O Ideal: Um estudo psicanalítico
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Sobre este e-book
pelo ideal e adoeçam gravemente, enquanto outros mantêm com ele uma relação capaz de fazer brotarem daí manifestações humanas
menos violentas?
Na tentativa de compreender essas questões, a autora busca – dentro das engrenagens da metapsicologia freudiana – circunscrever o campo do ideal em relação às suas condições de possibilidades, seu desencadeamento e suas consequências.
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O Ideal - Helenice Oliveira Rocha
AGRADECIMENTOS
Este livro é fruto de minha dissertação de mestrado – realizado no Programa de Pós-Graduação da Universidade São Marcos – defendida em 2008, sob a orientação do Prof. Dr. Daniel Delouya.
O reconhecimento de que várias pessoas, direta ou indiretamente, estiveram presentes na construção deste trabalho assume aqui a forma da mais sincera gratidão. Desejo expressá-la, de maneira especial,
Ao Prof. Dr. Daniel Delouya, pela generosidade em seus ensinamentos, pela delicadeza na condução da minha escrita e pelo carinho sempre presente em nossos encontros.
Aos professores do Instituto Sedes Sapientiae, Maria Cristina Perdomo e José Carlos Garcia, por tudo que me ensinaram.
Aos meus pacientes, por confiarem a mim seus mais profundos desconhecimentos.
Aos meus alunos, por manterem vivo meu desejo de aprender e de ensinar e aos meus supervisionandos, pela rica possibilidade de participar de seus cotidianos clínicos.
Aos colegas da Universidade Guarulhos, pelo respeito ao meu trabalho.
Aos meus filhos, Pedro e Júlia, pelo amor e confiança que nos unem e pela alegria diária que me proporcionam.
Ao meu marido, Florentino, pelos longos anos de sua presença amorosa, que permitiu construirmos tanto.
Ao querido Luís Henrique, pela companhia viva.
À Heloisa, Nana e Helenita, minhas irmãs, pelo amor de sempre.
À grande amiga Eloíse, pelo carinho de todas as horas.
Finalmente, expresso minha mais profunda gratidão aos meus pais, Maura e Noé (in memoriam), pela herança que me transmitiram por meio das mais belas lições sobre a vida.
PREFÁCIO
O ideal é aquilo que falta, ao qual o presente aspira e pelo qual se define e se justifica. Não seria essa lógica temporal do ser – predominante na filosofia e na religião e suas derivadas éticas – contrária à habitual concepção da Psicanálise, em que o presente só é inteligível pelas impressões do passado? Na Psicanálise dos primeiros tempos, os ideais configuram as coordenadas culturais e sociais do futuro para o qual o passado, por meio do presente, encontraria seu destino. A tradição orienta, guia e testa a sorte do passado para a inserção do sujeito no rumo certo
da cultura. Se a experiência é fruto de uma transformação do universo corporal – em sua tópica, dinâmica e economia – em formas de representação e de linguagem, do humano, o projeto destas é traçado pelos ideais. Não obstante, com a evolução da Psicanálise, Freud nota que o exaspero e o desamparo humano, surgindo de modo mais circunscrito e visível no início da vida, não se devem apenas ao despreparo do sujeito ante a força – com sua insistência e exigência – oriunda dos clamores do corpo. A pulsão disponibiliza-se ao trabalho da cultura (via seus representantes, o adulto: o outro) ao se entrelaçar em duas tendências opostas: de excitação e ruído – a vida – e, de outro lado, de retraimento para o silêncio – a morte.
