A cruzada e o golpe
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Centrado na militarização, não foram apenas membros do Exército que engendraram a queda de João Goulart, mas organizações reacionárias de diversos setores da sociedade. Assim, este livro investiga a participação da Igreja na efetivação do golpe de Estado brasileiro mais recente, pontuando como as diferentes doutrinas apoiaram os ditadores. Trata também dos movimentos religiosos que foram associados ao comunismo e reprimidos por posicionarem-se contra o novo regime.
A Cruzada e o Golpe oferece uma análise bastante pertinente para os brasileiros que vivem hoje mais uma crise política, explorando os fatos pouco evidentes que resultaram de um discurso que fere as minorias sociais e que vem crescendo nos últimos anos. Uma obra que dá fundamento a uma bandeira necessária: ditadura nunca mais!
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A cruzada e o golpe - Ermerson Porto
Agradecimento
Ao longo da vida construímos laços, quebramos paradigmas, mudamos de postura, amadurecemos. São inúmeras as situações em que pessoas vêm e vão, algumas, porém, permanecem. Enquanto outras, mesmo indo, continuam vivas em nossos corações. Neste momento ímpar, quero iniciar agradecendo a Deus pela vida (porque assim creio) e pela oportunidade de concluir esta obra com esmero.
Sou profundamente grato a Prof. ª Dr. ª Célia Costa Cardoso. Para mim, a querida Célia é orientadora exemplar e profissional em tudo que desenvolve. Obrigado, amiga, por todo suporte e orientação nos últimos anos, mostrando sempre novos caminhos e novas possibilidades. Agradeço aos professores Claudefranklin Monteiro Santos e Antonio José Barbosa de Oliveira por prefaciar e apresentar, respectivamente, este livro, levando boas referências aos leitores, obrigado por suas preciosas colaborações.
Agradeço às salutares interferências da professora e amiga Cláudia Valeria, assim como aos entrevistados que colaboraram para o desenvolvimento da pesquisa na época da graduação e do mestrado. Às eternas professoras Nida, Vilma, Valdenice, Raquel e Eremita, por terem sido mestras provocadoras. À Cecília (in memorian), por ter sido uma grande incentivadora.
Ao meu padrinho Juçanã e aos meus pais, Marco e Branca, meus maiores exemplos de superação na vida, obrigado por vocês existirem. Mãe, todos os meus agradecimentos nunca serão suficientes, a senhora não precisa nem falar, basta-me sua existência. À minha mãe e ao meu pai do coração, Zelita Almeida e André Batista (ambos in memorian), por sempre terem acreditado em mim. À minha querida família, sintam-se todos abraçados na pessoa de dona Maria do Carmo dos Santos (avó paterna) e Maria Inês Santana Porto (avó materna). Por fim, agradeço a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da concretização desse sonho.
Lista de ilustrações
Figuras
Figura 1: Igreja Presbiteriana do Brasil, em Laranjeiras.
Figura 2: Igreja Presbiteriana do Brasil, em Aracaju.
Figura 3: Igreja Presbiteriana do Brasil, em Aracaju.
Figura 4: Primeira Igreja Batista de Aracaju.
Figura 5: Primeira Igreja Batista de Aracaju.
Figura 6: Assembleia de Deus, em Aracaju.
Figura 7: Assembleia de Deus, em Aracaju.
Figura 8: Assembleia de Deus, em Aracaju.
Figura 9: Assembleia de Deus, em Aracaju.
Figura 10: Pierre Dubose, Gerson Barbosa e Prof. Spach.
Figura 11: Divulgação da cruzada Cristo Esperança Nossa.
Figura 12: Evangelização na cruzada Cristo Esperança Nossa.
Figura 13: Reverendo Antônio Elias Sobrinho.
Figura 14: Cruzada Cristo Esperança Nossa.
Figura 15: Banda Sons de Júbilo.
Figura 16: Cruzada Cristo Esperança Nossa.
Figura 17: Marcha da Família com Deus e pela Liberdade, em Aracaju.
Figura 18: Brasil Presbiteriano – outubro de 1964.
Gráficos
Gráfico 1: Católicos e Evangélicos nas décadas de 1960 e 1970.
Gráfico 2: Taxa de crescimento / Média Anual – 1950 a 1970.
Gráfico 3: Católicos e Evangélicos, em Sergipe, nas décadas de 1960 e 1970.
Gráfico 4: Média de crescimento entre católicos e evangélicos em Sergipe, na década de 1960.
