Jornais no Ensino de Português como Primeira e Segunda Língua: Desafios Teóricos e Práticos
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Jornais no Ensino de Português como Primeira e Segunda Língua - Lucimar Luisa Ferreira
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
Aos meus pais: Valdivino Martins Ferreira (in memoriam) e
Sebastiana Luiza Ferreira
PREFÁCIO
Escreveu Carlos Drummond de Andrade:
Escolhe teu melhor diálogo,
Tua melhor palavra
Ou teu melhor silêncio...
Nesse caso, eu não tenho a escolha do silêncio, mas sei que ele significa antes da palavra, tanto que qualquer palavra que eu escolha não será o bastante para dizer da minha lisonja. busquei esta palavra antiga de modo que, ao atualizá-la, eu possa dizer do meu prazer vaidoso
em ter recebido o convite para prefaciar este livro. Assim, é pela palavra, palavra escrita que materializa, registra, documenta, que eu me manifesto.
Tentarei escolher a melhor palavra
, aquela ou aquelas que significa(m) a minha/a nossa profissão de professoras e as relações que ela vem estabelecendo, há mais de 30 anos, desde o nosso encontro em sala de aula na, então, Escola Municipal São João Batista, em Cascalheira-MT; ela estudante de quinta série, e eu, professora de língua portuguesa, principiante e destemida.
Talvez Sartre tivesse razão ao dizer que "as emoções são as cores do pensamento", pois é a emoção que sinto à medida que escrevo que, de certa forma, dá cor e corpo às minhas palavras e deixa falar junto o coração, até porque as palavras são apenas as bordas das cores dessas lembranças que não deixamos no passado, pois, de lá para cá, a nossa história vem sendo colorida em diversas nuances.
Estivemos um tempo separadas, cada qual construindo o seu percurso, mas os objetivos comuns colocaram-nos juntas novamente. em 1992, reencontramo-nos na mesma posição em sala de aula, só que, dessa vez, como colegas na graduação em Letras, e seguimos unidas no mestrado e doutorado em Linguística. Contudo, além da ciência, nós criamos sempre o espaço da amizade, do companheirismo, do afeto.
Os acontecimentos não se dão involuntariamente, eu sei, eles se instauram com base em fatos históricos, sociais, ideológicos. Funcionam dessa maneira com as pessoas e, consequentemente, com a língua que as constitui, a língua portuguesa liga-me de vários modos à Professora Lucimar. é como se ela instituísse a nossa relação. E os processos históricos, como se sabe, são, sempre, continuidade e transformação.
Pensando no percurso histórico, posterior aos estudos meramente gramaticais, a noção de texto e ensino de língua portuguesa sofrem mudanças conforme o avanço das pesquisas linguísticas. Na atualidade, há um discurso praticamente hegemônico entre especialistas de que o texto é a matéria-prima do ensino da língua, quais sejam os gêneros textuais. Embora as concepções de gênero sejam diversas, muitos pesquisadores parecem convergir para a necessidade de a leitura e a escrita de gêneros variados serem o foco do trabalho didático-pedagógico junto à língua. Assim, se até recentemente a discussão se pautava em ministrar ou não aulas de gramática, temos, agora, a definição consensual de um novo
objeto de ensino, o texto/os textos vinculados aos gêneros textuais/discursivos.
O fato é que os conteúdos trabalhados em sala de aula não são puramente metalinguísticos. Por exemplo, uma aula de adjetivos nunca é apenas uma aula de adjetivos. Como bem refletiu o mestre Paulo Freire (2011b, p. 97-98): [...] a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica um constante ato de desvelamento da realidade; é preciso problematizar situações, desnaturalizá-las
. Esse deve ser o objetivo de um trabalho que privilegie a reflexão dos textos/discursos que materializam gêneros textuais/discursivos.
Ensinar língua portuguesa exige a lucidez de que a promoção da ingenuidade para a criticidade não se dá automaticamente
, constituindo-se tarefa educativa precípua para o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil
(FREIRE, 2011a, p. 33). Nessa perspectiva, a Análise de Discurso (ORLANDI, 2002) oferecerá ao estudante diferentes possibilidades de explorar a língua em seus diferentes efeitos de sentido, em situações da prática oral e escrita. Sob esse ponto de vista, o sujeito, ao estudar a língua, passaria a compreendê-la não só por meio das nomenclaturas da gramática normativa, mas também por intermédio da sua leitura de conhecimento do mundo e das suas vivências cotidianas.
Pois bem, os artigos que a Professora Lucimar reúne neste livro se sustentam nesse arcabouço teórico, que considera a materialidade do objeto, a língua, vinculado à exterioridade quando ela propõe substancialmente as aulas de língua portuguesa como práticas de linguagem, ocupando-se de experiências da realidade, do cotidiano, da arte e da literatura, das linguagens, em geral, como, por exemplo, o trabalho com jornais, explorando, assim, o universo discursivo presente nesse domínio, sem negligenciar as experiências sociais, linguísticas e subjetivas, produzindo o espaço da autoria tanto para os estudantes, quanto para si, como prova as experiências relatadas neste livro.
Além do mais, a autora toma o ensino da língua portuguesa ampliando as lentes para a relação com outros povos, outras línguas, especialmente indígenas, na prática, ou melhor, na construção da experiência em ambientes diversos, em aldeias: 1- no projeto Aranowa`yao, com os Tapirapé, estudantes do ensino médio da Escola Estadual Tapi`itãwa – Terra Indígena Urubu Branco – município de Confresa - MT; 2- no projeto Ibaorebu, em que trabalhou com estudantes/professores do povo Munduruku, no Projeto de Ensino Médio Integrado, aldeia Sai-Cinza/PA; 3- com graduandos indígenas da Faculdade Indígena Intercultural (Faindi) – Unemat – Barra do Bugres - MT.
Tanto no nosso universo quanto no encontro com espaço e sujeitos diferentes, a autora estabelece uma ruptura com o imaginário de ensino de língua como ensino de Gramática Normativa, o que não quer dizer rompimento com esta eficácia das competências linguísticas.
Que não se prenda o leitor, neste texto de abertura, pois, de certo, o