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Ambiente de trabalho: A luta dos trabalhadores pela saúde
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Ambiente de trabalho: A luta dos trabalhadores pela saúde

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A publicação desta segunda edição do livro-cartilha do italiano Ivar Odone vem à luz 34 anos após seu lançamento no Brasil e constitui-se numa iniciativa oportuna e necessária nesse momento em que uma nova reestruturação produtiva vem acompanhada de novas, rápidas e grandes mudanças nas maneiras de se comunicar e trabalhar, de pensar e sentir; enfim, de viver em sociedade. A presente edição foi ampliada com grande competência por um cortejo de textos de autores brasileiros que expõem e analisam a (re)apropriação dos preceitos, postulados e instrumentos de intervenção elaborados nesse livro-cartilha. Avaliam, ademais, seus usos em experiências concretas e as contingências e oportunidades de uso na realidade brasileira dessa proposta pensada para a Itália dos anos sessenta do século XX. A leitura desse livro torna-se obrigatória para todos os técnicos, pesquisadores, educadores e trabalhadores, em geral, interessados nas questões que se referem à Saúde dos Trabalhadores e Trabalhadoras em suas dimensões coletivas e singulares. Nesse sentido, uma leitura atenta percebe sinalizações da necessidade de aprofundar o entendimento de um conjunto de elementos articulados no plano das ciências, das técnicas e humanidades, que atuam na determinação dos processos de saúde e doença que atingem a classe trabalhadora. Essa é uma dimensão sempre presente na leitura e uso da proposta do texto.
Ana Maria Testa Tambellini 
LanguagePortuguês
PublisherHucitec
Release dateSep 3, 2021
ISBN9786586039818
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    Book preview

    Ambiente de trabalho - Alessandra Re

    Saúde em Debate 8

    direção de

    Gastão Wagner de Sousa Campos

    José Ruben de Alcântara Bonfim

    Maria Cecília de Souza Minayo

    Marco Akerman

    Yara Maria de Carvalho

    ex-diretores

    David Capistrano Filho

    Emerson Elias Merhy

    Marcos Drumond Júnior

    É por certo a saúde coisa mui preciosa, a única merecedora de todas as nossas atenções e cuidados e de que a ela se sacrifiquem não somente todos os bens mas a própria vida, porquanto na sua ausência a existência se nos torna pesada e porque sem ela o prazer, a sabedoria, a ciência, e até a virtude se turvam e se esvaem.

    — Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592).

    Ensaios. Da semelhança dos pais com os filhos .

    Trad. Sérgio Milliet

    Saúde em Debate

    TÍTULOS PUBLICADOS APÓS DEZEMBRO DE 2015

    O CAPSI e o desafio da Gestão em Rede, Edith Lauridsen-Ribeiro & Cristiana Beatrice Lykouropoulos (orgs.)

    Rede de pesquisa em Manguinhos: sociedade, gestores e pesquisadores em conexão com o SUS, Isabela Soares Santos & Roberta Argento Goldstein (orgs.)

    Saúde e Atenção Psicossocial nas Prisões: um olhar sobre os Sistema Prisional Brasileiro com base em um estudo em Santa Catarina, Walter Ferreira de Oliveira & Fernando Balvedi Damas

    Reconhecer o Patrimônio da Reforma Rsiquiátrica: o que queremos reformar hoje? I Mostra de Práticas em Saúde Mental, Gastão Wagner de Sousa Campos & Juliana Azevedo Fernandes (orgs.)

    Envelhecimento: um Olhar Interdisciplinar, Lina Faria, Luciana Karen Calábria & Waneska Alexandra Alves (orgs.) Caminhos da Vigilância Sanitária Brasileira: Proteger, Viagiar, Regular, Ana Figueiredo

    Formação e Educação Permanente em Saúde: Processos e Produtos no Âmbito do Mestrado Profissional, Mônica Villela Gouvêa, Ândrea Carsoso de Souza, Gisella de Carvalho Queluci, Cláudia Mara de Melo Tavares (orgs.)

    Políticas, Tecnologias e Práticas em Promoção da Saúde, Glória Lúcia Alves Figueiredo & Carlos Henrique Gomes Martins (orgs.) Políticas e Riscos Sociais no Brasil e na Europa: Convergências e Divergências, Isabela Soares Santos & Paulo Henrique de Almeida Rodrigues (orgs.)

    Saúde, Sociedade e História, Ricaro Bruno Mendes-Gonçalves, José Ricardo Ayres & Liliana Santos (orgs.)

    Caminhos do aprendizado na Extensão Universitária: educação popular e a pedagogia da participação estudantil na experiência da articulação nacional de extensão popular (Anepop), Pedro José Santos Carneiro Cruz & Eymard Mourão Vasconcelos Políticas e Riscos Sociais no Brasil e na Europa: Convergências e Divergências, Isabela Soares Santos & Paulo Henrique de Almeida Rodrigues (orgs.)

    Investigação sobre Cogestão, Apoio Institucional e Apoio Matricial no SUS, Gastão Wagner de Sousa Campos, Juliana Azevedo Fernandes,

    Cristiane Pereira de Castro & Tatiana de Vasconcellos Anéas (orgs.)

    O Apoio Paideia e Suas Rodas: Reflexões sobre Práticas em Saúde, Gastão Wagner de Sousa Campos, Mariana Dorsa Figueiredo &

    Mônica Martins de Oliveira (orgs.)

    Trabalhar no SUS: gestão do trabalho, repercussões psicossociais e política de proteção à saúde, Francisco Antonio de Castro Lacaz, Patrícia Martins Goulart, Virginia Junqueira

    Práticas e Saberes no Hospital Contemporâneo: o Novo Normal, Daniel Gomes Monteiro Beltrammi & Viviane Moreira de Camargo (orgs.)

    Corpo e pensamento: espaços e tempos de afirmação da vida na sua potência criadora, Valéria do Carmos Ramos, Maximus Taveira Santiago & Paula Cristina Pereira (orgs.)

    História da Saúde no Brasil, Luiz Antonio Teixeira, Tânia Salgado Pimenta & Gilberto Hochman (orgs.)

    Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes: Interpretações Plurais e Modos de Enfrentamento, Suely Ferreira Deslandes & Patrícia Constantino (orgs.)

    Educação Popular em Saúde: Desafios Atuais, Pedro José Santos Carneiro Cruz (org.)

