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Pirandello presente: Traduções, excursões e incursões populares no teatro itinerante pelo Brasil dos anos 1920
Pirandello presente: Traduções, excursões e incursões populares no teatro itinerante pelo Brasil dos anos 1920
Pirandello presente: Traduções, excursões e incursões populares no teatro itinerante pelo Brasil dos anos 1920
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Pirandello presente: Traduções, excursões e incursões populares no teatro itinerante pelo Brasil dos anos 1920

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Em "Pirandello presente", Beti Rabetti apresenta algumas discussões importantes para a investigação acerca da tradução teatral no Brasil. Segundo Alberto Tibaji, "as reflexões desenvolvidas por Rabetti apresentam instigantes 'aproximações perigosas' entre o erudito e o popular, o sério e o cômico, o cinema e o teatro, Marinetti e Pirandello e o futurismo. Mediante aproximação entre a empresa de Jayme Costa e a do Teatro d'Arte di Roma, a autora questiona ideias persistentes na história do teatro no Brasil, como a oposição entre teatro moderno e tradição ou a visão de que Pirandello produziria sobretudo um "teatro cerebral" e, assim, distante do teatro de cunho comercial das nossas primeiras décadas do século XX. […] Pirandello presente enlaça reflexões recentes, valiosos documentos reproduzidos e transcritos (dentre os quais destaco a saborosa comédia em um ato Um almoço cerebral) e a apurada tradução de peça inédita e preciosa de Pirandello em português, O jogo dos papéis. Trata-se de livro cuja leitura é não apenas imprescindível para pesquisadoras/es e artistas das artes cênicas, mas de uma delícia rara em termos de história e historiografia do teatro no Brasil."
LanguagePortuguês
Publisher7Letras
Release dateJul 23, 2021
ISBN9786559051366
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    Book preview

    Pirandello presente - Beti Rabetti

    Pirandello_capa_epub.jpg

    Sumário

    Apresentação

    PREFÁCIO | A tradução e a teatralidade de Pirandello no modernismo brasileiro

    parte 1 – trilogia de uma tradução em cena

    Pois... é isso!: trânsitos e transações da tradução teatral

    Em busca da tradução teatral: o trabalho do historiador em meio a miudezas da cena e precariedades documentais

    Aproximações perigosas: contextos cômico-populares para Luigi Pirandello e Jayme Costa em 1926 e 1927 – Pois... é isso!; A Favella vai abaixo!...

    parte 2 – documentos

    Dario Nicodemi

    Anunciação de Pirandello

    Crise de crescimento

    Divagação sobre a vida teatral italiana (Especial para o Correio Paulistano)

    Crise de crescimento

    Divagações sobre a vida teatral italiana (Especial para o Correio Paulistano) − II –

    Crônica social

    Um sopro de espiritualidade...

    Teatros

    A decadência e a renovação do teatro – Como Renato Vianna julga as últimas tentativas dos escritores modernos

    Crônica social – Pirandello

    O homem que não é demônio

    Crônica social – Carta sutil

    Assim falou Pirandello...

    Pirandello e o teatro brasileiro

    No Trianon – Homenagem a Luigi Pirandello

    Um almoço cerebral: Comédia em um ato, recitada diante de Pirandello – se o autor tivesse podido comparecer ao almoço dado em sua honra

    Jayme Costa-Belmira de Almeida: O que tem sido a sua brilhantíssima atuação no Trianon – O carinho de Jayme Costa pelo teatro nacional – Pirandello e Jayme Costa

    parte 3 – o jogo dos papéis

    O jogo dos papéis, de Luigi Pirandello, e sua tradução: apontamentos breves

    O jogo dos papéis, Luigi Pirandello (1918)

    Agradecimentos

    Apresentação

    Este livro apresenta um conjunto de trabalhos desenvolvidos no decorrer dos últimos anos, a partir sobretudo de 2011, no seio de um projeto de pesquisa sediado na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) − Contribuição para a história da tradução teatral no Brasil, história cuja importância procuro apresentar resumidamente em algumas passagens dos textos aqui reunidos.