A noção da construção da vida psíquica respeitando o balanço do intricar das pulsões forneceu certa maturidade na concepção sobre o alcance do avanço cultural. Os ideais passaram a abrigar em seu bojo um potencial de destrutividade nunca antes suspeitada. Depois do primeiro golpe da elucidação da sexualidade infantil, Freud, com o relevo conferido à pulsão de morte, efetua o segundo golpe sobre nossa ingênua crença nos bens da cultura. A dessexualização e as sublimações exigidas e impostas progressivamente pelos ideais têm, de um lado, acrescidas as inspirações (Laplanche) à vida em cultura, mas, de outro lado, levaram, como efeito da modernidade, a ultrapassar os limites de contenção do intricar das pulsões. Uma consequência que faz recrutar, nos sujeitos, meios compensatórios nas vias de gozo, amplamente assistidas no palco da vida moderna: a drogadição, as modalidades sadomasoquistas, a procura pela salvação em religiões pentecostais e as variadas novas formas de adoecimento. Sua maioria foi prevista no ensaio de Freud sobre o mal-estar na cultura. No cenário mais largo do contemporâneo, o desacordo do sujeito com seu tempo (Agamben) nunca esteve tão evidente. O quadro da apreensão bem-comportada da vida psíquica entre áreas do Isso, Eu e Supereu, nas quais reinam, respectivamente, os regimes da pulsão, percepção e ideal, precisou ser remanejado à luz da nossa clínica e vida contemporânea, pois estas assinalaram de modo mais agudo os efeitos do ideal, a cultura sobre os limites do homem e os perigos que ele corre com o avanço da cultura.
Nesse sentido, é extremamente bem-vinda a presente publicação, por meio da qual a autora, Helenice Oliveira Rocha, nos brinda com um estudo paciencioso, claro e bem construído sobre a questão do ideal, tendo como fio condutor a obra freudiana. Ao traçar a relação do ideal com o espaço original da vida psíquica, de desamparo e alucinatório, e as coordenadas para a construção psíquica, imersas nos aportes culturais e filogenéticos, assim como da relação do ideal com o narcisismo e com o seu Eu, Helenice guia o leitor para a compreensão de suas consequências na clínica e na cultura, seus benefícios e seus malefícios para o sujeito. A relação entre o ideal, a pulsão, a sublimação e a identificação adquire uma explanação bastante proveitosa.
A autora aproxima a contribuição freudiana sobre o ideal a outros conceitos de forma a fazê-los dialogar com os principais aportes pós-freudianos, de Klein, Lacan, Winnicott e Bion, além de outros mais recentes, de Green e Pontalis. A complexidade do tema e os elos e os liames que lhe são inerentes acaba sendo abordada com clareza, sem prejuízo para sua profundidade. Nesse sentido, o livro, originário de uma dissertação de mestrado defendida em 2008, presta um grande serviço para a interlocução atual entre a Psicanálise e os alertas crescentes do mundo atual que ocupam o pensar sobre a contemporaneidade.
Daniel Delouya
Membro efetivo e analista didata da SBPSP
INTRODUÇÃO: A IDEALIDADE E SUA COMPLEXIDADE NO CAMPO FREUDIANO
Em Psicanálise, quando nos dispomos a escrever sobre determinado elemento da teoria é porque, certamente, fomos de alguma maneira tocados por algo que surgiu a partir de nossa clínica. É no contato com as mais variadas expressões do sofrimento psíquico, vivido a partir de experiências que afirmam, incessantemente, a singularidade daquele sujeito com quem compartilhamos um espaço – este também singular – que nos inquietamos, a ponto de querer emprestar a tais inquietações a forma de um texto. Na clínica, no contato com o tão semelhante e, ao mesmo tempo, com o tão enigmático e desconhecido que se apresenta a nós, retiramos cotidianamente inspiração para, uma vez mais – e sempre – nos debruçarmos sobre o pensamento psicanalítico, nunca para explicar esses fenômenos, mas antes para nos alimentar das teorias, de maneira que elas possam, se devidamente metabolizadas, transformar-se em matéria-prima para a compreensão e o acolhimento da dor alheia. No espaço clínico, onde vivemos diariamente a constatação de que é por meio das emoções e das representações mais primitivas – por vezes desnorteadoras, porque brutais, e por vezes mais serenas, quando podemos alcançá-las em outro estado –, que pisamos no solo humano, para lá ouvirmos a pulsação da psique em sua originalidade.
É da problemática dos ideais que pretendemos nos ocupar neste trabalho, e foi dos meandros da clínica que surgiu esta questão. Entendemos a constituição da idealidade como contemporânea da própria constituição do psíquico, e por isso a vemos atravessando sempre – em algum nível – as problemáticas da clínica. Se o ideal repousa, como pretendemos demonstrar, no anseio pela busca de um estado pleno de felicidade, e se este é, afinal, o anseio último de todos os sujeitos, surge a questão: o que determina que alguns sejam sugados pelo ideal a ponto de adoecerem gravemente, enquanto outros mantêm com ele uma relação capaz de fazer brotarem daí manifestações humanas menos violentas?