    Educação Popular no Sistema Único de Saúde, Bruno Oliveira de Botelho, Eymard Mourão Vasconcelos, Daniela Gomes de Brito Carneiro,

    Ernande Valentin do Prado & Pedro José Santos Carneiro Cruz (orgs.)

    Formação e Educação Permanente em Saúde: Processos e Produtos no Âmbito do Mestrado Profissional, volume 2, Lucia Cardoso Mourão, Ana Clementina Vieira de Almeida, Marcos Paulo Fonseca Corvino, Elaine Antunes Cortez & Rose Mary Costa Rosa Andrade Silva (orgs.)

    História, Saúde Coletiva e Medicina: Questões Teórico-Metodológicas, André Mota e Maria Cristina da Costa Marques (orgs.)

    O médico Alienado: Reflexões Sobre a Alienação do Trabalho na Atenção Primária à Saúde, Lilian Terra

    Estudos sobre teoria social e saúde pública no Brasil, Aurea Maria Zöllner Ianni

    O Apoio Institucional no SUS: os Dilemas da Integração interfederativa e da cogestão, Nilton Pereira Júnior Estado e Sujeito: a Saúde entre a Micro e a Macropolítica. . . de Drogas, Tadeu de Paula Souza

    Organizações Sociais: Agenda Política e os Custos para o Setor Público da Saúde, Francis Sodré, Elda Coelho de Azevedo Bussinger & Ligia Bahia (orgs.)

    Privados de la Salud: las Políticas de Privatización de los Sistemas de Salud en Argentina, Brasil, Chile y Colombia, María José Luzuriaga Dicionário de Empresas, Grupos Econômicos e Financeirização na Saúde, Júlio César França Lima (org.)

    Vulnerabilidades e saúde: grupos em cena por visibilidade no espaço urbano, Glória Lúcia Alves Figueiredo, Carlos Henrique Gomes Martins & Marco Akerman (orgs.)

    Escola para todos e as pessoas com deficiência: contribuições da terapia ocupacional, Eucenir Fredini Rocha, Maria Inês Britto Brunello & Camila Cristina Bortolozzo Ximenes de Souza (orgs.)

    A Ampliação do Processo de Privatização da Saúde Pública no Brasil, Jilia Amorim Santos

    Escola para todos e as pessoas com deficiência: contribuições da terapia ocupacional, Eucenir Fredini Rocha, Maria Inês Brito Brunello, Camila Cristina Bortolozzo Ximenes de Souza

    Bases Teóricas dos Processos de Medicalização: um olhar sobre as forças motrizes, Paulo Frazão e Marcia Michie Minakawa Corpo com deficiência em busca de reabilitação? A ótica das pessoas com deficiência física, Eucenir Fredini Rocha

    Crianças e adolescentes com doenças raras: narrativas e trajetórias de cuidado, Martha Cristina Nunes Moreira, Marcos Antonio Ferreira do Nascimento, Daniel de Souza Campos & Lidiane Vianna Albernaz (orgs.)

    Bases da toxicologia ambiental e clínica para atenção à saúde: exposição e intoxicação por agrotóxicos, Herling GregorioAguilar Alonzo & Aline de Oliveira Costa

    Pesquisar com os pés: deslocamentos no cuidado e na saúde, Rosilda Mendes, Adriana Barin de Azevedo & Maria Fernanda Petroli Frutuoso (orgs.)

    Percepções amorosas sobre o cuidado em saúde: estórias da rua Balsa das 10, Julio Alberto Wong Un, Maria Amélia Medeiros Mano, Eymard Mourão Vasconcelos, Ernande Valentin do Prado & Mayara Floss

    Atividades humanas e Terapia Ocupacional: saber-fazer, cultura, política e outras resistências, Carla Regina Silva (org.)

    A experiência do PET-UFF: composições de formação na cidade, Ana Lúcia Abrahão & Ândrea Cardoso Souza (orgs.)

    Olhares para a saúde de mulheres e crianças: reflexões na perspectiva das boas práticas de cuidado e de gestão, Maria Auxiliadora Mendes Gomes, Cynthia Magluta & Andreza Rodrigues Nakano (orgs.)

    Técnicas que fazem olhar e da empatia pesquisa qualitativa em ação, Maria Cecília de Souza Minayo & António Pedro Costa Tempos cruzados: a saúde coletiva no estado de São Paulo 1920-1980, André Mota Unidade Básica: a saúde pública brasileira na TV, Helena Lemos Petta

    AS DEMAIS OBRAS DA COLEÇÃO SAÚDE EM DEBATE ACHAM-SE NO FINAL DO LIVRO.

    Reprodução da capa original da edição italiana de 1977.

    © Direitos autorais, 2019, da

    Edritice Sindicale Italiana

    Corso d’Italia, 25, 00198, Roma, Itália.

    © desta edição, de Hucitec Editora Ltda.

    Direitos de publicação reservados por

    Hucitec Editora Ltda.,

    Rua Dona Inácia Uchoa, 209

    04110-020 São Paulo, SP.

    Telefone (55 11 3892-7772)

    www.huciteceditora.com.br

    lerereler@huciteceditora.com.br

    Depósito Legal efetuado.

    Diretoria editorial

    Mariana nada

    Produção editorial

    Kátia reis

    Assessoria editorial

    Mariana bizarro terra

    Circulação

    comercial@huciteceditora.com.br

    Telefone (55 11 3892-7776)

    Capa

    Yvonne saruê

    Tradução

    Salvador obiol de freitas

    Revisão

    Hélio baís martins filho

    Mario gawrtszewski

    Conversão para eBook

    Scalt soluções editoriais

    Conselho editorial da Segunda Edição Revista e Ampliada Brasileira:

    Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/Ensp/Fiocruz)

    Katia Reis de Souza, Renato Bonfatti, Letícia Pessoa Masson, Gideon Borges dos Santos

    CIP-Brasil. Catalogação na Publicação

    Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    A528


    2 ed.

    Ambiente de trabalho : a luta dos trabalhadores pela saúde / organização Ivar Oddone . . . [et al.] ; [tradução Salvador Obiol de Freitas] - 2. ed. rev. ampl. - São Paulo : Hucitec, 2020.

    Saúde em debate ; 8)

    Tradução de: Ambiente di lavoro

    Inclui índice

    ISBN 978-65-86039-81-8 e-book

    1. Ambiente de trabalho. 2. Doenças profissionais. 3. Acidentes de trabalho. I. Oddone, Ivar. II. Freitas, Salvador Obiol de. III. Série.

