O Desabrochar da Maternidade: a importância do bebê imaginário no vínculo materno fetal
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O Desabrochar da Maternidade - Flávia Ilka França
A MATERNIDADE DO PONTO DE VISTA PSICOLÓGICO
Como afirma Maltáry, ser mãe é muito mais que a marcante experiência física de dar à luz e amamentar uma criança – é a chave da tomada de consciência existencial do que somos. Da mesma forma, a paternidade sintetiza o masculino, e existe realmente uma complementaridade dos sexos, sem que com isso pretenda afirmar que os papéis de cada um dos sexos são rigidamente definidos pela natureza. ⁸
Nas palavras de Colman & Colman o calendário psicológico da gravidez nunca será tão preciso como a sua contrapartida física. Pode haver quem se sinta psicológica e emocionalmente grávida antes da concepção ter ocorrido ou, mais raramente, haver quem possa estar psicológica e emocionalmente alheio da gravidez até o bebê nascer. Acreditamos que em circunstâncias ótimas, corpo e espírito estarão em sincronia.⁹
A maternidade foi desde sempre, tal como hoje, indispensável à preservação da vida humana. Numa perspectiva desenvolvimental, a maternidade é considerada um período de desenvolvimento que, à semelhança das outras etapas desenvolvimentais, se caracteriza pela passagem por uma crise específica e pela necessidade de resolução de determinadas tarefas.¹⁰
A gravidez transcende o momento da concepção assim como a maternidade transcende o momento do parto. Mais do que acontecimentos e embora com durações temporais diferentes, gravidez e maternidade são processos que, do ponto de vista psicológico são dinâmicos, de construção e desenvolvimento. A maternidade é um processo que ultrapassa a gravidez. É um projeto a longo prazo, um projeto para toda a vida, a dádiva de amor, interesse, partilha e responsabilidade permanece.¹¹
Nas palavras de Canavarro, a gravidez é uma época que, psicologicamente, permite a preparação para ser mãe. Ensaiar cognitivamente papéis e tarefas maternas, ligar-se afetivamente à criança, iniciar o processo de reestruturação de relações para incluir o novo elemento, incorporar a existência do filho na sua identidade e, simultaneamente, aprender a aceitá-lo como pessoa única, com vida própria. Sendo um período de ensaios, ligações, ansiedade, fantasias e reflexões permitindo que o projeto de maternidade continue a se construir e consolidar de forma progressiva.¹²
Muitos fatores influenciam na forma como cada mulher vai caracterizar a gravidez e a maternidade. Muitos destes fatores estão em constante mudanças. Pontua-se como fatores: personalidade, processos cognitivos, históricos e socioculturais, genéticos e desenvolvimentais. Os fatores genéticos dizem respeito a influências constitucionais, conceptualizadas como tendências básicas ou potenciais abstratos do indivíduo, que incluem capacidades perceptuais e cognitivas, drives fisiológicos, características físicas, assim como traços de personalidade
.¹³
A maternidade se inscreve dentro da dinâmica da sociedade, num momento historicamente construído e onde a influência dos padrões culturais, das representações sociais, das crenças e dos valores se apresenta determinante para a sua concepção.¹⁴ A maternidade requer que, para além do desejo de engravidar e ter um filho, se deseje e se assuma ser mãe.¹⁵
A maternidade e a paternidade são vivências que transformam a identidade de homens e de mulheres. A concepção, a gestação e o parto comportam dimensões para além do que a biologia pode abarcar. A vivência da reprodução humana está marcada por aspectos afetivos, sociais, cognitivos e biológicos de homens e mulheres. Aspectos subjetivos e internos estão entrelaçados com aspectos da história coletiva e com as vivências individuais relacionadas com os papéis de gênero, próprios ao grupo que os futuros pais pertenciam.¹⁶
A mulher entra na maternidade com a sua personalidade, com a sua história pessoal e com a sua história conjugal. Esse processo é contínuo, dura toda a vida e será reavivado com cada novo filho. Em cada reedição deste processo a mulher traz dentro de si um bebê imaginário e esse bebê imaginário é que vai possibilitar o encontro da mãe com o bebê real. E, consequentemente, a concretização da vinculação. A maternidade, para a futura mãe, é um processo biológico que permite à mulher passar por uma experiência psicológica, na qual se pode experimentar um sentido real de imortalidade.
A transição para a maternidade é o período de tempo durante o qual a mulher sem a criança
interioriza, gradualmente, a gravidez e o desenvolvimento do feto dentro de si, desenvolvendo comportamentos relativos ao papel de ser mãe, nomeadamente em cuidados essenciais a prestar ao recém-nascido. A capacidade de antecipação permite à mulher grávida representar encenações relacionadas com a futura criança e com as suas próprias vivências da maternidade.¹⁷
Tal como às mulheres, os homens são levados a modificar o lugar que ocupam no seio da sua família. Ao saírem do seu papel de filho, passam para a próxima etapa da vida, desempenhando assim o papel de pai e transmitindo o seu nome. Portanto, é possível que, também o pai traga dentro de si o bebê imaginário.
As redes de esquemas maternos serão modificadas com a chegada do bebê. Entre estas alterações devemos considerar as que ocorrem no âmbito do Self da mãe como mãe, mulher, esposa, profissional, amiga, filha, neta, em seus papéis social e familiar, em seu status legal e em si mesma enquanto pessoa com a responsabilidade principal pela vida e crescimento de um ser (o seu bebê).