    Momentos de um trabalho distendido ao longo de alguns anos, e ainda em curso, aqui foram reunidos e enfeixados porque, no meu entender, além de resultados parciais que considero significativos, voltam-se todos para um determinado recorte de tempo e lugar no âmbito de um estudo mais longo: tratam, fundamentalmente, da década de 1920, mais precisamente, de 1923 a 1927, época da encruzilhada pré-modernista/modernista, e das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Ditado por esse contexto, o trabalho, ao procurar tratar da história da primeira tradução portuguesa entre nós de uma peça do autor siciliano Luigi Pirandello (Agrigento, 1867-Roma, 1936), levou em consideração alguns dados gerais do problema central proposto.

    Ao tratar das questões da invisibilidade da presença da tradução teatral, presença tão intensa e determinante para nossa história do espetáculo, a pesquisa encaminhou-se – com base em dados colhidos fundamentalmente em fontes documentais jornalísticas – para a ampliação da própria noção de presença, o que permitiu relevar o porte da estada de Pirandello entre nós, ao menos no período de 1923 a 1927, de maneira insuspeitada; o que também implicou estender a noção de invisibilidade ao próprio campo dos estudos da história do espetáculo entre nós, campo no qual o lugar da tradução foi por muito tempo desconsiderado ou não tratado de forma essencial.

    A peça de Luigi Pirandello traduzida, possivelmente por Paulo Gonçalves, para o português com o título Pois... é isso! é Così è (se vi pare), pelo autor considerada parábola em três atos. Foi concluída e levada à cena na Itália em 1917, e levada à cena no Brasil em 1924, pela Companhia Jayme Costa, companhia popular, itinerante fundada no Rio de Janeiro naquele mesmo ano.

    O livro comporta três partes. A inicial, intitulada Trilogia de uma tradução em cena, inclui três capítulos destinados ao estudo de um conjunto de três edições ou série de montagens de Pois... é isso!, com origem, no caso dos dois iniciais, em artigos anteriormente publicados (em 2017), revistos e atualizados, mas sem que se perdesse o caráter de um estudo em progresso, no seio de uma pesquisa em andamento. O terceiro texto, previsto no estudo, foi elaborado em 2020, para este livro. São eles: "Pois... é isso!: trânsitos e transações da tradução teatral; Em busca da tradução teatral: o trabalho do historiador em meio a miudezas da cena e precariedades documentais; "Aproximações perigosas: contextos cômico-modernistas para os encontros de Pirandello e Jayme Costa em 1926 e 1927 – Pois... é isso!; A Favella vai abaixo. Como alertado à nota 6 do texto Pois... é isso!: trânsitos e transações da tradução teatral", a grafia do título da peça em português apareceu em diferentes formatos no conjunto da coletânea documental utilizada para a primeira edição, de 1924, espraiando-se da mesma forma para os anos seguintes; a opção para este livro foi pela forma com que apareceu predominantemente: Pois... é isso!

    Nessa primeira parte, sem dúvida, o caráter histórico-historiográfico está garantido e ressaltado, como se poderá observar nos percursos que perseguem detalhes, dados e reflexões que os aproximam das abordagens realizadas na micro-história. O segundo texto, Em busca da tradução teatral..., traz, inclusive, a proposta do que denominei escrita documentada, a que leva para o corpo do texto elementos documentais sem intentos comprobatórios, mas sobretudo pelo prazer do jogo reflexivo embasado do historiador ou como suporte para sua imaginação controlada. A perspectiva da abordagem, sem propósito teórico inicial, importa destacar, decorreu da concretude do objeto do estudo – considerada a subalternidade da tradução, mesmo tão necessária ao nosso processo histórico espetacular – e das fontes documentais cotidianas e precárias para seu estudo na década de 1920.

    O lugar fundamental ocupado pela documentação neste estudo, dados o exercício histórico-historiográfico geral e as necessidades particulares trazidas pelo objeto pesquisado, sugeriu incluir uma segunda parte no livro, recolhendo algumas fontes importantes, que se entendeu serem suficientemente significativas para disponibilização em sua íntegra ao leitor, estudioso da história do espetáculo ou não. A parte Documentos, assim, contempla fac-símiles dos originais e sua edição.