    20-63468

    CDD: 363.11

    CDU: 331.4


    Meri Gleice Rodrigues de Souza – Bibliotecária CRB-7/6439

    SUMÁRIO

    Apresentação da segunda edição brasileira e agradecimentos

    Katia Reis de Souza, Renato Bonfatti, Letícia Pessoa Masson, Gideon Borges dos Santos & Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos

    Prefácio da segunda edição brasileira

    Alessandra Re & Marianne Lacomblez

    Apresentação

    David Capistrano

    Nota da edição brasileira de 1986

    Helio Baís Martins Filho & Mario Gawryszewski

    Prefácio da edição italiana de 1977

    1. O ambiente de trabalho, o manual sobre ambiente FLM de 1971

    1.1. Prefácio

    1.2. A análise do ambiente

    1.3. As causas da nocividade ambiental e seus efeitos sobre a saúde

    1.4. Como controlar a nocividade ambiental

    1.5. Modelo de ação sindical sobre dois riscos específicos: sílica e benzeno

    1.6. A iniciativa sindical

    2. Pressupostos e significados do manual O Ambiente de Trabalho

    2.1. A experiência na Farmitalia

    2.2. A experiência na Fiat Mirafiori

    2.3. O porquê do Manual

    3. Conquistas para a modificação do ambiente de trabalho

    3.1. Marginalidade ou centralidade da fábrica?

    3.2. Novos instrumentos sindicais sobre o ambiente de trabalho

    3.3. Mudanças na medicina do trabalho

    3.4. O uso diferente do Direito

    3.5. Iniciativas das Entidades locais sobre o ambiente de trabalho

    3.6. Formação sindical: potencialidade e perspectivas

    4. A mudança na fábrica e nos homens dentro da fábrica

    4.1. Como avaliar a mudança

    4.2. Uma proposta para avaliar a mudança

    4.3. A consciência da mudança

    5. Luta contra a nocividade e reforma sanitária: uma proposta

    5.1. Dez anos depois: análise crítica do manual FLM sobre O Ambiente de Trabalho

    5.2. O processo de difusão do modelo sindical

    5.3. Analogia fábrica-território

    ANEXO

    EXPERIÊNCIAS E REFLEXÕES BRASILEIRAS INSPIRADAS

    PELO MODELO OPERÁRIO ITALIANO (MOI)

    TEXTO 1

    Comunidade Ampliada de Pesquisa <->Intervenção – Capi: história do dispositivo e novas pistas

    Jussara Brito & Milton Athayde

    TEXTO 2

    Encontros sobre o trabalho: ferramenta para a ação transformadora na luta pela saúde

    Letícia Pessoa Masson, Bernardo Suprani, Mary Yale Neves & Hélder Pordeus Muniz

    TEXTO 3

    Dos mapas de risco do MOI às cartografias comunitárias: um dispositivo para emergência de novos saberes

    Simone Santos Oliveira & Sergio Portella

    TEXTO 4

    Comunidade Ampliada de Pesquisa-Ação do Laboratório Territorial de Manguinhos: um caminho de interação com o território

    Fatima Pivetta, Marcelo Firpo Porto & Marize Bastos da Cunha

    TEXTO 5

    Crítica à abordagem toxicológica nas avaliações de exposições de trabalhadores a substâncias químicas a partir da perspectiva do Modelo Operário Italiano (MOI)

    Ariane Leites Larentis, Leandro Vargas Barreto de Carvalho, Eline Simões Gonçalves & Isabele Campos Costa-Amaral

    TEXTO 6

    Movimento operário na luta pela saúde no Brasil: o atrelamento sindical ao Estado em questão

    José Augusto Pina, Leonardo Dresch Eberhardt, Eduardo Navarro Stotz, Bruno Souza Bechara Maxta, Thais Vieira Esteves & Elaine Cristina Vieira de Magalhães

    TEXTO 7

    O contexto brasileiro e o Modelo Operário Italiano

    Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos & Renato José Bonfatti

    TEXTO 8

    O Modelo Operário Italiano e Gramsci: a pedagogia da luta dos trabalhadores pela saúde

    Katia Reis de Souza, Maria Blandina Marques dos Santos, Regina Helena Simões Barbosa, Gideon Borges dos Santos & André Luis de Oliveira Mendonça

    Posfácio

    Yves Schwartz

    Sobre os autores do Anexo

    In memoriam de Flávio George Aderaldo

    APRESENTAÇÃO DA SEGUNDA EDIÇÃO BRASILEIRA E AGRADECIMENTOS

    Katia Reis de Souza

    Renato Bonfatti

    Letícia Pessoa Masson

    Gideon Borges dos Santos

    Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos

    Nada melhor do que celebrar a reedição da obra que simboliza o ascenso do campo da Saúde do Trabalhador no Brasil, tendo ao lado um de seus mentores, Ivar Oddone. A rigor, Oddone, mesmo não estando mais presente, presente aqui está. Ladeado por seus companheiros e suas companheiras de reflexão e registros da aventura emancipatória italiana e pelos milhares de companheiros e camaradas operários italianos que inventaram a possibilidade de ruptura da opressão no trabalho, aqui está a celebrar. Aqui estão todos. Talvez surpreso, por ter agora, em 2020, duplo 20, militantes encharcados de saúde do trabalhador — pesquisadores, professores, estudantes, operários do conhecimento e, enfim, novos companheiros e camaradas brasileiros — ao seu lado e ao lado dos seus. Na cultura maia, o sistema numérico se estendia só até o número 20, pois até 20 eram os dedos das mãos e dos pés que se podiam contar.

    Em plena conjuntura adversa de desconstrução de direitos dos trabalhadores no mundo e, principalmente, no Brasil, celebramos com Oddone o ano 2020, em que seu livro e dos seus é reeditado no Brasil, acrescido de algumas contribuições. Cada um dos que participam desse júbilo traz em si o dobro de dedos (20+20) — 20 dedos nas mãos para mostrar que elas têm o dobro da força para lutar e resistir e 20 dedos nos pés para que as caminhadas por justiça sejam dobradas.