Lista de abreviaturas
ABC: Ação Básica Cristã
ADEP: Ação Democrática Popular
AI: Ato Institucional
ALN: Ação Libertadora Nacional
AP: Ação Popular
APES: Arquivo Público do Estado de Sergipe
BC: Batalhão de Caçadores
CCEN: Cruzada Cristo Esperança Nossa
CEB: Confederação Evangélica do Brasil
CELAM: Conselho Episcopal Latino-Americano
CIA: Central Intelligence Agency
CGT: Confederação Geral dos Trabalhadores
CNBB: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNV: Comissão Nacional da Verdade
CMI: Conselho Mundial de Igrejas
CPE: Comissão Presbiteriana de Evangelização
DOPS: Departamento de Ordem Política e Social
ESG: Escola Superior de Guerra
EUA: Estados Unidos da América
FGV: Fundação Getúlio Vargas
IBAD: Instituto Brasileiro de Ação Democrática
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPB: Igreja Presbiteriana do Brasil
IPES: Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
JUC: Juventude Universitária Católica
MPB: Música Popular Brasileira
OAB: Ordem dos Advogados do Brasil
PIBA: Primeira Igreja Batista de Aracaju
PIBID: Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
PCB: Partido Comunista Brasileiro
PSD: Partido Social Democrático
PT: Partido dos Trabalhadores
Pr: Pastor
PROHIS: Programa de Pós-Graduação em História
PSP: Partido Social Progressista
Rev: Reverendo
SUDENE: Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
STF: Supremo Tribunal Federal
TCC: Trabalho de Conclusão de Curso
TSE: Tribunal Superior Eleitoral
UDN: União Democrática Nacional
UFBA: Universidade Federal da Bahia
UFF: Universidade Federal Fluminense
UFPE: Universidade Federal de Pernambuco
UFS: Universidade Federal de Sergipe
UNE: União Nacional dos Estudantes
USAID: Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
URSS: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Prefácio
Ciladas da memória e a cruzada da história
Lidar com a memória não é uma tarefa fácil. Ao mesmo tempo, é essencial para um historiador. Se por um lado ela nos permite fazer releituras dos vestígios, por outro pode causar perturbações ou amnésia, sobretudo se levarmos em conta as assertivas de Jacques Le Goff em seu livro História e Memória (2003). Essa obra nos servirá, à guisa de reflexão, como um suporte para cumprir uma missão que nos foi designada – prefaciar esta obra incrível –, com muita honra, por um jovem professor, historiador e vereador da cidade sergipana de Maruim.
Tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos e dos indivíduos que dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores destes mecanismos de manipulação da memória coletiva.
O tempo que vivemos é muito oportuno para refletirmos sobre o valor da memória coletiva para uma sociedade. Colocar em questão aspectos da vida social e política de nosso país e tentar desacreditar fatos evidentes de supressão da liberdade brasileira ocorrida em um dado momento de sua história é muito grave e preocupante.
No que diz respeito à presente obra, a narrativa em torno do golpe de 1964 estará no cerne das principais questões apresentadas pelo autor. Compreendê-la e explicá-la a partir das lentes da igreja cristã no Brasil, notadamente dos evangélicos, é ainda mais desafiador, se levarmos em consideração que durante anos restringiu-se a ação católica progressista contra as forças que suprimiram a sociedade brasileira por mais de duas décadas.
Ermerson Porto Santos é egresso da Universidade Federal de Sergipe. Lá, ele cursou, com galhardia, a Licenciatura e o Mestrado em História. Notabilizou-se pelo bom humor e pelos comentários hilários em sala de aula, mas também pela dedicação para com os estudos, apurando, com o tempo, o faro de pesquisador, sob a orientação atenta da Profa. Dra. Célia Costa Cardoso.
Em seu primeiro trabalho, estabelece como meta – e a alcança –, analisar a relação entre o evento religioso Cruzada Cristo Esperança Nossa
e o golpe civil-militar de 1964. Ele mostra como os sujeitos religiosos atuaram no campo político, com suas tensões e acomodações.
Seu objeto de pesquisa é rico, singular e instigante e aponta para perspectivas até então não muito bem trabalhadas, sobretudo no cenário e no tempo que o autor escolheu investigar. Ermerson Porto não fecha a questão. Pelo contrário, abre flancos analíticos e explicativos. Há ainda um destaque para a ideia de apropriação do discurso religioso para justificar ideologicamente elementos do sistema implantado.
Teórica e metodologicamente, o autor usa adequadamente as ferramentas conceituais, presentes em tratados de Pierre Bourdieu e Eric Hobsbawm. Dialoga com a historiografia sergipana com desenvoltura, a exemplo das obras de Ibarê Dantas. De igual modo em relação à historiografia nacional. Apresenta o mesmo esmero para com o trato com as fontes, chamando a atenção para sua variedade, tal como as atas da Igreja Presbiteriana.