    A terceira parte é composta de tradução inédita em nossa língua, de uma peça teatral de ١٩١٨, escrita em três atos por Pirandello, Il giuoco delle parti, que teve no Brasil, no período em pauta, três apresentações no idioma original, duas pela Companhia Italia Almirante, em 1926, e uma pela companhia Teatro d’Arte, em 1927, em São Paulo. A tradução, de minha autoria, foi realizada em 2019 e 2020 (nas cidades do Rio de Janeiro e de São João del-Rei), tendo passado por quatro versões e uma revisão final. Sob o título O jogo dos papéis, vai agora publicada, antecedida por breve texto de apresentação.

    A realização da pesquisa acadêmica e de apresentação e discussão de resultados parciais, envolveu, além do suporte fundamental do CNPq, com bolsa de Produtividade de Pesquisa, diferentes pessoas e instituições. A algumas delas faço referências pontuais no correr do livro, mas seria impossível agradecer a todas. O trabalho artístico e intelectual no espaço da universidade pública é parte da competência docente, tarefa obrigatória, necessária e extremamente prazerosa e produtiva quando compartilhada. Se não chegou a haver aqui, trabalho em equipe, como o que desenvolvi por quase duas décadas no seio do Laboratório Espaço de Estudos sobre o Cômico da Unirio (LEEC), houve solidariedade de sobra. A todos os que estiveram perto, deixo meu agradecimento e, por fim, de modo especial, aos colegas pesquisadores do Grupo de Estudos de História e Historiografia do Espetáculo (EHHE).

    Maria de Lourdes Rabetti (Beti Rabetti)

    Rio de Janeiro, 15 de setembro de 2020

    PREFÁCIO | A tradução e a teatralidade de Pirandello no modernismo brasileiro

    Luiz Fernando Ramos

    Como traduzir a um futuro leitor a importância de um livro? Talvez a melhor palavra, no caso, não seja traduzir, mas informar, defender, recomendar. Quando, porém, o livro é sobre traduções e propõe vários olhares e distintas perspectivas sobre esse tema, cabe iniciar apontando a polifonia de sentidos que o termo tradução acarreta, sobretudo quando associado ao processo teatral, já que encenar, independente da língua, do texto dramático ou referência de que se parta, é sempre, também, traduzir.

    A autora, em plena maturidade intelectual, oferece um corpo orgânico formado por ensaios, artigos e crônicas resgatadas de arquivos, e uma peça, inédita em português, de Luigi Pirandello (1867-1936), um dos dramaturgos referenciais do século XX. Todo esse material emana de uma pesquisa singular sobre traduções de peças no Brasil, particularmente na década de 1920, período em que se cruzam textos publicados na imprensa e espetáculos encenados, sempre examinados com o foco na questão da autoria, nomeada ou não, dessas traduções. Mas, também, e principalmente, tem como eixo comum, o dramaturgo siciliano e sua recepção por aqui. É em torno do seu texto Così è (se vi pare), de 1917, traduzido e encenado em português, no Brasil, em 1924, como Pois... é isso!, pela Companhia de Jayme Costa, que se constrói a investigação sobre a invisibilidade dos tradutores naquele contexto do teatro brasileiro, quando conviviam as convenções de uma teatralidade ainda presa ao século XIX e os relances de um modernismo em curso no país, que só floresceria no teatro, efetivamente, décadas depois.

    Pirandello, já famoso mundialmente, calha de visitar o Brasil em 1927 e torna-se o elo em torno do qual Beti Rabetti tece a sua rede reflexiva. Esta abrange desde ensaios especulativos, que desbravam um tema quase esquecido nas searas intocadas dos arquivos e jogam luz sobre as andanças de Pirandello pelo eixo Rio-São Paulo, até uma seção de pérolas ali descobertas, que descortinam o cenário da recepção do dramaturgo no país. Esse sobrevoo da pesquisadora alcança a contribuição mais rica na sua própria tradução da peça Il giuoco dele parti, que em português tornou-se O jogo dos papéis.