    Vale lembrar que quando este livro foi publicado pela primeira vez no Brasil, no ano de 1986, vivia-se o recrudescimento da democracia no país e a luta pela conquista da liberdade política. A recepção do ideário filosófico existente na obra encontrou base política e organizativa no âmbito dos movimentos sociais de trabalhadores, principalmente nos sindicatos operários. E, de fato, podemos nos orgulhar de uma longa história nacional de militância e resistência política procedentes de sindicatos e partidos socialistas e trabalhistas, assim como de diferentes coletivos autônomos de trabalhadores de ideologia de esquerda, que propiciou o ambiente favorável ao enraizamento e crescimento dessa tradição em solo nacional.

    No plano internacional, organizações de trabalhadores investiam esforços na realização da utopia socialista pautada nos princípios de justiça política e igualdade econômica e social. O muro de Berlim ainda não havia caído e tampouco a União Soviética tinha entrado em colapso como potência internacional.

    Por sua vez, na América latina existia um clima de esperança por mudanças em um período pós-ditadura militar. O retorno dos exilados ao Brasil foi um fato da maior importância, com a reconquista da esfera pública e a volta do livre pensamento crítico, tal qual Paulo Freire pôde nos proporcionar com a afirmação de que os oprimidos e explorados podem ser protagonistas de transformações sociais. Naquele momento, não havia redes sociais virtuais ou mesmo e-books. Os livros existiam apenas em formato físico e material, preservando a relação amorosa entre o leitor e seu objeto de desejo, razão pela qual o grupo de editores da nova edição empenhou-se por priorizar e garantir a reedição nesse formato.

    Sem dúvida, o livro Ambiente de trabalho: a luta dos trabalhadores pela saúde ou, simplesmente MOI — Modelo Operário Italiano — modo como ficou conhecido no Brasil, aproximou-nos de uma experiência que concilia teoria e prática; objetividade e subjetividade e suscita a partilha de saberes entre intelectuais, trabalhadores e estudantes, integrando as esferas da ciência e do trabalho, apontando também para a incorporação da discussão sobre território e meios de vida, de forma mais ampla. Com o objetivo de contribuir para a contiguidade e renovação da tradição de pensamento e modelo de intervenção e transformação da realidade, da qual Odonne tornou-se expoente, decidiu-se fazer esta reedição com a inclusão de oito novos capítulos. A ideia era que os textos encomendados relatassem experiências e reflexões inspiradas pelo MOI, bem como levantassem questões relacionadas ao nosso tempo e à realidade brasileira.

    Não é à toa que o MOI, desde a sua primeira edição brasileira, em um contexto de efervescência da história da saúde coletiva e dos movimentos operários libertários, lançou a base principal para se construir o que se convencionou chamar de Saúde do Trabalhador. Assim, não se constitui exagero afirmar que militantes, pesquisadores e técnicos pertencentes ao campo se referem a essa obra, em tom espirituoso e resoluto, como sendo a nossa Bíblia, isto é, o primeiro dos livros ou a escritura original que inspirou e inspira, até hoje, ações e intervenções sobre as relações entre trabalho e saúde, de uma perspectiva coletiva. Sem dúvida, de lá pra cá avançamos para o que podemos denominar de legado da saúde do trabalhador no Brasil que se constitui, em linhas gerais, por três eixos estruturantes principais, a saber:

    :: Estrutura programática na rede pública: Rede Nacional de Saúde do Trabalhador – Renast; Programas de Saúde do Trabalhador – PSTs; Centros Regionais de Saúde do Trabalhador – Cerests; órgãos de controle e participação social, como as Comissões Intersetoriais da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora – CISTTs;

    :: Redes de instituições técnicas e acadêmicas, compostas por: programas de Pós-Graduação; cursos de Especialização e importantes centros de Pesquisa, como o Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana – Cesteh, e a hoje ameaçada Fundação Jorge Duprat e Figueiredo – Fundacentro;

    :: Movimentos sociais e de Federações e Sindicatos de trabalhadores, bem como estruturas voltadas especificamente a ações de Saúde do Trabalhador, como o Diesat – Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e Ambiente de Trabalho.

    Embora consigamos enxergar diversos limites no uso e apropriação de conceitos e ferramentas do MOI em nossa realidade, podemos destacar do seu capital simbólico e social alguns princípios e expressões que diferenciam a Saúde do Trabalhador de outras áreas, como a Saúde Ocupacional e a Medicina do Trabalho. São eles: Não-delegação; Saúde não se vende, se defende; enraizamento sindical nos locais de trabalho; democracia; elaboração de mapas de riscos com a participação dos trabalhadores; integração entre o ambiente interno de trabalho (o chão de fábrica) e o território externo, do seu entorno, para fortalecimento de uma consciência ecológica; e a formação de trabalhadores para contestação crítica da nocividade de seus postos de trabalho de modo que o ponto de vista de quem trabalha tenha protagonismo na reformulação das suas condições de trabalho.

    Nessa linha de interpretação, importa destacar uma palavra-chave frequente no livro que resume muito bem, do ponto de vista concreto e simbólico, o valor do seu patrimônio teórico e metodológico. Trata-se da experiência, a criação de um sentido, ao mesmo tempo, histórico, existencial e epistemológico, que, ao lado de outras palavras, tais como diálogo, coletivos, socialização, entre outras, configuram um repertório potencialmente pedagógico do campo da saúde do trabalhador em defesa da vida.

    E, no que pese os esforços dos movimentos populares no presente, verifica-se retrocessos sociais e políticos sem precedentes na história da democracia do mundo ocidental, como a chegada ao poder de governos de extrema direita e o crescimento de grupos neofacistas no mundo. Também por isso defende-se a atualidade do MOI, considerando seu caráter emancipatório e sua vocação para multiplicar atores, autores e ampliar cenários de lutas sob o protagonismo dos próprios trabalhadores. Então, vida longa à tradição operária internacional e todo seu espírito revolucionário de produção de conhecimento alinhado com a ação e a transformação social.

    Por fim, cabem agradecimentos especiais. O primeiro direciona-se às autoras do prefácio desta edição: Alessandra Re (Universidade de Torino, Itália) — uma das escritoras da versão original e viúva de Ivar Oddone — e Marianne Lacomblez (Universidade do Porto, Portugal), que foram incansáveis na colaboração e no diálogo com o grupo no Brasil, fazendo uma leitura cuidadosa dos nossos textos e trazendo importantes contribuições.