Com relação à escrita, nota-se um sujeito bastante articulado com as palavras, leve, solto e preciso, cirúrgico até, sem muitas delongas e enfados discursivos. É um texto realmente histórico em sua concepção e feitura. Do ponto de vista técnico, destaco a riqueza imagética e a organização dos capítulos, deslindando o problema de forma didática.
É importante ressaltar que não se trata de um trabalho confessional, embora seja ele, o autor, evangélico. Assim, mantém o devido distanciamento de seu objeto. Impressiona por sua disciplina e dedicação. Propondo-se, inclusive, a enfrentar uma eleição municipal para a Câmara de Vereadores e vencê-la.
Seu trabalho enriquece a historiografia sergipana e nacional, com uma importante contribuição a um capítulo nebuloso da história do Brasil, que ainda demanda muitas explicações, particularmente na relação com as religiosidades e religiões.
O leitor, certamente, será brindado com uma pesquisa histórica digna de aplausos. Ao debruçar-se sobre as páginas que seguem, estará atento à ideia de que a memória, como nos diz Le Goff, deve servir como alimento para a história, salvando e salvaguardando o passado para servir ao presente, cumprindo uma função libertadora.
Claudefranklin Monteiro Santos
(Historiador, Pós-doutor em Cultura e Sociedade
Professor do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Sergipe e Membro da Academia Sergipana de Letras (AML)).
Apresentação
Ao terminar a leitura desta obra de Ermerson Porto, fui tomado pela memória de Darcy Ribeiro. Em O Povo Brasileiro (2014), o saudoso intelectual-político jogou-se por completo, como despedida de sua vida intensa, conturbada e espantosamente produtiva. Mais que isso: foi sua última declaração de amor ao Brasil. Recorrendo ao prefácio do livro, reli a advertência feita por Darcy: [. . . ], não se iluda comigo, leitor. Além de antropólogo, sou homem de fé e de partido. Faço política e faço ciência, movido por razões éticas e por um profundo patriotismo. Não procure aqui análises isentas. Este é um livro que quer ser participante, que aspira a influir sobre as pessoas, que aspira a ajudar o Brasil a encontrar-se a si mesmo
.
Tal como Darcy, o jovem historiador-intelectual-político Ermerson posiciona-se como ator social imbuído de aspirações e comprometido com suas convicções. No entanto, tal posicionamento não diminui a dimensão científica e epistêmica do trabalho que nos apresenta. Com o objetivo de estudar como ocorreu o golpe – sim, ele nomeia Golpe
– civil-militar de 1964 em Sergipe, sua pesquisa nos mostra as estreitas relações entre movimentos religiosos (mais especificamente a Cruzada Cristo Esperança Nossa) e as ações políticas que culminaram com a deposição de João Goulart e a instalação do regime que perdurou até 1985. Se é verdade que política e religião andam, não raramente, de mãos dadas, também é fato observável que o povo, por sua vez, sempre espera um messias
que possa encaminhá-lo para a salvação.
As reflexões que Ermerson nos traz são espantosamente atuais. Não se trata de um trabalho historiográfico sobre algo que ficou para trás, em um passado remoto. Ao contrário: vivemos recentemente na história brasileira a emergência de movimentos religiosos, aliados a setores militares e ao reacionarismo político, que se valem do discurso da moral, da pátria e dos valores familiares como forma de autolegitimação. Vivemos dias de um perigoso revisionismo histórico que pretende transformar o Golpe de 1964
em Movimento de 1964
e deslocar a designação de governos ditatoriais
para governos autoritários
. Tal fato não reflete meramente um jogo semântico: estão em curso movimentos que, afirmando-se não ideológicos, operam uma profunda ressignificação dos sentidos da realidade e da interpretação do passado. Vivemos, sim, uma guerra ideológica não declarada.
Fruto de uma pesquisa de mestrado, este livro não pretendeu esgotar todos os elementos de compreensão dos desdobramentos religiosos e políticos do fenômeno analisado. É uma obra que se pretende aberta, sujeita a continuidades analíticas que possam ressignificar as experiências pretéritas, sobretudo valendo-se dos recursos possibilitados pela História Oral. É bom que assim o seja, já que a História está em constante trabalho de elaboração e interpretação. Mas, não nos enganemos: não há interpretação histórica ou social isenta de viés ideológico. A negação da ideologia é, por si mesma, uma manifestação ideológica.
Por fim, se iniciei esta apresentação remetendo-me à memória de Darcy Ribeiro, termino-a evocando os dizeres do grande historiador inglês Eric Hobsbawm que em sua obra, A Era dos Extremos (O Breve Século XX), assim se referiu à nossa relação com o passado e ao trabalho do historiador: "A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas – é um dos fenômenos mais lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes do que nunca no fim do segundo milênio".
Desejo que o presente trabalho do jovem historiador Ermerson Porto abra terreno a outras fecundas e