Contém esperança: Histórias sobre viver e conviver com uma doença grave
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Mergulhe nesta obra e aprenda sobre vida e esperança sob a ótica de quem não tem tempo a perder.
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Contém esperança - Alessandra Lopes Leite
Contém esperança
Ana Holanda (org.)
Ao longo do processo de edição e finalização deste livro perdemos alguns dos autores. Seus textos são parte do legado de pessoas extraordinárias com quem convivemos na Casa Paliativa. Escritas repletas de lucidez e com sentido em cada linha. Contém Esperança é nossa forma de honrar a memória de: Natália Garcia, Gabriela Furtado, Diego Henriques, Alessandra Lopes Leite, Cláudia Carvalho e Karla Paloma.
Sumário
Prefácio
Ana Claudia Quintana Arantes
Introdução | Lição de imortalidade
Ana Holanda
Parte 1 | Relatos sinceros sobre viver
Geografias
Ana Michelle Soares
Faixas e destinos
Patrícia de Oliveira
A jornada
Marly Rubel
Do que a vida é feita
Karla Prado
A menina que tinha medo de andar de bicicleta
Clarissa Caleia
Um minuto
Elaine Cristina Valente
A tatuagem
Cintia Maria Sales Rocha
Ei, aeromoça, lugar de lenço é no pescoço!
Natália Garcia
O amor é curativo
Josiane Damasceno
Mais cinco minutinhos
Louise-Liu Vargas de Oliveira
A morte é um dia que vale a pena construir
Cláudia Evaldt
Meu tempo é hoje
Jussara Del Moral
Em busca da cura
Viviane Trotta
Rotina
Marcia Cristina Soares Siqueira da Silva
22 quilos a mais
Sandra Ribeiro
Cara de doente
Maria Paula Bandeira
A batalha
Cleudivania de Oliveira Felizardo Costa
Minha vida, minha história, o câncer
Eunice Ferreira Lessa de Queiroz
UM DIA NA VIDA DA EUNICE
Vivendo com câncer – diário de bordo
Sandra Gonçalves
Viver não é sobre um diagnóstico
Gabriela Furtado
Um sorriso por dia
Diomar Egidio de Figueiredo Fonseca
Convivendo com a indesejada
Renata Rodrigues de Lima
Fé
Maria Laisa
Qual o diagnóstico?
Gislene Souza
A cura
Diego Henriques
Despertar para a vida
Juliane Maria Lorenz Siqueira
Enfim, a vida!
Fátima Moreira
Desejo que seja tão desenganado quanto eu
Alessandra Lopes Leite
Estrela vermelha
Germaine Tillwitz
Superando limites
Lisandre Baron
Um dia de inverno
Edilene Siqueira
Consciência de vida
Ionara Raitz Feler
Câncer é sobre as descobertas
Patrícia Loretti
Parte 2 | Relatos sinceros sobre conviver
Flores para Chico
Manuela Mignot Cordeiro
Neuroblastoma, como assim?
Patrícia Ferreira
Mudança de rumo
Tatiana Bugueño Colón
Parte 3 | Poesias – Pequenos mergulhos profundos
OcupAção
Simone Rosa
Minha vida com você
Claudia Carvalho
Pros dias de químio, São Saruê
Karla Paloma
Por que vivo?
Fernanda Cristina Pires da Silva
Parte 4 | Mensagem para você
Para Antônio, meu pai
Cris Gil
Aos meus filhos
Joyce Figueiredo
Para Telma
Telma Sampaio
Para meu pai
Fabiana Lima Fonseca
Vó, queria que você soubesse...
Gabriela Franco Vieira
Créditos
Prefácio
Ana Claudia Quintana Arantes
QUANDO PENSO NO TEMPO que tive para viver as histórias que me fazem ser quem sou, o que vejo é muito milagre. Quando penso que a minha vida vai acabar, passo a sentir uma paz imensa por ter deixado minhas palavras registradas no coração de muita gente boa. E aqui eu queria contar que foi numa noite de muito silêncio (dentro e fora de mim) que o sonho da Casa do Cuidar nasceu, há muitos anos. E na construção desse sonho, já não mais sonhando sozinha, o tempo de existir a Casa Paliativa se concretizou quando tive coragem de abrir esse espaço. Coragem é algo muito valioso, mas que a gente sabe o quanto custa demonstrar esse valor neste mundo tão cheio de armadilhas que adoram tirar a nossa coragem do lugar dela. Para viver e poder ser o que somos de verdade é preciso muito amor por essa coragem.