    Agradecemos a Yves Schwartz (Aix-Marseille Université, França) pela parceria e generosidade em aceitar o convite para escrever o posfácio do livro. Agradecemos também o trabalho das tradutoras do prefácio (Leslie Ligas) e do posfácio (Aline Dyna) e de seus revisores técnicos (Marianne Lacomblez, Denise Alvarez, Hélder Pordeus Muniz e Ana Luiza Corrêa Telles), indispensáveis para tornar a compreensão destes textos mais fluida e proveitosa na língua portuguesa. Saudamos, ainda, a Hucitec Editora — principalmente a Mariana Nada, sua editora executiva — por acreditar no projeto e participar ativamente, incentivando o processo de realização de oficinas e reuniões que culminou na reedição do livro. Somos muito gratos e gratas a todos e todas.

    Assim, convidamos leitores e leitoras a entender melhor esse patrimônio por meio de uma leitura atenta e cuidadosa do livro em sua totalidade, pois sem dúvida trata-se de uma obra clássica e histórica da saúde coletiva, que sempre nos possibilita aprender e apreender novas questões. Que nos perdoem os maias e que Oddone e seus e suas camaradas nos acompanhem nessa aventura emancipatória brasileira!

    PREFÁCIO DA SEGUNDA EDIÇÃO BRASILEIRA

    Alessandra Re *

    Marianne Lacomblez

    Nos anos 70 na Itália e dez anos mais tarde no Brasil, o livro O ambiente de trabalho ¹ expressava e relançava uma demanda de defesa da saúde no trabalho e de desenvolvimento social que se acumulara nas fábricas, nas fazendas e na sociedade. Uma demanda que nos instrumentos sindicais e científicos tradicionais, até àquele momento, não tinha encontrado um suporte capaz de ativar toda a amplitude e a força que continha.

    Na Itália, em meados da década anterior, e durante alguns anos, um grupo de delegados operários e um pequeno grupo de especialistas em saúde liderados por Ivar Oddone reuniram-se, no quadro da 5.a Lega Mirafiori (unidade sindical territorial da FIAT, em Turim), com o objetivo de encontrar maneiras novas e mais eficazes de negociar com a empresa os problemas da nocividade do trabalho. Para se prepararem para tal barganha, trabalhadores e especialistas em saúde simularam a negociação com a empresa, uma negociação na qual os delegados argumentariam a existência da nocividade e os representantes da empresa, com o apoio do médico da fábrica, a negariam com base em dados científicos. Ao simular esta negociação com os delegados, os médicos passaram a questionar cada vez mais a capacidade do seu conhecimento científico para apreender a realidade do trabalho na fábrica.

    No final dos anos sessenta, grupos de trabalhadores me submeteram um problema que não conseguia resolver. Pediam informações sobre os riscos que as suas condições de trabalho poderiam representar para a sua saúde.

    Ora, para mudar, é preciso conhecer: eu tinha conhecimentos médicos, mas a medicina tinha ficado afastada do trabalho concreto, porque não o conhecia. Ela não possuía a linguagem.

    Para os trabalhadores, o problema configurava-se de modo diferente. Era a realidade produtiva, com os seus riscos reais, que definia a sua atitude. O primeiro problema era assim um problema de comunicação.²

    Passados cinco anos, ocorreu a virada decisiva: em colaboração com a CGIL nacional e, em particular, com Gastone Marri, então diretor do Centro de Pesquisa e Documentação de Riscos e Doenças Profissionais (CRD) da Federação Unitária CGIL-CISL-UIL, Ivar Oddone organiza e publica O ambiente de trabalho. Este livro, que na Itália ficou conhecido, desde o início, pela denominação de Dispensa, oferece uma leitura da nocividade que já não é baseada nas características técnicas dos fatores de risco, mas nos seus efeitos sobre os seres humanos. E propõe igualmente ferramentas de investigação acessíveis a todos, permitindo assim uma ação direta dos trabalhadores para controlar a nocividade no local de trabalho.

    Essa nova chave de leitura faz emergir a experiência que os trabalhadores haviam acumulado em grandes unidades fabris sobre os efeitos dos processos de produção em termos de danos à saúde; permite comparar a nocividade presente em processos e postos de trabalho distribuídos em todo o território nacional; e ativa as realidades periféricas, que se alimentam das experiências já desenvolvidas em outros lugares. Essa nova leitura também se espalha com força inesperada no conhecimento médico, estimulando uma reformulação da abordagem tradicional da nocividade do trabalho.

    Basta ver os milhares de acordos de empresa assinados durante esses anos, e a mudança paralela nos títulos e conteúdos das conferências nacionais de medicina do trabalho, para entender como tanto o sindicato como a medicina do trabalho são transformados por esta experiência. O resultado traduziu-se no melhoramento de milhares de situações de trabalho na Itália.

    Um processo semelhante se iniciou no Brasil naqueles anos. O primeiro contato entre as duas realidades ocorreu em Roma, em 1979. A experiência italiana oferecia ferramentas já consolidadas, a experiência brasileira abria uma dimensão internacional e um novo desafio. Como aconteceu na Itália, no Brasil, nos anos seguintes, o projeto, e as ações coletivas que o sustentaram, deram origem a resultados que acabarão por ter um estatuto institucional e legislativo. Nos dois países, por exemplo, conseguiu-se a criação de um sistema de saúde inclusivo, universal e igualitário, e a inserção nesse sistema da defesa da saúde dos trabalhadores.

    Contudo, na década de 1980, na Itália, a própria força desse projeto, que alcançara a hegemonia no sentido gramsciano, teria determinado o que o sociólogo Luciano Gallino chamou de a luta de classes após a luta de classes: A partir dos anos 1980, a luta liderada de baixo para melhorar o seu próprio destino, teria dado lugar a uma luta liderada de cima para recuperar os privilégios, os lucros e sobretudo o poder erodido em certa medida no decurso dos trinta anos anteriores.³

    Os setores da indústria estatal e das telecomunicações foram submetidos a privatizações e a globalização começará a disponibilizar uma mão de obra ilimitada. Essa internacionalização capitalista mudou decisivamente as relações de poder, os recursos financeiros, as leis trabalhistas e os direitos sociais do trabalho em favor do capital, e desencadeou na Itália um processo irreversível de perda da memória histórica, da competência produtiva, da confiança e do sentimento de pertencimento a uma classe.

    Nesse contexto, a reedição de O ambiente de trabalho no Brasil é particularmente importante, porque nos diz que essa memória histórica mantém sua capacidade de ativar o presente.

