Síndrome de Estocolmo e violência doméstica contra a mulher: restrição à liberdade psicológica
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Assim, relaciona a perpetuação da violência de maneira anônima no lar com a ocorrência cíclica das agressões, alimentada por uma espécie de Síndrome de Estocolmo a nível psicológico, que aprisiona a vítima ao lar e a ao agressor, impedindo-a de notificar os crimes e de procurar a persecução penal do companheiro violentador. Ao fim, aponta possíveis caminhos para a contenção da violência, proteção da vítima e para o combate à Síndrome.
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- Rating: 5 out of 5 stars5/5este livro aborda de forma clara seu objetivo, trazendo muito conteúdo necessário.
Book preview
Síndrome de Estocolmo e violência doméstica contra a mulher - Ana Paula Z. Sassi
PREFÁCIO
Conheci a então aluna Ana Paula Zappellini Sassi quando tive a oportunidade de lecionar na saudosa Cadeira de Medicina Legal da Faculdade de Direito de Franca/FDF nos idos de 2018.
Acredito que tivemos contato antes nos corredores daquela tradicional Casa de Ensino, mas foi numa reunião de orientação que tive a oportunidade de conhecer o fascinante tema sobre o qual ela pretendia se debruçar para a confecção do seu Trabalho de Conclusão de Curso.
De início, chamou a minha atenção a ligação feita por ela no sentido da vinculação entre a violência doméstica e a Síndrome de Estocolmo.
Conhecido estado psicológico que faz com que a vítima – submetida a situações de violência extrema – passe a ter empatia pelo seu agressor, e, com isso, até mesmo compreender as suas motivações, a Síndrome de Estocolmo pode ser considerada como uma etapa praticamente inafastável do chamado Ciclo de Violência. Com isso, muitos casos chegam até mesmo a não mais ser noticiados pelas vítimas aos órgãos do sistema de justiça criminal, criando uma subnotificação extremamente danosa ao combate à violência doméstica e familiar.
Mas é justamente nesse sentido que as considerações da autora passam a ir além, de modo a não se contentar em sustentar a existência desse fenômeno no âmbito da violência doméstica e familiar, mas a encontrar soluções para a prevenção e até mesmo combate desse fenômeno, conscientizando a vítima de que o seu sentimento nada mais é do que uma situação causada pelo próprio estresse da violência à que se viu submetida.
A presente obra, ao desnudar um universo ainda tão sensível e desconhecido, faz com que sejam enriquecidos o corpo editorial brasileiro e o sistema de justiça criminal, uma vez que contribui com possíveis soluções para um problema infelizmente ainda tão comum em grande parte dos lares brasileiros.
E reitero nesse prefácio o que disse por ocasião da realização da Banca de Trabalho de Conclusão de Curso da autora: este trabalho não pode ficar circunscrito à biblioteca de determinada faculdade. Ele precisa ganhar asas e permitir que seja conhecido de muitos!
Sinto-me duplamente honrado, ao ter a oportunidade de guiar a autora no início da sua jornada acadêmica e, agora, ao prefaciar a obra de sua autoria.
Professor Doutor André Luis Jardini Barbosa
São Joaquim da Barra, verão de 2021.
APRESENTAÇÃO
A violência doméstica contra a mulher cujo perpetrador é o companheiro homem tem em seus alicerces estruturas sociais que desnivelam as pessoas em função do gênero e colocam o masculino, a quem é dado o papel agressivo, em patamar superior ao feminino, do qual é esperado que se subordine àquele. Caracteriza-se pela ocorrência em ciclos que intercalam períodos de violência e pedidos de perdão por parte do parceiro. Por conta disso, defendeu-se neste trabalho que a mulher, vítima de diversas formas de agressão e emocionalmente fragilizada, cria um vínculo afetivo que a aprisiona psicologicamente ao violentador, uma espécie de Síndrome de Estocolmo a nível psicológico que a impede de denunciar o agressor e procurar ajuda, e faz com que a violência doméstica se concretize no anonimato do lar.
Objetivou-se demonstrar a relação entre a violência doméstica contra a mulher, a Síndrome de Estocolmo e a não persecução penal do violentador, além de buscar formas de combate e prevenção da situação de violência. Para tal, partiu-se de uma pesquisa geral, através do método bibliográfico, em doutrinas e sites jurídicos. A posteriori, numa investigação mais pormenorizada, foram utilizados artigos científicos, livros e decisões jurisprudenciais com temas correlatos e, por fim, por meio da pesquisa documental, estatísticas embasaram o trabalho com números.
Concluiu-se que são necessárias ações do Poder Público para prevenção e combate da violência, sendo que a primeira deve basear-se na educação de gênero e na realização de campanhas que divulguem as formas de agressão e incentivem a realização de denúncias. Além disso, percebeu-se essencial no combate à violência a proteção psicológica da vítima e a promoção de instrumentos de reeducação e reabilitação do agressor, para que assim o ciclo da violência possa ser rompido. Nesse sentido, percebeu-se que essas políticas públicas, efetivamente promovidas e fiscalizadas pelo Estado, gerariam, além da punição do agressor, a diminuição das agressões e conscientização social de que a violência doméstica contra a mulher necessita ser combatida e rechaçada.
