na periferia enfrenta a desigualdade em condições onde a igualdade na abundância é impossível.

    Portanto, sua superioridade não pode ser material, e precisa ser cultural: a sociedade revolucionária deve ser mais humana. O valor fundamental do humanismo revolucionário é a igualdade substantiva. A distribuição igualitária da riqueza é uma dimensão nuclear deste ideário, mas não é a única: o fim das hierarquias no trabalho, a participação na política, a igualdade de gênero e raça e a diferença cultural também o integram. O antídoto à sedução do consumo, que prospera entre gente frustrada, só pode ser a realização humana referida à fruição da igualdade, da participação e da liberdade. O socialismo tem que ser uma cultura oposta e diferente ao capitalismo.²

    As novas gerações têm uma sensibilidade apurada para a dimensão política e cultural da igualdade substantiva, mas enfrentam o desafio da eficácia associada ao centralismo. Práticas políticas precisam renovar-se, mas evitando o espontaneísmo associado ao pós-modernismo, que é outra forma de individualismo. O delicado paradoxo da radicalização democrática na unidade revolucionária foi sintetizado por um jovem cubano, povo que entende do assunto: O chamado à disciplina, dentro das filas revolucionárias, tem que estar compensado por uma indisciplina urgida pelas necessidades da mudança.³

    É necessária a indisciplina para dentro, renovando as formas da política, mas também para fora, transcendendo o cálculo parlamentar. As ocupações estudantis são uma amostra desta política corajosa e necessária, porque desafiam a ordem. No mundo de hoje, a rebeldia é a maturidade da cultura.

    Serão necessárias múltiplas práticas corajosas, movidas por milhares de organizações rebeldes, sedimentando a consciência de classe e o poder organizativo do povo brasileiro. Então, olharemos ao redor e a organização revolucionária estará lá. Este será um desdobramento natural, tanto quanto o pedido de casamento é uma mera formalidade quando o

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