    A experiência da V Liga Mirafiori, dos delegados, de Ivar Oddone e de Gastone Marri na Itália, do Conselho Estadual de Saúde do Trabalhador/RJ (Consest) e de David Capistrano e de muitos outros no Brasil, bem como, na França, a atividade da Union Mutualiste des Travailleurs des Bouches du Rhône, uma associação de mútuo socorro que, a partir dos anos 80, assumiu e desenvolveu o Modelo Operário Italiano (MOI) para a prevenção de que as organizações que se dedicam à defesa riscos do trabalho sobre uma base territorial⁴ são exemplos que nos dizem da saúde no trabalho são ferramentas fundamentais da ação. Mas nos ensinam também que os resultados obtidos foram, antes de tudo, o fruto do trabalho de homens singulares, intérpretes de uma demanda que se formou na sociedade e que a transformaram em um projeto coletivo e em uma visão social. Homens concretos, capazes de questionar e de se questionarem, o que permitiu que outros homens agissem e compartilhassem o modelo de sociedade que lhes fora proposto.

    O mesmo se passa hoje, dado que são homens e mulheres que, ao adaptar o MOI aos novos contextos, ativam pequenas ou grandes releituras. Parece-nos, portanto, importante precisar aqui os pontos que caracterizam a identidade do modelo.

    O primeiro ponto é o que diz respeito ao conceito de experiência. A experiência que é valorizada no MOI não é a experiência de todos. No mesmo local de trabalho, as pessoas a constroem de modo diverso: algumas podem centrar-se na sua carreira pessoal, outras podem acumular uma experiência vivida de sofrimento e estresse. A experiência que é coletada e elaborada no MOI é a de quem, ativando-se num trabalho adicional, muitas vezes invisível e gratuito, tenta todos os dias mudar o sistema em que trabalha ou vive, com vista à defesa da sua saúde e da das outras pessoas.

    Estes são os peritos brutos (esperti grezzi) referidos no MOI. Peritos, porque todos os dias interrogam o sistema e o comparam com a qualidade de vida, de trabalho, de assistência e de educação que esse mesmo sistema deveria garantir. E todos os dias agem para atingir esse resultado. Brutos (grezzi), porque sua experiência nos processos de trabalho resulta só da ação, ainda não elaborada e apenas parcialmente consciente, traduzindo-se sobretudo em ações corretivas, e menos em ações de reconcepção do sistema.

    O segundo ponto diz respeito ao processo pelo qual a experiência é coletada, processada e traduzida em mudança. Assim como experiência não significa estar lá, recolhê-la não significa pedir opiniões e muito menos pedir soluções.

    Como a experiência está na ação, ela é implementada mais do que conceitualizada, recolhê-la significa, antes de tudo, realizar uma análise das atividades de trabalho com base num objetivo validado com os trabalhadores. Pode ser uma análise dos riscos de exposição, ou uma análise centrada no estresse, ou mesmo nos riscos inerentes à vida em áreas extremamente pobres, onde outros riscos são adicionados aos riscos ocupacionais, cruzando-se eventualmente com as questões de gênero, ou ainda com as fragilidades relacionadas com a idade, como nos casos de crianças e idosos.

    Se a participação se desenvolve num quadro de espontaneidade, os trabalhadores tentam transmitir o que já sabem, talvez reformulando tal conhecimento numa linguagem que acham que pode corresponder melhor à linguagem do especialista-pesquisador.

    Para garantir que a análise do trabalho se desenvolva sem que haja qualquer contaminação entre os diferentes registros linguísticos, no âmbito do MOI foi desenvolvida e aplicada a técnica de Instruções ao sósia.⁵A técnica consiste em pedir ao trabalhador que forneça ao pesquisador as instruções necessárias para substituí-lo no trabalho, de modo que ninguém note a substituição. O resultado é uma espécie de observação indireta na qual a atividade laboral é reconstruída, mesmo em aspectos que podem parecer menos relevantes, como se fossem observados do ponto de vista do trabalhador.

    É somente quando o pesquisador coleta essa experiência através da análise das atividades, e a reformula através de categorias que encerram todo o potencial de mudança, que algo muda. Podemos entender melhor esse salto se relembrarmos o que aconteceu com o grupo de delegados da Fiat Mirafiori. A sua experiência, consolidada ao longo de anos de trabalho sindical na fábrica, sempre foi aplicada pontualmente no âmbito das negociações laborais. Mas foram as novas ferramentas cognitivas, desenvolvidas e fornecidas pelos especialistas em saúde, que ativaram todo o potencial de mudança a favor do homem e da produtividade que essa experiência continha. Foi o seu conhecimento médico que convenceu Ivar Oddone de que, para explorar completamente essa experiência do trabalhador, não poderia prescindir de uma classificação dos fatores de risco acessível a todos (daí os quatro grupos de fatores da Dispensa) e de uma organização epidemiológica concreta dos dados (integrando os registros de dados ambientais e de dados bioestatísticos).

    O retorno dos resultados da análise do trabalho aos grupos que correm os mesmos riscos e têm os mesmos interesses, permite a desindividualização da experiência, quando os problemas que cada um apresenta não são mais interpretados em termos de fragilidade individual, mas passam a ser inseridos numa reflexão direcionada para um projeto de ação coletiva.

    Ao se compararem entre eles, os grupos, homogêneos do ponto de vista do risco, se reconhecem como tal, portadores de interesses e de uma experiência organizacional que deve ser comparada à de outros grupos.

    Dessa forma, entende-se que um grupo homogêneo evolui necessariamente nessa homogeneidade. Procurando soluções, amplia a sua análise na comparação com outros grupos e observa que as soluções de uns podem criar dificuldades para outros. De fato, cada mudança se insere num sistema sócio-organizacional mais vasto, que reage às soluções propostas.

    Através da experiência da diversidade e das negociações, soluções mais integradas vão então ser progressivamente elaboradas, apoiando-se nos conhecimentos dos especialistas que, por sua vez, irão ancorar a sua contribuição naquilo que emerge deste processo, que foi descoberto em conjunto, e que ninguém antes sabia.