1. INTRODUÇÃO
A violência doméstica contra a mulher perpetrada pelo seu parceiro é hodiernamente considerada um problema de saúde pública mundial. Tem como base estruturas sociais desiguais que privilegiam o masculino em desfavor do feminino, sendo que a construção de papéis de gênero - raiz da violência - baseia-se na estrutura social patriarcal e reforça, na sociedade brasileira, o papel de agressividade do homem, enquanto impõe a necessidade de passividade da mulher na relação amorosa. Além disso, a violência familiar contra a mulher ocorre de maneira cíclica, caracterizando-se por períodos de agressividade intercalados com pedidos de desculpa e arrependimento por parte daquele que age com violência.
Nesse contexto, a mulher, vítima de incontáveis agressões no âmbito do lar, e diante de intenso abalo psicológico, forma um vínculo de afeto com seu companheiro que a aprisiona psicologicamente ao agressor. Apesar de, em regra, a vítima não ter sua liberdade de locomoção fisicamente privada pelo companheiro, objetivou-se defender que essa situação de prisão afetiva levaria à aquisição de uma espécie de Síndrome de Estocolmo, que acarretaria a não visualização da situação como violência e, consequentemente, na não persecução penal do violentador e continuação das agressões de maneira anônima no ambiente doméstico.
Por conseguinte, a escolha do presente tema justificou-se na necessidade de prevenção e educação para redução dos casos de violência doméstica, principalmente nas hipóteses em que se percebe a existência de uma prisão psicológica da vítima relativamente ao agressor que acarreta a continuação da violência sem que esta seja denunciada. Para tal, buscou-se conceituar e diferenciar as espécies de violência doméstica a partir de questões de gênero, tomando-se como referência teórica a violência familiar ocorrida no lar e perpetrada pelo companheiro homem contra a vítima mulher. Adicionalmente, procurou-se realizar uma cronologia histórico-jurídica da proteção da mulher vítima de violência doméstica no Brasil, apontando os principais marcos jurídicos na temática.
Consoante, conceituou-se a Síndrome de Estocolmo sofrida por mulheres vítimas de violência doméstica, apontando-a como condicionante à perpetração das agressões no anonimato do lar e, por fim, foram estipulados meios de combate e prevenção à violência doméstica contra a mulher quando caracterizada pela citada Síndrome.
Para isso, sendo o tema da pesquisa multidisciplinar, partiu-se de uma análise geral do assunto à luz das normas brasileiras, através do método bibliográfico e da utilização de páginas de sites jurídicos e doutrinas como meio de pesquisa. Aglutinando as informações colhidas, passou-se a uma investigação mais aprofundada, em livros, artigos científicos e jurisprudências com temas correlatos, e através de pesquisa documental encontrou-se estatísticas que embasassem o trabalho com dados objetivos.
Em fase de conclusão, percebeu-se pela insuficiência da repressão penal aos delitos abordados, verificando-se a necessidade de intervenção estatal na criação, consolidação e divulgação de mecanismos voltados ao combate, à redução e à prevenção da violência familiar contra a mulher.
2. A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
A violência contra a mulher, por questões de gênero – em especial a perpetrada pelo parceiro e a sexual – infringe os direitos humanos e é considerada pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS)¹ um sério problema de saúde pública. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS)², 38% das mulheres assassinadas no mundo têm como autor do crime um parceiro masculino. Mais que isso, cerca de uma em cada três mulheres do planeta já sofreu violência física ou sexual, sendo que, na maioria desses casos, o violentador era seu companheiro³.
As raízes de toda essa agressão perpetrada em face de mulheres, pelo simples motivo de serem mulher, estão na construção social de papéis de gênero que são impostos aos sexos masculino e feminino, com base em concepções patriarcais que, historicamente consolidadas, valorizam a figura masculina em detrimento da feminina, utilizando-se de estruturas socialmente construídas, como as leis e os costumes, para submissão da mulher ao homem.
Importante enfatizar que embora esse trabalho se baseie em um panorama geral da violência doméstica em função do gênero, há elementos importantes, como classe, cor e sexualidade, que devem também ser analisados quando do debate da violência contra mulheres, visto que estas não constituem um grupo homogêneo de pessoas, e suas particularidades e vivências influenciam no modo como a violência as atinge.
2.1 A questão do gênero: raízes da violência
A palavra gênero, de acordo com o Glossário⁴ de termos do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5, da Organização das Nações Unidas (ONU)⁵, caracteriza comportamentos, papéis, atributos e atividades que uma sociedade, em um determinado momento histórico, entende apropriado para mulheres e homens. Dessa maneira, o gênero determina o que é esperado, permitido e valorizado em uma mulher ou em um homem em um determinado contexto
⁶.
Nessa linha, conforme Maria Amélia de Almeida Teles e Mônica de Melo, no livro Violência Contra a Mulher⁷, as ciências humanas, dentre elas a sociologia e a antropologia, utilizam a categoria gênero para caracterizar as desigualdades socioculturais existentes entre homens e mulheres, e que repercutem em suas vidas, impondo a eles diferentes papéis sociais, que construídos durante a história, criam polos de dominação e de subordinação.
Assim, consoante a visão social do feminino e do masculino, predominam, na maioria dos aglutinamentos sociais, desigualdades entre mulheres e homens, tanto nas responsabilidades como nas oportunidades que lhes são dadas, como o acesso e controle sobre recursos e tomada de decisões, por exemplo.⁸ E a entidade familiar reproduz estas diferenças no tocante às expectativas que são geradas