8 Ribeiro, J. L. P., Garret, C. & Martins, T. (2003). Estudo de Validação da Sobrecarga para Cuidadores Informais. Psicologia, Saúde e Doença. IV, 1, 131-148. Lisboa, Portugal. Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde.
9 Figueiredo, B., Pacheco, A. P. & Costa, R. A. (2003). Estilo de vinculação, Qualidade da relação com figuras significativas e da aliança terapêutica e sintomatologia psicopatológica: Estudo exploratório com mães adolescentes. International Journal of Clinical Health Psychology. 3, 35-59.
10 Figueiredo, B. Op. cit.
11 Canavarro, M. Op. cit.
12 Canavarro, M. Op. cit.
13 Canavarro, M. Op. cit.
14 Mendes, I. M. (2002). Ligação Materno-Fetal. Contributo para o Estudo de Factores Associados ao seu Desenvolvimento. Coimbra.Quarteto Editora.
15 Leal, I. (2001). O Feminino e o Materno. In Psicologia da gravidez e da maternidade. Quarteto Editora.
16 Moreira, M. I. C. (1997). Gravidez e Identidade do Casal. Rio de Janeiro. Editora Rosa dos Tempos.
17 Mendes, I. M. (2002). Ligação Materno-Fetal. Contributo para o Estudo de Factores Associados ao seu Desenvolvimento. Coimbra.Quarteto Editora.
A PSICOLOGIA DA GRAVIDEZ
No núcleo da mulher se encontra uma câmara secreta que é o centro da vida. Ele se encontra dormente, em repouso durante os vários anos da infância. Na adolescência desperta e mensalmente envia sinais da sua existência, esperando vazio e não realizado. Até que o vácuo é preenchido e fechado em torno da semente fertilizada da vida futura. Qualquer que seja o destino, o processo é irreversível. O mistério começa a se revelar e a mulher é tocada pelas forças primordiais da gravidez existente desde os tempos imemoráveis.
Esperar um filho, e em especial o primeiro, é um dos acontecimentos mais importantes da vida de uma mulher e representa, sem dúvida, um desafio à sua maturidade e à estrutura da sua personalidade. A mulher grávida, durante a gravidez, transporta toda uma experiência vivida no útero da sua mãe, os fatos do seu próprio nascimento, bem como as suas experiências biológicas, psicológicas e sociais vividas durante a infância.¹⁸
Ao longo da gravidez, a mulher vai se deparar com diversas tarefas psicológicas específicas: a construção da identidade materna e a construção da relação mãe-bebê, em torno das quais, se processa a redefinição psicossocial própria desse período de transição.¹⁹
Durante a gravidez, ao se preparar para ser mãe, a mulher vai percorrer novamente os caminhos da sua meninice e vai recriar experiências não concluídas ou não satisfeitas. É nessa fase em que se encerram as experiências lúdicas da infância e começa a vida de adulto. De algum modo, as experiências da vida anterior da mulher vão influenciar as suas aptidões de mãe e, quanto mais saudável tiver sido o seu ajustamento à sociedade, mais a mãe será capaz de assumir as suas novas responsabilidades.
Num plano emocional, a gravidez se inicia muito antes de a mãe estar, de fato, grávida. Ela surge num plano mental, antes de se declarar no plano do corpo. Um estado gravídico surge, em muitas circunstâncias, no âmbito das vivências emocionais de gravidez e no plano do corpo, com vários desencontros. Haverá algumas situações em que a gravidez na cabeça
antecede a gravidez uterina; desejar a gravidez é tão importante quanto aceder a ela.²⁰
A gravidez representa, para o pai e para a mãe, um estado alucinatório
bom, em que um afeto se torna concreto, se destaca e movimenta por si, dentro de quem o sente. O amor ganha um rosto, e um nome, transformando-se na coisa
amada. O desejo de eternidade é elementar no ser humano, e a sua forma mais simples será o desejo de maternidade e paternidade. Essa será a eternidade possível: continuarmos vivos no coração de quem nos ama.²¹
A competência para a gravidez desponta
quando as crianças, ao brincarem com bonecos, se experimentam nas competências de mães e de pais. A competência para a gravidez se constrói devagar, faz-se de rivalidades, de invejas e de ciúmes, em suma, de experiências com os pais, irmãos, avós, primos e com a família alargada. A competência para a gravidez surge nos homens, como nas mulheres, das suas próprias experiências enquanto filhos, podendo essas histórias virem a repercutir-se, na gravidez do casal.²²
A gravidez dimensiona os papéis e as relações da mulher num novo contexto, torna-a mais dependente da ajuda de um sistema social de apoio, e cria-lhe necessidades intensas de apoio amoroso, atenção e aceitação por parte dos outros. O significado da gravidez muda com o tempo no interior de uma cultura.
Olhando pelo viés psicológico, uma mulher engravida emocionalmente a um ritmo diferente do de uma gravidez psicológica. Isso já ocorre quando ela sonha em vir a ser mãe, logo no desejo ter um filho e quando o concebe como uma realidade exequível. Torna-se ainda mais grávida quando recebe a notícia de que está grávida, quando o sonho tem um coração e bate num ritmo próprio dentro do seu