A Longa Vida da Natureza-Morta: Gênero, Segregação, Subversão
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Considerando a pintura como território político, o deslocamento da natureza- morta no tempo diz muito, não apenas sobre a história da arte canonizada, mas também sobre as estruturas sociais do ocidente eurocêntrico que ainda reverberam no Brasil, e sobre formas de resistência e contestação de atores segregados. Para os que consideram a natureza-morta entediante, este livro é essencial. Depois de ler A longa vida da natureza-morta, nenhuma obra que envolve objetos inanimados será diminuída, seja ela uma pintura a óleo de flores ou uma instalação com animais empalhados.
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A Longa Vida da Natureza-Morta - Raisa Ramos de Pina
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
À minha mãe, à minha vó, à minha tia.
A todas as mulheres que vieram antes de mim,
que abriram os caminhos.
E às minhas contemporâneas, que me inspiram diariamente.
agradecimentos
Aos professores Biagio D’Angelo e Marco Antônio Vieira.
À Universidade de Brasília e à British Library de Londres.
Aos amores: Jonas, Juliana, Maria José, Pedro, Lara e Augusto.
Ao amigo Chico.
Às artes e aos artistas.
Entre os conceitos da tradição intelectual do ocidente, natureza
e cultura
, dois conceitos postos dicotomicamente, são de grande importância para entender o imaginário que constrói tanto a mulher
quanto o negro
.
(Mireya Suárez)
prefácio
Entre renascenças, mortes e desvelamentos: outra história da natureza-morta
A longa vida da natureza-morta de Raisa Pina constitui-se como um precioso e preciso compêndio em que se deslinda o que sugeriríamos ser uma espécie de figura
que se bifurca retórica entre sua função pictórica e aquela que a torna figura de linguagem no discurso.
O gênero natureza-morta é aqui desvendado retrospectivamente. Sua história permite iluminar poliédrica, a ponto de quase convertê-la em um motivo
a encarnar as mais distintas significações ao longo de seu trajeto figural na História da Arte Ocidental.
Há, aqui, uma pequena cartografia da genealogia da natureza-morta: sua etimologia, suas primeiras aparições, suas distintas materializações, seus contextos e sentidos históricos, seus travestimentos desestabilizadores.
Não há, todavia, um antes
ou um depois
da natureza-morta em relação a seu estabelecimento, chamem-no oficial
, pelas academias artísticas do século XVII na Europa. Há, antes, uma procissão de formas – um cortejo morfológico¹, por assim dizer –, que se disfarçam mutantes, metamorfoseadas, fantasmais ao longo do tempo: o tempo da natureza-morta, como se o desvela em Raisa Pina, é o tempo que se descortina nestas páginas.
A natureza-morta atravessa fantasmal e travestida à arte, suas estruturas discursivas, seus suportes. Este texto leva-nos a, forçosamente, reescrever a natureza-morta como esse motivo figural e situá-la como determinante nisso que se nomeia o campo expandido na Arte Contemporânea, pois que aqui ela ultrapassa os limites do enquadramento pictórico para se materializar tridimensional e instalativa, como se o pode ler no estudo que Pina dedica à artista Raquel Nava, no Capítulo 7 de seu livro.
A arte transmuta-se a partir da perspectiva da sobrevivência
– Nachleben – em um terreno sintomal, marcado por eclosões e retrações. A contribuição teórica de Aby Warburg² é, nesse sentido, nevrálgica para a visão da Arte Contemporânea como um território em que só a centralidade da citação como conceito operatório parece contemplar o que se passa com a plasticidade morfológico-temporal que comanda o campo da produção artística.
Assim, o pretérito da natureza-morta converte-se em objeto de alusão, de estilização, de subversão. Essas formas paródicas, por assim dizer, da natureza-morta contribuem inequivocamente para a atualidade do texto de Pina.
O número de obras na contemporaneidade³, que, de alguma ou várias maneiras, cita a natureza-morta
como um princípio
anacrônico que perturba a apenas aparente fixidez da História da Arte, ao mesmo tempo que fornece sua própria raison d’être – razão de ser – à fabulação poética, não pode deixar dúvida quanto a essa sobrevivência que a aparente eternidade da natureza-morta enquanto um motif que embaralha as temporalidades de suas emergências na imagem e na arte representa.
O texto de Pina acompanha essa figuração dita inanimada em suas modulações, metamorfoses e mutações antes e depois de seu estabelecimento pelo discurso acadêmico da pintura setecentista. Seu texto é exemplar em conciliar erudição e clareza expositiva. Trata-se, portanto, de material bibliográfico com inegável vocação instrutiva e didática, o que o legitima a ser adotado como literatura elementar em programas formativos em Artes Visuais.
O achado etimológico concedido pela língua francesa em que, mais que a aparente ausência de animação
, de movimento
que as derivações do termo holandês stilleven sugerem, há a noção de uma subterrânea corrente de vanitas que impõe à natureza-morta, nature-morte
em francês, a transitoriedade, a efemeridade, o enfretamento mesmo daquilo que, em tese, aparenta ausentar-se das composições luxuriantes de flores e frutas que compõem as naturezas-mortas.
Uma impermanência que governa, por exemplo, os vídeos da artista britânica Sam Talyor-Wood (1967), em que se acompanham o fenecimento das flores, o apodrecimento das frutas, a decomposição de animais mortos.
A morte, uma nítida obsessão para o Barroco que triunfa nos países católicos, encontra na sutileza alegórica da natureza-morta uma expressão possível para o Século de Ouro da pintura holandesa, período definitivo e profícuo para a produção pictórica nessa então República protestante que é a Holanda setecentista.
Tudo que figura como vivo
na natureza-morta só o é pois o sabe inexoravelmente perecível, condenado à dissolução e ao desaparecimento. Assim como a carne explicitamente abatida que desponta na pintura barroca italiana como o evidenciam