Discover millions of ebooks, audiobooks, and so much more with a free trial

Only $11.99/month after trial. Cancel anytime.

Vidas fora do radar: sob o céu de uma Amazônia sem lei
Vidas fora do radar: sob o céu de uma Amazônia sem lei
Vidas fora do radar: sob o céu de uma Amazônia sem lei
Ebook92 pages1 hour

Vidas fora do radar: sob o céu de uma Amazônia sem lei

Rating: 0 out of 5 stars

()

Read preview

About this ebook

Vidas Fora do Radar é uma obra ficcional, que tem como pano de fundo a aviação civil na Região Amazônica. Narra a história do encontro de cinco personagens a partir do desaparecimento de uma criança no terminal de embarque do Aeroporto Eduardo Gomes, em Manaus, capital do Amazonas. A trama revelará um jogo de interesses pessoais, ora confusos ora mesquinhos, envolvendo o contrabando de pedras preciosas, sequestros e amores mal resolvidos, numa investigação empreendida por um policial emocionalmente confuso e saudoso de um amor juvenil. São pessoas invisíveis para o estado, tentando reconstruir as suas vidas, enquanto uma pandemia afeta o planeta.
A Amazônia se revela neste livro como um lugar onde todos fazem as suas regras, conforme os próprios interesses, na busca pela riqueza, sobrevivência ou simplesmente satisfazer uma fantasia pessoal.
O autor construiu a obra a partir de suas experiências vividas no trabalho com a aviação. A ideia é despertar no leitor a imaginação sobre as riquezas existentes na floresta amazônica, como são negociadas e contrabandeadas e, por outro lado, como se opera a aviação, em sua precariedade e pelas longas distâncias para se chegar a um destino – viajar pela Amazônia é uma Aventura, muito além de uma simples partida ou chegada.
A leitura deste livro é a certeza de embarcar num voo para uma inesperada aventura em terras desconhecidas, com risos, indignação e fortes emoções.
LanguagePortuguês
Release dateSep 29, 2021
ISBN9786589873884
Vidas fora do radar: sob o céu de uma Amazônia sem lei

Related to Vidas fora do radar

Related ebooks

General Fiction For You

View More

Related articles

Reviews for Vidas fora do radar

Rating: 0 out of 5 stars
0 ratings

0 ratings0 reviews

What did you think?

Tap to rate

Review must be at least 10 words

    Book preview

    Vidas fora do radar - Samuel Quintino Dutra

    Capítulo I - A partida de Ester

    A madrugada estava quente, ainda que houvesse previsão de chuva. Ester, agora nos seus quarenta e oito anos de idade, estava se preparando para o novo desafio que se apresentava à carreira, tão calejada, de professora de ensino fundamental. A demissão repentina da escola que se dedicara, exclusivamente, por doze anos, em plena pandemia, não estava em seus planos, mas como toda mulher batalhadora, entre milhares de provedoras do lar, conseguiu um trabalho no interior do Amazonas, na cidade de Envira, perto de seus pais, de onde havia saído há mais de vinte e cinco anos.

    O apartamento comprado no Conjunto João Bosco, no bairro de Flores, Zona Sul de Manaus, representava uma vitória, depois de anos morando em quitinetes baratos. Quase que imediatamente após a separação, as coisas começaram a melhorar, para depois estagnar impotente diante das diversas crises políticas.

    Na bagagem, além dos sonhos sufocados pela cidade de Manaus, levava a esperança de um futuro, talvez, não muito melhor para aquela localidade. Por outro lado, uma teimosia mental limitava a imaginação: quem sabe uma nova oportunidade surgisse nas últimas horas? ou um e-mail chegaria para chamada de uma entrevista?, mas parecia ser uma interminável maré de azar, somada a toda a conjuntura pandêmica, retirando-a forçosamente da capital amazonense.

    Fora da bagagem, a carga de responsabilidade não a deixava dormir. A todo instante, pensava em Karen, agora, com 19 anos. Ficaria sozinha naquele apartamento, não podendo largar a faculdade de Psicologia — condição para um futuro melhor. Não havia se preparado para aquela ocasião. Em mente, pensava na filha exposta a toda violência, um relacionamento amoroso ou uma gravidez inesperada. Eram hipóteses que o choro contido semeava incertezas em seu coração. Olhando para o outro lado, dormia inocente e sonhador, o pequeno Ruan, de 13 anos de idade, dono de um belo par de olhos castanho claros e de um sorriso acolhedor, capaz de despertar em sua mãe todo o amor do mundo.

