A Aposentadoria Especial no Regime Geral de Previdência Social no Brasil: o Meio Ambiente de Trabalho e a Teoria da Consequência à Causa
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A Aposentadoria Especial no Regime Geral de Previdência Social no Brasil - Alexandre Amui
2018.
capítulo 1. CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E EVOLUÇÃO DA APOSENTADORIA ESPECIAL NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
1.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA APOSENTADORIA ESPECIAL
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi aperfeiçoado, no ordenamento jurídico, o sistema de seguridade social, mediante um conjunto integrado de ações participativas do Poder Público e de toda a sociedade, com o fito de possibilitar o acesso à Saúde, Assistência Social e Previdência Social.
Em razão da essência protetiva trazida pelo Estado de Providência⁴ e de uma cotização tripartite, com a participação do Estado, trabalhadores e empregadores, foram estabelecidas garantias sociais mínimas, a fim de possibilitar aos sujeitos de direito um padrão de vida digno em razão de necessidades sociais⁵ prementemente estabelecidas em lei.
Para que se efetive a segurança social ou seguridade social, é indispensável que sejam alcançados o bem-estar e a justiça social, sempre com o primado do trabalho⁶, legitimando a ordem social de proteção daqueles que se encontrem em situação de vulnerabilidade social, de saúde ou com requisitos preenchidos para acesso aos benefícios e serviços da Previdência Social.
Nos termos da Convenção nº102 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada em 1952, a seguridade social é o alicerce necessário para a proteção da sociedade em razão de limitações financeiras e sociais, apta a garantir que a dignidade da pessoa humana seja efetivada diante do Estado Democrático de Direito.
Diante da premissa básica de efetivação da seguridade social como item necessário para garantir justiça social e bem-estar da sociedade, um dos seus pilares é a Previdência Social, subdividida em Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e Regime Próprio de Previdência Social (RPPS).
O Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), esculpido no art. 40 da Constituição Federal⁷, visa à proteção mínima dos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, incluídos aqueles que trabalham em suas autarquias e fundações públicas, com garantia de aposentadoria aos trabalhadores que cumprirem os requisitos mínimos e pensão por morte aos seus dependentes.
O Regime Geral de Previdência Social (RGPS), com diretrizes vaticinadas no art. 201 da Constituição Federal⁸, objetiva a proteção dos trabalhadores e seus dependentes que não estejam abrangidos, em regra, pelo Regime Próprio de Previdência Social, em razão das necessidades sociais prementemente estabelecidas em lei, com cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente, morte, maternidade, desemprego involuntário, risco familiar e reclusão, além da idade avançada.
A Lei nº8.213/91, em seu art. 11, elenca o rol de segurados obrigatórios, ou seja, aqueles que, em razão do trabalho, se filiam compulsoriamente ao Regime Geral e estariam protegidos em face das necessidades sociais alhures elencadas, bem como, eu seu art. 16, disciplina quais são os dependentes desses segurados que terão direitos em razão dos eventos morte e reclusão.
A par de se subsidiar como um instrumento de proteção e de consagração da justiça social, o Regime Geral permite, de forma facultativa, a participação como segurado daqueles que não desempenhem nenhuma atividade profissional e, por isso, não obtenham rendimentos tributáveis que lhe exijam o custeio à seguridade social.
Com isso, ao permitir a máxima participação de segurados e dependentes no rol de protegidos do Regime Geral de Previdência Social, estaria a Previdência permitindo à sociedade a erradicação da pobreza e a distribuição de renda, que correspondem ao bem-estar e justiça social, conforme leciona Fábio Zambitte Ibrahim⁹:
O bem-estar social, materializado pela legislação social, traz a ideia de cooperação, ação concreta do ideal de solidariedade, superando-se o individualismo clássico do estado liberal. De acordo com o artigo 3ºda Constituição, o bem-estar pode ser também definido como a erradicação da pobreza e desigualdades, mediante a cooperação entre os indivíduos.
Já a justiça social é objetivo do desenvolvimento nacional, sendo verdadeira diretriz de atuação para nossos governantes, impondo a ação distributiva da riqueza nacional. Requer não somente a ação do Poder Público, mas também da sociedade, diretamente, sendo emblemática a ação das entidades governamentais.