    Nessa passagem difícil, cheia de tensão entre os grupos e com os especialistas em saúde, a experiência dos trabalhadores adquire a força psicológica necessária para ativar a não-delegação. Após essa etapa fundamental, a questão do uso do conhecimento científico para defender a saúde não é mais uma questão genérica, mas uma demanda finalizada que provem de um coletivo que, formado na e pela análise do trabalho, tomou consciência do valor da sua própria experiência.

    Assim, confrontado com perguntas novas, o perito geralmente descobre que não tem resposta:

    Tivemos que observar que os problemas que enfrentamos não eram compreensíveis nem com a linguagem médica, nem com a linguagem sindical atual.

    Tivemos que construir uma nova, que pudesse servir de interface entre a representação dos trabalhadores da condição de trabalho e o conhecimento da comunidade científica.

    É nessa nova experiência de dificuldades e incertezas que o especialista em saúde também toma consciência da natureza do seu conhecimento. Não se trata de uma fase solitária de reflexividade, mas de um confronto com uma realidade externa que se opõe a ele e o obriga a se questionar sobre seu conhecimento. A questionar os limites de uma linguagem científica, em particular médica e psicológica, estruturada numa decomposição em fatores. A formular, em consequência, um conceito de nocividade ampliada, no qual os fatores econômicos e sociais não são mais externos e adicionais, mas fazem parte integrante da nocividade real do trabalho, na medida em que atuam como verdadeiros multiplicadores da nocividade em decorrência da exposição.

    Em tais condições poder-se-á construir em todos os grupos envolvidos uma epistemologia crítica, por meio da comparação e conscientização do potencial e dos limites de cada uma das linguagens, e do reconhecimento das diferentes formas de acumulação de saberes: a experiência localizada, ideográfica, histórica e sistêmica dos trabalhadores, por um lado, e o conhecimento científico, a análise estruturada em categorias que pretende a generalização, dos pesquisadores, por outro. É por isso que se diz que a experiência encontra o conhecimento científico, enquanto simples respostas às perguntas que derivariam das hipóteses do projeto de pesquisa estão na ordem da coleta de dados.

    Torna-se claro, portanto, que, na dinâmica do encontro entre os trabalhadores e os especialistas, a não-delegação acontece nos dois sentidos, ou seja, o pesquisador também não pode delegar o processo da análise aos trabalhadores que trazem sua experiência. A não-delegação não significa, pois, um não-reconhecimento do valor do conhecimento científico. Pelo contrário: a questão é, para todos os grupos envolvidos, de assumir uma nova responsabilidade, tendo todos tomado consciência da diversidade das linguagens em jogo e dos seus limites, prontos, então, para mobilizar e experimentar a experiência coletiva de um novo poder de ação. Tal como é o trabalho, transformar o trabalho é, portanto, também uma aventura coletiva. Repensar as ferramentas teóricas não significa sentar-se numa mesa e refletir, mas se confrontar com outras pessoas que ingressam com toda a sua competência, social e científica, num espaço que Ivar Oddone define como Comunidade Científica Ampliada:

    Trabalhadores, estudantes, sociólogos, psicólogos, médicos, economistas, sindicalistas, magistrados, legisladores. . . se reúnem para discutir situações concretas e maneiras de fazer pesquisas.

    Eu chamo esses assuntos de especialistas em bruto. Homens nodais como mediadores de um novo pensável, de uma expansão do possível em relação a novos modelos de referência. Homens que tendem a estruturar as informações de maneira diferente na mente dos outros.

    O que está sendo formado é uma Comunidade Científica Ampliada, centrada nas relações sociais que giram em torno do problema e no objetivo da mudança.

    Uma comunidade, porque é um coletivo que realiza pesquisas não tradicionais e não disciplinares; ampliada, porque os trabalhadores fazem parte dela, mantendo seu papel e sua linguagem; científica, porque nunca abdica do método. Não há nada de espontâneo, nem nada de ingênuo. No âmago desse novo coletivo está a relação entre ciência e sociedade.

    A força transformadora da análise do trabalho realizada por uma Comunidade Científica Ampliada é bem diferente da de um conjunto de sugestões. Do ponto de vista psicológico, implica uma apropriação de poder, que muitas vezes a organização não tolera, porque pode pôr em causa a divisão entre aqueles que concebem a organização e aqueles que são obrigados a trabalhar dentro da estrutura definida. Uma divisão que, obviamente, não é exclusiva do trabalho operário e que se estende cada vez mais ao trabalho intelectual.

    A reflexão sobre a experiência italiana do MOI, expressa neste livro e nos importantes textos que acompanham esta sua nova edição, mostra que, na Itália e no Brasil, grupos de homens e mulheres agiram no seio de uma Comunidade Científica Ampliada, transformando o trabalho, a sociedade e a pesquisa científica. Traçando assim as linhas de uma democracia cognitiva ⁸ na qual a teoria e a ação social se entrelaçaram.

    Hoje, a ideologia neoliberal substituiu o homem-produtor por uma concepção estritamente técnica e funcional do trabalho, associada a uma precarização e a uma individualização extremas. Mas, mesmo quando o trabalho se torna uma aventura individual e os coletivos de trabalho parecem ter desaparecido, o trabalho mantém seu sentido coletivo através de grupos que se assumem:⁹grupos de convergência ideológica, grupos de luta por uma melhoria da qualidade do trabalho, grupos que se reconhecem em uma abordagem ecológica baseada no desenvolvimento sustentável.

    A aventura coletiva envolve hoje grupos de homens e mulheres que se relacionam através de novas formas, também através da web, no quadro de uma democracia cognitiva que entrelaça o desenvolvimento científico e o desenvolvimento social. Tal como Paulo Freire apontou, na construção do conhecimento e da autonomização pessoal e coletiva, a dimensão política é sempre imprescindível.

    Tradução de Leslie Ligas

    Revisão técnica de Marianne Lacomblez


    *Foi professora de Psicologia do Trabalho e das Organizações no Departamento de Psicologia da Universidade de Torino (1998-2015) e presidente da Sociedade Italiana de Ergonomia (1998-2004).

    †.Professora Catedrática Emérita, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.


    1. O livro publicado pela primeira vez em Roma pela Fiom-CGIL em 1969 e republicado pela Federação dos Metalúrgicos (FIM-Fiom-Uilm) em 1971. Em 1977, integrado às reflexões sobre a experiência desenvolvida nos anos anteriores, foi publicado pela Editrice Sindacale Italiana na versão que foi traduzida no Brasil em 1986 e agora está sendo reeditada.