    Karen ficaria e Ruan iria. Em seu antigo trabalho, na Escola Lourinilda Fernades, tinha o privilégio de remir o filho das mensalidades enquanto era professora — o que não seria mais possível arcar. Não lhe restou alternativa, senão levar o filho menor, junto, para o interior. Mesmo sendo para uma escola pública, sem muitos recursos, bastaria poder observá-lo e cuidar de perto de seu desenvolvimento educacional. Afinal de contas, ela era professora e saberia muito bem aproveitar o tempo livre como, também, consolá-lo da falta do passado deixado para trás e de sua irmã, quando as memórias viessem à tona.

    Não fez questão de dramatizar muito a partida. Passou a noite revisando os documentos que apresentaria no novo trabalho e na viagem. Ligou para a mãe, confirmando a hora que a aeronave pousaria, após mais de cinco horas de voo. Refez as contas enquanto arrumava as malas. Olhou a porta entreaberta, viu Karen dormindo, o coração veio à garganta e voltou. Procurou não fazer ruído algum para não acordar o caçula, era fundamental o seu descanso naquele momento para melhor proveito da viagem.

    Antes de amanhecer, uma oração para dar sorte. A pequena família se dividiria pela primeira vez, depois de sumiço de seu ex-marido. Deu os últimos conselhos à filha, tomaram o café da manhã e se abraçaram fortemente. Um passado deixado e um futuro, de aventuras, em terras distantes se aproximava. Desceu com as malas para a calçada, em frente ao bloco onde moravam, e pediu a filha que subisse, para que ninguém a notasse só no apartamento, a partir de então.

    O táxi parou, exatamente às seis horas e quarenta minutos. Olhou para a janela e deram o último Adeus. Ester colocou as duas malas com a ajuda do taxista dentro do porta-malas e entrou com Ruan no veículo. Sentaram-se no banco de trás. Agora, por um longo tempo, seriam só os dois, um pelo outro.

    Chegando ao Aeroporto Internacional Eduardo Gomes às sete horas da manhã, o motorista se dirigiu ao embarque menor, popularmente conhecido como Eduardinho. Ester desembarcou as malas e pegou os bilhetes em mãos. Atravessou o saguão com as bagagens no carrinho com a mão direita e segurando Ruan com a sua esquerda.

    Apesar das previsões, o dia estava ensolarado e o voo era um convite para uma vista panorâmica, de mais de mil e trezentos quilômetros, sobre os rios e a floresta amazônica. O azul do céu, as suas nuvens a perder de vista, a sombra da floresta abaixo, dava uma sensação de paz, de retorno à antiga casa dos seus pais, depois de anos de cansativa luta.

    — Senhora, a Khalil Táxi Aéreo agradece a sua escolha de voar conosco! Bilhetes e identificação para embarque, por gentileza? — A atendente de solo Gisele, alta, magérrima, maquiada e uniformizada contrastava com os passageiros enfileirados em frente ao guichê de despacho de bagagens.

    — Sim senhora, aqui está! — Entregou Ester o seu RG e a Certidão de Nascimento à atendente.

    — Senhora, temos um problema aqui. O seu filho não poderá embarcar, ele já completou 13 anos e conforme Norma da ANAC, será necessário apresentar o RG, a Certidão de Nascimento não será aceita! A senhora a trouxe?

    — Mas a Senhora não pode fazer isso! as passagens foram pagas e ninguém me avisou dessa exigência. Meu filho completou 13 anos há uma semana, eu já havia comprado sem esse aviso. Os documentos aqui nas minhas mãos comprovam que é meu filho, ele mesmo pode dizer isso a Senhora! — Já com a voz embargada, pelo nervosismo repentino, Ester respondeu não acreditando no que estava acontecendo.

    Pediu para falar com o piloto, mas este apenas confirmou a informação da Agência de Aviação Civil. Tentou contato com a própria ANAC, mas recebeu como resposta que a agência não poderia se responsabilizar pelo embarque, que o atendimento via telefone não permitia tomar tal decisão. Voltou-se para Gisele e tentou argumentar, dizendo desconhecer a norma e não ser viajante habitual. A atendente entrou em contato com o Sr. Khalil, dono da empresa, porém, irredutível, sabendo do assento livre, tendo um passageiro de última hora para adentrar a aeronave, fez vista grossa para a dor da pobre mãe, já chorando enquanto desfazia as malas.

    Olhou a fila, já se encaminhando para o Cessna208, Caravan, com as hélices a todo o vapor, abafando os ruídos que ali tentavam rivalizar. Não haveria alternativa menos dispendiosa, a não ser deixar o filho! Com as malas abertas, os dois começaram a agonia de refazer as bagagens, enquanto ela mantinha o celular apoiado pelo queixo. Disse a Karen para não ir à faculdade naquele dia

    Enjoying the preview?
    Page 1 of 1