    Peça marcante do dramaturgo siciliano, na transição de seu primeiro teatro para as peças maduras e de teor metateatral, O jogo dos papéis, de 1918, pode ser aproximada da Eleuthéria, de Samuel Beckett (1906-1989),¹ no sentido de iniciar um acerto de contas de Pirandello com as convenções da teatralidade oitocentista, levando-as aos seus limites e ensaiando as rupturas que peças suas posteriores, a partir de Sei personaggi in cerca d’autore (1921), apresentariam. Texto virtuosamente tramado, quase uma peça bem feita, e ainda cativo de padrões de comportamento social hoje anacrônicos – a trama se enreda na perspectiva de um duelo por ofensa moral – propicia pontos de fuga da crosta dramática realista e ensaia lances metalinguísticos, antecipando alguns dos dispositivos que se tornariam característicos na obra posterior do dramaturgo, como a explicitação crítica do jogo de máscaras na sociedade, o desempenho dos caracteres para além de sua constituição ficcional, cindindo a representação, e a investigação psicológica profunda de personagens que se enfrentam com o espelho, ancorada no dinamismo do jogo dramático. Essa prospecção encontra, pois, na teatralidade, o suporte para radicalizar o projeto literário de Pirandello na investigação da psique humana. É quando assume plenamente o teatro como meio expressivo e passa a dirigir suas próprias peças, criando sua companhia,² que o escritor avança na exploração de corações e mentes que o consagraria e que o posicionou, na literatura, entre os grandes intérpretes da complexidade psíquica do ser humano.

    É esse gigante cultural que desembarca no Brasil em 1927, cinco anos depois da Semana de Arte Moderna e um ano antes do manifesto antropofágico, e que tem sua presença, em corpo e alma, destrinchada por Rabetti em diversas camadas.

    Na primeira parte, ela investiga os arquivos disponíveis para estabelecer quando foi feita, no Brasil, a primeira tradução de um texto de Pirandello para o português, concluindo tentativamente pela hipótese de que teria sido mesmo Così è (se vi pare), traduzida para a Companhia de Jayme Costa e encenada pelo ator em três temporadas entre 1924 e 1927. O terreno explorado é tão rarefeito a novas descobertas, que mesmo a autoria presumida dessa tradução carece de uma confirmação definitiva, ainda que todos os indícios apontem para o poeta santista Paulo Gonçalves, que teria preferido usar um pseudônimo quando da estreia da primeira temporada da peça, em fins de outubro de 1924, no Teatro Apollo, em São Paulo.

    O mote da pesquisa sobre a tradução teatral e as dificuldades metodológicas de lidar com uma invisibilidade do ato tradutório, naquele contexto histórico muitas vezes confundido ao gesto de montagem e assumido pelo ator produtor, bem como o foco na recepção de Pirandello no Brasil, prosseguem nos outros dois ensaios da primeira seção.

    Um, examina a segunda temporada da montagem de Così è (se vi pare) de Jayme Costa, dessa vez, em 1925, no Teatro Rialto, no Rio de Janeiro, e no Teatro Santa Helena, em São Paulo. O outro abarca tanto a visita de Marinetti ao Brasil, em 1926, como, sobretudo, a de Pirandello em 1927, à frente da Cia. Teatro d’Arte di Roma, com apoio do governo de Mussolini e um repertório de várias peças.

    Nos dois casos Rabetti esmiúça documentos para apresentar narrativas saborosas e cheias de achados curiosos, que não só alimentam a investigação geral sobre o ato tradutório no teatro brasileiro daquele período, como evocam as negociações de então dos empresários italianos, que disputavam a primazia da praça brasileira nas turnês operísticas e teatrais à América Latina. Dentre os vários aspectos abordados, destaquem-se os episódios de contato direto de Pirandello e seus atores e atrizes com a Companhia de Jayme Costa e com a terceira temporada da montagem brasileira de Così è (se vi pare). Esses encontros suscitam na imaginação do leitor potenciais contradições e convergências entre as duas companhias e os contextos modernistas de seus respectivos países. Por um lado, contrastados os modos de produção teatral na época, não havia muitas diferenças. Na Itália, com sua tradição do capocomico, e no Brasil, em que o teatro profissional era liderado por atores como Jayme Costa, tudo ainda se estruturava a partir de um ator-empresário, em torno de quem as encenações orbitavam. Já no tocante ao modernismo, havia diferenças reais. O futurismo italiano havia pioneiramente radicalizado a cena mundial na década anterior, e o teatro modernista de Pirandello não ficou infenso a esses antecedentes. No Brasil, o modernismo teatral era ainda uma quimera, antevista em textos e projetos irrealizáveis.