    2. Oddone, I. Psicologia dell’organizzazione della salute. Formula, Anno XIX (5), 2002, pp. 39-47.

    3. Gallino, L. La lotta di classe dopo la lotta di classe. Torino: Laterza, 2012.

    4. Andéol, M. Le système d’information concret (SIC). In: A. Thébaud-Mony, P. Davezies, L. Vogel et S. Volkoff

    (eds.). Les risques du travail. Paris: La Découverte, 2015, pp. 447-50.

    5. Oddone, I.; Re, A. & Briante, G. Esperienza operaia, coscienza di classe e psicologia del lavoro. Torino: Einaudi, 1977.

    6. Oddone, I. Psicologia dell’ambiente. Fabbrica e territorio. Torino: Giappichelli, 1979.

    7. Oddone, I. Il problema dell’ambiente di lavoro in Italia. In: Butera, F. (ed.). Le ricerche per la trasformazione del lavoro industriale in Italia: 1969-1979. Vol. mon. Sociologia del lavoro, anno III, n.o 10-1, 1980.

    8. Oddone, I., & Re, A. Risque et démocratie. Prevenir, 24 (1.° semestre 1993), 1993, pp. 157-63.

    9. Gramsci, A. Quaderni del carcere. Ed. crítica de Valentino Gerratana. Torino: Einaudi (Q. 885), 1975.

    APRESENTAÇÃO

    David Capistrano

    Conheci o professor Ivar Oddone, um dos autores deste livro, em 1979. Realizava-se nos arredores de Roma uma Conferência Internacional de técnicos em saúde, que além da comum especialização tinham uma variada identidade de esquerda. Um ano antes, havíamos publicado no Brasil Medicina e política , de Giovanni Berlinguer, copresidente do evento (o outro era o professor Vicente Navarro, que lecionava em Boston, EUA). Em São Paulo, dávamos os primeiros passos no caminho de construir um pensamento e uma prática novos, progressistas e afinados com as aspirações dos trabalhadores no campo da saúde ocupacional.

    Ivar Oddone me impressionou profundamente. Foi fácil perceber que associava três qualidades que não se encontram amiúde reunidas na maioria dos intelectuais: sólida cultura, firme compromisso com os trabalhadores e agudo sentido de realidade, expresso na valorização da prática, da ação, do trabalho concreto. Convidei-o a vir ao Brasil, para relatar sua já vasta experiência de luta pelo saneamento dos ambientes de trabalho. Retrucou-me que não tinha interesse na viagem, pois a relação não seria de mão-dupla: estávamos apenas começando, não havia experiência para ser trocada: comparada. Devíamos antes acumular tentativas, bem ou mal sucedidas, para que visitas, deles e nossas, pudessem ser úteis e mutuamente vantajosas.

    Sete anos depois, por ocasião do lançamento da edição brasileira desse precioso Ambiente de trabalho, receberemos a CGIL (Confederazione Generale Italiana del Lavoro).Temos um acervo de realizações e iniciativas no terreno que começamos a lavrar em 1978.Publicamos livros, revistas, jornais e panfletos. Realizamos semanas de saúde do trabalhador, encontros e congressos. Fundamos entidades, como o Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisa da Saúde e dos Ambientes de Trabalho (Diesat). Muitos sindicatos criaram comissões específicas sobre saúde e utilizaram os instrumentos possíveis para estimular lutas nas empresas. Criamos Programas municipais e regionais de saúde do trabalhador. Em resumo: o movimento sindical, progressivamente, incorpora o tema da saúde e do ambiente de trabalho, o inclui nas plataformas de reivindicações, conquista seu reconhecimento nos acordos coletivos de trabalho. Concomitantemente, cresce o número de técnicos (médicos, enfermeiros, engenheiros, químicos, psicólogos, assistentes sociais etc.) capazes de abordar as questões da higiene e segurança dos ambientes de trabalho do ponto de vista de quem trabalha, e não mais do ponto de vista patronal, do Estado, de um pretenso interesse geral ou com imparcialidade.

    Mas o crescimento do movimento em defesa da saúde dos trabalhadores tropeça em quatro grandes obstáculos, que estão longe de terem sido removidos.

    O primeiro é a persistente dificuldade de enraizamento dos sindicatos nas fábricas, nos locais de trabalho. E sem esse enraizamento é simplesmente impossível desenvolver plenamente a luta contra a contaminação dos ambientes de trabalho, pela boa razão de estar com os operários parte do conhecimento específico necessário para detectar as condições nocivas e as formas de removê-las — além da força para impô-las.

    O segundo é a incompreensão, presente ainda em vastas parcelas do movimento sindical, sobre a natureza interna, orgânica, da relação entre as lutas reivindicatórias tradicionais e a luta pela saúde nos locais de trabalho. Um aspecto dessa incompreensão é a dificuldade de utilizar a luta pela saúde para organizar o sindicalismo nas empresas.

    O terceiro é a fragilidade da consciência ecológica, presente no movimento sindical dos trabalhadores e entre os técnicos e intelectuais. A ideia de que a degradação do ambiente natural e das cidades, a contaminação que atinge a todos enquanto consumidores e enquanto moradores, tem origem nos locais de trabalho — tanto historicamente como em termos práticos, quantitativos, hoje em dia — ainda soa como algo estranho à maioria dos ouvidos. Essa fragilidade contribui para a frouxidão dos laços que devem unir os movimentos dos trabalhadores e os dos ambientalistas, para o atraso da aliança do mundo do trabalho com o mundo da cultura e da ciência.

    O quarto — mas nem por hipótese o menos importante — é o raquitismo de nossa democracia, que se detém na porta das fábricas, na porteira das fazendas e até nos pontos de encontro dos trabalhadores rurais volantes. Dia 11 de julho, a polícia matou dois jovens em Leme, para reprimir um piquete pacífico. Dia 1.o de outubro o Exército (o Exército!) ocupou a Usina Siderúrgica de Volta Redonda, para reprimir uma greve de metalúrgicos. É preciso acrescentar alguma coisa?

    Este livro, publicado pela primeira vez na Itália em 1977, é ao mesmo tempo um valioso instrumento de trabalho prático e um importante testemunho da rica experiência de luta da classe operária e dos trabalhadores daquele país, pela saúde e pelo saneamento dos ambientes de trabalho. Nessa luta emergiram conceitos novos, que o livro torna acessíveis aos brasileiros:

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