Diante das condições gerais de proteção social, as aposentadorias se mostram como ferramentas de jubilação mais eficazes para a renovação do mercado de trabalho e erradicação da pobreza, com a substituição dos rendimentos do trabalhador, em virtude da sua média contributiva por benefícios concedidos por prazo indeterminado, possíveis com base no princípio da solidariedade ou de repartição simples, estabelecido no art. 194 da Constituição Federal.
A interpretação dada ao texto constitucional sobre as necessidades sociais ou riscos sociais é a de que são eventos protegidos pelo sistema de seguro social, a fim de possibilitar ao segurado, ou aos seus dependentes benefícios que venham a substituir seus rendimentos, bases de contribuição durante o período laboral, como forma de indenização por sequelas ou em razão de encargos familiares
¹⁰.
A priori, nota-se que a intenção do legislador não é exatamente a de prevenir ou evitar os riscos/necessidades sociais, mas a de indenizar
os prejuízos sofridos pelo trabalhador que o coloquem em situação de vulnerabilidade. Nessa senda, um dos benefícios que mais vislumbram a condição em referência é a aposentadoria especial, que difere das demais aposentadorias em razão da forma como ocorre o labor.
Até a promulgação da Emenda Constitucional nº103, de 12 de novembro de 2019, estava estabelecida, no ordenamento jurídico, a possibilidade de aposentação por invalidez, por idade, por tempo de contribuição e especial. Para a aposentadoria por invalidez, exigia-se a comprovação da incapacidade total e definitiva para qualquer atividade que garantisse a subsistência, além de qualidade de segurado e carência, como regra.
A aposentadoria por idade exigia a implementação de uma idade mínima de 65 anos para homens e 60 anos para as mulheres vinculados à zona urbana ou de 60 anos para os homens e 55 anos para as mulheres trabalhadores da zona rural, além de uma carência mínima de 180 meses de contribuição, enquanto, para aposentar por tempo de contribuição, o segurado precisaria comprovar 35 anos ou 30 anos de custeio, para homens e mulheres, respectivamente, e, no caso dos professores da educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, 30 anos e 25 anos, respectivamente, para homens e mulheres, além de uma carência mínima de 180 meses.
E, por fim, a aposentadoria especial, destinada a determinados segurados que, mediante a comprovação do trabalho em condições nocivas à saúde ou integridade física, se aposentassem com 15, 20 ou 25 anos de custeio, a depender do agente químico, físico, biológico ou periculoso a que estivessem expostos, além da carência mínima de 180 meses.
Nota-se que a aposentadoria especial difere das demais, pois analisa as condições de trabalho e do meio ambiente a que está exposto o trabalhador, numa verdadeira compensação pecuniária pelo labor executado em ambientes insalubres ou perigosos, em condições prejudiciais à saúde ou integridade física, conforme vaticina o art. 57 da Lei nº8.213/91¹¹.
O benefício, inclusive após a Emenda Constitucional nº103/2019, especifica a possibilidade de concessão do benefício aos 15, 20 ou 25 anos de contribuição, quando tecnicamente o trabalhador for exposto a agentes nocivos acima dos limites de tolerância definidos por lei, sem a utilização de equipamento de proteção individual que seja eficaz para eliminar o risco ou diminui-lo em níveis toleráveis ou em face de equipamentos de proteção coletivos inócuos para afastar a nocividade, com comprovação mediante laudo técnico¹².
Como a conceituação é específica quanto à particularidade do trabalho desempenhado com ofensas à saúde ou integridade física do trabalhador, a doutrina tende a afirmar que a jubilação antecipada é um verdadeiro legitimador da violência frente à saúde do trabalhador
¹³, o que, em tese, contraria o Estado Democrático de Direito quando se exige a efetivação da dignidade da pessoa humana para realizar justiça social¹⁴.
De acordo com Fábio Zambitte Ibrahim¹⁵:
Os benefícios especiais da previdência social, no seu sentido amplo, refletem, em grande medida, compensações legais aos trabalhadores que não possuem ambiente salubre de trabalho e, eventualmente, vantagens de algumas categorias, como os professores, e compensações míopes, como a aposentadoria antecipada das mulheres, que podem e devem contar com alguma contrapartida pela jornada dupla no trabalho e no lar, mas que só remotamente poderiam demandar a aposentadoria antecipada. Tais prestações extravagantes também foram criadas com alguma facilidade devido ao descompromisso do legislador frente ao cálculo atuarial, especialmente devido ao excedente contributivo do passado, típico de um regime jovem de repartição.