Tentaremos garantir, ao longo deste trabalho, que a questão acima levantada não seja exatamente respondida, e sim permanentemente investigada, para que possamos, a partir dessa indagação, penetrar o corpo da teoria freudiana, para de lá extrair material que nos permita lançar alguma luz sobre a problemática dos ideais.
O tema dos ideais aparece ao longo da obra de Freud como um campo extremamente complexo, a ponto de vermos fundidos ou confundidos, em várias passagens, os conceitos de ideal e de superego, sem falar da indistinção entre eu ideal e ideal do eu. Além disso, sabemos que o ideal, alçado à categoria de um conceito em 1914, na primeira tópica, quando o tema do narcisismo foi abordado, não será o mesmo a reaparecer em 1923, na segunda tópica, por ocasião do texto O ego e o id (FREUD, 1987m), sendo aí entrelaçado, ao superego. Não é demais lembrar que a teoria das pulsões também não é a mesma nos dois momentos supracitados. Se mencionamos aqui a complexidade desse tema, é para frisar que o caminho escolhido foi um entre tantos outros igualmente possíveis de ser abordados.
Buscaremos nos mover dentro das engrenagens da metapsicologia freudiana para compreendermos o campo dos ideais a partir da experiência do homem em relação ao seu desamparo fundamental. Sobre a experiência do desamparo, configuramos o campo da idealidade em seu nascimento, de forma que no primeiro capítulo apresentamos a questão da idealidade para abarcarmos, no capítulo seguinte, as condições econômicas e negativas que sustentam este campo. Foi demonstrado como o desamparo é consequência da experiência de um excesso, suscitada pela desmesura pulsional, sensorial e objetal em função da inelutável realidade da ausência. Ou, como afirma Green (1988a), é o objeto primário que revela, principalmente em sua ausência, as urgências, as pulsões. Tivemos oportunidade de demonstrar que o trabalho do objeto, em sua função, com seus dois valores entrelaçados – compaixão e imitação –, buscará construir para o pequeno bebê um espaço e um contorno para sua aflição, além de fornecer a ele um estofo para o eu em construção. Esse trabalho do objeto é o que proporcionará ao sujeito a experiência de ver mitigada, um tanto, a distância entre o estado de desamparo e um tempo mítico venturoso de plena satisfação e quietude. Abordando a alucinação como um modo privilegiado do funcionamento psíquico e, portanto, de expressão da pulsão no início da vida, recortamos desse pressuposto teórico a tese que fundamenta o autoerotismo e a instauração da sexualidade como os próprios andaimes da idealidade. Sendo a instauração da sexualidade infantil, em sua forma perversa polimorfa, o que abre caminho para a emergência do eu e para a diferenciação das instâncias psíquicas, observamos uma vez mais que esse trajeto, até a experiência edípica, é todo sustentado pelo regime do ideal, que visa sempre à diminuição da distância – instalada no início da vida – entre o eu e o objeto primário.
No terceiro capítulo, tratamos da emergência do eu enquanto fenômeno também sustentado pelo suporte materno, e que tem como precursor o eu ideal, onipotente e pleno, também matriz para a idealidade. Demonstramos nesse momento do texto que o amadurecimento do eu ante a realidade é possibilitado pelas consequentes mudanças que o princípio da realidade acarreta, sobretudo a atividade representativa, que dará lugar à sofisticada atividade do pensamento. Nesse capítulo, reafirmamos a ideia do desamparo como experiência estruturante do eu, já que o eu-realidade primitivo será erguido à sombra do eu ideal. Mas também veremos que o eu-realidade, transformando-se no eu-prazer purificado, confirma novamente a natureza massacrante do ideal, que, como qualquer outra experiência fundada sobre o narcisismo, comporta a violência oriunda do apego ao mítico estado de plenitude e quietude absolutas.
Tendo demonstrado os primórdios da constituição do eu, passamos a abordar no quarto capítulo as protofantasias e as teorias sexuais infantis como suporte para os respectivos planos – geral e restrito – do projeto do ideal. Buscamos demonstrar que sobre o plano negativo da idealidade vem se sobrepor um plano positivo, o projeto edípico. Mas o projeto edípico, assim delineado, será determinado e sustentado por dois eixos: as trilhas filogenéticas e o trabalho empreendido pelo ambiente. Outra maneira de