As reflexões que brotam de dentro de mim a partir da leitura das histórias, poemas e vivências que estão dentro deste livro são magníficas. E eu só posso então sorrir. Sorrir na alegria de ter encontrado a Renata num evento de hospital e depois disso poder conhecer sua melhor amiga, a Ana Michelle. E a partir do olhar da AnaMi
penso em como gosto de ouvir o nome dela na minha voz e como adoro me ver nos olhos dela. Nesse olhar de amizade tem um pedido, uma ponte, um convite. O pedido de me manter firme e corajosa nessa trilha difícil e perigosa de ser líder e guerreira destemida dos Cuidados Paliativos no Brasil e no mundo. Tem a ponte de me conectar com espaços sagrados dentro de mim que me fortalecem ainda mais. Tem o convite para seguirmos juntas trabalhando e vivendo por essa causa de vida que é respeitar a morte.
E então, certo dia, o olhar dela me fez fazer o convite: quer realizar nosso sonho de termos um espaço muito incrível para pacientes e familiares que se entregam para a sua maior dimensão humana?
Topa abrir a Casa Paliativa comigo?
Resposta feita de um sim
inesgotável. Fonte absoluta de inspiração para nossas letras, palavras, histórias e muita vida. Assim, aqui nasce o primeiro maior fruto da trajetória da Casa Paliativa: um livro de histórias. Histórias cheias de pedidos para que a gente siga firme nesta vida, cheias de pontes de segurança levando ao nosso espaço mais sagrado e convites plenos, claros e irrecusáveis para viver uma vida que vale muito a pena.
Muitas pessoas, espero que milhões até, sejam testemunhas emudecidas pela beleza e pela força das palavras compartilhadas neste livro, com poesia inclusive. Claro que para ter vida, a poesia precisa estar presente, nem que seja no silêncio de prestar atenção no que este livro contém de ponta a ponta: esperança.
E talvez toda essa gente deste mundo precise mesmo de coragem para prestar atenção em tanta vida que transborda nestas linhas. Mas posso dizer com absoluta segurança que a única virtude necessária para ler este livro é reconhecer a sua humanidade.
Para todo o resto do tempo que existir fora deste livro, a vida, com esperança, ensina.
Ana Claudia Quintana Arantes é médica e escritora.
Introdução
Lição de imortalidade
Ana Holanda
ENAURA ERA A TIA do meu pai. Ela morava numa fazenda, no interior de Alagoas. E nós em São Paulo. Todos os anos, meus pais colocavam os três filhos no banco de trás de uma Caravan e percorriam os mais de dois mil quilômetros que nos separavam da família de origem – uma parte em Pernambuco e outra em Alagoas. E todos os anos passávamos cerca de uma semana na fazenda de tia Enaura. Eu adorava esses dias por lá. Gostava daquela rotina tão distante da que tinha na capital paulista. Andar de carro de boi, caminhar pelos pastos de gado, beber leite recém-saído da vaca, descansar em uma das redes da varanda, bater papo com os primos, pescar no lago. Além disso, eu adorava tia Enaura. Uma mulher forte, que, quando sorria, os olhos ficavam apertados e pequenos. Tratava meu pai com respeito e carinho. E mimava a mim e a meus irmãos. Gostava de conversar e de jogar baralho.
Um dia, ouvi meus pais dizerem que tia Enaura estava com CA. Eu não sabia o que era aquilo, mas imaginei que era algo ruim, porque o tom de voz ao falar sobre isso era triste e sombrio. Na última vez em que a visitamos, ela não era mais a mulher forte de sempre. Estava frágil. Porém o que mais achava estranho era o fato de ninguém conversar na frente dela sobre o câncer – descobri depois que CA era o jeito que meus pais falavam sobre câncer. Tia Enaura estava viva, mas as pessoas não a tratavam com a vitalidade que merecia. Ela passou a ser a doença que carregava. Pior, passou a ser o próprio atestado de óbito em vida. Eu gostaria de tê-la abraçado e de ter lhe dito que estava tudo bem e que ainda a enxergava como a mulher que sempre fora. E adoraria que todas as pessoas tivessem feito isso. Acho que o silêncio sobre as nossas dores nos leva para a solidão, uma não palavra que nos rouba a identidade, a alma.
É claro que, na infância, eu não tinha clareza sobre isso. Mas isso nunca deixou de me habitar. Até que um dia, em 2020, recebi uma mensagem da querida Ana Claudia Quintana Arantes: Você poderia fazer uma oficina de escrita para a Casa Paliativa?