Quanto à natureza jurídica, existiam três correntes basilares para melhor compreender o benefício, isso nas palavras de Fábio Zambitte Ibrahim¹⁶, a saber:
As dúvidas já começam mesmo na definição de sua natureza jurídica. Para alguns, este benefício seria uma espécie de aposentadoria por invalidez antecipada, na medida em que proporciona a aposentação antes do segurado ser efetivamente incapacitado pelos agentes nocivos a que está exposto. Outros a definem como espécie de aposentadoria por tempo de contribuição, qualificada em razão da nocividade da atividade desenvolvida. Por fim, há quem veja uma nova espécie de aposentadoria, a par das já existentes.
A permissibilidade genérica de concessão da aposentadoria especial a todo aquele que comprovar ter sua saúde ou integridade física depreciada em razão do tempo trabalhado, com exposição a agentes nocivos atestados por laudos técnicos, permite concluir que a aposentadoria especial é uma espécie de aposentadoria no intuito de indenizar o trabalhador que, durante sua atividade laboral, esteve exposto a condições nocivas à sua saúde ou integridade física, mas com natureza jurídica de cunho meramente compensatório, que não leva em conta a dignidade humana do trabalhador.
1.2 AS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS DA APOSENTADORIA ESPECIAL
No Brasil, a legislação precursora da aposentadoria especial foi a de nº3.807, de 1960¹⁷, intitulada como Lei Orgânica da Previdência Social, quando então era estabelecida uma idade mínima de 50 anos de idade, para homens e mulheres, com 15, 20 ou 25 anos de atividades ou serviços penosos, insalubres ou perigosos. Em 1968, com a publicação da Lei nº5.440-A, foi excluída a exigência da idade mínima, o que vigorou até 12 de novembro de 2019.
À época, o período contributivo exigido era apenas de 180 meses, cujo restante se limitaria à comprovação do serviço prestado. A aposentadoria especial era concedida em virtude do enquadramento por categoria profissional, conforme a classificação inserta no anexo do Decreto nº53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo art. 292 do Decreto nº611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou inicialmente a Lei nº8.213/91, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
Outro recorte essencial é que os aeronautas e jornalistas eram regulamentados por leis próprias, Lei nº3.529/1959 e Lei nº3.501/58, respectivamente. O Decreto nº48.959-A/1960 estabelecia, em seu art. 69¹⁸, que os jornalistas poderiam aposentar-se depois que comprovassem 30 anos de serviços, enquanto os aeronautas gozariam de tal benefício após 25 anos de labor, conforme inteligência do art. 74, II, do referido decreto¹⁹.
Para melhor regulamentar a questão que norteava a aposentadoria especial, foi editado o Decreto nº53.831/194, o qual estabeleceu, em seu anexo, quais seriam os agentes químicos, físicos e biológicos nocivos ou, ainda, as atividades profissionais, perigosas ou penosas, que ensejariam a jubilação antecipada do segurado. Os professores, por exemplo, figuravam como espécie de trabalhadores que teriam direito à aposentadoria especial aos 25 anos de contribuição (código 2.1.4 do anexo do Decreto nº53.831/64, o qual posteriormente foi excluído do rol de atividades especiais pela Emenda Constitucional nº18/81²⁰. Com a alteração, o professor poderia aposentar com o tempo de contribuição reduzido de 30 anos para os homens e 25 para as mulheres.
Posteriormente, em 1968, foi editado o Decreto nº63.230, com a finalidade de dispor sobre as regras de aposentadoria especial ditadas pela Lei nº3.807/1960. A maior inovação da referida lei foi a de possibilitar a conversão do tempo especial de menor tempo para o tempo especial de maior tempo, evitando, assim, que um trabalhador sujeito a um agente de maior potencial ofensivo, ao migrar para uma atividade de menor potencial ofensivo, não precise comprovar todo o período exigido²¹. Outro aspecto relevante do referido decreto foi a exclusão de dalgumas atividades profissionais do rol de atividades