    Na segunda parte do livro o leitor defrontará algumas pepitas reluzentes, frutos da exploração pioneira de Rabetti nos tesouros documentais que cercam essas montagens de Jayme Costa, a visita de Pirandello ao Brasil e mesmo as suas produções mundiais naquela década, como no caso do artigo de Oswald de Andrade sobre o teatro europeu em que comenta a montagem de George Pitoeff de Seis personagens..., assistida em Paris, em 1923. Excedem também os documentos que colaboram na compreensão da recepção de Pirandello no Brasil, como dois textos do dramaturgo e encenador italiano Dario Nicodemi (1874-1934) sobre o compatriota, publicados na imprensa paulistana em 1923, duas crônicas de Menotti Del Picchia sobre a passagem de Nicodemi por São Paulo, uma entrevista de Renato Vianna sobre o modernismo teatral, nele contextualizando Pirandello, além de uma entrevista com o próprio, feita por um jornalista brasileiro, e de outros artigos e manifestações escritas na reverberação de sua passagem pelo país.

    Mesmo como partes isoladas de um quebra-cabeças, essa coleta de fontes refrata o caleidoscópio dos ensaios anteriores e prepara o leitor para o prato principal, a tradução de O jogo dos papéis, em que a própria autora enfrenta o desafio da tradução, contribuindo com a escassa fortuna de traduções brasileiras de Luigi Pirandello. É o ato final de uma operação empenhada, combinando o debate sobre a história da teatralidade brasileira, em um seu aspecto aparentemente menor, a tradução de peças estrangeiras e o fulgor do gênio dramático de Pirandello observado quando de seu passeio por Pindorama.

    parte 1 – trilogia de uma tradução em cena

    Pois... é isso!: trânsitos e transações da tradução teatral

    ³

    A tradução teatral no Brasil: contextos da dependência histórica

    Os estudos sobre tradução teatral no Brasil são raríssimos, praticamente inexistentes. No entanto, o tema abre-se a fértil campo de investigação, podendo trazer contribuições significativas para questões relativas aos problemas específicos da tradução e também para a história do teatro no Brasil, sempre crivada por relações econômico-culturais de dependência, colonial e pós-colonial. O problema da tradução parece trazer contribuição interessante para o tema acenado,⁴ permitindo dizer que, do lado de cá da linha abissal (Santos, 2007), o trânsito gerado pelas traduções transcorre, em determinados momentos da história do teatro, segundo um modo de compreender em que aquelas seriam, numa situação vista como descompasso, vias de acesso a uma arte primeiro-mundista; trânsito de traduções inseridas em etapas de ideológica atualização necessária. Compreensão essa que contribui para a emergência de determinados velamentos de intermediações, ou transações, conflituosas, na linguagem e nas práticas sociais dos envolvidos, transfiguradas sob a capa de fusões, hibridadas, não tensionadas. Velamentos que, para especificar o problema nos termos do tema em pauta, contribuem fortemente para o apagamento da figura do tradutor e do exercício tradutório, e que são, todavia, instâncias concretas, exercícios de passagens, espaço de atritos. Acredita-se que esse apagamento ocorreu muito fortemente em determinados períodos da história teatral entre nós, como, por exemplo, durante o processo chamado de modernização teatral, em que o ato tradutório de textos da dramaturgia mundial se encontrava e se bastava na ilustre justificativa de ser canal de acesso aos produtos culturais centrais que parecia garantir – na contramão de produtos dramatúrgicos periféricos, de fatura comercial, atravessados pela presença atorial que, como se sabe, parecia orientar a inteira produção cênica naqueles anos.⁵ Por sua vez, em outros momentos históricos relevantes para o teatro no Brasil e para a tradução teatral, parece emergir com maior clareza uma figura do tradutor tomado por ato tradutório inspirado, gerador de adaptações ou versões verdadeiramente recriadoras, muitas vezes decorrentes de práticas sorrateiras (Certeau, 1999), reaproveitamentos, peças de resistência, cujo sentido com frequência não parece esgotar-se na questão do desrespeito ao original, traduzindo-se em caminhos camuflados de furto ou sonegação dos chamados direitos autorais: práticas decorrentes de uma coexistência cuja tensão é determinada pelo traço demarcatório, mais amplo e culturalmente determinante, entre originais e cópias, fidelidade e invenção.