.
A Casa Paliativa reúne pessoas – mulheres e homens – que recebem o carimbo de desenganados
, aqueles cujos problemas de saúde, de um câncer à falência de um órgão, não têm mais um caminho de cura. O objetivo do lugar é devolver a essas pessoas aquilo que ninguém deveria tirar delas: a própria identidade. Ali, elas são Marcela, Júlia, Pedro. Não são a doença que carregam. A Casa promove oficinas de diversos tipos, palestras, e reúne todos e todas numa corrente de vida, esperança e amor.
Topei fazer a oficina na hora. No dia, falei sobre a escrita, sobre as relações e como elas pertencem uma à outra. E, principalmente, sobre o valor da história de cada um e a importância de colocar o texto no mundo como uma forma de seguir vivendo no outro pela palavra. Oficina dada, acreditei que minha participação se encerrava ali. Ledo engano. Minhas palavras passaram a morar naquelas pessoas. E textos começaram a nascer. Um atrás do outro.
Muitas dessas histórias, Ana Michelle (AnaMi ), que também atua na Casa Paliativa, compartilhou comigo. Percebendo a potência dos textos – e o que provocava em cada um do grupo – AnaMi, junto com Ana Claudia e outros participantes da Casa, teve a ideia de publicar um livro e colocar essas narrativas no mundo. E foi aí que entrei novamente no caminho da Casa Paliativa. Você abriu essa porta dentro de todos
, me disse AnaMi, junto com o convite para ser curadora deste livro que acabou de nascer.
Para isso, todas as pessoas que faziam parte do grupo e estavam interessadas em participar da obra deveriam fazer parte de uma série de encontros sobre escrita. E foi assim que recebemos escritores bacanas, que generosamente cederam seu tempo, para ajudar os aprendizes a seguir pelo caminho da palavra: Cris Guerra, Ruth Manus, Tiago Ferro e André Gravatá. Após esses encontros, todos tiveram pouco mais de um mês para produzir seus textos, do jeito que nascesse. O importante era vir ao mundo. Depois foram mais alguns meses de edição e organização, ansiedade e alegria.
Nas páginas seguintes, você irá encontrar 46 textos. São narrativas que contam a trajetória de cada um. Histórias de pessoas, maneiras diversas de ser e de perceber a vida. Mas, em comum, a certeza de que estão vivas. E de que querem aproveitar esse tempo por aqui intensamente, seja lá qual for. Afinal, ninguém, nem eu e nem você, sabe o dia em que vamos morrer.
Ao longo de cada uma das histórias me emocionei. Entendi que podemos viver, sem qualquer tipo de diagnóstico fatal, e ao mesmo tempo passar pelos dias vendados, sem sentir cheiros, cores, nada. São histórias intensas, que nos ensinam a ser intensos. Porque a vida pede isso.
Penso, agora, que tia Enaura poderia ter aprendido a seguir vivendo, sendo ela, apesar do câncer. A doença estava nela, mas não a definia. Aliás, isso vale para todos nós. O que anda nos definindo? Essa resposta deixo para você. Leia, sem pressa ou moderação, cada um destes textos. E deixe que as palavras façam morada e que, dessa forma, sigam vivendo em você, em mim. Quarenta e seis histórias. Quarenta e seis vidas. Imortais. Vivas.
Boa leitura.
Ana Holanda é uma apaixonada pelas palavras. Jornalista, escritora e professora de escrita afetuosa, aprendeu a viver com mais intensidade após acolher cada um dos 46 textos deste livro.
Parte 1
Relatos sinceros
sobre viver
Quando eu nasci
O silêncio foi aumentado
Meu pai sempre entendeu
Que eu era torto
Mas sempre me aprumou.
Passei anos me procurando por lugares nenhuns.
Até que não me achei – e fui salvo.
Às vezes caminhava como se fosse bulbo
Manoel de Barros
Geografias
Ana Michelle Soares
PELAS MINHAS CONTAS, já mudei de casa pelo menos nove vezes ao longo dos meus 38 anos. Olhando de forma cartesiana, é como se a cada quatro anos eu tivesse precisado fazer as malas para adentrar em um mundo novo. Lembro que em todas as vezes senti empolgação, ao mesmo tempo em que lamentava por ter que desapegar dos espaços já conquistados.
Mudar é um grande desafio.
Revisitando algumas memórias, é impossível não contar sobre o meu