    Traduções de Pirandello no Brasil: desaparecimentos e deslizamentos de autorias e de textos

    Nos limites do presente texto, como já referido, não se tratará dos mapeamentos disponíveis sobre montagens e/ou traduções do teatro de Pirandello no Brasil, aspecto todavia muito importante para a história da tradução teatral, para o qual, no entanto, se julga dever lançar, por ora, e logo adiante, pelo menos rápido aceno.

    Desse modo, o estudo acabou por eleger duas coleções de traduções brasileiras de Luigi Pirandello ligadas a duas peças: uma delas envolvendo a primeira tradução do autor entre nós, a de Così è (se vi pare), de 1917, a outra referente a uma de suas peças mais encenadas no Brasil, Sei personaggi in cerca d’autore, de 1921. O objetivo deste texto é oferecer dados relevantes, acredita-se, manuseados e apresentados no vaivém dos indícios disponíveis e ao sabor especulativo da análise, e tecer algumas considerações sobre a pesquisa documental relativa a apenas uma parte da primeira coleção,⁷ a relacionada a possíveis traduções envolvidas na primeira encenação de peça traduzida de Pirandello no Brasil, a de Così è (se vi pare), pela Companhia Jayme Costa − algumas vezes chamada de Companhia Brasileira de Comédia ou Companhia Brasileira de Comédias Jayme Costa ou ainda Companhia de Comédias Jayme Costa-Belmira de Almeida −, em curta temporada, de alguns dias, no Teatro Apollo, de São Paulo, entre o final de outubro e o início de novembro de 1924: Pois... é isso!, em tradução de Therezinha (ou Teresinha, ou Teresa) Coelho e/ou Paulo Gonçalves.⁸

    A primeira tradução teatral de Pirandello em língua portuguesa no Brasil compôs o repertório da temporada do teatro Apollo, em São Paulo, da jovem companhia de Jayme Costa, criada no Rio de Janeiro em 1924, dias antes de seguir para cumprir sua turnê paulista na capital do estado e na cidade de Santos.⁹ Para a ocasião essa tradução foi encomendada pelo ator-empresário Jayme Costa que, segundo alguns jornais da época, não teria tido facilidade para encontrar tradutores disponíveis, ou interessados, apenas um ano após a passagem pela cidade da Companhia Italiana de Prosa Maria Melato, em sua primeira visita à América do Sul. Com a primeira apresentação de Così è (se vi pare), durante temporada no Teatro Sant’Anna, sendo empresário Jose Loureiro e interpretando Melato a signora Frola, em atuação rememorada por ocasião da montagem da Companhia Jayme Costa um ano depois, o fato irá se constituir em importante fonte de correlações, das quais, adiante, uma será referida.

    Em busca da primeira peça traduzida

    Embora insistentemente procurado em diversos acervos brasileiros, ainda não foi encontrado algum exemplar do texto traduzido. Diante de seu possível ou, como se quer acreditar, temporário desaparecimento, porém, as últimas pesquisas abriram boas perspectivas, dado que no Arquivo Jayme Costa, depositado na Funarte e em processamento,¹⁰ foi encontrado um caderno que apresenta dois documentos importantes na forma de listagens manuscritas de peças, com tipos diferentes de letra numa e noutra. O primeiro, intitulado Repertório de Jayme Costa, contém, na p. 14, a indicação de Pois... é isso!; o segundo documento é listagem de peças subdividida por localização em estantes e prateleiras. Nela não se encontra Pois... é isso!; na p. 27, porém, após a subdivisão Lado esquerdo do abajur – à direita, que se apresenta na página 26, encontra-se o título Così è (se vi pare), seguido do nome do autor, Pirandello. Essa listagem pode trazer indícios de repertório da Companhia, mas é provável que contemple de fato rol de exemplares de peças de propriedade de seu ator-empresário, pois há casos em que refere, por exemplo, exemplar emprestado para....

    Em outra pasta do mesmo arquivo, com documentos de 1967, ano de falecimento de Jayme Costa, foi localizada correspondência da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), estabelecida no Rio de Janeiro, agradecendo doação feita pela viúva e contendo listagem de 200 peças identificadas (que não contempla a tradução Pois... é isso!) e outra, com aproximadamente 20 peças, ainda não identificadas por falta de título, autor ou tradutor. Assim, mais um passo em busca do texto perdido consistirá em solicitar consulta direta do acervo com o intuito de

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